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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Sonhos, uma canção de acordar, um fim de ano, duas sopas.

Durante os cinco dias que estive em Portugal, em Junho do ano passado, eu me levantava ao sentir finos raios de sol trespassando as persianas. Trocava de roupa com as luzes apagadas, dobrava meus lençóis, montava o sofá-cama de volta ao seu estado natural de palavra simples e não composta e fazia meu alongamento sobre o tapete fino e claro que escorregava pelo piso de azulejos. Ao que minha amiga entrava na sala, sorridente sempre, e começava o processo de abrir as persianas da casa, passar o café e colocar sua vasta coleção de frutas, queijos e presuntos sobre a mesa da sala. Por esses cinco dias, ela o fez cantando uma musiquinha alegre que dizia: "bom dia começa com alegria, bom dia começa com amor". Eu ria, pois ela cantava com verdadeiro entusiasmo, quase que como uma paródia de si mesma. Rimos juntas quando ela me contou que ouvira outra amiga cantando a mesma coisa nos breves dias como sua hóspede, e que a pequena canção nunca mais saíra de sua cabeça.

Canção de bruxa, deve ser, pois desde que voltei a Toronto, essa tem sido a trilha sonora de todas as minhas manhãs.

Primeiro eu me vi a cantarolar os dois versos como mera provocação. Todos achavam meio ridículo, mas aquilo que é ridículo é risível, e o riso veio, e as manhãs passaram a ficar leves com o sorriso fácil que acompanhava a música. Logo as crianças seguiram, e comecei a despertar com o canto delas, vindas do quarto, felizes pelo novo dia.

Quem fica em casa agora é igualmente amaldiçoado (ou bendito) pela canção da bruxa, e esse desejo de alegria e amor prossegue se expandindo a outros lares.

Naquela manhã, Laura entrou no quarto carregando nas duas mãos minha xícara rosa como nascer do sol repleta de cappuccino, cantarolando feliz aquelas palavras, como os pássaros de Aldous Huxley. Pulou sobre minha cama sem derramar uma gota, sentou-se ao meu lado e, passando a xícara às minhas mãos com cuidado, disse:

"Mamãe, quer saber o sonho que eu sonhei?"

Assenti com um ronronar por traz do café quente que eu sorvia.

"Sonhei que eu estava no meio da floresta. Eu tava pendurada numa árvore bem alta, num galho, porque meu casaco tava enroscado no galho. Aí tinha um monte de gente em volta, lá embaixo no chão, gritando que eu ia hurt myself, e que aquilo era muito dangerous. Mas eu não achava dangerous. Eu disse que tava tudo bem, que eu sabia o que tava fazendo, mas ninguém acreditou em mim. Aí eu cansei daquilo, porque era muito silly, e pulei pra fora do meu casaco para o galho, e saí correndo nas árvores, pulando nos galhos, lá em cima. Só que aí eu fiquei com frio. Aí eu voltei pra pegar meu casaco, que tinha caído do galho no chão, e pedi pro pessoal lá embaixo, que tava assim, em volta de mim lá embaixo, pra ver se o casaco era meu e me devolver. Mas ninguém me respondia. Aí eu gritei pra todo mundo, e eles ainda não me respondiam. Aí você apareceu, mamãe. Você pegou o casaco, viu que tinha meu nome nele, dobrou e colocou na minha mochila. Aí eu fui embora porque eu sabia onde tava o meu casaco."

"E como você se sentiu no sonho, querida?"

"Muito feliz."

"Que bom. Agora vai lá tomar café da manhã que hoje tem escola."

Muito feliz. Foi como me senti ao ouvir aquele relato. Laura sonha sonhos muito claros, de metáforas muito explícitas. Nos primeiros meses de mudança de país, sem falar a língua ou entender costumes, Laura tinha todas as noites o mesmo pesadelo: que brincava num parquinho e descia pelo escorregador, mas que no fim dele, ao invés de chão firme, era o mar aberto e arisco que a esperava. E nele ela caía, sem saber nadar, sem saber para que lado havia terra.

Naquela tarde, contei a Allex o sonho de Laura.

"Ela faz o que quer", disse ele.
"Ela SABE o que faz", corrigi. "Conhece suas capacidades. O medo dos outros não são os dela."
"And mom's got her back", acrescentou.
"Sim. Isso foi o que me deixou mais contente. Ela sabe, lá no insconscientezinho dela, lá no coração, que mamãe está lá dando suporte para o que ela precisar. Não é lindo? Não é o que a gente mais queria? Pelo menos era o que EU queria. Que eles soubessem que eu sempre vou apoiá-los."

