sábado, 22 de setembro de 2012

Pão de Como e de chuva


Chove. Finalmente. Não que eu reclame dos dias de céu azul de brigadeiro e sol no meu quintal. Mas minha pobre pele seca e branca feito lençol agradece alguns momentos frescos embaixo de um telhado, e uma desculpa para não deixar meu moleque branquelo-bicho-de-goiaba tostando lá fora enquanto corre atrás de formigas. (Ele ainda não foi picado por nenhuma, e fico só esperando o momento em que ele vai aprender que formigas não são assim tão divertidas.)

Acho difícil pensar num cheiro mais relaxante que o de terra molhada de chuva. Senti falta disso. Tantos anos acostumada ao cheiro do asfalto quente exalando vapores sob a chuva fria. Esse perfume fresco da grama molhada agora me é tão querido talvez por ser tão nostalgico. Por lembrar os fins de semana frustrados na chácara, com oito anos, quando tudo o que eu queria era sair para brincar, mas chovia. As árvores e verduras lá fora pareciam aliviadas, refrescadas, suspirando. Algumas gotas gordas produziam ruídos estalados ao se chocarem com folhas maiores e mais espessas. Do lado de dentro, protegidas pelas paredes de tijolos, duas crianças, dois pais e dois avós procuravam o que fazer para se entreter numa casinha bastante pequena. Se fosse domingo muito cedo, eu assistiria ao Globo Rural na nossa televisãozinha portátil de 13 polegadas. Se fosse mais tarde, sentaríamos à mesa de jantar e jogaríamos rouba-monte com meus avós. Ou poderia levar minhas revistinhas de colorir para o terraço e ficar ali mais perto do que estava lá fora, mas ainda sob a proteção do telhado, maldizendo a brisa fria e úmida que virava as páginas da revista.

Talvez por isso eu passe boa parte do meu dia com essa sensação de estar quase de férias. Mesmo não estando numa chácara. Mesmo sendo uma casa de condomínio, cercada imediatamente por outras casas, é frequente esse sentimento de isolamento silencioso, o perfume das plantas, o ar com cheiro de ar, o céu imenso e horizontal sobre a minha cabeça.

Aliás, retiro o que eu disse – principalmente num dia de chuva, é fácil pensar num perfume relaxante: pão quente recém-saído do forno. Este, do excelente livro The Italian Baker,  eu já havia feito outras vezes, mas como nunca me lembrava de começar o fermento na noite anterior, acabava optando pelo menor tempo de fermentação indicado na receita. Grande erro. Ele fica tão melhor fermentando durante a noite; sua massa fica mais leve, saborosa e com mais estrutura, crescendo mais, dourando melhor e criando uma casca mais quebradiça. Delicioso no café da manhã preguiçoso, com requeijão (ando com vontade do meu requeijão caseiro) ou numa bruschetta na hora do almoço. Excelente amanhecido numa pappa al pomodoro ou numa panzanella.

Mas então pára de chover de novo. O pequeno maratonista de corredores acorda e saio eu correndo também atrás dele, antes que ele escale a mesa de centro, dê uma vassourada no cachorro (ele oscila entre vassouradas e abraços no bicho, e o Gnocchi, coitado, não entende lhufas) ou arranque meu manjericão da terra, com raiz e tudo. E o cliente liga querendo fazer um conference call com mais meia dúzia, e lá estou eu discutindo briefing, arrancando a vassoura da mão do moleque e tentando fazer o cachorro parar de comer as folhas do meu pé de berinjela. E a sensação de férias desaparece. Ainda bem que tem pão quentinho. 

PANE DI COMO
(do ótimo e recomendado The Italian Baker, de Carol Field)
Tempo de preparo: 4-8 horas para a esponja, 2h30 fermentação, 1h de forno
Rendimento: 2 pães redondos, médios

Ingredientes:
(esponja)
  • 1 colh.(chá) fermento biológico seco
  • 1 colh. (chá) extrato de malte
  • 1/3 xic. água morna
  • 2/3 xic. leite, em temperatura ambiente
  • 1 xic. menos 1 colh. (sopa) (aprox. 135g) de farinha de trigo orgânica
(massa)
  • 2 xic. (480g) água, em temperatura ambiente
  • cerca de 6 1/4 xic. (860g) farinha de trigo orgânica
  • 1 colh. (sopa) sal

Preparo:
  1. Numa tigela média, misture o fermento, o malte e a água. Deixe descansar por uns 10 minutos, ou até que espume. Junte o leite e a farinha e mexa com uma espátula ou colher de pau, até que fique bem homogêneo. Cubra com filme plástico e deixe em temperatura ambiente por no mínimo 4 horas, mas preferencialmente durante a noite. (Se a noite estiver quente, acima de qualquer coisa entre 19 e 21ºC, use água fria e leite gelado, para retardar a fermentação.)
  2. Se estiver fazendo o pão à mão, junte a água à esponja e misture e aperte entre os dedos, para dissolver a massa. Misture o sal à farinha e vá acrescentando dessa mistura à esponja cerca de 2 xic. por vez, mexendo bem a cada adição. Quando a massa estiver muito difícil de mexer com uma colher, comece a sovar com as mãos, acrescentando o restante da farinha com sal aos poucos. Sove bem por 4-5 minutos, até que esteja elástica, mas ainda úmida e ligeiramente pegajosa. Bata a massa vigorosamente contra a bancada, para desenvolver o glúten. Forme uma bola.
  3. Se estiver fazendo o pão na batedeira planetária, junte a água à esponja e bata com a pá em velocidade baixa até dissolver a esponja. Junte a farinha e o sal e misture por 2-3 minutos, até formar uma massa. Troque para o gancho e bata em velocidade média por cerca de 3-4 minutos, até que a massa esteja elástica mas ainda úmida e ligeiramente pegajosa. Termine de sovar à mão, polvilhando com pouca farinha para formar uma bola. 
  4. Coloque a bola numa tigela grande, untada de azeite, e cubra com filme-plástico. Deixe fermentar por cerca de 1h30, até que dobre de tamanho.
  5. Corte a bola em duas partes e forme duas bolas iguais. Coloque as bolas de cabeça para baixo em 2 tigelas iguais (de uns 20-21cm de diâmetro), forradas com panos de linho muito bem enfarinhados. Cubra com outros panos e deixe que fermentem por mais 1 hora, ou até que dobrem de tamanho, preenchendo bem as tigelas. 
  6. Trinta minutos antes das massas terminarem de fermentar, ligue o forno a 205ºC, com a pedra dentro. Na hora de assar, polvilhe a pedra com farinha de trigo ou, preferencialmente, de milho. Com cuidado, inverta as tigelas sobre a pedra, retire os panos e feche o forno. Asse por 1 hora, ou até que estejam dourados e soem ocos ao bater-lhes os nós dos dedos na parte de baixo.
  7. Dica: não ligue muito para o tempo de fermentação, e fique mais de olho no tamanho das massas; os pães que fiz que fermentaram por mais tempo – esponja durante a noite, e às vezes meia hora a mais em cada fermentação – criaram mais estrutura e não espalharam tanto dentro do forno, ficando mais altos. Com fermentação muito curta, eles espalham um bocado, e já aconteceu de meio que quererem "escorrer" para fora da pedra.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Frenesi e conservinha de abobrinha


O quintal era feiosinho, até minha sogra aparecer com um lindo manacá que não pára de florir. Então, num frenesi de plantação, plantei gardênias. E romã, e meu pé de maracujá moribundo que me segue desde o primeiro apartamento. E um pessegueiro cujo galho solitário comprei por uma ninharia e achei que fosse morrer em uma semana, mas que está repleto de novos brotos. E como forração do vaso amplo, plantei alfaces e rúcula, para colher logo. E também num outro vaso grande, onde plantei duas batatas que estavam brotando na cozinha. E usei as jardineiras velhas e abandonadas que vieram com a casa para plantar minhas ervas: alecrim, cebolinha, sálvia, manjericão, tomilho, coentro, manjerona e duas mudinhas de espinafre, que a moça me garantiu que cresceriam a ponto de não precisar mais comprar espinafre na feira. As duas mudinhas de morango também me paqueraram direito, e ganharam uma jardineira com sol matutino e temperaturas amenas no terraço. E plantei berinjelas. E pitanga, que minha mãe plantou de uma sementinha que lhe dei, vinda de uma pitanga roubada de calçada de São Paulo. E uma enorme muda de limão siciliano, e uma pequenina de mirtilos. No fim do ano, o limão ganhará como forração em seu imenso vaso sementes de radicchio de Treviso, que minha cunhada me deu. As sementinhas de manjericão genovês já brotaram, e esperam o momento certo de serem transplantadas, para o mesmo vaso onde plantarei meus tomates (um repele a praga do outro). Ainda não sei onde colocarei os feijões rajados que germinaram num vidro na cozinha e as favas que estão chegando pelo correio, junto com os tais tomates (variedades selvagens, diferentes), os rabanetes-melancia, o tomatillo mexicano, o manjericão tailandês e as acelgas coloridas. Fiz um enorme vaso de melissas, confundindo com um de hortelã, e depois fiz um de hortelã, agora sim ele mesmo. Plantei begônias num canto sombreado. Há ainda uma bandejinha de pimentas sortidas que serão semeadas, pois eu quero mudas de jalapeño e habanero. E ainda quero plantar abobrinhas, muito mais pelas flores frescas que pelas ditas-cujas.



