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terça-feira, 21 de setembro de 2021

Uma cozinha que não é só minha, uma costela que não tem receita, e uma sopa de lentilha que não tem foto

 

Estou sentada em minha cadeira Muskoka de imitação (que eu queria muito que fosse de madeira, mas é de plástico), bebericando uma cerveja, e sentindo a última brisa morna do ano tentando virar as páginas do meu livro. "O cheiro do carvão em brasa parece incenso", diz minha vizinha, sempre simpática, ao descer as escadas de sua varanda para catar o gato velho e gordo de volta. Os galhos dos pinheiros se movem devagar. Allex desce os degraus de madeira, rangendo cada uma das tábuas que balançam para lá e para cá com seu movimento, e traz nas mãos um caixote plástico com pratos, facas, tábua de madeira, um pacote de linguiças frescas embaladas em papel de açougueiro, e um outro pacote, maior e mais delicado, contendo seu mais novo projeto de fim de semana.

Ele espalha tudo sobre a mesa com um sorriso concentrado, e vai cuidar do carvão aceso, que precisa ser reordenado na churrasqueira. Tento ler mais umas linhas, enquanto ele abre o pacote especial, revelando uma fileira de costelas de porco cruas, besuntadas em mostarda de Dijon e especiarias. 

"Tá se divertindo?", pergunto. 

Ele responde afirmativamente, e começa a me explicar seus planos para aquela peça. Ele apanha pedaços de madeira de molho em água e cobre o carvão quente, produzindo uma fumaça perfumada. Vou defumar a carne por uma hora, ele diz, e depois besuntar em Guinness e Maple Syrup e embrulhar em papel alumínio. 

"Parece bom. Era o que pedia a receita?"

"Uma delas."

"Eita. Você misturou mais de uma receita?'

"Confia em mim."

Eu resisto à tentação de opinar. Encho a boca de cerveja para engolir as palavras, e abro de novo meu livro, procurando um parágrafo perdido. Entre uma vírgula e outra, ergo a vista para observá-lo, em silêncio. 

Não é novo, esse interesse pela cozinha. O que é novo é minha não-interferência. Ele me pergunta de temos sementes de coentro, e que cara elas têm. Todos os potinhos da despensa têm sementes bege sem identificação. Fora isso, não me atrevo. Já aprendi que se eu dou sossego, ele cozinha mais. E se ele cozinha mais, eu tenho mais sossego. O ciclo Tostines da paz matrimonial. 

 

Antes da costela, foi o Chili con Carne. Minha única contribuição foi sugerir uma receita da Deb Perlman, sempre confiável. Ele passou o dia sendo babá da panela, e eu passei o dia tranquila, fazendo já nem me lembro o quê de tão importante. Para não dizer que não fiz nada, me propus a preparar os cheddar biscuits, dos quais ele não fazia questão no começo, mas que acabaram sendo um maravilhoso acompanhamento para um Chili delicioso.  

Antes ainda, veio o ragù bolognese, da Marcella Hazan, que ele já preparava em quantidades cavalares lá em Toronto, e tínhamos sempre molho congelado para comer com macarrão ou polenta durante o mês. Foi na época do ragù que o moço aprendeu a fazer Lasanha, a massa verde e tudo, e pegou gosto pelo processo de fazer massa fresca. Tanto, que no último ano, fez mais massa que eu.

Entre um festim carnívoro e outro, houve muitos hambúrgueres vegetarianos e pratos prontos e entregas, que resolveram meus dias atrapalhados e cansados sem que eu precisasse pedir. Tê-lo em casa em caráter permanente (pois a empresa manteve o home office), provocou uma mudança de ritmo e expectativas, e, de repente, a casa e o trabalho e as crianças têm um equilíbrio inusitado, mas muito desejado. A roupa aparece lavada, o chão aparece varrido. As crianças não chamam só a mamãe.

Pela primeira vez em muito tempo, eu tenho tempo de verdade para trabalhar. E descansar.


Ele corta uma pontinha da costela a pedido meu, e acha que é hora da fase dois. Pincela o molho sobre a carne dourada, e fecha o pacotinho de alumínio para ficar úmida e macia. "Corta essas linguiças fininho pra gente, e eu vou pegar outra cerveja. Qual você quer?"

"Me surpreenda", é a resposta padrão, quando estou bem humorada. 

Ele sobe a passos felizes para dentro de casa, e eu relaxo contra o espaldar da cadeira. Perna cruzada feito o número 4, os cotovelos apoiados aos braços da cadeira, as mãos segurando o livro aberto, como se eu fosse um homem velho e barrigudo lendo o jornal de domingo na poltrona. Rio alto de uma tirada de Bourdain, no capítulo em que ele está num cruzeiro de luxo. A descrição dos seus bifes e risotos me dão vontade de cozinhar. Mas a vontade passa quando preenchem meu copo vazio com uma cerveja tipo belga do Quebec, e recebo um beijo estalado na boca. Sua cerveja, amor. Obrigada. 

Uma hora, muita conversa, e uns dois capítulos lidos depois, a costela se desmancha à volta dos ossos. Lambo meus dedos como uma criança. Minhas crianças fazem o mesmo. Não há sobras. Faço minha parte, quando o vento esfria e o fim da tarde nos expulsa do quintal, e recolho pratos e copos e condimentos até a cozinha. Ninguém janta. 

"Me passa a receita que você usou pra costela pra eu postar no blog?"

"Vixe, eu inventei tudo. São umas cinco receitas, maior bagunça. Faria tudo diferente."

"Que coisa."

Nas últimas conversas, eu ouço, interessada, seus próximos planos culinários. De repente um curry de legumes, para variar. Divirto-me com sua empolgação. Quisera eu ter sido menos chata e lhe ter dado espaço na cozinha anos atrás. Ele tem jeito para a coisa. Menos controle, menos crítica, e como teria sido ter jantar pronto no fim do dia? Agora eu sei. É bom. É muito bom.

No dia seguinte, enquanto ele leva as crianças ao treino de Jiu-jitsu, preparo no silêncio da casa que interrompo com minha música favorita, uma sopa de lentilhas vegetariana da Alice Waters. Tão boa, que Laura, que não gosta de lentilhas, e Allex, que não gosta de sopa, repetem. 

Se eu estava em busca dos mistérios dessa cozinha nova, encontrei. Reencontrei o prazer da cozinha, compartilhada. 

....


Se eu soubesse que essa sopa faria tanto sucesso, teria fotografado. Fazer o quê? Antes de ir para a receita, lembro você de que meu livro, Brutta Figura, continua à venda nas principais livrarias do Brasil, e para envio internacional, no site da editora, Chiado Books. Você encontra todos os links na lateral do blog. Minha loja Etsy continua funcionando, e lá, além de poder comprar originais e versões para download das minhas artes, você também pode encomendar caricaturas em preto-e-branco, e aquarelas para quarto de bebê. Além disso, se você quiser simplesmente colaborar como quiser para que esse blog continue funcionando, pode contribuir no meu PayPal (me pergunte como). Muita coisa legal vem por aí. Meu novo livro, cheio de histórias e, quem sabe, ilustrações também, está terminando de ser escrito, e já estou montando o tão pedido livro do Diário Ilustrado. Isso será possível com tempo, tranquilidade, e, claro, dinheiro de trabalhos realizados, livros vendidos e colaborações. Agora, sopa.

DELICIOSA SOPA DE LENTILHAS COM ESPECIARIAS

(do livro My Pantry, da Alice Waters)

Rendimento: 4 pessoas

Ingredientes:

  • 1 1/2 xic. lentilhas
  • 2 colh (sopa) azeite
  • 1 cebola pequena, picada
  • 1 cenoura pequena, picada
  • 1 talo de salsão pequeno, picado
  • Sal e pimenta do reino
  • 2 ou 3 dentes de alho, fatiados fino
  • 1 colh (chá) sementes de cominho
  • 3/4 colh (chá) sementes de coentro
  • 1/4 colh (chá) pimenta caiena
  • 2 litros de caldo de legumes, frango, carne ou água (usei água)
  • 1 maço de espinafre, apenas as folhas, grosseiramente rasgadas
  • Limão, para espremer
  • 1/2 xic coentro picado grosseiramente
  • Iogurte, para servir


Preparo:

  1. Aqueça uma frigideira e coloque as sementes de cominho e coentro, mexendo até que tostem ligeiramente e fiquem perfumadas, sem queimarem. Passe para um pilão e moa. Reserve.
  2. Numa panela grande, aqueça o azeite e junte a cebola, cenoura e salsão. Tempere com sal e pimenta e cozinhe em fogo médio, mexendo, por cinco a dez minutos, até que estejam macios. 
  3. Junte as especiarias e o alho e misture, até sentir o perfume do alho. 
  4. Junte as lentilhas, o caldo ou água, e mais uma pitada de sal. Leve à fervura, abaixe o fogo e cozinhe por 25-40 minutos, retirando a espuma da superfície com uma escumadeira. Quando as lentilhas estiverem macias e desmanchando, está pronto.
  5. Junte o espinafre, mexa, e cozinhe apenas até que as folhas murchem na sopa. Desligue o fogo, ajuste o tempero, e apenas antes de servir, esprema um pouco de limão a gosto, polvilhe com o coentro, e sirva com uma colher de iogurte no centro do prato. 



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Sonhos, uma canção de acordar, um fim de ano, duas sopas.

Durante os cinco dias que estive em Portugal, em Junho do ano passado, eu me levantava ao sentir finos raios de sol trespassando as persianas. Trocava de roupa com as luzes apagadas, dobrava meus lençóis, montava o sofá-cama de volta ao seu estado natural de palavra simples e não composta e fazia meu alongamento sobre o tapete fino e claro que escorregava pelo piso de azulejos. Ao que minha amiga entrava na sala, sorridente sempre, e começava o processo de abrir as persianas da casa, passar o café e colocar sua vasta coleção de frutas, queijos e presuntos sobre a mesa da sala. Por esses cinco dias, ela o fez cantando uma musiquinha alegre que dizia: "bom dia começa com alegria, bom dia começa com amor". Eu ria, pois ela cantava com verdadeiro entusiasmo, quase que como uma paródia de si mesma. Rimos juntas quando ela me contou que ouvira outra amiga cantando a mesma coisa nos breves dias como sua hóspede, e que a pequena canção nunca mais saíra de sua cabeça.

Canção de bruxa, deve ser, pois desde que voltei a Toronto, essa tem sido a trilha sonora de todas as minhas manhãs.

Primeiro eu me vi a cantarolar os dois versos como mera provocação. Todos achavam meio ridículo, mas aquilo que é ridículo é risível, e o riso veio, e as manhãs passaram a ficar leves com o sorriso fácil que acompanhava a música. Logo as crianças seguiram, e comecei a despertar com o canto delas, vindas do quarto, felizes pelo novo dia.

Quem fica em casa agora é igualmente amaldiçoado (ou bendito) pela canção da bruxa, e esse desejo de alegria e amor prossegue se expandindo a outros lares.