Desde que li Man In Search For Meaning, de Viktor Frankel, comecei a pensar no que é que me movia. Ao cabo de tudo, no meu âmago, despida de todas as cobranças da sociedade, de todos os meus objetivos materiais, o que é que mantinha meu coração batendo, o que me fazia levantar de manhã e correr, e pintar, e escrever. O que é que me impelia a tentar ser hoje um ser humano menos babaca do que ontem. Então caí nessa frase, não sei bem original de quem, mas que tem sido muito usada pela Eliana Rigol em seu Instagram (que por sinal, tem sido fonte de excelentes indicações de livros): "Seja uma boa ancestral".

Era o resumo em quatro palavras de um sentimento até então sem nome. Mas que remontava às palavras de meu guru de Kriya Yoga: dê o exemplo.

Olho para meus filhos e eles são o constante lembrete de que preciso continuar tentando ser uma pessoa melhor. Penso em tantos familiares que já se foram, com suas histórias amargas de vida, suas escolhas ruins, suas infelicidades marcadas para sempre nas histórias contadas por meus pais, e chacoalho para fora tudo isso e penso: quero ser um bom exemplo. Quero ser a louca tataravó Ana, lembra dela? A que corria maratona, a que fazia aqueles quadrinhos sobre o vovô Thomas e vovó Laura? A vó Ana que mudou pro Canadá com cachorro e tudo. A vovó Ana que ensinou a gente a cozinhar. Aquela tataravó que era feliz. Lembra dela? Quero ser um parente distante que deixa uma história boa para variar. Não tenho vocação para Cautionary Tale.

Sinto vontade de curar minhas feridas para não provocar as mesmas em meus filhos. Não passar para frente dores herdadas. Rever comportamentos e destrinchar hábitos até saber o que sou eu e o que sou dos outros. Largo o dos outros, que eu me basto se for eu de verdade.

É um processo de resgate de todos os meus melhores momentos que foram perdidos na memória dessa minha vida esquizofrênica. Tantas soluções busquei, que algumas deixei na estante empoeirando, sem me dar conta de que já eram soluções boas para mim. Contei que a maior parte dos livros que a Eliana menciona, eu tinha na estante no Brasil? Nunca tinha lido. Estava lendo outras coisas. Não couberam na mala, e foram deixados para trás. Pego eles agora na biblioteca e é quase um flagelo pensar que poderia ter lido aquilo há dez anos atrás. Tanta lição adiada, tanto aprendizado esperando por mim.

Enfim.

Dou-me conta dessa responsabilidade. De não apenas criar dois seres humanos capazes de cuidar de si mesmos. Mas criar duas pessoas essencialmente boas, capazes de gentileza. Criar seres humanos esclarecidos, capazes de pensar por si mesmos, para não caírem nas armadilhas do mundo. Criar dois indivíduos capazes de continuar abrindo os caminhos que eu, em minha existência, serei incapaz de abrir sozinha. Abrir caminhos para quem vier depois deles.

Mãe de menina. Mãe de menino. Dupla responsabilidade. De desconstruir os grilhões do feminino que me foi ensinado. De desconstruir os apelos do masculino que ainda incutem nos meninos. Responsabilidade de criar duas pessoas confiantes em si mesmas e de pensamento livre.

Muitas vezes acho que o trabalho é impossível. Mas então me dou conta de que preciso começar não com eles, mas comigo. É desconstruindo isso em mim e me construindo de volta em novas imagens, que mostro a eles, pelo exemplo, o que é ser adulto. O que é ser mulher. O que é ser mãe. O que é ter relacionamentos de amor e carinho e respeito. O que é correr atrás de seus objetivos. O que é estar feliz.

Toda criança aprende pelo exemplo. Ela repete aquilo que ouve. Ela repete aquilo que vê. Se ela não conhece ninguém feliz, como ela vai aprender o que felicidade é? Olho para mim mesma e me pergunto o que meus filhos têm a aprender comigo hoje. O que eles vêm. Que lição eles tiram ao me ver ali, fazendo o que quer que esteja fazendo. O que eu quero que eles imitem? O que eles herdarão de mim? O que eles deixarão para os seus?   