Frenesi de plantação.
E tem meu pinheiro, minha tuia-maçã, que está entrando no lugar de uma touceira que só servia para acumular aranhas e pernilongos.

Quem lê, pensa que moro num sítio. Quem me dera. Meu frenesi é em vasos, todos acumuladinhos contra as paredes ensolaradas. Vamos ver no que vai dar. Adoraria ter uma produção tão prodigiosa de frutos ou legumes a ponto de precisar produzir conservas para não colocar a perder os alimentos. No entanto, sei que se minhas duas mudinhas de berinjela produzirem cada uma um único fruto, ficarei um bocado contente.

Enquanto isso, minhas conservas vêm de geladeira cheia. É o que dá quando você diz aos amigos e família que podem "trazer o que quiserem para colocar na grelha", e, todos muito generosos trazem o bastante para cada um produzir seu próprio churrasco veggie. A geladeira lotou e quem me conhece sabe que geladeira cheia me dá siricutico. Daquelas que você abre a porta e não enxerga o que está no fundo. Você sabe que não vai dar tempo de consumir tudo, e se há algo que me enerva profundamente é jogar comida fora. Num ponto que já cheguei a usar a sardella que sobrou de um encontro com amigos como molho de macarrão. Só para não ir para o lixo. (Daí que pretendo me arranjar um minhocário, para unir o útil ao agradável, e o que não virar molho de macarrão ou caldo de legumes, pelo menos vira composto para adubar o jardim e, quem sabe, produzir mais de uma berinjela por muda.)

Nisso, me vi com uma braçada inteira de abobrinhas e lembrei imediatamente de uma conservinha rápida (rápida de fazer e de consumir) da Marcella Hazan, que sempre quisera preparar. Fiz o dobro da receita e ficou uma delícia (a transcrição abaixo é da quantidade original da receita), apesar de ter usado vinagre branco, pois não havia do tinto na despensa. A hortelã veio direto do quintal, essa sim, quentinha de sol e tinindo de fresca.

Retire as extremidades de meio quilo de abobrinhas, e corte-as em palitos finos, de de uns 6-7cm de comprimento. Coloque em uma frigideira grande com 1/3 xic. de azeite de oliva, 1/3 xic. de vinagre de vinho tinto (ou branco, como usei), 3 dentes de alho descascados e meio amassados e sal a gosto. Leve ao fogo baixo por cerca de 30 minutos, ou até que todo o vinagre tenha evaporado e as abobrinhas estejam macias, mas ainda um pouco firmes. Você vai saber que o vinagre evaporou porque o óleo que sobra começa a dourar os vegetais. Coloque numa tigela e misture a umas 10 folhas de hortelã fresca. Essa não é uma "conserva" propriamente dita, de meses ou de prateleira de armário: pode ser consumida na hora ou ficar até uma semana na geladeira, coberta.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Muttar Paneer e birra de criança


E quando você tem um blog de culinária há tantos anos que já não se lembra de ter ou não publicado uma receita? Isso acontece com frequência comigo quando se trata de pratos que já preparei várias vezes. Não consegui encontrar no blog nenhuma referência a mutaar paneer, mas se parecer familiar a alguém, considere isso um reforço na minha recomendação. ;)

Adorei o conceito desse prato desde a primeira vez que vi Nigella preparando-o em seu programa de TV, e adorei ainda mais quando o fiz em casa, a primeira, a segunda e a décima oitava vez. É rápido, prático, e costumo ser tendenciosa no meu julgamento de qualquer coisa que tenha sotaque indiano.

Thomas, que desde as papinhas come temperos fortes como curries e pimentas, não estranhou. Comeu metade do prato com gosto, mas depois fez birra e não quis sobremesa. Simplesmente tirei o prato dele, lavei suas mãozinhas e deixei que saísse para brincar. Sem estresse.

O que me fez lembrar de quando ele fez birra a primeira vez. E como fiquei maluca com isso. O choro histérico (de mãe e filho), a comida no chão, a colher voando longe, e eu sem entender por que diabos meu filho recusava algo que até o dia anterior ele comera com gosto.

Isso passou.

Não a birra. O drama.

Birras existem e sempre vão existir. Um dia, é sono. Esse é fácil de reconhecer: não quer comer (nem mesmo a favorita e irrecusável banana), não quer beber água, no colo está ruim, no chão está pior. Chupeta e berço. Resolvido. Come um lanche reforçado quando acordar.

Noutro dia, é o dente. Qualquer comida que ofereça a menor resistência machuca. Irrita. Não quer comer, não quer colo e colocar no berço achando que é sono piora as coisas. Choro incessante. Pura histeria. Sofá e desenho. Distrai da dor. Resolvido. Mamãe faz um arrozinho com tomate, bem molinho, gostoso e fácil de comer, de jantar.

Num terceiro dia, é simplesmente falta de apetite. Porque adulto às vezes está sem fome, e olha para a comida e não quer nada. Tem dia em que ele comeu meio pãozinho a mais no café da manhã e na hora do almoço não tem fome. Brinca com o garfo, tira a comida do prato e coloca na bandeja do cadeirão, aperta nos dedos, bota de volta no prato. Comer, nada. Dois bocadinhos, se tudo isso. Ele se diverte, mas não come nada. Sem drama. Tira o prato, deixa a criança sair pra brincar. Lanchinho reforçado depois. Resolvido.

Às vezes, pelo meio da refeição, a birra vem. Brincadeira com a comida, garfo jogado no chão, prato virado ao contrário. Não é sono, não é dente, não é falta de apetite. É frustração. Frustração porque quer comer sozinho mas a mãe não está deixando, ou frustração porque quer comer sozinho mas suas habilidades ainda são parcas e dá muito trabalho colocar o arroz na colher e a colher na boca sem derrubar tudo pelo caminho. Nessa hora, pergunto: "posso ajudar?", e tento pegar o garfo da mãozinha dele. Se ele deixar, ele come ainda boas garfadas com mamãe ajudando.

Ou, para distrair da brincadeira da comida, de fazer montanha com purê de batata, basta um copo d'água. E, saciada a sede, ele volta a comer.

Ninguém está morrendo de fome, ninguém está desnutrido, ninguém deixa de comer a coisa certa na hora certa. Mas, principalmente, ninguém está estressado: nem mãe nem criança.

Normalmente, a não ser que o atirador de garfos tenha feito muita porcaria com sua comida, simplesmente guardo o pratinho na geladeira e dou de novo no jantar. Quase sempre ele come aquilo que ele recusou no almoço. Principalmente se eu, espertalhona, jogar algumas uvas-passas no meio (que o bicho adora) para abrir-lhe o apetite.

Então deixo aqui essas duas dicas. Claro, nem toda criança é igual. Mas birra de criança na hora de comer irrita qualquer mãe. Se você começou a lidar com isso pela primeira vez, a primeira dica: não estresse. Quanto mais irritada você ficar, mais a criança vai captar essa irritação e responder a ela. Não quer comer, não come. Come depois. Come amanhã. De modo geral, criança com fome come. A não ser que ela esteja incomodada com outra coisa (sono, dente, fralda cheia, etc...) ou que a comida seja difícil de ela comer (alface para quem não tem molares, por exemplo). Thomas detestava feijão quando menor, porque não conseguia triturar a casca do feijão e se engasgava. Hoje come qualquer tipo. Ainda não é fã de grão-de-bico, que é mais firme. Num dia ficou irritado por não conseguir comer milho. Na semana seguinte, andava por aí com a espiga na mão, metendo-lhe os dentinhos.