Naquela manhã, Laura entrou no quarto carregando nas duas mãos minha xícara rosa como nascer do sol repleta de cappuccino, cantarolando feliz aquelas palavras, como os pássaros de Aldous Huxley. Pulou sobre minha cama sem derramar uma gota, sentou-se ao meu lado e, passando a xícara às minhas mãos com cuidado, disse:

"Mamãe, quer saber o sonho que eu sonhei?"

Assenti com um ronronar por traz do café quente que eu sorvia.

"Sonhei que eu estava no meio da floresta. Eu tava pendurada numa árvore bem alta, num galho, porque meu casaco tava enroscado no galho. Aí tinha um monte de gente em volta, lá embaixo no chão, gritando que eu ia hurt myself, e que aquilo era muito dangerous. Mas eu não achava dangerous. Eu disse que tava tudo bem, que eu sabia o que tava fazendo, mas ninguém acreditou em mim. Aí eu cansei daquilo, porque era muito silly, e pulei pra fora do meu casaco para o galho, e saí correndo nas árvores, pulando nos galhos, lá em cima. Só que aí eu fiquei com frio. Aí eu voltei pra pegar meu casaco, que tinha caído do galho no chão, e pedi pro pessoal lá embaixo, que tava assim, em volta de mim lá embaixo, pra ver se o casaco era meu e me devolver. Mas ninguém me respondia. Aí eu gritei pra todo mundo, e eles ainda não me respondiam. Aí você apareceu, mamãe. Você pegou o casaco, viu que tinha meu nome nele, dobrou e colocou na minha mochila. Aí eu fui embora porque eu sabia onde tava o meu casaco."

"E como você se sentiu no sonho, querida?"

"Muito feliz."

"Que bom. Agora vai lá tomar café da manhã que hoje tem escola."

Muito feliz. Foi como me senti ao ouvir aquele relato. Laura sonha sonhos muito claros, de metáforas muito explícitas. Nos primeiros meses de mudança de país, sem falar a língua ou entender costumes, Laura tinha todas as noites o mesmo pesadelo: que brincava num parquinho e descia pelo escorregador, mas que no fim dele, ao invés de chão firme, era o mar aberto e arisco que a esperava. E nele ela caía, sem saber nadar, sem saber para que lado havia terra.

Naquela tarde, contei a Allex o sonho de Laura.

"Ela faz o que quer", disse ele.
"Ela SABE o que faz", corrigi. "Conhece suas capacidades. O medo dos outros não são os dela."
"And mom's got her back", acrescentou.
"Sim. Isso foi o que me deixou mais contente. Ela sabe, lá no insconscientezinho dela, lá no coração, que mamãe está lá dando suporte para o que ela precisar. Não é lindo? Não é o que a gente mais queria? Pelo menos era o que EU queria. Que eles soubessem que eu sempre vou apoiá-los."

Desde que li Man In Search For Meaning, de Viktor Frankel, comecei a pensar no que é que me movia. Ao cabo de tudo, no meu âmago, despida de todas as cobranças da sociedade, de todos os meus objetivos materiais, o que é que mantinha meu coração batendo, o que me fazia levantar de manhã e correr, e pintar, e escrever. O que é que me impelia a tentar ser hoje um ser humano menos babaca do que ontem. Então caí nessa frase, não sei bem original de quem, mas que tem sido muito usada pela Eliana Rigol em seu Instagram (que por sinal, tem sido fonte de excelentes indicações de livros): "Seja uma boa ancestral".

Era o resumo em quatro palavras de um sentimento até então sem nome. Mas que remontava às palavras de meu guru de Kriya Yoga: dê o exemplo.

Olho para meus filhos e eles são o constante lembrete de que preciso continuar tentando ser uma pessoa melhor. Penso em tantos familiares que já se foram, com suas histórias amargas de vida, suas escolhas ruins, suas infelicidades marcadas para sempre nas histórias contadas por meus pais, e chacoalho para fora tudo isso e penso: quero ser um bom exemplo. Quero ser a louca tataravó Ana, lembra dela? A que corria maratona, a que fazia aqueles quadrinhos sobre o vovô Thomas e vovó Laura? A vó Ana que mudou pro Canadá com cachorro e tudo. A vovó Ana que ensinou a gente a cozinhar. Aquela tataravó que era feliz. Lembra dela? Quero ser um parente distante que deixa uma história boa para variar. Não tenho vocação para Cautionary Tale.

Sinto vontade de curar minhas feridas para não provocar as mesmas em meus filhos. Não passar para frente dores herdadas. Rever comportamentos e destrinchar hábitos até saber o que sou eu e o que sou dos outros. Largo o dos outros, que eu me basto se for eu de verdade.

É um processo de resgate de todos os meus melhores momentos que foram perdidos na memória dessa minha vida esquizofrênica. Tantas soluções busquei, que algumas deixei na estante empoeirando, sem me dar conta de que já eram soluções boas para mim. Contei que a maior parte dos livros que a Eliana menciona, eu tinha na estante no Brasil? Nunca tinha lido. Estava lendo outras coisas. Não couberam na mala, e foram deixados para trás. Pego eles agora na biblioteca e é quase um flagelo pensar que poderia ter lido aquilo há dez anos atrás. Tanta lição adiada, tanto aprendizado esperando por mim.

Enfim.

Dou-me conta dessa responsabilidade. De não apenas criar dois seres humanos capazes de cuidar de si mesmos. Mas criar duas pessoas essencialmente boas, capazes de gentileza. Criar seres humanos esclarecidos, capazes de pensar por si mesmos, para não caírem nas armadilhas do mundo. Criar dois indivíduos capazes de continuar abrindo os caminhos que eu, em minha existência, serei incapaz de abrir sozinha. Abrir caminhos para quem vier depois deles.

Mãe de menina. Mãe de menino. Dupla responsabilidade. De desconstruir os grilhões do feminino que me foi ensinado. De desconstruir os apelos do masculino que ainda incutem nos meninos. Responsabilidade de criar duas pessoas confiantes em si mesmas e de pensamento livre.

Muitas vezes acho que o trabalho é impossível. Mas então me dou conta de que preciso começar não com eles, mas comigo. É desconstruindo isso em mim e me construindo de volta em novas imagens, que mostro a eles, pelo exemplo, o que é ser adulto. O que é ser mulher. O que é ser mãe. O que é ter relacionamentos de amor e carinho e respeito. O que é correr atrás de seus objetivos. O que é estar feliz.

Toda criança aprende pelo exemplo. Ela repete aquilo que ouve. Ela repete aquilo que vê. Se ela não conhece ninguém feliz, como ela vai aprender o que felicidade é? Olho para mim mesma e me pergunto o que meus filhos têm a aprender comigo hoje. O que eles vêm. Que lição eles tiram ao me ver ali, fazendo o que quer que esteja fazendo. O que eu quero que eles imitem? O que eles herdarão de mim? O que eles deixarão para os seus?   

Essa noite tive um sonho. Sonhei que Laura era bebê, e eu a carregava aninhada em meus braços, enroladinha em um xale azul claro, enquanto caminhava perdida por uma imensa estação de trens. Uma amiga me incumbira de ciceronear um grupo de adultos por aquela cidade desconhecida, e eu me desesperava por dentro: como posso cuidar desse bando de adultos? Eles não veem que tenho de cuidar de minha filha e sequer sei ainda o caminho? Ao fim do sonho, avisei ao grupo que eu não era responsável por eles, abracei minha Laura e saí a passos firmes buscando que trem tomar.

O caminho do que é ser mulher hoje ainda é indistinto para mim. Continuo buscando, para que minha filha tenha caminhos menores a percorrer.   

Acordei com Laura cantando ao meu lado e com cheiro de café. Bom dia começa com alegria. Bom dia começa com amor!

.....

E Novembro e Dezembro e Janeiro e a comida?

Os meses voaram. Eu tinha intenção de escrever em Dezembro, mas o mês desapareceu entre preparação para uma exposição nova, a infinidade de eventos de fim de ano da escola, e a chegada de meus pais perto do Natal. Novamente eu queria ter feito torrone, panforte, panettone, e toda a pataquada, e no fim só saiu Spekulatius dia 6 de Dezembro e uma batelada imensa de biscoitos sortidos para presentear os professores e levar no lanchinho comunitário de fim de ano da classe das crianças. Também fui convidada pela classe de ESL (English as a Second Language) do Thomas para participar de uma festa com todos os pais estrangeiros, em que cada um tinha que levar um prato típico, e escolhi Bolo de Fubá, que foi sucesso absoluto (apesar do milho norte-americano ser doce a ponto de ter gosto de açúcar, NINGUÉM usa o bendito pra sobremesa, então o bolo foi uma surpresa para todo mundo.)

A parte divertida. Decorando com Royal Icing e cranberries secas.

No meio da bagunça, teve UM projeto culinário que deixei para fazer com meus pais aqui, pois achei que eles gostariam de participar e porque me parecia um bom plano B para um dia de tempo feio: Gingerbread House. Já havíamos feito no ano passado, e resolvi repetir a receita, mas desta vez usando só Royal Icing. (No ano anterior eu resolvera ir pela rota da preguiça e comprara uns tubos de icing colorido, mas eles tinham gosto de bala velha. As crianças comeram todo biscoito decorado, mas eu não cheguei nem perto.) A receita do gingerbread que mais gosto é essa de Martha Stweart, que tem uma pancada de especiarias e fica deliciosa. Só precisa de um pouco de engenharia para fazer os moldes da casa e cortar a massa dos tamanhos certos antes de assar. O Royal Icing que eu uso é esse aqui do Alto Brown.
 
DESAPEGO é o nome dessa casa: largo na mão das crianças, a única coisa que eu faço é deixar o bicho de pé.

Esse ano, resolvi que faria toda a comilança natalina diferente: como aqui o Papai Noel chega enquanto as crianças dormem, toda aquela ceia para esperar meia-noite não fazia sentido. Bem melhor botar pimpolhada cedo na cama, para descansar direitinho e poder abrir presente de manhã cedo e brincar o dia todo, sem mau humor de sono. Mas também para não passar batido e ser o mesmo arroz com feijão de sempre, inventei de fazer Cappelletti in Brodo. Afinal, é tradição minha fazer pela primeira vez na vida alguma coisa num dia especial em que nada pode dar errado. 
Apesar dos cappelletti terem ficado desengonçados, NENHUM abriu durante o cozimento, o que considero um sucesso!
Saí com meus pais para comprar os ingredientes, e no dia 24, munidos de uma taça de vinho e olhando o dia desaparecer rapidamente lá fora, comecei a preparar tudo. O recheio é bastante simples e fácil, carnes refogadas, misturadas a queijos e temperos. A massa é onde o bicho pega. Massa recheada para seis pessoas. Já contei que aqui em Toronto a umidade do ar chega a 20% durante o inverno? Que alegria! Imagina o que acontece com massa fresca esperando nessa umidade desértica? Aquela linda fita de massa amarela fresquinha e macia vira Biju em um piscar de olhos. Para prevenir isso, pensei em chamar a família toda para fechar cappelletti, mas calhou que meu pai estava cochilando, as crianças viam desenho e Allex passeava o cachorro, e sobramos minha mãe e eu para rechear e fechar bem uns duzentos cappelletti em tempo recorde. 
Aquela refeição que parece a simplicidade em pessoa, mas que deu um trabalho do cão pra fazer.