Essa noite tive um sonho. Sonhei que Laura era bebê, e eu a carregava aninhada em meus braços, enroladinha em um xale azul claro, enquanto caminhava perdida por uma imensa estação de trens. Uma amiga me incumbira de ciceronear um grupo de adultos por aquela cidade desconhecida, e eu me desesperava por dentro: como posso cuidar desse bando de adultos? Eles não veem que tenho de cuidar de minha filha e sequer sei ainda o caminho? Ao fim do sonho, avisei ao grupo que eu não era responsável por eles, abracei minha Laura e saí a passos firmes buscando que trem tomar.

O caminho do que é ser mulher hoje ainda é indistinto para mim. Continuo buscando, para que minha filha tenha caminhos menores a percorrer.   

Acordei com Laura cantando ao meu lado e com cheiro de café. Bom dia começa com alegria. Bom dia começa com amor!

.....

E Novembro e Dezembro e Janeiro e a comida?

Os meses voaram. Eu tinha intenção de escrever em Dezembro, mas o mês desapareceu entre preparação para uma exposição nova, a infinidade de eventos de fim de ano da escola, e a chegada de meus pais perto do Natal. Novamente eu queria ter feito torrone, panforte, panettone, e toda a pataquada, e no fim só saiu Spekulatius dia 6 de Dezembro e uma batelada imensa de biscoitos sortidos para presentear os professores e levar no lanchinho comunitário de fim de ano da classe das crianças. Também fui convidada pela classe de ESL (English as a Second Language) do Thomas para participar de uma festa com todos os pais estrangeiros, em que cada um tinha que levar um prato típico, e escolhi Bolo de Fubá, que foi sucesso absoluto (apesar do milho norte-americano ser doce a ponto de ter gosto de açúcar, NINGUÉM usa o bendito pra sobremesa, então o bolo foi uma surpresa para todo mundo.)

A parte divertida. Decorando com Royal Icing e cranberries secas.

No meio da bagunça, teve UM projeto culinário que deixei para fazer com meus pais aqui, pois achei que eles gostariam de participar e porque me parecia um bom plano B para um dia de tempo feio: Gingerbread House. Já havíamos feito no ano passado, e resolvi repetir a receita, mas desta vez usando só Royal Icing. (No ano anterior eu resolvera ir pela rota da preguiça e comprara uns tubos de icing colorido, mas eles tinham gosto de bala velha. As crianças comeram todo biscoito decorado, mas eu não cheguei nem perto.) A receita do gingerbread que mais gosto é essa de Martha Stweart, que tem uma pancada de especiarias e fica deliciosa. Só precisa de um pouco de engenharia para fazer os moldes da casa e cortar a massa dos tamanhos certos antes de assar. O Royal Icing que eu uso é esse aqui do Alto Brown.
 
DESAPEGO é o nome dessa casa: largo na mão das crianças, a única coisa que eu faço é deixar o bicho de pé.

Esse ano, resolvi que faria toda a comilança natalina diferente: como aqui o Papai Noel chega enquanto as crianças dormem, toda aquela ceia para esperar meia-noite não fazia sentido. Bem melhor botar pimpolhada cedo na cama, para descansar direitinho e poder abrir presente de manhã cedo e brincar o dia todo, sem mau humor de sono. Mas também para não passar batido e ser o mesmo arroz com feijão de sempre, inventei de fazer Cappelletti in Brodo. Afinal, é tradição minha fazer pela primeira vez na vida alguma coisa num dia especial em que nada pode dar errado. 
Apesar dos cappelletti terem ficado desengonçados, NENHUM abriu durante o cozimento, o que considero um sucesso!
Saí com meus pais para comprar os ingredientes, e no dia 24, munidos de uma taça de vinho e olhando o dia desaparecer rapidamente lá fora, comecei a preparar tudo. O recheio é bastante simples e fácil, carnes refogadas, misturadas a queijos e temperos. A massa é onde o bicho pega. Massa recheada para seis pessoas. Já contei que aqui em Toronto a umidade do ar chega a 20% durante o inverno? Que alegria! Imagina o que acontece com massa fresca esperando nessa umidade desértica? Aquela linda fita de massa amarela fresquinha e macia vira Biju em um piscar de olhos. Para prevenir isso, pensei em chamar a família toda para fechar cappelletti, mas calhou que meu pai estava cochilando, as crianças viam desenho e Allex passeava o cachorro, e sobramos minha mãe e eu para rechear e fechar bem uns duzentos cappelletti em tempo recorde. 
Aquela refeição que parece a simplicidade em pessoa, mas que deu um trabalho do cão pra fazer.