E sim, no dia seguinte, Thomas comeu todo o seu mutaar paneer.

E a segunda dica é: faça muttar paneer. Já fiz duas versões: a de um livro indiano, com mais ingredientes e etapas, e a versão adaptada da Nigella, que eu, no meu direito, adapto também. Como nunca tenho extrato de tomate, uso um ou dois tomates de alguma lata que eu tenho aberto. Nunca uso caldo de legumes, não precisa, o prato já é saboroso só com água. E uso queijo-coalho no lugar do indiano paneer, sempre com sucesso. Aliás, ele é ótimo para substituir o grego haloumi também. Não é a mesma coisa, mas tenho um amigo que fazia o inverso: morando em Londres, desejando queijo-coalho, usava o haloumi no lugar.

MUTTAR PANEER
(Adaptado do livro Feast, de Nigella Lawson)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 250g queijo coalho (retire os palitos, se houver, e corte em cubos pequenos)
  • 1 cebola, picada
  • 2 dentes de alho, picados
  • Gengibre fresco (cerca de 2,5cm), descascado e picado
  • 1 colh. (chá) garam masala ou curry em pó
  • 1 colh. (chá) cúrcuma
  • 350g ervilha congelada
  • 1 tomate fresco bem maduro picado ou retirado de uma lata
  • 250ml água
  • óleo vegetal

Preparo:
  1. Aqueça um fio de óleo numa frigideira ou panela grande. Doure o queijo no óleo, tomando cuidado, pois pode espirrar um pouco na hora de virar os cubinhos. Retire os queijos dourados com uma escumadeira e reserve. 
  2. No mesmo óleo (acrescente mais um fio, se precisar), refogue a cebola, o alho e o gengibre até que fiquem macios. Tempere com um pouco de sal e junte o garam masala e a cúrcuma. Mexa bem, deixando os temperos tostarem um pouco no óleo, por 1-2 minutos.
  3. Junte as ervilhas, mexa, e junte o tomate e a água, amassando o tomate com a colher e mexendo bem. Abaixe o fogo e deixe apurar por uns cinco minutos, até que a água tenha reduzido bem e formado um molhinho grosso, uns cinco minutos. 
  4. Desligue o fogo e junte o queijo reservado. Sirva com arroz. Delicioso com arroz integral. (Transformado em purê, com o arroz, fica uma ótima papinha.)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Pão integral "multi-farinhas"

Há muito tempo eu queria preparar esse pão, mas parecia que nunca havia todas as farinhas na minha despensa ao mesmo tempo. Desta vez, milagre, há. Todas. Até a bendita de farro (spelt flour, farinha de espelta), comprada durante as férias na Itália. A espera valeu a pena, pois ele é uma delícia.

Este é o primeiro pãozinho que produzo nessa cozinha. Queria algo simples, que pudesse ser preparado nos mínimos intervalos enquanto corro atrás do pequeno chacoalhador de pessegueiros e revolvedor de terra em vasos, já que aquela única soneca sua de duas horas diárias é reservada para meu trabalho.

 Continuando um pouco com o assunto do post anterior, tem sido interessante o modo de pensar "é o que temos". Olhar a geladeira e descobrir o que é possível produzir de almoço e jantar sem precisar pegar o carro ou andar bons quarteirões empurrando carrinho de bebê até o mercado mais próximo. Quando a distância era de uns dois quarteirões sombreadas por prédios, um pulinho valia a pena. Agora sinto uma preguiça brutal de andar sob o sol forte até lá, empurrando ladeira acima 10kg de carrinho mais 12kg de criança, e não parece valer a pena um "pulo" para um ingrediente só. Bom para meu bolso, que evita as compras por impulso. Certeza de que conseguirei diminuir a conta do supermercado morando aqui.

Nos momentos do "é o que temos", o site Eat Your Books, que a Patrícia me recomendara há um tempo atrás, é uma mão na roda. Principalmente para quem tem muitos livros e revistas em inglês. É ótimo, na correria, digitar três ingredientes da sua despensa e ter toda uma lista de receitas possíveis com aquilo que você tem à disposição. Você acaba colocando em uso livros que estavam esquecidos e testando receitas que haviam passado desapercebidas.

E para quem não tem uma centena de livros de culinária, sentar no sofá com alguns volumes para folhear também é ótimo para montar o cardápio da semana. E procurando o que fazer com o que tinha em casa, sem ter de sair para completar o quadro de ingredientes, justamente acabei produzindo essa semana uma série de pratos que, talvez, não tivessem me apetecido tanto ao ponto de sair especificamente para comprar seus elementos, mas que resultaram excelentes ainda assim.

Restrição criando novos horizontes. Isso é bom. Como quando comecei a comprar da cesta orgânica, e me vi usando verduras e legumes que não teria comprado antes, tivesse a escolha de levar para casa as mesmas abobrinhas de sempre.

Por isso digo: não saia correndo procurando todas essas farinhas para produzir esse pão. Você vai entulhar sua despensa de farinhas integrais que vencem rápido e vão enlouquecer você por isso. Guarde a receita para aquele dia em que, surpresa!, elas coincidentemente estão todas lá. E se nenhum amigo viajante puder trazer de presente a farinha de farro, acho que funciona bem sem ela, simplesmente acrescentando mais meia xícara de farinha branca e meia xícara de farinha integral fina.

PÃO INTEGRAL MISTO
(do sempre excelente Apples for Jam, de Tessa Kiros)
Tempo de preparo: 10 minutos + 2h15 fermentação + 25min. forno
Rendimento: 2 pães

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. água morna
  • 2 1/4 colh. (chá) fermento biológico seco
  • 2 colh. (chá) mel
  • 1 1/2 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 3/4 xic. farinha de trigo sarraceno
  • 3/4 xic. farinha de centeio
  • 3/4 xic. farinha de trigo branca
  • 2/3 xic. farinha de trigo integral
  • 1 xic. farinha de espelta (farro, spelt) ou mais 1/2 xic. farinha branca e 1/2 xic. farinha integral
  • 1 colh. sopa sementes de linhaça
  • 1/4 xic. sementes de gergelim
  • 1/2 xic. sementes de girassol
  • 1 colh. (sopa) sal

Preparo:
  1. Coloque a água morna numa tigela menor e misture o fermento, o mel e o azeite. Deixe descansar por uns cinco minutos enquanto você apanha as farinhas.
  2. Numa tigela grande, misture todas as farinhas e o sal. Toste as sementes numa frigideira seca e junte às farinhas. 
  3. Misture o fermento às farinhas, com os dedos, e sove na tigela por pelo menos cinco minutos, até que a massa fique elástica. Só acrescente mais farinha branca se a massa estiver grudando tanto que você não consiga sovar. Mas prefira manter a massa ligeiramente grudenta, para que o pão não resulte pesado.
  4. Forme uma bola, cubra a tigela com panos de prato e deixe em local morno e sem vento por 1h30, ou até que a massa tenha dobrado de volume. 
  5. Sove por alguns segundos, divida a massa em duas e molde dois pães ovais e razoavelmente compridos (uns 20cm).
  6. Coloque numa assadeira enfarinhada, faça cortes diagonais na superfície dos pães e cubra com os panos. Deixe fermentar novamente por 45 minutos, ou até que cresçam bem.
  7. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 205ºC. Retire os panos e leve os pães ao forno aquecido por 25 minutos, ou até que estejam dourados, suas crostas estejam duras e produzam um som oco ao bater os nós dos dedos na parte debaixo deles. 
  8. Deixe esfriar sobre uma grade.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Adaptação e molho Blue Cheese para batatas

Minha cozinha está em fase de adaptação.

Adaptação ao fogão, pois o gás de butijão é mais forte e acabei de descobrir que o rapaz que fez a conversão do meu fogão instalou o botão do forno torto, de modo que as temperaturas marcadas ali não são mais confiáveis; além disso, não sei se meu termômetro quebrou, ou se de fato, mesmo na temperatura mínima, meu forno está chegando a 200ºC depois de pré-aquecer por meia hora. Há um bolo no forno nesse momento que deveria estar pronto, mas fez um movimento de gelatina quando abri a porta e movimentei a grade. Not good.