Os cappelletti foram servidos em caldo de frango que eu deixara já preparado e congelado duas semanas antes, e, modéstia à parte, ficaram uma delícia. Achei que fosse sobrar alguma coisa, que fosse cappelletti demais para a gente que não é de comer muito, mas não teve um ser vivo na mesa que não tenha repetido o prato e só restou mesmo foi um panelão vazio.

CAPPELLETTI IN BRODO
(Do livro Fundamentos da Cozinha Clássica Italiana, de Marcella Hazan. No livro, ela chama a receita de Tortellini, mas a gente sabe que é a mesma coisa, o nome muda conforme a região. Na minha casa, em que a família veio toda do Veneto, isso chama Cappelletti.)
Rendimento: 6 pessoas

Ingredientes:
(recheio)
  • 110g carne de porco moída
  • 180g peito de frango moída
  • 2 colh (sopa) manteiga
  • sal a gosto
  • pimenta do reino
  • 3 colh. (sopa) mortadela picadinha
  • 1 1/4 xic. ricotta fresca
  • 1 gema
  • 1 xic. queijo parmesão ralado
  • noz moscada para ralar
(massa)
  • 4 ovos grandes
  • 400g farinha de trigo
  • 1 colh. (sopa) leite
(para servir)
  • 2,5 litros caldo de frango ou carne caseiro
  • parmesão ralado

Preparo:
  1. Derreta a manteiga numa frigideira em fogo médio. Quando começar a espumar, junte as carnes de porco e de frango, uma pitada de sal e pimenta, e cozinhe por seis ou sete minutos, quebrando os grumos e mexendo com uma colher de pau, até dourar. Retire da panela e deixe esfriar em uma tigela. 
  2. Junte a mortadela, ricotta, gema, o parmesão e cerca de 1/8 colh (chá) de noz moscada ralada. Misture muito bem e corrija o tempero. 
  3. Prepare a massa. Não vou dar muitos detalhes a respeito da massa por dois motivos: se você nunca fez pasta fresca na vida, essa não é a que você vai usar pra começar. Faça um fettuccine. Então se você está fazendo Cappelletti, imagino que já saiba misturar os ovos à farinha e sovar a coisa toda. O que você precisa saber é que o leite vai junto com os ovos na hora de misturar à farinha. Você vai sovar a massa até ficar lisa, embrulhar bem e deixar meia hora fora da geladeira para o glúten relaxar. Abra com o rolo ou com a máquina, seu método favorito, até que fique bem fino. Para massa recheada, costumo ir até o penúltimo número da máquina. Não faça toda a massa de uma vez, ou as tiras vão secar antes que você possa recheá-las. Você vai dividir a massa em 4 porções e abrir e rechear cada porção enquanto as outras ficam quietas embrulhadas. Se precisar de ajuda para entender como abrir a massa, há um zilhão de videos internet afora que vão ser mais úteis do que qualquer coisa que eu escreva aqui. Mesmo seguindo a receita da Marcella Hazan, eu aprendi a fazer massa vendo minha avó fazer. Ver alguém fazer é o que tira as dúvidas.
  4. Quando tiver a primeira tira de massa, apare a massa e corte em tiras compridas de 3cm de largura. Corte no sentido da largura, produzindo quadradinhos de 3cm.  Distribua 1/4 colh.(chá) de recheio sobre os quadradinhos. Dobre-os ao meio, fazendo triângulos e apertando bem pra selar. Essa parte tem que ser feita rapidamente para a massa não secar. Apoie o dedo indicador onde está o recheio, deixando a ponta maior para cima, e dobre as outras duas pontas uma sobre a outra, por sobre seu dedo. Sério, vídeos de gente fazendo tortellini. Serve o Jamie Oliver. Pelo texto é muito difícil visualizar. Como minha massa estava secando muito rápido, acabei me atrapalhando e a massa saiu cortada maior do que deveria. Mas como minha massa estendeu bem fininha, consegui produzir todos os cappelletti de que precisava. 
  5. Uma vez que você faça os cappelletti, deixe-os espalhados em uma assadeira polvilhada com farinha, sem se encostarem, para que sequem, e comece tudo de novo com o restante da massa. Você pode deixar os cappelleti secando ali em temperatura ambiente pelo dia todo até a hora de cozinhar. Eles têm menos risco de se abrirem no cozimento se tiverem secado um pouco. Ao final, você deve ter cerca de 200 cappelletti.
  6. Na hora de servir, leve o caldo à fervura. Com cuidado, coloque os cappelletti, que não devem demorar mais que 3 minutos para cozinharem, mas vai depender da espessura da massa e do quanto secaram. Vá retirando um e testando. Quando estiverem cozidos, leve à mesa IMEDIATAMENTE e sirva com parmesão ralado.
No dia seguinte, aquela bagunça de criança e presente, café da manhã, e mal deram onze horas e começamos a petiscagem. Minha família é do petisco, do antipasto, do acepipe, do cicchetti, dos tapas, e a gente consegue ficar no pãozinho com qualquer coisa em cima o dia todo e pular almoço e jantar. E era esse o objetivo: petiscagem até o meio da tarde, para só colocar o assado no forno para o fim do dia. 
Eita, foto fora de foco!
Servi salames e presuntos, incluindo um exótico salame de alce com mapple syrup que comprara especialmente para meus pais. Brinquei que mais canadense que salame de alce com mapple, só se o alce tivesse sido morto por um lenhador canadense barbudo, usando camisa de flanela e chapéu de guaxinim. Servi também patê de fígado de frango, que é um clássico familiar, uvas, tomates, queijos e castanhas. E vinho. E caipirinha, claro. As crianças passaram o dia petiscando junto, entretidas com seus presentes, e sobrou para os adultos a arte da conversação.

O jantar principal foi simples, um lombo assado com batatas e uma salada de folhas amargas com maçã, que eu já tinha tido trabalho o bastante no dia anterior. Sobremesa foi uma torta de peras e chocolate que prometia muito mas não achei aquilo tudo não. 
Passado o Natal, vêm os passeios no parque, no museu, almoço aqui e ali, e pronto, que já é Ano Novo! Recebemos um casal de amigos que trouxeram um Caldo Verde para complementar a já sabida petiscagem, repeteco do Natal, acrescida de guacamole com tortillas e uma quiche de brócolis que acabou sobrando inteira para a ressaca do dia seguinte. Brownie com sorvete sempre dá conta do recado com a criançada (e com os adultos), e foi uma noite maravilhosa, com karaokê improvisado e todo mundo acompanhando Bon Jovi e Backstreet Boys com Kazoos, e dobrando no chão de tanto rir. Tem que ser criativo em Reveillon canadense, que aqui mal se soltam fogos e ninguém "vai pra Paulista" nem pula sete ondinhas a doze graus negativos.

Os dias que se seguiram exigiram criatividade também. Que eu programara diversos passeios que dependiam dos trocentos centímetros de neve que sempre caem no início de janeiro. Mas o que tivemos (e continuamos tendo) é um inverninho mixuruca, ameno e chocho, sem neve nem dia bonito, com muita chuva que vira gelo na calçada e tempo cinza-depressão. Daí que nada de fazer snow-shoeing, nada de descer barranco com trenó, nada de boneco de neve no parque. Pelo menos teve um dia, antes do lago descongelar, que, de confiança alimentada pela marca de passos sobre a neve antiga depositada no lago, fomos Allex, meu pai e eu caminhar por sobre o lago congelado. Que afinal, se você vai para um lugar em que um lago inteiro vira uma pedra de gelo, não dá pra perder a oportunidade de ficar em pé em cima dele, mesmo que morrendo de medo de cair lá dentro e virar picolé. 

Meu pai trouxe os tênis de corrida, depois de eu muito insistir durante o ano todo, e foi uma das coisas mais legais que fiz poder correr 9km do lado dele, ao longo do lago, em temperatura negativa. Orgulho do papai! Setenta anos e firme e forte, melhor que muito amigo meu de quarenta!
Teve uma nevinha nos últimos dias, quase prêmio de consolação. E meus pais pelo menos puderam passear no parque e ver como fica lindo assim branquinho. Foi minha mãe quem se animou a descer no meio da noite quando a neve caiu mais forte e brincar de snowball fight. Bando de adulto de pijama na frente do prédio rindo e tomando bola de neve na cara, e canadense passando por nós com aquela cara de quem não entende o por quê de tanta alegria. 

Alegria foi também levar minha mãe no The Rex, o bar de jazz mais antigo de Toronto. Com cara de de pub velho atrás de igreja, lotado da terceira idade no domingo na hora do almoço, surpreendeu pela qualidade da banda. Uma banda igualmente composta por gente que passou por duas guerras, tocando um Dixieland delicioso, num show animado e divertido por três horas. De deixar o sorrido no rosto até doerem as bochechas. Acho que nunca vi minha mãe tão contente, e esse foi para mim o ponto alto da visita toda. 
Quando eles foram embora bateu aquela depressão, a casa vazia e não saber quando vou vê-los de novo. Eles voltaram para o Brasil no mesmo dia em que as crianças voltaram para a escola e Allex para o trabalho, e de repente eu estava sozinha, olhando para a cara do cachorro. Vou retomar minha rotina, pensei. Corrida, meditação, pintar feito louca, procurar um novo lugar de exposição, terminar meu livro, montar minha loja no Etsy, participar daqueles concursos, fazer aquelas aulas. 

Só que não. 

Passou Ano Novo, tem aniversário da Laura. SETE ANOS. Mamãe, quero chamar minhas amigas.

E lá vou eu. Mamãe, no dia do meu birthday, quero levar a sopa da vovó de almoço na escola. E de jantar, quero cachorro-quente do papai, aquele na churrasqueira. E bolo de chocolate. E na minha festa quero pão de queijo, pipoca e cupcake de baunilha. E quero almoçar no japonês. 

Tinha que ser minha filha, só pensar na comida do aniversário.

E lá fui eu passar minha semana fazendo bolo, cupcake, comprando coisa pro cachorro-quente, lembrancinha pra escola, lembrancinha pra festinha, balão pra encher, bandeirinha pra pendurar, e o tal do kit de pintura de rosto que ela andava pedindo pra ter no aniversário dela desde o ano passado. 

Contei que também tinha trabalho encomendado pra entregar essa semana?

E que o marido ficou doente de cama um dia todo? 

Pois é. 

Veio aniversário e deu tudo certo e ela ficou felicíssima com tudo. Festa aqui no Canadá é super simples e dura duas horinhas, mais playdate que festa. Pão-de-queijo, pipoca, cupcake e suco de laranja. Pintei o rosto da criançada toda (os meus mais quatro amigas da Laura) de tudo quanto é bicho, e já vi que se tudo der errado na vida, ainda posso ganhar uns trocados fazendo face-painting em festa infantil. Talento escondido, olha só! 

Janeiro prosseguiu assim, comigo tentando voltar para a rotina e alguma coisa aparecendo pra não me deixar. Teve coisa boa, como uma viagem rápida para Ottawa, e teve coisa ruim, como a escola estar em greve por conta dos cortes na educação que o Ford, nosso digníssimo governador de direita, andou fazendo e que não anda agradando ninguém. 