Os cappelletti foram servidos em caldo de frango que eu deixara já preparado e congelado duas semanas antes, e, modéstia à parte, ficaram uma delícia. Achei que fosse sobrar alguma coisa, que fosse cappelletti demais para a gente que não é de comer muito, mas não teve um ser vivo na mesa que não tenha repetido o prato e só restou mesmo foi um panelão vazio.

CAPPELLETTI IN BRODO
(Do livro Fundamentos da Cozinha Clássica Italiana, de Marcella Hazan. No livro, ela chama a receita de Tortellini, mas a gente sabe que é a mesma coisa, o nome muda conforme a região. Na minha casa, em que a família veio toda do Veneto, isso chama Cappelletti.)
Rendimento: 6 pessoas

Ingredientes:
(recheio)
  • 110g carne de porco moída
  • 180g peito de frango moída
  • 2 colh (sopa) manteiga
  • sal a gosto
  • pimenta do reino
  • 3 colh. (sopa) mortadela picadinha
  • 1 1/4 xic. ricotta fresca
  • 1 gema
  • 1 xic. queijo parmesão ralado
  • noz moscada para ralar
(massa)
  • 4 ovos grandes
  • 400g farinha de trigo
  • 1 colh. (sopa) leite
(para servir)
  • 2,5 litros caldo de frango ou carne caseiro
  • parmesão ralado

Preparo:
  1. Derreta a manteiga numa frigideira em fogo médio. Quando começar a espumar, junte as carnes de porco e de frango, uma pitada de sal e pimenta, e cozinhe por seis ou sete minutos, quebrando os grumos e mexendo com uma colher de pau, até dourar. Retire da panela e deixe esfriar em uma tigela. 
  2. Junte a mortadela, ricotta, gema, o parmesão e cerca de 1/8 colh (chá) de noz moscada ralada. Misture muito bem e corrija o tempero. 
  3. Prepare a massa. Não vou dar muitos detalhes a respeito da massa por dois motivos: se você nunca fez pasta fresca na vida, essa não é a que você vai usar pra começar. Faça um fettuccine. Então se você está fazendo Cappelletti, imagino que já saiba misturar os ovos à farinha e sovar a coisa toda. O que você precisa saber é que o leite vai junto com os ovos na hora de misturar à farinha. Você vai sovar a massa até ficar lisa, embrulhar bem e deixar meia hora fora da geladeira para o glúten relaxar. Abra com o rolo ou com a máquina, seu método favorito, até que fique bem fino. Para massa recheada, costumo ir até o penúltimo número da máquina. Não faça toda a massa de uma vez, ou as tiras vão secar antes que você possa recheá-las. Você vai dividir a massa em 4 porções e abrir e rechear cada porção enquanto as outras ficam quietas embrulhadas. Se precisar de ajuda para entender como abrir a massa, há um zilhão de videos internet afora que vão ser mais úteis do que qualquer coisa que eu escreva aqui. Mesmo seguindo a receita da Marcella Hazan, eu aprendi a fazer massa vendo minha avó fazer. Ver alguém fazer é o que tira as dúvidas.
  4. Quando tiver a primeira tira de massa, apare a massa e corte em tiras compridas de 3cm de largura. Corte no sentido da largura, produzindo quadradinhos de 3cm.  Distribua 1/4 colh.(chá) de recheio sobre os quadradinhos. Dobre-os ao meio, fazendo triângulos e apertando bem pra selar. Essa parte tem que ser feita rapidamente para a massa não secar. Apoie o dedo indicador onde está o recheio, deixando a ponta maior para cima, e dobre as outras duas pontas uma sobre a outra, por sobre seu dedo. Sério, vídeos de gente fazendo tortellini. Serve o Jamie Oliver. Pelo texto é muito difícil visualizar. Como minha massa estava secando muito rápido, acabei me atrapalhando e a massa saiu cortada maior do que deveria. Mas como minha massa estendeu bem fininha, consegui produzir todos os cappelletti de que precisava. 
  5. Uma vez que você faça os cappelletti, deixe-os espalhados em uma assadeira polvilhada com farinha, sem se encostarem, para que sequem, e comece tudo de novo com o restante da massa. Você pode deixar os cappelleti secando ali em temperatura ambiente pelo dia todo até a hora de cozinhar. Eles têm menos risco de se abrirem no cozimento se tiverem secado um pouco. Ao final, você deve ter cerca de 200 cappelletti.
  6. Na hora de servir, leve o caldo à fervura. Com cuidado, coloque os cappelletti, que não devem demorar mais que 3 minutos para cozinharem, mas vai depender da espessura da massa e do quanto secaram. Vá retirando um e testando. Quando estiverem cozidos, leve à mesa IMEDIATAMENTE e sirva com parmesão ralado.
No dia seguinte, aquela bagunça de criança e presente, café da manhã, e mal deram onze horas e começamos a petiscagem. Minha família é do petisco, do antipasto, do acepipe, do cicchetti, dos tapas, e a gente consegue ficar no pãozinho com qualquer coisa em cima o dia todo e pular almoço e jantar. E era esse o objetivo: petiscagem até o meio da tarde, para só colocar o assado no forno para o fim do dia. 
Eita, foto fora de foco!
Servi salames e presuntos, incluindo um exótico salame de alce com mapple syrup que comprara especialmente para meus pais. Brinquei que mais canadense que salame de alce com mapple, só se o alce tivesse sido morto por um lenhador canadense barbudo, usando camisa de flanela e chapéu de guaxinim. Servi também patê de fígado de frango, que é um clássico familiar, uvas, tomates, queijos e castanhas. E vinho. E caipirinha, claro. As crianças passaram o dia petiscando junto, entretidas com seus presentes, e sobrou para os adultos a arte da conversação.