Adaptação também aos ingredientes. Já que perguntaram, aqui vai: não estou num fim de mundo, em que o que considero mais básico é difícil de achar. Há um supermercado de uma rede pseudo-chique perto de casa onde consigo encontrar alguns queijos especiais (maioria versão nacional) e coisas como mirtilos secos e groselhas frescas. Mas não minha farinha orgânica favorita. Aquela que virou item essencial na minha despensa, principalmente para fazer pães. Porque, sim, depois de alguns testes com pães de fermentação natural, concluí que farinhas orgânicas produzem pães melhores, principalmente os de fermentação longa. Algo a ver com o fato de a farinha não ter sido quimicamente branqueada e ter mais "comida" para o fermento do que a farinha comum. Também meu café em grão favorito não se acha por aqui. Ou pasta de curry tailandês. A seleção asiática é bem diminuta e inconsistente. Não consigo comprar manteiga por quilo nem cream cheese sem gomas. Qualquer chocolate que não tenha gordura hidrogenada é do tipo para comer, e não para cozinhar, e custa um bocado. Meu creme de leite favorito, que era espesso e durava uma eternidade pelo teor de gordura, também deixa saudades. Pior, produtos que eram considerados "meio-termo" no meu antigo supermercado, são considerados "premium" aqui, e têm os preços do que era o "premium" em São Paulo. O que quer dizer pagar mais do que eu pagava por um pedaço de parmesão e um litro de azeite inferior ao que eu usava antes.

Confesso que tive uma pequena crise de pânico culinário.

Mas nem tudo está perdido. A banca de orgânicos da feira de quinta é boa e os produtos são frescos e em conta. Meu marido trabalha ao lado de um desses atacados e que têm num bom preço muitos dos produtos estocáveis que eu uso, como massas secas italianas, tomate em lata e açúcar orgânico. Há lojas especializadas online que entregam em casa meu chocolate belga, e alguns dias depois de pedir, recebi 2,5kg de chocolate 70% e 2,5kg de 53%, os que mais uso, e que devem durar um belo tempinho. Quando minha mãe vem visitar, traz farinha e café e alguma especiaria que não se encontra aqui. O supermercado tem o tofu orgânico de que gosto, o que já me deixa mais tranquila. E quando for à Liberdade almoçar com os amigos, passo nos mercadinhos e me estoco de delícias chinesas, japonesas e tailandesas.

O prognóstico é simplificação e adaptação. Não tem o queijo especial? Escolha outra receita. No dia em que o tal queijo cair em suas mãos, você pode testar a bendita. No restante do tempo, não adianta se martirizar porque na sua cidade não tem farinha de castanha portuguesa. Vou voltar a usar o cream cheese com goma, fazer o quê? Nunca mais vou fazer cheesecake? Dificilmente.

A comida tem sido simples e fresca. Mas sinto que ainda não entrei completamente nos eixos. A movimentação na cozinha ainda não é natural. Ainda não sei de cor o que há na minha despensa. Ter abdicado do hábito de "dar um pulo" no mercado para um ingrediente faltante ainda me deixa perdida na hora de preparar o jantar na última hora."É o que temos" é uma frase que vem muito em mente, quando abro a geladeira para tentar descobrir o que cozinhar.

A churrasqueira, no entanto, tem sido um item bem-vindo. Ela é rasa e não exatamente bem construída, e por isso ainda estamos nos adaptando. Mas quem a comanda é o Allex, o que acaba me dando uma merecida folga. Nosso "churrasco vegetariano" na verdade é uma mera desculpa para comer do lado de fora em dias bonitos. A espiga de milho feita rapidamente no fogo alto, apenas para chamuscar de preto as pontinhas dos grãos, virou favorita do Thomas, que sai andando por aí carregando a espiga do tamanho de seu braço e a devora inteira, às dentadas, sem sal nem nada.

Ando paquerando a ideia de fazer pizza na grelha.

Mas a grande "descoberta" foram as batatas. Havíamos preparado batatas assadas no alumínio, como eu vira no livro da Heloísa Bacellar, quando minha sogra veio nos visitar. Mas elas queimaram em baixo, e achei incrivelmente difícil acertar o ponto de algo que não estou vendo, ou mesmo remexer as batatas num papel-alumínio sobre uma grelha sem rasgar tudo e fazer uma lambança. E elas ficam com gosto de batatas assadas no forno, o que não era o que queríamos. Quando meu pai veio, então, sequer pensamos em repetir as batatinhas.

Foi ele quem, no entanto, perguntou se havia batatas em casa. Respondi que sim, e apanhei as batatas orgânicas cheias de terra e lavei-as para ele, que prontamente apanhou um espeto e atravessou as batatas inteiras, colocando-as nuas sobre o fogo. As batatas ficaram ali por um bom tempo, e suas cascas foram enrugando e escurecendo, até ficarem quase quebradiças, cor da terra de onde saíram.

Quando meu pai tirou-as do espeto, amassou-as com um garfo, mostrando-me que haviam virado praticamente um purê por dentro. Um pouco de sal e manteiga e lá estavam as batatas que eu comera na chácara por toda a minha infância, e cujo preparo ou existência minha memória apagara.

Aquilo foi uma revelação, e repetimos as batatas no espeto já uma três vezes desde então. Das últimas vezes, com o molhinho Blue Cheese da Heloísa Bacellar. A combinação fez sucesso absoluto, e virou um clássico instantâneo. Tão bom, não deu tempo de fotografar nenhuma batatinha com molho, rapidamente devoradas.

MOLHO BLUE CHEESE PARA BATATAS ASSADAS (no forno ou no espeto)
(Ligeiramente adaptado do livro Cozinhando Para Amigos, de Heloísa Bacellar)

Ingredientes:
  • 150g queijo Gorgonzola ou Roquefort
  • 1 cebola pequena, picadinha
  • 1 1/2 colh. (sopa) mostarda de Dijon
  • 1 1/2 xic. creme de leite fresco
  • 1 punhado de salsinha picada
  • 1/4 xic. azeite de oliva extravirgem
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

Preparo:
  • Numa tigela, amasse o queijo com um garfo. Junte os outros ingredientes, misture bem e tempere com sal e pimenta a gosto. Guarde na geladeira até a hora de servir. Pode ser feito um dia antes. 


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Simples e melhor

Depois da correria desenfreada da mudança, a calmaria.
As noites silenciosas, as manhãs de passarinhos.
O cachorro procurando o brinquedo na grama.
O cappuccino no terraço, o sol matutino esquentando o rosto, a brisa enregelando os pés descalços.
Pintar no meu estúdio, ouvindo Purcell.
Pequeno caçador de dragões achando graça em regar as plantas.
E correr sem rumo.
E puxar a vassoura por todo o quintal.
E esticar os braços para batucar nas teclas do meu computador.
E mamãe colocando um desenho para o matador de dragões se aquietar.
Um desenho comprado, porque a TV aberta não pega e desligamos a TV a cabo.
Uma benção inesperada.
Noites quietas. Sem TV. Um filme, às vezes. Às vezes, acender a lareira e ficar conversando no sofá. Noutra noite, um divertido mas mal-fadado churrasco de hambúrgueres de soja, que viraram purê na grelha iluminada por uma lanterna de mão.
Queijo-coalho de janta, na cadeira de praia do quintal. Inclina a cadeira. Olha as estrelas. Há estrelas.
O cachorro dorme profundamente à noite, ao lado da cama. E ronca. Como nunca. Não dorme mais de dia. Muitas coisas para um cão fazer de dia num quintal.
Latindo desvairado, desviando das roupas no varal.
Roupas quentinhas de sol. Um cheiro de limpo que sabão não tem.
Fico contente com a banquinha de orgânicos da feira. Volto para casa com tomates maduros.
Almoço simples. Bruschette de tomates com manjericão, uma salada verde e um bom queijo de cabra.
Almoço no terraço. Silêncio do meio-dia. Ruídos de outras cozinhas, passarinhos sob as árvores. Talheres tilintando nos pratos.
Pão italiano quente da grelha, embebido no azeite e nos sucos dos tomates sobre ele. Queijo forte, salgado, complexo. Corpo relaxado contra o espaldar da cadeira. Um suspiro comprido.
Um almoço simples que faz sentido aqui. Como nunca parece ter feito sentido num apartamento. Os tomates pedindo sol. Os verdes no prato replicando a grama. O cão aninhado nos meus pés, sob a cadeira.
Comer com calma. Conversar um pouco. Bracinhos gorduchos esticados por sobre a mesa, pedindo por mais queijo.
O cérebro estala por sob o crânio, como madeira numa casa velha. Relaxando. Desacelerando.
A vida devagar.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Marshmallows de mudança

Como algumas pessoas adivinharam, a segunda parte da novidade em minha vida é a de que estou me mudando. De novo. Grávida. De novo. Mas desta vez a mudança é grande: estamos saindo de São Paulo. Foi um choque para nossos amigos mas um movimento totalmente esperado por nossa família. Estava cada vez mais óbvio que nosso estilo de vida não mais combinava com o centro dos Jardins.