E agora escrevo assim correndo, enquanto as crianças estão no banho, porque amanhã tem greve de novo, e se fosse deixar esse post para outro momento mais calmo, ele sairia apenas em março. Ufa!

A sopa da vovó é uma canja com arroz e legumes e peito de frango que comi durante a vida toda. E que aqui ocasionou grandes mudanças, pois depois de enviá-la de almoço na escola, as crianças FINALMENTE voltaram a comer COMIDA no almoço e não sanduíche. Isso me facilita horrores a vida, pois é só requentar o jantar do dia anterior e colocar na marmita deles, ao invés de ter de ficar inventando moda e me estressando com o valor nutricional do pão com queijo. 

A sopa da vovó que a vovó faz fica mais soltinha, mais líquida, e mais clarinha, pois ela usa peito de frango. Eu que já tinha caldo de frango feito e todas as aparas da carcaça que eu usara o caldo (depois de cozinhar a carcaça saio tirando todo fiapinho de carne cozida dela, e você junta bem umas duas xícaras de frango desfiado), fiquei com dó de botar o peito do bicho na sopa e resolvi guardar para fazer filés. O caldo deixou a sopa mais dourada (e igualmente gostosa, ainda que mais forte.) Também errei na quantidade de arroz, que achei que era muito pouco, e a sopa quase que virou risotto. Hahah!Ainda assim, foi devorada, com parmesão ralado por cima e croutons, que é como os netos sempre comeram na casa da vó.

Prometo voltar mais rápido na próxima vez. ;) Obrigada a quem lê, por continuar por aqui.



SOPA DA VOVÓ
(A canja da minha mãe é daqueles pratos feitos a olho, com o que sobrou na geladeira, então todos os ingredientes são adaptáveis em quantidades. Quanto rende? Rende no mínimo para quatro pessoas.Você pode cozinhar o arroz direto na sopa, desde que fique de olho pra que ele não passe do ponto - você não quer que ele desmanche, apenas que fique macio. Nesse caso use 1/3xic. arroz branco cru quando as cenouras estiverem já macias e acrescente 1 xícara de água à panela para compensar a absorção de líquido do arroz. Se quiser trocar o arroz por um macarrãozinho pequeno pra sopa, pode. Se quiser não usar nem o arroz nem o macarrão, também pose. Se vc já tiver frango desfiado na geladeira, ótimo: refogue com os legumes para dourar um pouquinho, e use a cenoura ralada grossa para acelerar o cozimento.)

Ingredientes:
  • azeite de oliva 
  • sal e pimenta do reino
  • Meio peito de frango, cortado em 3 ou 4 pedaços (para cozinhar mais rápido)
  • 1 cebola, picada
  • 1 cenoura, descascada e cortada em cubinhos bem pequenos
  • 2-3 batatas médias cortadas em cubinhos 
  • 1 xícara de arroz branco JÁ COZIDO
  • salsinha picada
  • queijo parmesão ralado e croutons para servir  (minha mãe doura os cubinhos de pão em azeite e orégano)

Preparo:
  1. Numa panela grande, aqueça um fio de azeite generoso, em fogo médio, e refogue a cebola e a cenoura com uma pitada de sal até que comecem a dourar. 
  2. Junte o frango, dourando todos os lados, e temperando com sal e pimenta conforme for pegando cor. 
  3. Junte a batata, remexa algumas vezes, e então junte água suficiente para cobrir o frango e os legumes, cerca de 6 xícaras. Leve à fervura, abaixe o fogo e cozinhe por trinta a quarenta minutos. 
  4. Cheque o frango. Se ainda não estiver cozido por dentro, volte para a panela e continue cozinhando. Se já estiver bom, retire os pedaços da panela, coloque na tábua e desfie com a ajuda de garfos.
  5. Volte o frango desfiado para a panela, mexa algumas vezes e acerte o tempero. Cheque as cenouras e as batatas, que devem estar bastante macias, quase derretendo. Se já estiver tudo bom, junte o arroz já cozido, misture bem, deixe cozinhar por mais uns cinco minutos e acerte o tempero. A sopa pode ficar mais rala ou mais consistente, dependendo da quantidade de líquido. Acerte isso também, a seu gosto, lembrando de corrigir o tempero. (Minha mãe costumava usar um amassador de batatas para espremer as cenouras e as batatas, e até um pouco do frango junto, para servir uma sopa mais cremosa quando meus filhos eram bem pequenininhos.)
  6. Junte a salsinha, misture e sirva imediatamente com croutons e parmesão ralado por cima. 
 MINHA ADAPTAÇÃO: como eu tinha já uns dois litros de caldo de frango e umas duas xícaras de frango desfiado da carcaça da preparação do caldo, refoguei os legumes, o frango, juntei as batatas e cobri com o caldo. Quando os legumes estavam macios, juntei o arroz. Meu pecado foi colocar arroz demais, pois havia bastante caldo e achei que a sopa ficaria muito rala. Mas o arroz absorve bastante líquido, e a sopa terminou mais cremosa do que eu pretendia. Com o caldo de frango, a sopa fica com um gosto mais forte. A sopa da minha mãe tem um gosto mais delicado.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Junho e Lisboa e Toronto



Quando chamaram meu voo de volta para casa, ouvi atônita aqueles dois chamados simultâneos: Passageiros do voo para Toronto, Canadá... Passageiros do voo para São Paulo, Brasil... Uma enorme estranheza tomou conta de mim, mas os motivos eram completamente inesperados: aquela era a primeira vez em que eu deixara o Canadá para outro lugar que não o Brasil, e era também a primeira vez em que eu estava irrevogavelmente certa de que Toronto era meu LAR. 


Junho fora um mês corrido à maneira que Dezembro costumava ser quando morava nos trópicos: festinhas de fim de ano escolar, apresentações, lanches comunitários, os últimos play dates antes dos amigos desaparecerem em seus dois meses de férias. A mãe tentando usar sabiamente o tempo que lhe resta de crianças na escola: faltam quinze dias para as férias, faltam dez, faltam três, meu deus, hoje é o último dia em que posso terminar esse trabalho sem os filhotes do lado! Montei minha segunda exposição num café de Toronto, mas já nesse momento, pelos horários impostos pelo lugar, precisei arrastar a pimpolhada comigo, pendurando quadros e grudando etiquetas, enquanto pedia aos filhos para tirarem os pés dos bancos e não incomodarem a mesa ao lado. Aqui, comam seu biscoito vegan-gluten-free, que esse café é uber-hipster e é o que tem pra hoje. Não, não pode ter outro, que a gente vai voltar pra casa e jantar. Sim, eu sei que está calor, mamãe também está com calor, o verão chegou, vocês não queriam o verão?, ali, taí, chegou o verão e o verão é quente. Ai, meu deus, os ganchos do café não cabem nos quadros, p*taquelospariu, vem com a mamãe na loja ali do lado pra comprar clipes de papel e resolver isso, que mamãe tem que pendurar os quadros pra vender, e a moça do café é muito educada e sorridente, mas à melhor maneira canadense, não está mexendo um dedo pra encontrar uma solução para o meu problema. Vem, que a mamãe é brasileira e a gente tem jogo de cintura e se vira nos trinta. 

No calor que chegou atrasado e repentino, guardei os casacos e meti-me num par de shorts e uma regata, cabelo póinhóinhóin desarranjado pela umidade e olhei no espelho. E aquela branquidão cadavérica do inverno sob a luz do sol, os bracinhos de ciabatta saindo da cava da camiseta, dando aquele tradicional tchauzinho em câmera lenta, a pele que exposta que já não tem aquele, como se diz mesmo? "viço" dos anos anteriores... fizeram-me olhar o espelho como cachorro que não entende, cabeça pendendo prum lado, sobrancelhas franzidas sobre os olhos. O que era isso que eu estava olhando? Quem era essa pessoa? Saída da elegância invernal, confortável consigo mesma, para essa estranha imagem sem idade nenhuma, uma mulher mais velha vestida d e "xófem" verão passado. Não conseguia definir se eu parecia uma velha tentando se passar por adolescente, se gostava ou não daquela mulher que eu olhava, se se era só um choque me ver de novo num biquini, após dez meses, e pela primeira vez eu me senti com os quarenta anos que se aproximam.

Ou melhor... me senti com idade nenhuma. Num limbo.

Liguei para minha melhor amiga: tô com crise de meia idade. Não sei quem eu devo ser com quarenta anos. Eu tava sussa até agora, de repente o espelho quebrou e não sei mais quem eu sou. Quem eu sou com quarenta anos? Eu sei que não sou mais quem eu era com trinta e poucos ou com o vinte e alguns. E agora, José? Que é que eu faço. 

Venha para Portugal me visitar, ela disse. 

E eu fui. 

Às vezes a gente precisa do farol para indicar o caminho.
Uma conversa rápida com o marido fenomenal que me apoia nas minhas loucuras e arranjamos o esquema das crianças na escola e alguém para passear o cachorro no meio do dia. Ele conseguiu horários alternativos de trabalho com a chefe dele, e em menos de vinte e quatro horas daquele convite, eu já estava de passagem comprada. O universo conspirou tanto, que até passagem promocional por metade do preço eu achei. 

E no meio de Junho dei um beijo na testa de cada filho, catei minha malinha e fui respirar ares portugueses na casa da minha querida amiga que eu não via havia dois anos. O abraço longo e amoroso, apertado de prender a respiração, compensou o voo com as galinhas da companhia aérea promocional mequetrefe. Enquanto andávamos até seu carro, sorrisos imensos, parando cinco vezes em vinte metros para mais abraços, fui sentindo os ares familiares entrando em mim e energizando meu corpo cansado. Familiar por aquela presença que me conhece tão bem, familiar por olhar em volta e ver aquele Brasil antigo de Lisboa, a arquitetura das casas de São Paulo, o idioma estampado nos outdoors. A mesma sensação de retorno às origens que senti quando fui à Itália pela primeira vez, mas agora eu compreendia não as minhas origens, mas do lugar onde nasci.


pão com chouriço
Fotografei o cone infantil de sorvete e mandei para Allex. No Canadá, sempre pedimos cones infantis para os adultos, pois a bola de sorvete que se faz para as crianças é do tamanho de uma bola de tênis.
Foram apenas cinco dias. Cinco dias de conversa infinita e mais abraços apertados. De O Que É Que Vamos Comer Hoje? De Quero Tanto Te Mostrar Esse Lugar! Fomos a Óbidos, Cascais, Sintra... comi todos os pastéis de nata que pude, e travesseiros de Sintra, e queijadas, e Toucinho do céu, e Sardinhas e pão com chouriço na festa dos Santos, e Pastéis de Bacalhau, e Polvo a Lagareiro olhando para o mar, e Bacalhau com batatas ao murro e sorvete de maracujá, e pão com manteiga de padaria e suco de laranja espremido na hora. Porque pão na chapa com suco de laranja em padaria de bairro é das poucas coisas que realmente me fazem falta do Brasil. As porções de comida eram consideravelmente menores do que as canadenses (e mais baratas), o que senti como um alívio. Que bom que a gente não se matava de comer numa refeição só e sobrava espaço para experimentar um pão-de-ló e tomar mais um café.