O jantar principal foi simples, um lombo assado com batatas e uma salada de folhas amargas com maçã, que eu já tinha tido trabalho o bastante no dia anterior. Sobremesa foi uma torta de peras e chocolate que prometia muito mas não achei aquilo tudo não. 
Passado o Natal, vêm os passeios no parque, no museu, almoço aqui e ali, e pronto, que já é Ano Novo! Recebemos um casal de amigos que trouxeram um Caldo Verde para complementar a já sabida petiscagem, repeteco do Natal, acrescida de guacamole com tortillas e uma quiche de brócolis que acabou sobrando inteira para a ressaca do dia seguinte. Brownie com sorvete sempre dá conta do recado com a criançada (e com os adultos), e foi uma noite maravilhosa, com karaokê improvisado e todo mundo acompanhando Bon Jovi e Backstreet Boys com Kazoos, e dobrando no chão de tanto rir. Tem que ser criativo em Reveillon canadense, que aqui mal se soltam fogos e ninguém "vai pra Paulista" nem pula sete ondinhas a doze graus negativos.

Os dias que se seguiram exigiram criatividade também. Que eu programara diversos passeios que dependiam dos trocentos centímetros de neve que sempre caem no início de janeiro. Mas o que tivemos (e continuamos tendo) é um inverninho mixuruca, ameno e chocho, sem neve nem dia bonito, com muita chuva que vira gelo na calçada e tempo cinza-depressão. Daí que nada de fazer snow-shoeing, nada de descer barranco com trenó, nada de boneco de neve no parque. Pelo menos teve um dia, antes do lago descongelar, que, de confiança alimentada pela marca de passos sobre a neve antiga depositada no lago, fomos Allex, meu pai e eu caminhar por sobre o lago congelado. Que afinal, se você vai para um lugar em que um lago inteiro vira uma pedra de gelo, não dá pra perder a oportunidade de ficar em pé em cima dele, mesmo que morrendo de medo de cair lá dentro e virar picolé. 

Meu pai trouxe os tênis de corrida, depois de eu muito insistir durante o ano todo, e foi uma das coisas mais legais que fiz poder correr 9km do lado dele, ao longo do lago, em temperatura negativa. Orgulho do papai! Setenta anos e firme e forte, melhor que muito amigo meu de quarenta!
Teve uma nevinha nos últimos dias, quase prêmio de consolação. E meus pais pelo menos puderam passear no parque e ver como fica lindo assim branquinho. Foi minha mãe quem se animou a descer no meio da noite quando a neve caiu mais forte e brincar de snowball fight. Bando de adulto de pijama na frente do prédio rindo e tomando bola de neve na cara, e canadense passando por nós com aquela cara de quem não entende o por quê de tanta alegria. 