Ainda não é um sítio no meio do mato, mas tem uma formiguinha me mordendo atrás da orelha, que me diz que o passo que estamos dando é apenas um em direção a algo ainda um pouco mais radical. Mas vamos ver. Nasci nos Jardins, e é a primeira vez que vou morar a mais de quarenta minutos de minha mãe, ou mesmo a mais de um quarteirão de uma padaria, então acredito que será uma experiência um pouco assustadora, ainda que bem vinda.

Com a mudança marcada, tornou-se uma missão minha acabar com todos os itens do meu freezer e tudo aquilo da geladeira e da despensa que fosse difícil de transportar. É claro que eu não consegui. É claro que há muito mais farinhas especiais, feijões, e pastas de curry do que minha família poderia consumir em um mês. Mas pelo menos o freezer precisava ser limpo. E minha maior nêmesis eram as claras. Vinte claras congeladas. O que um ser humano faz com vinte claras congeladas? Suspiro para abastecer uma escola primária? Não. Angel Food Cake. Que virou meu bolo oficial de mudança. Nada faz a rapa das claras congeladas como um Angel Food Cake. E encontrei um no lindo livro Bon Appétit Desserts que usava 14 delas! O bolo ficou delicioso, mas não vai aparecer por aqui. Primeiro porque não consegui tirar uma foto do bendito. Segundo porque ele precisa de uma forma de furo no meio absolutamente imensa, de um tamanho que eu sei que a maioria dos brasileiros simplesmente não tem. Nem eu. Usei a maior forma de pudim que eu tinha, e mesmo assim tive de jogar fora (!!!!) uma xícara e meia de massa, pois não cabia mais. Para quê dificultar a vida de vocês?

Mas ainda sobraram claras. O que fazer? O que fazer? Acabado o bolo, ataquei os marshmallows. Nunca fiz as versões que levam apenas gelatina, porque sempre que resolvo prepará-los é o uso das claras perdidas que me atrai. Esses, do delicado livro Miette, ficaram ótimos, e não consigo parar de comê-los, o que não é exatamente bom para minhas ancas parideiras. Certamente, no entanto, anuviam a preocupação e o stress de empacotar toda uma casa enquanto se impede um garotinho de um ano e meio de escalar a caixa onde está a louça.

Nos mudamos na semana que vem. Como ainda não consegui resolver a conversão do meu fogão de volta para gás de botijão [butijão? desligar a correção ortográfica automática é confiar perigosamente no próprio cérebro... hmmm...], provavelmente semana que vem será uma semana estranha de macarrão feito no fogareiro e legumes grelhados na churrasqueira. [Sim! Churrasqueira! Meus amigos não entendem para que serve uma churrasqueira na casa de quem não come picanha, mas eles vão ver só!] Não sei se haverá algum post, mas juro que tentarei, pelo menos para captar a bizarrice da situação. ;)

Enquanto isso, mais um marshmallow.

MIETTE MARSHMALLOWS
Rendimento: cerca de 48 unidades, dependendo do tamanho que você cortar

Ingredientes:
  • 1/2 xic. amido de milho
  • 1/2 xic. açúcar de confeiteiro, peneirado
  • 3 colh. (sopa) + 2 colh. (chá) gelatina em pó incolor e sem sabor (pouquinho mais de 2 envelopes de 12g)
  • 1/3 xic. água + 1/2 xic.
  • 2 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1/2 xic. glucose de milho
  • 1/2 fava de baunilha
  • 3 claras de ovo grande, orgânico
  • 1 colh. (sopa) extrato natural de baunilha
  • 1 pitada de cremor tártaro
  • 1/4 colh. (chá) sal

Preparo:
  1. Unte ligeiramente com óleo neutro uma assadeira de aproximadamente 20x30cm. Em uma tigela pequena, misture bem o amido e o açúcar de confeiteiro. Polvilhe um pouco na assadeira, cobrindo bem o fundo e as laterais e bata o excesso de volta na tigela para usar depois. Reserve.
  2. Numa tigela pequena, coloque 1/3 xic. de água fria e polvilhe a gelatina por cima. Reserve.
  3. Numa panela pequena, combine o açúcar cristal, a glucose e 1/2 xic. de água fria. Corte a meia fava de baunilha ao meio e raspe as sementes para dentro da panela (guarde a casca da fava no seu pote de açúcar, se quiser). Coloque um termômetro de óleo/açúcar na panela e leve ao fogo médio-baixo, sem mexer, até que chegue a 120ºC. 
  4. Enquanto isso, coloque na tigela da batedeira (com o batedor de arame) as claras, o extrato de baunilha, o cremor tártaro e o sal. Quando o caramelo da panela chegar a 110ºC, ligue a batedeira em velocidade baixa. 
  5. Quando o caramelo chegar a 120ºC, retire imediatamente do fogo e junte a gelatina, misturando bem e rapidamente com um fouet até que não haja mais pedacinhos de gelatina visíveis. Passe a mistura por uma peneira em uma tigela resistente ao calor para retirar qualquer pedacinho de gelatina que não tenha dissolvido.
  6. Com a batedeira em velocidade baixa, coloque uma quantidade pequena do caramelo, tentando não atingir o batedor de arame. Continue adicionando o caramelo em fio, devagar. Quando todo o caramelo tiver sido adicionado, aumente a velocidade da batedeira para médio-alta e bata até que a tigela da batedeira esteja em temperatura ambiente e a mistura esteja clara e com picos firmes. Isso pode levar vários minutos. 
  7. Despeje a mistura na assadeira preparada e alise a superfície com uma espátula. Polvilhe mais um pouco de amido com açúcar por cima, cubra a assadeira com papel alumínio e deixe firmar por aproximadamente 6 horas em temperatura ambiente. 
  8. Com a ajuda de uma espátula, desenforme a massa. Com uma faca afiada, ligeiramente untada de óleo, corte o marshmallow em cubos e passe-os na mistura de amido e açúcar. Guarde em pote fechado, em temperatura ambiente, por até 5 dias.


terça-feira, 31 de julho de 2012

Pão-de-forma de sour cream pra converter marido chato

Parece um passado distante a época em que eu não sabia fazer pão, em que sovar água, fermento e farinha parecia uma tarefa complicada. Não era ainda por economia, echochatice ou gastronochatice que eu queria produzir meu próprio pão, mas por simples curiosidade culinária. Minhas primeira tentativas foram pães simples, rústicos, redondos ou ovais, às vezes algum integral. A textura era imperfeita, a casca pálida, fina, borrachuda, o gosto, ok, às vezes rescindindo a fermento. E toda vez que oferecia um pedaço ao meu marido, ele respondia:

"Gosto de pão-de-forma. Branco."

Ele era categórico. E demonstrava sua indiferença ao pão caseiro trazendo pão-de-forma de supermercado em embalagens plásticas coloridas para casa. Isso me deixava maluca. Não porque pão-de-forma de supermercado me parecesse ruim na época (eu comia, mas preferia as versões supostamente integrais). Naqueles dias ainda não sabia que pão-de-forma de supermercado simplesmente não é pão. Não é. Mas porque ele se recusava a experimentar, como uma criança birrenta.