Não comi nada em Portugal que não estivesse gostoso.

 
Acordávamos cedo com minha amiga cantarolando uma musiquinha que, brinco, ficou gravada na minha mente para sempre. As crianças eram sempre cheias de energia, e a mesa do café era farto, como sempre era quando eu a visitava no Brasil. Queijos, presunto, muitas frutas devoradas inteiras pelas crianças. Café da manhã sem pressa, sem horário. Bota todo mundo no carro, bicicleta de criança, vamos passear. As crianças participam da conversa. Música. Estrada. Histórias de família. Esperanças e planos para o futuro. Passeios longos, caminhadas sem pressa em cidadelas antigas, ruas estreitas de escorregadias pedras portuguesas. Um calorzinho com vento fresco que pede vestido com echarpe. Cafezinhos bons e docinhos delicados em lugares de tetos antigos e janelas de madeira. Luz aconchegante. Sanduíches de sardinha e vinho verde. Crianças brincando com os brinquedos e os livros dos cafés. 


Banho de descarrego.
Cheiro de mar. Quem nada em lago não tem medo de água fria. Enquanto os portugueses sentavam na areia de agasalhos sob um ventinho frio de vinte e um graus, larguei as roupas e fui e eu e meu biquini brasileiro, minha barriguinha de mãe, minha pele branca de bicho de goiaba encasulado num inverno de oito meses, e me joguei no outro lado do Atlântico, cabeça submersa, tocando as mãos na areia do fundo, e emergindo com o sal na boca, estranho, tão estranho, porque não é lago. A água gelada pinicava minha pele e então esquentou. Nadei muito, deixei a corrente me levar, boiei à deriva um pouco, olhando as nuvens la´em cima, sentindo o cheiro salgado daquele mar que eu não via havia anos. 

Saí da água feito sereia que ganhou pernas, renovada, recriada, um mundo novo a explorar sob meus pés.

De volta à casa, a rotina bem conhecida, jantar, banho nas crianças, um vinho, uma conversa até tarde da noite, o cansaço do dia palpitando de energia viva sob a pele. Olho para fora, para as ovelhas sendo recolhidas na quinta em frente, o pôr do sol nas montanhas lá no fundo, ah, montanhas, sinto saudades suas, naquela terra plana onde moro, e ouço as vozes de pai e mãe explicando o mundo para os filhos, cantando músicas, contando histórias, dizendo boa noite. Roupas coloridas balançam no vento do lado de fora das janelas.

Tenho sorte de poder participar da rotina de uma família amorosa. E no outro dia vamos fazer uma visita à Maria, do Seis Mais Dois que virou Sete. Outra família que nos recebe de braços abertos, calorosa e gentil, e a realidade é sempre melhor do que o que se vê pelos filtros do Instagram, se você souber observar. A realidade das vidas dos outros, quando temos a sorte de viver com eles, de conectar e estar ali, é o aconchego do imperfeito, é a paz que vem quando a gente aceita a vida como é e não como dizem que tem que ser (ou como achamos que tem que ser). É vida que não cabe em página de revista e em foto de Instagram. É um alívio de se sentir parte de um mundo de verdade, de romper aquele filtro mágico que recobre a realidade dos outros na internet. O imperfeito que está bem e é lindo por isso mesmo. Que permite que nossas cobranças se dissolvam. Que permite que respiremos. Estar ali com aquelas duas famílias foi um presente divino do universo, o farol que acendeu suas luzes para me guiar naquele mar.


Num dia de uma volta sozinha em Lisboa, paro no fim da tarde para ouvir uma banda tocando numa praça. Tomo um vinho no meio da rua, sentada na beira do canteiro da praça com mais umas trinta pessoas. Olho o Tejo nessa luz de noite de verão que não escurece, ventinho frio sob a jaqueta jeans. Eu estava tranquila.

O tempo passa devagar. O tempo tem passado devagar desde que cheguei a Lisboa. Respiro devagar. As ideias fluem mais lentamente e com mais atenção. Vejo um grafite de um guaxinim ali, mas é tão a cara de Toronto. Sinto saudades. Pela primeira vez sinto saudades de Toronto. Lisboa é linda e antiga, é comida maravilhosa, familiaridade, mar. Mas sinto saudades de meus filhos, queria que estivessem comigo, e penso neles naquela cidade. Eles teriam adorado o mar e o castelo São Jorge. Teriam adorado os pastéis de nata e os frutos do mar. Mas como eu, cansariam rápido da dinâmica da cidade, pediriam mato e parque e trilha e bicho. Muito bicho. Falei dos bichos? Toronto tem bichos que não são grafite. Guaxinins aos montes. E esquilos. E chipmonks. E cisnes, e gansos e patos e corujas e falcões, que há dias que vejo mais de três sobrevoando baixo acima de minha cabeça. E coelhos, vi coelhos durante uma corrida cedo no parque. E noutro dia, para espanto geral, dei de cara com um coiote que ficou muito curioso com minha presença e me olhou nos olhos por longos minutos até assustar com minhas palmas e correr mato adentro. Bichos.




Penso na infinidade de playgrounds de Toronto. Como é fácil ter filhos ali. Com as calçadas grandes para andar de bicicleta. As trilhas que se conectam nos corredores verdes e vão te levando do lago para o rio, para o bosque, para a praça, para a floresta, para a lagoa, para o rio, para o lago de novo, borboletas voejando à sua volta e você esquecendo que aquela é uma cidade grande. Enquanto estou em Lisboa tomando meu vinho verde e pensando essas coisas, Allex me manda um video: Laura pedalando a primeira vez de bicicleta sem rodinhas. Pronto, meus dois filhos são crescidos agora.

Despeço-me com a promessa de um novo encontro, uma nova travessia de oceanos. Levo um doce português comigo no avião, para curar as mágoas da refeição aérea desastrosa. Agradeço e continuo agradecendo por dias ainda aquele convite singelo e transformador.

Estou ouvindo a chamada no aeroporto e despeço-me também da dúvida. O voo para São Paulo não faz mais parte da minha vida. Quando o avião decola, despeço-me não da Europa, mas da ideia de Europa que assombrava minha mente: e se tivéssemos ido para a Itália ao invés do Canadá? Quando o avião sobrevoa Toronto no meio de uma linda tarde de céu azul, vejo meu prédio ali perto do lago. É a primeira vez que consigo ver minha casa de um avião. Ele se destaca, assim como todos os poucos prédios, naquela imensidão verde que cobre a cidade. As árvores antigas são maiores que as casas, e  Toronto de cima é quase amazônica no verão. Meu coração se enche de amor e gratidão por aquelas árvores, aqueles parques, aquela infinidade de playgrounds que meu filhos amam tanto explorar. Um playground novo a cada cem metros. É uma cidade para crianças. 


Volto para abraços apertados. Volto para meu novo familiar. Estou em casa. Estou em paz. Estou zen.
Boto meus shorts, prendo o cabelo desarranjado pela umidade e vejo no espelho uma mulher de (quase) quarenta anos que está bem. Subimos em bicicletas e pedalamos vinte quilômetros por trilhas ao longo do lago, até prainhas pequenas. As crianças nadam com peixes. A água é gelada. Entro de roupa e tudo para refrescar.



Voltamos e botamos linguiças na churrasqueira. E tomates e abobrinhas e pimentões e cebolas. E no dia seguinte comemos os legumes que sobram com torradas e queijo e salada.


Quando Junho acaba, volto contente para o café para recolher meus quadros e descobrir que vendi alguns. Corro atrás da próxima empreitada. Quero vender todos.

Julho começa com o fim da minha breve crise de meia-idade. Renovada pela convivência com uma família linda e amorosa. Pelo banho de descarrego no mar gelado. Volto zen. Volto com amor e certeza por minha cidade, pelo meu momento, pelo meu lugar no mundo. Munida de toda a paciência do universo, de quem respira devagar. Paciência com as crianças. Paciência com os outros. Mas principalmente comigo. Dou-me conta do quanto julgar os outros me faz intolerante comigo mesma. Então apenas paro. Respiro. Aceito.

Não vejo a hora de poder dizer com orgulho que tenho quarenta anos.

The purpose of life is to enjoy.


......

E o que se cozinhou em Junho por aqui? 

Pouca coisa nova, no meio da correria. Rolou muita improvisação, isso sim.


Lembrei-me de um hábito que tinha com as crianças no Brasil, de comer queijos de sobremesa. Isso funciona bem aqui, pois a pimpolhada não come doce durante a semana, a não ser que seja um bolo ou biscoito de lanche da escola. Eles adoram queijo de sobremesa, e eu me divirto comprando um queijinho diferente por semana. Acompanham castanhas, que Thomas adora, e uma porção pequenina de frutas, que Laura devora.



Andei cavocando de novo o livro da Suzanne Goin, e dele saíram essa sopa de agrião com torradas com relish amanteigado. A sopa é uma delícia e o relish fez sucesso imediato. Mas achei muito bizarro descartar os legumes cozidos. Guardei-os e no dia seguinte transformei-os em recheio de quiche. Nham!


Dica: eu achei que a sopa ficou deliciosa, mas um pouco mais rala do que gostaria. Não sei se me faltou agrião ou se o caldo não reduziu como deveria. De qualquer forma,  numa próxima vez, eu colocaria menos sal no começo para poder reduzir um pouco mais o caldo antes de bater com o agrião. 

SOPA DE AGRIÃO COM TORRADAS COM RELISH
(Largamente adaptado do Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 7 colh. (sopa) manteiga
  • 1 xic. cebola fatiada + 2 xic. cebola picada
  • 2 alhos-porós pequenos fatiados
  • 1 cenoura, descascada e fatiada
  • 2 talos de salsão, fatiados
  • 1/4 de maço de tomilho
  • 1/4 de maço de salsinha + 2 colh. (sopa) salsinha picada
  • 1 pitada de pimenta caiena
  • 5 xic. folhas de agrião (cerca de dois maços)
  • 2 colh. (sopa) cebolinha picada
  • 1 colh. (sopa) estragão picado
  • 1 xic. creme de leite fresco
  • 1 limão
  • sal e pimenta do reino
(torradas com relish)
  • 1 baguette em fatias diagonais
  • 1/4 xic. azeite
  • 6 colh. (sopa) manteiga, amolecida
  • 1 colh. (chá) anchova picada
  • 2 colh. (chá) cebola picadinha
  • 1 colh. (chá) suco de limão
  • 1/4 colh. (chá) raspas de limão
  • 1 colh. (chá) salsinha picada
  • 1 colh. (chá) cebolinha picada
  • sal e pimenta

Preparo:
  1. Aqueça uma panela grande. Derreta nela 4 colh. (sopa) de manteiga da sopa e junte a cebola fatiada, o alho-poró, cenoura e salsão. Misture bem e tempere com 1 colh. (sopa) sal e um pouco de pimenta. Cozinhe por 5 minutos e junte as ervas, sem tirar dos talos, para facilitar retira-los depois. Cozinhe em fogo médio por mais 5 minutos até que os vegetais caramelizem. 
  2. Junte 10 xic. de água e leve à fervura. Abaixe o fogo e cozinhe pro 30 minutos. Passe por uma peneira e reservando o caldo. (Reserve também os legumes para outro uso, retirando os talos das ervas.)
  3. Volte a panela vazia ao fogo. Junte 3 colh. (sopa) manteiga e junte a cebola, 1 pitada da pimenta caiena, 1 colh. (chá) de sal  e pimenta. Cozinhe por 5 minutos, mexendo sempre, até que amoleçam. Junte o caldo, aumente para fogo alto e leve à fervura.
  4. É preciso bater a sopa aos poucos. Coloque 2 1/2 xic. de agrião e as ervas no liquidificador. Junte 1 1/2 xic. do caldo quente e bata até que fique homogêneo. Vá juntando o restante do agrião e batendo, acrescentando caldo se necessário, e volte a sopa à panela do que restou de caldo. Misture bem, Junte o creme de leite e misture, acertando o tempero.  Tempere com uma espremida de limão, se quiser. 
  5. Para as torradas, aqueça o forno a 190oC. Coloque as fatias de pão numa assadeira e pincele com o azeite. Leve ao forno por uns 10 minutos ou até que dourem. Deixe que esfriem.
  6. Numa tigela, misture todos os outros ingredientes até que vire uma pasta. Acerte o tempero. Espalhe a pastinha sobre as torradas frias e sirva com a sopa.