Alegria foi também levar minha mãe no The Rex, o bar de jazz mais antigo de Toronto. Com cara de de pub velho atrás de igreja, lotado da terceira idade no domingo na hora do almoço, surpreendeu pela qualidade da banda. Uma banda igualmente composta por gente que passou por duas guerras, tocando um Dixieland delicioso, num show animado e divertido por três horas. De deixar o sorrido no rosto até doerem as bochechas. Acho que nunca vi minha mãe tão contente, e esse foi para mim o ponto alto da visita toda. 
Quando eles foram embora bateu aquela depressão, a casa vazia e não saber quando vou vê-los de novo. Eles voltaram para o Brasil no mesmo dia em que as crianças voltaram para a escola e Allex para o trabalho, e de repente eu estava sozinha, olhando para a cara do cachorro. Vou retomar minha rotina, pensei. Corrida, meditação, pintar feito louca, procurar um novo lugar de exposição, terminar meu livro, montar minha loja no Etsy, participar daqueles concursos, fazer aquelas aulas. 

Só que não. 

Passou Ano Novo, tem aniversário da Laura. SETE ANOS. Mamãe, quero chamar minhas amigas.

E lá vou eu. Mamãe, no dia do meu birthday, quero levar a sopa da vovó de almoço na escola. E de jantar, quero cachorro-quente do papai, aquele na churrasqueira. E bolo de chocolate. E na minha festa quero pão de queijo, pipoca e cupcake de baunilha. E quero almoçar no japonês. 

Tinha que ser minha filha, só pensar na comida do aniversário.

E lá fui eu passar minha semana fazendo bolo, cupcake, comprando coisa pro cachorro-quente, lembrancinha pra escola, lembrancinha pra festinha, balão pra encher, bandeirinha pra pendurar, e o tal do kit de pintura de rosto que ela andava pedindo pra ter no aniversário dela desde o ano passado. 

Contei que também tinha trabalho encomendado pra entregar essa semana?

E que o marido ficou doente de cama um dia todo? 

Pois é. 

Veio aniversário e deu tudo certo e ela ficou felicíssima com tudo. Festa aqui no Canadá é super simples e dura duas horinhas, mais playdate que festa. Pão-de-queijo, pipoca, cupcake e suco de laranja. Pintei o rosto da criançada toda (os meus mais quatro amigas da Laura) de tudo quanto é bicho, e já vi que se tudo der errado na vida, ainda posso ganhar uns trocados fazendo face-painting em festa infantil. Talento escondido, olha só! 

Janeiro prosseguiu assim, comigo tentando voltar para a rotina e alguma coisa aparecendo pra não me deixar. Teve coisa boa, como uma viagem rápida para Ottawa, e teve coisa ruim, como a escola estar em greve por conta dos cortes na educação que o Ford, nosso digníssimo governador de direita, andou fazendo e que não anda agradando ninguém. 

E agora escrevo assim correndo, enquanto as crianças estão no banho, porque amanhã tem greve de novo, e se fosse deixar esse post para outro momento mais calmo, ele sairia apenas em março. Ufa!

A sopa da vovó é uma canja com arroz e legumes e peito de frango que comi durante a vida toda. E que aqui ocasionou grandes mudanças, pois depois de enviá-la de almoço na escola, as crianças FINALMENTE voltaram a comer COMIDA no almoço e não sanduíche. Isso me facilita horrores a vida, pois é só requentar o jantar do dia anterior e colocar na marmita deles, ao invés de ter de ficar inventando moda e me estressando com o valor nutricional do pão com queijo. 

A sopa da vovó que a vovó faz fica mais soltinha, mais líquida, e mais clarinha, pois ela usa peito de frango. Eu que já tinha caldo de frango feito e todas as aparas da carcaça que eu usara o caldo (depois de cozinhar a carcaça saio tirando todo fiapinho de carne cozida dela, e você junta bem umas duas xícaras de frango desfiado), fiquei com dó de botar o peito do bicho na sopa e resolvi guardar para fazer filés. O caldo deixou a sopa mais dourada (e igualmente gostosa, ainda que mais forte.) Também errei na quantidade de arroz, que achei que era muito pouco, e a sopa quase que virou risotto. Hahah!Ainda assim, foi devorada, com parmesão ralado por cima e croutons, que é como os netos sempre comeram na casa da vó.

Prometo voltar mais rápido na próxima vez. ;) Obrigada a quem lê, por continuar por aqui.