Um dia, cansada de ouvir aquela mesma ladainha, resolvi começar a fuçar na internet e nos meus livros (poucos na época) buscando uma receita de pão-de-forma que fosse como o industrial, só que caseiro. Novamente, mera cuirosidade culinária. [Mal sabia eu que a textura gelatinosa e a falta de sabor do pão industrial não eram metas a serem alcançadas, e sim defeitos a serem evitados.] E fiz o pão-do-homem elefante, um pão fácil mas feio, cujo sabor e textura são provavelmente melhores na minha memória do que na realidade.

"Ok, mas não é pão-de-forma. Gosto de pão-de-forma. Branco." 

E continuei buscando. E foram certamente dezenas de receitas de pão feitas ao longo de todos esses anos, entre pães-de-forma com crosta dura, macia, sem crosta, integrais, de centeio, de linhaça, sourdough, italianos, franceses, vienenses, alemães, com nozes, com especiarias, massas de pizza, focaccia, brioches, pães de hambúrguer, broas... acho que não há facção culinária que eu tenha atacado com mais gosto do que a panificação. 

E ao longo dos anos, depois de muita prática, depois de ler muito a respeito, falhar um bocado, comprar e usar uma pancada de livros, ver muitos videos, sovar muita massa e assar e comer muitos pães, finalmente o processo se tornou fácil e natural. Ao longo dos anos, vi o pão-de-forma de supermercado desaparecer para sempre de minha cozinha, e vi muitas vezes meu marido chegar na cozinha curvado como um urubu faminto, guiado pelo aroma de pão quente, e tentar roubar uma fatia com manteiga do pão esfriando na grade. A não ser quando ofereço algum pão denso e escuro, quando então volto a ouvir parte daquela antiga ladainha:

"Gosto de pão branco."

Então, há alguns dias atrás, ouvi dele algo que, lembrando daqueles primeiros meses morando juntos, quando ele achava bobagem fazer pão em casa, nunca pensei que ouviria. Segurava sua xícara de cappuccino quentinho numa mão e uma fatia desse pão-de-forma na outra, com bastante manteiga. 

"Sabe... a gente finalmente está pronto para se isolar da civilização."
"Como assim?", perguntei, dando ao Thomas seu copo de leite. 
"Eu já faço cappuccino melhor que qualquer café daqui do bairro, e você já faz pão melhor que qualquer padaria. Pra quê civilização?" 

Fui até ele e dei-lhe um abraço longo e apertado.

E corri de volta porque Thomas estava brincando com seu copo de leite ao invés de bebê-lo.

Esse pão-de-forma específico é fácil, principalmente para um principiante, pois você espera a farinha absorver um pouco o líquido antes de sovar a massa, o que a torna mais amigável. E você mais ou menos sova ela por dez segundos de cada vez, o que quer dizer que você não precisa saber muito bem o que está fazendo. E a cada vez que tira a massa da tigela, ela está mais elástica e fácil de manipular. E o resultado é incrível: um pão alto, de casca dourada escura que amolece de um dia para o outro, e um miolo fofo e perfumado, mas com suficiente estrutura para aguentar gordas passadelas de manteiga ou um bocado de queijo derretido num tostex. O pão-de-forma para converter um marido teimoso ou um adolescente birrento. Agradeço à Pat por ter me apresentado o Dan Lepard, cujas outras receitas de pão não vejo a hora de experimentar. ^_^

 PÃO-DE-FORMA COM SOUR CREAM
(Traduzido desta coluna de Dan Lepard, publicada no The Guardian)
Tempo de preparo: 3h10 fermentação +
Rendimento: 1 pão-de-forma

Ingredientes:
  • 125g sour cream*
  • 2 colh. (chá) sal
  • 2 colh.(chá) açúcar
  • 2 1/4 colh. (chá) fermento ativo seco instantâneo
  • 550g farinha de trigo (preferencialmente orgânica ou para pães**
  • Óleo vegetal, para sovar

(* misture a mesma quantidade de creme de leite fresco com uma colherinha de vinagre e deixe em temperatura ambiente por 30 minutos ou algumas horas se quiser um sour cream mais espesso.
** não é chatice; depois de alguns testes, o pão caseiro realmente tem melhores resultados com farinha orgânica, principalmente em fermentações longas e pães sourdough.)

Preparo:
  1. Numa tigela grande, misture 150ml de água gelada, 100ml de água fervendo, o sour cream, o sal, açúcar e fermento. Junte a farinha e misture até formar uma massa mais ou menos em formato de bola. Cubra a tigela com filme plástico e deixe em repouso por 10 minutos.
  2. Unte ligeiramente com óleo uma parte da sua bancada (ou uma assadeira, se não puder derramar óleo na sua mesa), e sove a massa sobre o óleo por cerca de 10 segundos. Retorne a massa para a tigela, cubra novamente com o filme plástico e deixe em repouso por mais 10 minutos. Repita a operação mais duas vezes e então deixe a massa coberta fermentando por 1 hora.
  3. Unte com manteiga o fundo e as laterais de uma forma de pão-de-forma de cerca de 19cm de comprimento (preferencialmente uma que seja mais alta – o ideal é uma forma de pão com tampa, usada aqui sem a tampa) e forre apenas o fundo com papel-manteiga.
  4. Na bancada untada, amasse a massa com as mãos até que forme um retângulo de uns 2cm de espessura. Enrole, selando bem as pontas e coloque na forma, com a fenda para baixo, apertando-a na forma. Cubra com um pano de prato e deixe fermentar por 60-90 minutos, até que dobre de tamanho. (Como estava frio no dia, deixei o meu por 90 minutos.) Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 200ºC.
  5. Retire o pano de prato, polvilhe a superfície do pão com um pouco de farinha e leve ao forno por 45 minutos, ou até que esteja bem dourado. Retire a forma, retire o papel-manteiga da base com cuidado e deixe que o pão esfrie completamente numa grade. Uma vez frio, guarde embrulhado em um pano de prato limpo e ele se conservará por uma semana, se você não comê-lo todo antes.


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Uma sexta frugal (ou gourmet): faça maionese

Agora que meus hábitos culinários foram esclarecidos e ninguém mais vai apontar o dedo acusador em minha direção por comprar ketchup ou pesto ou corações de alcachofra (recentemente descobri que os conservados em água e sal são deliciosos), posso voltar a pressioná-los com meus posts "faça em casa que é beeeeem melhor". E é. Maionese caseira é tão infinitamente superior à maionese industrial, que não dá nem para começar a brincar de comparar.

Mas só por diversão...

Outro dia meu marido me escreveu um email a respeito do quanto gastávamos em comida todo mês. Ao que respondi apontando o quanto NÃO estávamos gastando, considerando que o preço de tudo aumentou em pelo menos duas vezes e meia nos últimos quatro anos e hoje tenho alimentado duas pessoas e meia pelo mesmo valor que costumava alimentar apenas duas há dois anos atrás. Isso considerando que nosso consumo de orgânicos aumentou consideravelmente, assim como o de frutas in natura, por conta do pequeno devorador de tudo aquilo que é doce e cresce em árvore.

Prossegui explicando que, enquanto ele muitas vezes olha para meu frenesi de "feito em casa" como um capricho gourmet ou uma neurose ecochata, esse hábito na verdade tem nos salvado muitos dinheirinhos, uma vez que há anos não compramos praticamente nenhum dos itens prontos e convenientes, que custam cinco vezes mais embalados em plástico do que feitos na sua cozinha.

Ainda, querendo reforçar meu ponto e colocar um fim absoluto na discussão, escrevi a seguinte comparação:

1 vidro pequeno de maionese CASEIRA: R$2,76.
Ingredientes: 1 ovo ORGÂNICO (R$0,86) + 250ml óleo vegetal (R$1,90) +  suco de limão (quantidade e custo irrisório) + mostarda de Dijon caseira (quantidade e custo irrisório e difícil de calcular). Mas mesmo calculando, não acredito que passe de cinquenta centavos, o que ainda seria mais barato que...

1 vidro pequeno de Maionese Hellmann's: R$3,84.
Ingredientes: Água, óleo vegetal, vinagre, amido modificado, ovos pasteurizados, açúcar, sal, suco de limão, acidulante, ácido lático, espessante, goma xantana, conservador ácido sórbico, sequestrante EDTA cálcio dissódico, corante páprica, aromatizante (aroma natural de mostarda) e antioxidantes ácido cítrico, BHT e BHA.