E esse peixe delicioso, marinado, grelhado, servido sobre um arroz verdíssimo e com rúcula fresca por cima. Um molhinho de pepino e iogurte para acompanhar.


Para deixar bem claro: essas são as medidas originais das ervas ´picadinhas. Mas, de verdade, eu já fiz assim ipsis literis e já saí jogando simplesmente "punhados" das ervas, e fica igualmente ótimo. Então não precisa ficar medindo loucamente não.

PEIXE COM ARROZ VERDE E PEPINOS NO IOGURTE
(Largamente adaptado do Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
(peixe)
  • 6 filés de peixe branco com pele (o Vermelho é uma boa opção no Brasil)
  • casca ralada de um limão
  • 1 colh. (sopa) folhas de tomilho
  • 2 colh. (sopa) folhas de salsinha picadas
(pepino com iogurte)
  • 450g pepino
  • 1/2 colh. (chá) sementes de cominho
  • 3/4 xic. de iogurte
  • 1/2 colh. (chá) alho picadinho
  • 2 colh. (sopa) cebola picadinha
  • uma pitada de pimenta caiena
  • 2 colh. (sopa) folhas de menta, picadas
  • 2 colh. (sopa) azeite
(arroz verde)
  • 3 xic. água
  • 1/2 xic. salsinha
  • 1/4 xic. folhas de menta ou hortelã
  • 2 colh. (sopa) cebolinha
  • 1/4 xic. folhas de coentro
  • 2 colh. (chá) semente de erva doce
  • 1/4 xic. azeite
  • 3/4 xic. de funcho picado
  • 3/4 xic. cebola picada
  • 1 1/2 xic. arroz branco
  • 1 colh. (sopa) manteiga
  • sal e pimenta do reino
(finalização)
  • 1 maço de agrião, sem os talos mais grossos
  • 6 raminhos de coentro
Preparo:
  1. Tempere o peixe com as raspas de limão e as ervas, cubra e refrigere por 4 horas. 
  2. Faça o arroz: Leve a água para ferver e desligue o fogo. Coloque num liquidificador todas as ervas do arroz e 1 xic. da água quente. Bata até virar um purê bem verde e homogêneo.Junte o restante da água e termine de bater. Quanto mais lisinho for o caldo de ervas, mais bonito fica o arroz.
  3. Doure as sementes de erva-doce na panela em que vai fazer o arroz. Transfira as sementes para um pilão e transforme em pó (se ficar com preguiça, só doure e depois junte ao restante no passo seguinte). 
  4. Aqueça o azeite na panela do arroz e junte o funcho picado, a cebola, as sementes de erva doce, e 1/2 colh. (chá) de sal. Cozinhe em fogo médio até a cebola e o funcho ficarem macios, sem dourar. Junte o arroz, mais 1 colh. (chá) de sal e pimenta do reino. Mexa bem, e junte o caldo de ervas. Experimente e acerte o sal a gosto.  Leve à fervura, reduza o fogo e junte a manteiga. Cubra e cozinhe por uns 15 minutos ou até o arroz ficar pronto, normalmente. Afofe com um garfo, acerte o tempero e reserve.
  5. Enquanto o arroz cozinha, faça os pepinos: Fatie os pepinos bem fininhos e tempere com 1 colh. (chá) de sal. Deixe sorar por dez minutos.
  6. Toste o cominho (dica: as sementes já estão tostadas o bastante quando você sente o perfume delas) numa frigideira e pulverize num pilão. 
  7. Drene os pepinos, seque com uma toalha e junte aos outros ingredientes. Acerte o tempero e reserve. 
  8. Aqueça uma frigideira grande por uns dois minutos. Tempere o peixe com sal e pimenta dos dois lados. Coloque um fio de azeite na frigideira e espere um minuto para esquentar. Coloque o peixe com a pele para baixo e cozinhe por 3 a 4 minutos até a pele ficar crocante. Vire o peixe, abaixe o fogo para médio-baixo e cozinhe por mais alguns minutos. 
  9. Transfira o peixe para a travessa do arroz quente. Sirva com o agrião por cima, mais um fio de azeite, uma espremida de limão e os pepinos para acompanhar.





terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Um mês sem (com menos) açúcar e mousse de chocolate, porque a coerência, né?!

O Inverno de verdade demorou para chegar, mas quando chegou, chegou chegando.
Sabe resolução de ano novo? Eu detesto resolução de ano novo, e não me invento uma desde a minha adolescência. Porque, né? eu gosto de ser do contra. Foi meio sem querer que Janeiro acabou virando um mês que teve feeling de resolução de ano novo, mas foi engraçado por isso mesmo: porque não foi uma resolução de ano novo. Muitas transformações aconteceram, no meio do clima louco que despencou dos 5 graus positivos para os 36 negativos durante duas semanas, inclusive minha primeira exposição em Toronto, no Starving Artist Café, que exibiu minhas aquarelas durante 8 semanas. :)



Acordei no dia primeiro do ano incomodada. Muita coisa passara pela minha cabeça durante o mês de dezembro, e quando me levantei da cama para tomar o primeiro cappuccino do ano, conseguia sentir minhas caraminholas se movendo no meu cérebro.

Mamãe, quer waffle? perguntaram as crianças. Não, respondi. Acho que quero dar um tempo do açúcar. Quero ver o que acontece.

Não era dieta, não era modismo, era mera curiosidade. Eu achava que era uma pessoa que já não consumia lá muito açúcar mesmo (vide o post do que como num dia normal), mas fiquei curiosa em saber se eu conseguiria ficar sem o pouco que a que eu me acostumara. Sabia que o ponto fraco era o goró, meu tipo de açúcar preferido, e eu acreditava que a experiência me ajudaria a ter mais clareza dos gatilhos emocionais e circunstanciais que me faziam comer uma fatia de bolo ou abrir uma cerveja.

Minha pele andava mais manchada do que o normal, sentia meu corpo inchado, e meu padrão de sono havia um tempo parecia errático, e intuí que deveria ter a ver com o quanto de álcool e açúcar que andava ingerindo (não a quantidade, porque não sou de exagerar há já uns anos, mas a frequência). Pois ainda que a "regra" aqui em casa seja de não beber durante a semana (até porque bebida alcoólica aqui em Ontario é cara), eu pareço sair do eixo toda vez que temos visitas, pois a visita está de férias e você entra no ritmo do convidado mesmo que sem se dar conta, aproveita para relaxar também... e nós tivemos um bocado de visitas no segundo semestre de 2018, e eu claramente não conseguira voltar a meu ponto de equilíbrio desde então.

Além disso, numa terça-feira em que as crianças perguntaram se havia sorvete de sobremesa do jantar, surpreendi-me com a resposta contundente de meu marido: "Ué, por que teria? É terça-feira!", E naquele momento me dei conta de que por boa parte da vidinha dos meus filhos, essa fora a regra de casa: podia até ter um bolo ou biscoito indo de lanche da escola, mas o conceito de "sobremesa", de "doce depois das refeições", sempre foi meio que coisa de fim de semana apenas. Sobremesa durante a semana é fruta. Ponto. Se quiser. Se não quiser fruta, vai escovar os dentes e xô.

Acontece que durante o verão, com a Saga-do-Sorvete-de-Fruta-Para-Fazer-Thomas-Comer-Mais-Fruta, continuei o embalo e quando me dei conta, todo mundo estava terminando o dia com sorvete. Mas agora de chocolate, de baunilha, de iogurte, de cheesecake, do que fosse.

"Ok, papai tem razão. Acabou a festa do doce e estamos voltando à normalidade. Sobremesa é só de fim de semana."

Antes que alguém revire os olhos e me xingue nos comentários, as crianças reclamaram no primeiro dia. Perguntaram da sobremesa no módulo automático no segundo dia. No terceiro já pediram licença da mesa e foram escovar os dentes e brincar. E quando chegou a sexta-feira, vieram felizes da vida perguntar qual era a sobremesa do fim de semana e está todo mundo contente e tranquilo. Esperar faz bem. (Tempo de tela é a mesma coisa aqui em casa: tv e video-game é só de fim de semana, e ninguém está sofrendo por isso.) E os dois sempre foram acostumados com uma casa que não tinha um monte de biscoito e chocolate dentro do armário.

Enfim.

No mesmo dia em que decidi cortar o açúcar (ou pelo menos diminuir, sabendo que o aniversário da Laura viria e que eu me permitiria alguma bebida durante os eventos já marcados com amigos, só pra evitar encheção de saco), também foi o dia em que propus a meu marido que começássemos a exercitar melhor nossa frugalidade. Sentei com nossas finanças e esmiucei todas os gastos do último ano, que agora finalmente haviam entrado num ritmo estável depois da mudança de país,e poderiam ser melhor avaliados. Saímos fazendo cortes onde podíamos, e estabelecemos algumas novas metas. Cortar cabelo em casa (um corte besta de máquina no barbeiro por aqui sai bem uns 50 dólares com gorjeta!! - e sim, cortei meu próprio cabelo e ficou muito bom, diga-se de passagem), ficar de olho nos horários mais baratos da companhia elétrica (aqui você tem horários e dias em que o preço da energia cai quase que pela metade), e mais várias outras pequenas e grandes mudanças, inclusive... tentar pela primeira vez realmente se manter dentro da meta de supermercado, que em muitos meses estourava em uns 20 a 30%, principalmente por aquelas autoindulgências típicas da nossa geração "eu mereço (item), porque...(insira seu motivo aqui)". Ou porque esquecíamos de deixar guardado aquele tanto para gastar no produto de limpeza que estava acabando, ou na ração do cachorro, que incluímos na categoria Groceries para simplificar nosso orçamento.
A comida do cachorro entra na nossa lista de comida porque, né? cachorro também é gente.
Um site que me ajudou um bocado nesse pensamento frugal esse mês foi o https://www.frugalwoods.com/ . Recomendo.