A verdade é que depois que você pega a manha, maionese é o condimento mais fácil e rápido de todos para se fazer em casa. Compre seu ketchup e sua mostarda, mas por favor, faça sua maionese. Sua salada de batatas agradecerá imensamente. Até seu cachorro-quente cairá de joelhos. Hoje em dia faço maionese em menos de cinco minutos, e o vidro fechado, conservado sempre na geladeira, dura cerca de duas semanas. Desde que descobri isso, meu marido, ávido devorador de maionese industrial, nunca mais mencionou a possibilidade de trocar a caseira pela pronta.
O segredo para a maionese perfeita sempre, na verdade, é o mesmo de quase todas as preparações envolvendo ovos e emulsificação:

  1. não seja apressadinho. Dê tempo para o ovo absorver o óleo, principalmente no começo. Melhor que despejar em fio, coisa que pode, num balanço errado de mão, colocar tudo a perder, acrescente o óleo em colheradas no começo. Pequenas porções. Bata, e, alguns segundos depois, quando não houver sinal de óleo sobre a gema, acrescente mais. E se sua mistura não tiver cara de gemada logo no começo, pare de desperdiçar óleo, jogue fora a gema e comece de novo, com mais calma. Já tentei algumas soluções mágicas para resgatar maionese talhada, mas quase todas resultam em uma quantidade maior de maionese do que você consegue consumir, e de qualidade inferior.
  2. Se usar mostarda caseira, principalmente a com grãos, use menos do que o especificado na receita. Eu uso cerca de 1/4 colh. (chá), ou de outra forma o gosto fica muito forte.
  3. Se for usar azeite, não use apenas azeite, mas uma mistura com outro óleo vegetal, ou a maionese pode, novamente ficar com um gosto forte demais. Pessoalmente, adoro óleo de amendoim, que sempre tenho para frituras. Qualquer óleo vegetal de sabor neutro serve.
  4. Use ovos orgânicos. Estamos falando de gema crua. Como já disse várias vezes, se só puder comprar um item orgânico da sua lista, compre OVOS. Valem cada centavo e suas omeletes nunca mais serão as mesmas. Se não encontrá-los, busque ovos caipiras de boa procedência. Pesquise.
  5. Você pode usar suco de qualquer tipo de limão na finalização da maionese, e é ele que vai dar o sabor ligeiramente ácido, empalidecer delicadamente e tornar mais cremosa a textura da sua maionese. Quando tenho limão siciliano, essa é minha preferência, mas fica bom de qualquer forma.
Maionese caseira é um daqueles gostos que me remete aos almoços de domingo de minha avó imediatamente. Ela preparava a maionese no liquidificador, e sua salada de batatas era e foi minha favorita durante toda a minha vida, até produzir minha primeira maionese caseira. Afinal, não há ingredientes de qualidade que resistam ao gosto plastificado e de uma nota só da maionese industrial: sempre recindirá a salada de batatas de restaurante por quilo.

Logo, faça maionese. A não ser, é claro, que você realmente tenha um apego emocional à salada de batatas da sua avó, que usava Hellmann's. Ok, sem problemas. De outra forma, faça maionese.

MAIONESE CASEIRA
(Adaptado de, tipo, qualquer livro de culinária, mas vamos dizer How to Cook Everything Vegetarian, de Mark Bittman, só como referência.)
Tempo de preparo: 5 minutos
Rendimento: 1 vidro pequeno ou 1 xícara

Ingredientes:
  • 1 gema de ovo orgânico em temperatura ambiente
  • de 1/4 a 2 colh. (chá) mostarda de Dijon ou mostarda caseira, dependendo da intensidade de sabor
  • 1 xic. óleo vegetal neutro ou uma mistura com azeite de oliva
  • até 1 colh. (sopa) suco de limão (a gosto, dependendo do tipo de limão)
  • sal
  • pimenta-do-reino moída na hora

Preparo: 
  1. Coloque a gema e a mostarda na tigela e misture bem com um fouet. 
  2. Acrescente um pouco de óleo. No máximo 1 colh. (sopa) por vez, e bata bem com o fouet até não ver mais óleo na superfície (poucos segundos, na verdade). Você vai ver que logo no começo a mistura começa a firmar, como uma gemada. Continue acrescentando óleo bem aos pouquinhos (1 colher por vez) e batendo, até que todo o óleo tenha sido incorporado. A mistura estará amarelo-forte e mais firme que maionese convencional. 
  3. Junte o suco de limão e bata novamente, incorporando bem. A maionese empalidecerá um pouco e ficará mais fluida e cremosa. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto.
  4. Guarde imediatamente num pote limpo e com tampa na geladeira, onde poderá ficar até 2 semanas. 
Obs: você pode fazer isso no processador ou liquidificador e ir acrescentando o óleo num fio constante, como minha avó fazia; mas se você for estabanado como eu, bater à mão dá mais controle, não cansa, pois você na verdade bate muito pouco, e te dá menos trabalho pra lavar tudo depois.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Biscoitos recheados e pequenas gulodices

Um dia destes, dividindo com meu filho um prato de batatas fritas com alho e alecrim, apanhei sua mãozinha e ensinei-o a mergulhar a ponta da batata no ketchup Heinz antes de comer. Brincadiera que ele adorou e com a qual me diverti, mas que foi alvo de duras e imediatas críticas. Vindas de uma pessoa, inclusive, comedora de miojo e salgadinhos. 

Aquilo me deixou em choque, e me pus a pensar a respeito das expectativas e cobranças dos outros. Por que diabos eu não poderia colocar ketchup nas batatas do meu filho? Se fosse caseiro seria ok? Se eu comesse lasagne congelada seria ok? Provavelmente. Afinal, o crítico em questão (meu marido, aliás) é um grande viciado em ketchup Heinz. Mas assim como ele, outras pessoas esperam que eu simplesmente recuse qualquer coisa que não saia de minha cozinha e que não seja orgânico, natural, integral, etc. E que faça o mesmo com meu filho. Tanto, que me lembro de emails de reprovação quando publiquei um bolo que levava maionese industrial e outro com coca-cola, ou mesmo quando mencionei que havia comprado batata-palha pra comer com o estrogonofe de cogumelos.

A escolha entre comer miojo ou fazer a massa de macarrão às vezes parece ter tomado proporções de uma briga de gangues, em que o natureba gourmet passa seu tempo tentando convencer o miojeiro que seus hábitos são ruins (mea culpa) e o miojeiro fica esperando flagrar uma escorregada do natureba, num dia em que ele compra maionese. É um tal de apontar dedo na cara uns dos outros e ficar cobrando comportamentos radicais que não passa de um desserviço à humanidade e a qualquer movimento que esteja acontecendo de volta à cozinha e ao natural.

Porque quando se cobra e espera radicalismo, não se vê o meio termo da transição, e o miojeiro que até gostaria de fazer um molhinho de macarrão caseiro se sente intimidado, achando que de um dia para o outro precisará acordar às cinco da manhã para preparar o próprio pão e bater sua própria manteiga.

E as coisas não são bem assim. Apesar de já ter suficiente prática para saber que conseguiria continuar preparando o jantar todos os dias mesmo que trabalhasse num escritório do outro lado da cidade, tenho plena consciência de que toda vez que preparo geleia numa terça à tarde mais tranquila, ou sovo um pão enquanto espero um cliente responder um email, estou fazendo algo que só é possível porque minha profissão permite que eu trabalhe em casa e faça meus horários. Se eu estivesse em uma agência, faria como todo o resto e mataria tempo no Facebook entre um email e outro. Não faria biscoitos. E provavelmente não teria tanta vontade de fazer os biscoitos no fim de semana.

Por isso, quando li esse artigo no NY Times, sobre os "guilty pleasures" de chefs famosos, senti-me aliviada. Num primeiro momento, parecia que o artigo só se prestaria a "desmascarar" e desacreditar os chefs mais famosos por promoverem uma cozinha com ingredientes naturais, orgânicos e locais. Mas no fim ficou claro que o intuito era aliviar essa batalha alimentícia, e tornar o povo natureba e gourmet mais acessível, mais realista, e sim, menos pedante. Porque a gente que se acostuma a cacao belga e recusa o chocolate em pó nacional é pedante sim. Eu sei disso.