E lá fui eu.

Como mostrei no post anterior, sobre as compras de mercado, a primeira coisa que fiz foi verificar meu inventário: tudo o que havia de comida, bebida, ingredientes, produtos de limpeza, comida de cachorro, para verificar o que de imprescindível precisaria ser comprado aquele mês e para o qual eu teria de deixar uma "verba alocada". Montei na minha lousa da geladeira a maior quantidade possível de refeições com o que eu tinha em casa, indo de coisas bonitas como "quiche de abóbora e salada verde com rabanetes" até pratos tão absurdamente simples que pareciam saídos de uma verdadeira economia de guerra, como o dia da "Sopa Daquilo Que Sobrou", das fotos aqui em baixo. O objetivo era usar a criatividade para de fato esmiuçar a despensa e a geladeira até o último ingrediente disponível. E aproveitar para colocar à prova aquela minha teoria do último post de que você aprende a cozinhar de verdade com os ingredientes básicos, e não com com ingredientes caros.

Como transformar uma cenoura, uma cebola, um talo de salsão, um ramo de salsinha, borda de pizza de ontem, uma casca de parmesão e 1/4 xic de arroz para risotto em uma refeição para quatro pessoas?
Faça uma SOPA.
A sopa é simples e intuitiva: refogue em azeite a cebola, a cenoura e o salsão picadinhos, junte o arroz como se fosse fazer um risotto, tempere com sal  e a salsinha picada, e cubra com o dobro de água quente que você usaria para fazer um risotto (no caso, eu usei a água do cozimento do grão de bico, pois usara o grão de bico para fazer hommus e guardei o caldo no freezer - eu guardo água de cozimento de QUALQUER coisa no freezer pra incrementar sopas ou tornar um arroz simplesinho em algo mais nutritivo). Junte a casca de queijo, que vai cozinhar junto, e dar sabor e complexidade à sopinha e deixe cozinhar até o arroz estar macio. Não tem problema se passar do ponto. Se o arroz tiver absorvido muita água, junte mais e acerte o tempero. Doure a borda da pizza ou pão velho em cubinhos em azeite com uma pitada de sal e sirva com a sopa. Ficou com fome depois do jantar leve? Come uma fruta. Aqui, ninguém ficou com fome. Estava uma delícia e alimentou todo mundo muito bem. ;)

Enquanto isso, lá ia eu sem açúcar.

A manhã começou bem: eu nunca coloco açúcar no meu cappuccino, pois gosto de sentir a doçura da gordura do leite e o amargo do café. Para mim, açúcar adicionado só atrapalha. E prefiro um pão com manteiga e sal a qualquer outra coisa doce quando acordo. Foi no lanche das dez que a coisa entornou um pouco. Voltei da corrida, e quando fui montar meu potinho de iogurte e fruta, percebi que não usaria o mel de sempre. O iogurte que eu comprara aquele mês, mais barato que o meu habitual, era também mais ácido, e a fruta cortada em pedaços não foi um contraponto doce o bastante. Mas logo percebi que se RALASSE a fruta dentro do iogurte, ela soltaria seus sucos, distribuindo doçura mais uniformemente e tornando o mel desnecessário. #ficaadica.

O almoço, por sua vez, manteve-se igual.

Pão caseiro, abacate, o queijo feta que sobrara do reveillon, salsinha, cebolinha, azeite, limão e sal. Clementinas de sobremesa. Tudo, como sempre, no prato lindo da minha amiga Marina, do @ateliegaroa
Foi de novo no lanche que eu me vi mudando hábitos. Onde antes eu cataria um pedaço de bolo, ou uma das goiabinhas que minha mãe trouxe do Brasil, e correria para fora para buscar as crianças em mais uma deliciosa (note o sarcasmo) nevasca de janeiro, eu me vi catando uma banana.

 *** Aliás, uma curiosidade: não sei por que cargas d'água, mas é impossível separar as bananas canadenses do cacho com as mãos. As cascas são tão fortes, que preciso de uma faca para cortar a banana fora do cacho, como se estivesse tirando o cacho inteiro da bananeira. BIZARRO. Fim da curiosidade. De volta ao post. ***

Hora do jantar. Tudo corre normalmente, apenas evitando receitas cujo tempero envolvesse açúcar ou mel no preparo.

E aí veio o snack da noite. Aquele, que eu andava querendo evitar. Num dia uma banana bastou. Em outro, que desejava algo salgado, me vali dos legumes com hommus, que sempre tenho na geladeira. Mas meu snack da noite favorito, descobri, são fatias de maçã mergulhas em manteiga de amendoim e um bocado de canela. Parece estranho mas é na verdade delicioso e muito satisfatório.

Então quer dizer que foi muito fácil ficar sem açúcar e deu tudo muito certo?

Sim e não.

Como eu já comia pouco açúcar e eu já tinha um mindset de tentar buscar coisas mais saudáveis para beliscar, não foi difícil mudar o HÁBITO, porque foram poucos os momentos do meu dia em que eu precisei buscar uma alternativa. Eu nunca como sobremesas logo depois das refeições, então eu não me vi em momento nenhum "procurando um docinho".

O que eu vi foram algumas "condições de temperatura e pressão" em que eu ficava sim buscando desculpa para terminar o dia com alguma coisinha alcoólica. Não todos os dias. Eram alguns específicos. Normalmente no fim dos dias difíceis. Ou nas sextas-feiras, por exemplo, quando eu começava a preparar a pizza. Foi quando senti falta do meu vinhozim. Mas muito rapidamente, e aí foi a parte interessante, percebi que não era do gosto ou do buzz que eu sentia falta. Era de ter o copo na mão. Então assim como fiz durante aquele um ano e meio em que fiz dieta com nutricionista antes de engravidar, troquei o copo de vinho por uma xícara de chá. E tudo correu bastante bem.

Então foi tudo tranquilo e maravilhoso?

Não.

Assim como eu havia pesquisado, no terceiro dia sem açúcar minha energia e meu humor foram para o buraco. Eu queria gritar com todo mundo, tudo parecia difícil e horrível, todos estavam no meu caminho, e minha cabeça doía, não pela falta de açúcar, mas pela quantidade de tempo que mantive o cenho franzido, cultivando o ranço dentro mim. Esse foi o único dia em que não comi um snack da noite: porque fui dormir às oito e meia, enfurecida e exausta com o universo.

Um amigo do Allex, que fizera essa mesma desintoxicação de açúcar na época em que tentava descobrir a que diabos tinha alergia (a fermentos, no final ele descobriu), explicou a ele: Ih, o terceiro e o sétimo dia são os piores, e depois passa.

Dito e feito. No sétimo dia eu parecia igualmente confusa e mal humorada. Mas o que se seguiu depois foi sensacional.

"Minha cabeça está funcionando!", eu disse a Allex, que me olhou sem entender. "Sério, é como se tivessem passado um limpa-vidros no meu para-brisa sujo pela primeira vez."

O que eu sentia era clareza mental. Andava acordando mais facilmente e com muito mais foco. Eu sabia o que precisava ser feito e estava fazendo. Foi nesse momento, inclusive, que corri atrás e consegui minha primeira exposição de arte em Toronto. Foi quando voltei a produzir mais. Foi quando comecei a enxergar melhor algumas coisas acontecendo no meu dia-a-dia que poderiam ser melhoradas.

E meu corpo?
Ao final de duas semanas eu havia desinchado visivelmente e as manchas vermelhas em meu rosto haviam sumido. E a melhor parte de tudo, e que mais me chamou a atenção, é que pela primeira vez em minha vida, eu não tive NENHUMA TPM. Há dois dias por mês em que eu viro um monstro descontrolado, em que grito com as crianças sem motivo e fico procurando pêlo em ovo para arrumar briga: o da ovulação e o dia antes da menstruação descer. É tão certeiro, que uso isso até como guia para saber quando as duas coisas estão acontecendo ou vão acontecer. Nesse mês... não teve... NADA.

Outros efeitos interessantes:

- a partir da segunda semana, eu parei de ter vontade de beber. Quando Allex me perguntou se queria uma cerveja, respondi que SIM, mas logo em seguida mudei de ideia, porque me dei conta de que respondera automaticamente, e não de fato porque tinha vontade.
- nos momentos em que bebi, foi muito mais fácil parar ainda na primeira ou segunda, sem me sentir sequestrada emocionalmente por qualquer espécie de pressão social.
- os efeitos da bebida (mesmo que tão pouca) no dia seguinte ficaram MUITO mais evidentes, principalmente a quantidade de tempo que meu corpo levou para voltar ao normal depois. Essa velocidade de reparação parecia sempre mascarada pelo consumo de outros açúcares no meu dia-a-dia e não me permitia entender meu corpo.
- a vontade de comer doce sumiu. Mas quando eu comi açúcar, tive os mesmos sintomas de uma ressaca. No fim de semana do aniversário da Laura, em que tive 2 eventos em que bebi (pouco) e comi bolo, toda aquela clareza mental DESAPARECEU por uns 3 dias e meu humor voltou a ficar instável.

Era aniversário da Laura, e como ela pedira para chamar umas amiguinhas em casa no sábado, disse a ela que haveria bolo apenas no dia da festa, ao que ela concordou. No entanto, sem que ela soubesse, preparei esse bolo simplíssimo de baunilha da Alice Medrich, apanhei as framboesas congeladas, e fiz uma geleia rápida e azedinha. Depois da escola, enquanto Laura tomava seu banho compriiiiido de banheira, Thomas me ajudou a cortar o bolo ao meio, recheá-lo, e cobri-lo com chantilly recém-batido. Ele decorou com mais algumas framboesas e posicionou as velas. E Laura ficou felicíssima depois do jantar, quando anunciamos que, apesar de ser uma quarta-feira, teríamos sobremesa.

Thomas recheou e decorou o bolo-surpresa da Laura, que achava que só cantaria Parabéns no dia em que as amigas viessem.

Foi unânime que esse tem que ser o novo bolo oficial de aniversário, pois ficou infinitamente mais gostoso que o de chocolate.
O bolo estava delicioso. Leve e fresco. As crianças adoraram, Allex que não gosta de bolos se serviu mais de uma vez, e eu comi uma fatia gordinha e satisfatória.

O jantar também fora especial: pão de queijo e pastel, a pedido da aniversariante. Usei a receita da massa da Rita Lobo. A receita diz para abrir a massa até a espessura 3 da máquina de macarrão, mas o pastel acabou saindo mais com textura de panzerotti que de pastel de feira. Tive de abrir novamente toda a massa depois do primeiro teste, até uma espessura quase transparente, se não me engano, no nível 8. Preparei o dobro e deixei guardado o que sobrou para fazermos mais pastel no fim de semana.



O sabor escolhido pela aniversariante foi Pastel de Pizza. Essa foto foi da massa teste, que saiu muito grossa.
No sábado, preparei o bolo de aniversário clássico de chocolate, que nunca me parecera excessivamente doce até aquele momento. Quando também Laura e Thomas comentaram que preferiam o de baunilha. Metade de uma fatia bastou para mim, e deixei o restante para as crianças comerem de sobremesa durante o fim de semana.