O artigo lembrou-me de todos os olhares tortos, comentários de reprovação e emails bizarros que já recebi por conta da imagem que acabo projetando no blog, e por isso resolvi fazer uma espécie de disclaimer. Para aliviar o meu lado e o de todo mundo. Porque outro tipo de email que recebo muito é o da pessoa quase que pedindo desculpas por "não conseguir fazer tudo em casa ainda".

Quando produzi meu primeiro ketchup, foi de fato um sucesso e meu marido viciado realmente anunciou que não precisaria mais comprar Heinz. No entanto, a pequena leva de ketchup caseiro acabou e eu não tinha mais miolos de maçã ou tempo para produzir mais, e simplesmente fui ao mercado e comprei mais uma garrafa do industrial. E a verdade é que desde então, não tive tempo ou maçãs ou paciência para fazer e engarrafar o ketchup novamente. Afinal, tenho um trabalho, uma casa, um filho e um cachorro, e quando tenho tempo de fazer ketchup, prefiro assar biscoitos ou tirar uma soneca. Como todo ser humano. Ketchup Heinz continua sendo um guilty pleasure, apesar do xarope de alta frutose e tudo o mais.

Perguntaram-me outro dia sobre pães de hambúrguer. Já fiz alguns sem muito sucesso, e uma receita específica que ficou excelente, mas sendo absolutamente sincera: a não ser que eu acorde num dia querendo fazer um hambúrguer totalmente caseiro, a situação mais comum será a de preguiça eterna, e eu vou ao mercado comprar um pacote de hambúrgueres de soja orgânica, um pacote de pão de hambúrguer, e uma bandeja de queijo prato. E pronto, jantar. E não preciso nem pegar nas panelas, pois o hamburgueiro oficial da casa é meu marido.

Outras coisas que adoro comprar prontas são molho pesto da Barilla (quando encontro mais barato), que eu sei que não tem gosto de pesto caseiro, mas gosto dele como se fosse outro tipo de pesto; pasta de curry tailandês (a vermelha fica ótima no hambúrguer, inclusive), picles, sauerkraut, doce-de-leite (sim, me dá preguiça de cozinhar a lata) e batata-palha, quando quero estrogonofe.

Agora guilty pleasure mesmo, do tipo vergonha, são as cerejas de coquetel. Durante a primeira gravidez fiquei viciada em Shirley Temples, uma vez que não podia beber. E noutro dia, dominada pela chata natureba em mim, resolvi comprar um vidro de cerejas alemãs, bem naturais. E fiquei profundamente decepcionada, pois elas tinham gosto de... cerejas. E tudo o que eu mais gosto é aquele gosto de Maraschino vagabundo, a cereja tão doce que não tem mais gosto de fruta, e a cor de rubi de plástico da 25 de março daquela bolinha quase artificial demais para ter sido uma cereja, boiando na minha bebida.

Guilty pleasure: cerejas de coquetel das mais fubangas.

Os guilty pleasures de infância, entretanto, são outra história. Porque, convenhamos, quem nunca ficou frustrado de comer aquele bolo ou biscoito glorificado pela memória e se sentiu frustrado porque o produto em questão simplesmente não tem mais o mesmo gosto? Costumava devorar pacotes de Goiabinha da Piraquê quando criança, mas quando fui comer uma há um ano atrás, quase engasguei com sua massa farinhenta e seu recheio sem gosto. Cansada de estragar minhas lembranças, simplesmente não compro mais meus favoritos de infância. Deixe aquele gosto no passado. Melhor fazê-los em casa e, se não reviver alguns sabores, criar alguns novos, com certeza melhores dos que os disponíveis na gôndola hoje. (Melhor flashback culinário foram aqueles biscotti de chocolate que ficaram com gosto de Foffy's!)

Esses biscoitos ficaram como eu me lembrava do gosto que tinham os biscoitos recheados há vinte anos atrás. Ou como minha memória os pintou. O preparo da massa é muito fácil, mas abrir com rolo, mesmo a massa estando gelada e minha cozinha estando a 13ºC, foi incrivelmente chato, e só depois me lembrei de que a Paula havia adaptado ligeiramente esses mesmos biscoitos e mudado o modo de preparo para algo muito mais simples. Então deixo aqui a mistureba de tudo: o link para a receita adaptada da Paula, os ingredientes originais que eu usei e o método dela, bem mais amigável e certeiro para essa consistência de massa. Para o recheio, usei açúcar cristal orgânico, que acaba não dissolvendo totalmente e tornando o creme um nadinha granulado, mas não menos gostoso. Deixo a opção para vocês. Também tenho substituído a gordura hidrogenada com sucesso por óleo de coco, que tem a mesma textura e um sabor bem suave. Recomendo.

E enfim, o propósito desse blog não é transformar todo mundo em gente auto-suficiente. É, de repente, estimular você a, num sábado à tarde, preparar seu próprio ketchup. Para colocar no seu miojo. Que seja. O objetivo é mostrar que há opções, que nem tudo precisa vir de uma multinacional. Você pode comprar o pão mas fazer seu próprio hambúrguer. Pode comprar won tons congelados na Liberdade mas fazer o caldo da sopa onde vai colocá-los. Alguma coisa caseira é melhor que nenhuma, e seu paladar vai mudando e você vai descobrindo mais camadas de sabor, mais possibilidades, e começa a se divertir com o processo. Quem sabe um dia, larga o miojo. Mas não precisa. Ok?

No pressure.

BISCOITO DE CHOCOLATE E BAUNILHA
(Ligeiramente adaptado do livro Martha Stewart's Baking HandBook)
Rendimento: cerca de 24 biscoitos recheados

Ingredientes
(biscoitos)
  • 1 1/4 xic. farinha de trigo
  • 1/4 xic. + 2 colh. (sopa) cacau em pó
  • 1/2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 1/2 xic. (120g) manteiga sem sal, em temperatura ambiente
  • 2/3 xic. açúcar mascavo
  • 1/3 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1 ovo grande, orgânico, em temp. ambiente
  • 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha
(recheio)
  • 1 1/3 xic. açúcar de confeiteiro (usei cristal orgânico, mas o de confeiteiro fica mais homogêneo)
  • 1/3 xic. óleo de coco em temperatura ambiente
  • 1/3 xic. manteiga sem sal em temperatura ambiente
  • 1/2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 1 pitada de sal

Preparo:
  1. Forre duas assadeiras grandes com papel-manteiga ou silpats. Pré-aqueça o forno a 180ºC, deixando as grades posicionadas no terço inferior e superior do forno. 
  2. Numa tigela, misture com o fouet a farinha, o cacau, o fermento, o bicarbonato e o sal. Reserve.
  3. Na tigela da batedeira (com a pá, se for planetária), bata a manteiga e os dois açúcares em velocidade média até que fique pálida e fofa, cerca de 2-3 minutos. Junte o ovo e a baunilha e bata para incorporar. 
  4. Diminua a velocidade da batedeira e e junte a farinha, batendo em velocidade baixa apenas até que não se veja mais farinha na massa, raspando as laterais com uma espátula conforme necessário.
  5. (Aqui entra o método da Paula.) Com a ajuda de colheres de chá, faça bolinhas com a massa e distribua nas assadeiras, deixando cerca de 3cm entre elas (haverá cerca de 48 delas). Com o fundo de um copo enfarinhado ou passado no açúcar, achate as bolinhas até que fiquem com meio centímetro de altura. Leve as duas assadeiras ao forno por cerca de 10 minutos, alternando a posição delas na metade do tempo, ou até que pareçam firmes quando ligeiramente pressionados no centro. Com uma espátula, transfira os biscoitos para uma grade e deixe que esfriem completamente.
  6. Enquanto isso, prepare o recheio: coloque todos os ingredientes na tigela da batedeira e bata em velocidade médio-alta até que esteja leve e fofo, cerca de 3-4 minutos. Use imediatamente ou refrigere em pote fechado por até 3 dias antes de usar (deixe fora da geladeira um pouco para amolecer). Distribua o recheio sobre metade dos biscoitos. Cubra com a outra metade dos biscoitos, pressionando ligeiramente e guarde na geladeira em pote fechado. Tecnicamente, são melhores no mesmo dia em que são feitos, mas eu adoro biscoito gelado de porta de geladeira, e os meus continuam uma delícia e ainda crocantes mesmo depois de 4 dias.

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