E no fim de semana seguinte, quando Allex resolveu preparar sozinho um pudim de leite, e pesquisou uma receita do "melhor pudim de leite do Brasil", que levava uma tonelada de leite condensado e uma quantidade brutal de gemas de ovos, também um pedaço para mim bastou. Estava uma delícia. Mas depois de uma colherada gorda, eu sentia REALMENTE que eu já tinha matado a vontade.
Tudo isso me fez pensar a respeito da minha relação com açúcar, seja em forma de doce ou de álcool. Desde como somos ensinadas a enfiar o pé no doce para compensar nossas frustrações (pense na cena clássica da mulher rejeitada, chorando, comendo um pote inteiro de sorvete, ou na frase também clássica "ai, estou de TPM, tô precisando de um chocolatinho"), até na minha relação a cozinha.

Porque se eu não como doce, eu não faço doce (exceto pelo aniversário da Laura). E se eu não faço doce, ninguém em casa come doce. De novo, a não ser pela uma goiabinha que mando no lanche da escola e pelas sobremesa do fim de semana, todo mundo aqui em casa começou a comer MUITO MAIS FRUTAS. Inteiras, in natura. Não dentro de sorvete, pudim ou bolo. Dá pra contar nos dedos das mãos quantos doces a família toda comeu esse mês. E eu não enchi o saco de ninguém, nunca falei que era para a família inteira cortar doce, eu deixei bem claro que era uma experiência MINHA.

Mas acabou sendo melhor para todo mundo.

O que sobrou da quantidade BRUTAL e bananas, maçãs e clementinas que eu comprara no começo da semana.

 Na minha busca por uma vida tranquila, tem entrado muito a MME: Maternidade do Mínimo Esforço. Um termo que vou acabar cunhando, marca registrada, fui eu que inventei (hahaha), porque me deu um bode geral de soluções complicadas para problemas simples. Comida simples. Direta ao ponto. Fruta de sobremesa. Tem sido meu novo lema. Agora, mais ainda.

Maaaas...na minha primeira semana sem açúcar, saí correndo internet afora atrás de receitas de sobremesa sem açúcar para toda a família. Comprei chia para fazer geleia sem açúcar para as crianças. Compilei receitas usando bananas e abacates e tâmaras. DE NOVO.

DE

NOVO

AFE

*Suspiro*.

Cara, eu já fiz isso quantas vezes? QUANTAS??

Benzadeus pela clareza mental.

Parei. Apaguei tudo.

Quero mesmo passar meu dia fazendo bolinha de tâmara? Eu quero ficar preparando mousse de abacate com cacau quando posso só morder uma pera?

Qual é a solução mais simples? Se você não quer comer açúcar mas quer comer algo doce, QUAL É A SOLUÇÃO MAIS SIMPLES? Um mousse de abacate com tâmara e cacau... ou uma maçã?

Uma maçã basta. E que o mais complicado seja uma polvilhada de canela.

No meu mês frugal, o arroz e feijão voltou com tudo. Jantar de ontem foi arroz integral, feijão preto, brócolis refogado e abóbora assada, e o prato estava tão lindo que me arrependi de não ter fotografado. Assim, simples. Sem temperos complicados. Laura resolveu ontem que gosta de abóbora (então agora são 3 contra 1 aqui em casa! hahaha!). Simples. Comida boa e gostosa. Com cara de casa, não de restaurante.

Quando Allex me disse que queria dar um tempo da carne novamente e voltar a fazer hambúrguer vegetariano, a primeira coisa que fiz foi pegar na bilioteca de novo todos os livros do Green Kitchen Stories e aqueles vegetarianos que eu tinha no Brasil. E depois de folheá-los extensamente, suspirei e me dei conta de que não queria fazer nada daquilo. Não queria criar de novo aquela despensa imensa que eu tivera no Brasil. Não queria de novo ficar seguindo receitas para combinar vinte e sete ingredientes. Sabe o que é vegetariano? Arroz, feijão, legumes deliciosamente refogados em azeite e uma salada muito bem temperada. E lá vinha o bode outra vez. Bode desse hábito de se complicar, bode do FOMO que faz com que eu acredite que preciso tentar coisas novas O TEMPO TODO.

Bode, bode, bode. 

O resultado do mês é que passei menos tempo na cozinha. Eu voltei a fazer pães com regularidade, mas não fiquei me sentindo pressionada a fazer bolo ou biscoito toda semana para as crianças levarem para a escola. A comida mais simples e mais previsível é mais fácil de preparar e de reaproveitar. Cortei as idas semanais no supermercado e comecei a ir realmente apenas quando itens imprescindíveis acabassem (como leite, ovos e farinha), ou quando não conseguisse mais produzir nenhuma refeição com o que havia na despensa. O que quer dizer que também passei menos tempo indo a supermercados.

Ainda que eu continue encucada com a nutrição das crianças na escola, principalmente nesse ambiente norte-americano meio trash, confesso que fiquei menos paranoica com o valor nutricional dos pratos que cozinhei. Se é comida de verdade e compõe uma refeição decente, tá bom, obrigada. Hoje em dia sou feliz com essa cozinha simples de dia-a-dia. Sou feliz com banana com canela, sou feliz com o mesmo bom e velho bolinho de iogurte, com minha torrada de abacate e com spaghetti com molho de tomate. Sou feliz com brócolis no alho e azeite e com batatas assadas com alecrim. Com feijão e ovo frito e com tapioca com queijo.

Se um dia eu me fartei de cozinhar panquecas de todos os jeitos e scones e biscuits e toda sorte de itens diversos de café da manhã, minha felicidade hoje reside em pão com manteiga e café quente.

Simples.

Eu tenho certeza que essas pessoas que a gente acaba seguindo internet afora devem ser muito felizes com as soluções que elas encontraram para a vida delas. Que dão certo no contexto delas. Mas para mim o diagnóstico é sempre o mesmo: basta desligar a internet um pouco para a paz de espírito retornar.

Cada vez mais, todas as soluções complicadas são as soluções erradas para mim, para o meu contexto, para minha vida e para minha família.

.....

No último fim de semana do mês, comemorei o fato de ter ficado, PELA PRIMEIRA VEZ desde que chegamos ao Canadá (ou pela primeira vez desde que saí da casa dos meus pais) ABAIXO da meta de supermercado (e de bebida alcoólica!). A comemoração veio de uma forma bastante frugal: usando todas as claras de ovos não utilizadas no pudim de leite do Allex para produzir um Mousse de Chocolate. Porque meu filho disse que não sabia o que era mousse, e isso me desconcertou. Mousse de chocolate era minha sobremesa favorita de infância. E eu fiz tanta sobremesa complicada ao longo dos meus anos, e tantas sobremesas com substituições "saudáveis", e tantas sobremesas com ingredientes exóticos, que eu sequer tinha uma receita "oficial" de mousse de chocolate, daquelas testadas e aprovadas repetidamente.

Fui direto ao meu livrão de todas as coisas francesas, o I Know How to Cook, da Ginette Mathiot.

Esse mousse de chocolate é muito leve e muito fácil, e foi unanimemente aprovado na família. Além de tudo, é simples e doce na medida, e me deixou felicíssima em saber que finalmente tenho outra coisa para fazer com o mar de claras congeladas que sempre tenho no freezer, além de Angel Food Cake.

 
A receita pede apenas 2 colheres de sopa de açúcar e não especifica o teor de cacau do chocolate. Usei 70% da Callebaut, que é mais suave do que o Lindt, que tem um final mais amargo. Mas, temendo que as duas colheres somente produzissem um mousse muito "francês" e "adulto" (porque Allex disse que gosta muito do meu pudim de leite, mas que é muito "adulto", e que o dele alimentava a criança gordinha dentro dele. Hahaha), acabei aumentando a quantidade aos poucos, e usando 4 colheres de sopa (ou seja, 1/4 xic.). Mas pretendo fazer novamente apenas com duas. O mousse não ficou muito doce, o chocolate amargo ainda era o principal sabor. Aliás, para esse chocolate, acho que ficou perfeito. Mas recomendo que você experimente o seu chocolate e decida se prefere a quantidade original de açúcar ou um pouco mais.

Enfim.

O mês com menos açúcar foi uma experiência excelente. Eu descobri que me sinto infinitamente melhor com nenhum açúcar durante a semana, inclusive álcool. Descobri que continuo precisando do meu snack à noite, não para acompanhar a cerveja ou porque quero açúcar, mas porque de fato TENHO FOME. Descobri que consigo ficar sem beber álcool tranquilamente, e agora sei quando realmente quero e quando é meu emocional pedindo compensação, quando nesse caso, volto pro meu chá e tento de fato resolver meu problema ao invés de entorpecê-lo de açúcar. Descobri que a família toda se beneficia dos caminhos mais simples. Redescobri meu amor pelas frutas. Descobri que consigo sim economizar no supermercado sem fazer ninguém sofrer por isso. Descobri que esse desafio foi fácil não porque eu já não comia muito açúcar, mas porque eu não entrei nele com uma mentalidade de restrição: eu nunca disse EU NÃO POSSO comer açúcar, mas EU NÃO QUERO. Entrei nessa com curiosidade científica, com vontade de explorar minhas possibilidades, e não querendo me punir. E com isso, consegui o presente de me entender melhor.

Vou continuar fazendo sobremesas com açúcar. Quando eu tiver vontade. Para o fim de semana. Porque esperar o fim de semana para ver seu desenho e comer mousse de chocolate é gostoso. Assim como sei que é gostoso esperar o domingo para sentar no sofá com uma caipirinha. Assim como esperamos a pizza de sexta-feira. E da mesma forma como faço a pizza de forma relaxada, porque está inserida como algo bom na minha rotina, começo a ficar contente pensando qual será o doce da vez. E é só ele, e não precisa ser complicado. Não precisa ter cara de especial, porque por ser raro, é especial em si mesmo.

Mas nesse mundo internetístico em que as pessoas querem ver receitas mais gourmet, preparos mais complexos, pratos com temperos exóticos, saladas nutricionalmente perfeitas, novidades incríveis para seu paladar, variação infinita... fico me perguntando qual será o futuro desse blog. Com os legumes refogadinhos e os mesmo bolo de sempre. No espaço virtual, há espaço para uma cozinha simples? Quão instagramável é uma clementina?

MOUSSE DE CHOCOLATE
(do livro I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)

Ingredientes:
  • 200g de chocolate amargo
  • 6 claras de ovo
  • 2 colh (sopa) de açúcar

Preparo:
  1. Em banho-maria, derreta o chocolate picado, misturado a 2 colheres (sopa) de água, mexendo de vem em quando com uma colher para que derreta uniformemente. 
  2. Enquanto isso, bata as claras até picos moles. Junte o açúcar e continue a bater até que fiquem bem firmes (mais do que você faria para um bolo). 
  3. Junte 1/3 das claras ao chocolate e misture energicamente, para que fique homogêneo e o chocolate misture mais fácil ao restante das claras. 
  4. Incorpore o restante das claras, agora com delicadeza, e, quando o creme estiver homogêneo, coloque em uma tigela ou potinhos individuais, cubra com filme plástico e deixe firmar por várias horas, no mínimo quatro.



 


   


Cozinhe isso também!

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