SOPA DA VOVÓ
(A canja da minha mãe é daqueles pratos feitos a olho, com o que sobrou na geladeira, então todos os ingredientes são adaptáveis em quantidades. Quanto rende? Rende no mínimo para quatro pessoas.Você pode cozinhar o arroz direto na sopa, desde que fique de olho pra que ele não passe do ponto - você não quer que ele desmanche, apenas que fique macio. Nesse caso use 1/3xic. arroz branco cru quando as cenouras estiverem já macias e acrescente 1 xícara de água à panela para compensar a absorção de líquido do arroz. Se quiser trocar o arroz por um macarrãozinho pequeno pra sopa, pode. Se quiser não usar nem o arroz nem o macarrão, também pose. Se vc já tiver frango desfiado na geladeira, ótimo: refogue com os legumes para dourar um pouquinho, e use a cenoura ralada grossa para acelerar o cozimento.)

Ingredientes:
  • azeite de oliva 
  • sal e pimenta do reino
  • Meio peito de frango, cortado em 3 ou 4 pedaços (para cozinhar mais rápido)
  • 1 cebola, picada
  • 1 cenoura, descascada e cortada em cubinhos bem pequenos
  • 2-3 batatas médias cortadas em cubinhos 
  • 1 xícara de arroz branco JÁ COZIDO
  • salsinha picada
  • queijo parmesão ralado e croutons para servir  (minha mãe doura os cubinhos de pão em azeite e orégano)

Preparo:
  1. Numa panela grande, aqueça um fio de azeite generoso, em fogo médio, e refogue a cebola e a cenoura com uma pitada de sal até que comecem a dourar. 
  2. Junte o frango, dourando todos os lados, e temperando com sal e pimenta conforme for pegando cor. 
  3. Junte a batata, remexa algumas vezes, e então junte água suficiente para cobrir o frango e os legumes, cerca de 6 xícaras. Leve à fervura, abaixe o fogo e cozinhe por trinta a quarenta minutos. 
  4. Cheque o frango. Se ainda não estiver cozido por dentro, volte para a panela e continue cozinhando. Se já estiver bom, retire os pedaços da panela, coloque na tábua e desfie com a ajuda de garfos.
  5. Volte o frango desfiado para a panela, mexa algumas vezes e acerte o tempero. Cheque as cenouras e as batatas, que devem estar bastante macias, quase derretendo. Se já estiver tudo bom, junte o arroz já cozido, misture bem, deixe cozinhar por mais uns cinco minutos e acerte o tempero. A sopa pode ficar mais rala ou mais consistente, dependendo da quantidade de líquido. Acerte isso também, a seu gosto, lembrando de corrigir o tempero. (Minha mãe costumava usar um amassador de batatas para espremer as cenouras e as batatas, e até um pouco do frango junto, para servir uma sopa mais cremosa quando meus filhos eram bem pequenininhos.)
  6. Junte a salsinha, misture e sirva imediatamente com croutons e parmesão ralado por cima. 
 MINHA ADAPTAÇÃO: como eu tinha já uns dois litros de caldo de frango e umas duas xícaras de frango desfiado da carcaça da preparação do caldo, refoguei os legumes, o frango, juntei as batatas e cobri com o caldo. Quando os legumes estavam macios, juntei o arroz. Meu pecado foi colocar arroz demais, pois havia bastante caldo e achei que a sopa ficaria muito rala. Mas o arroz absorve bastante líquido, e a sopa terminou mais cremosa do que eu pretendia. Com o caldo de frango, a sopa fica com um gosto mais forte. A sopa da minha mãe tem um gosto mais delicado.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Dezembro, o Frio, o Natal e um purê de cenoura


Faz 8oC lá fora, está escuro, apesar de serem sete e vinte da manhã, e eu não sei como vestir as crianças para a escola. Olho pela janela e há neve ainda remanescente das duas semanas de frio intenso pelas quais passamos. Mas chove. E a neve derrete em ritmo rápido, formando poças de água escura circundando ilhas altas de neve suja, que me lembram aquela espuma esquisita que flutua sobre rios muito poluídos. Apesar disso, o dia está "quente". Visto um jeans fino de verão, uma camiseta de manga curta e - aí que vira bagunça - as botas de neve, para não encharcar os pés e o casaco de neve porque eu não tenho um de chuva. Apesar da temperatura positiva, as crianças vão de luvas, para poderem brincar com o que restou de neve no pátio da escola.

Andamos até a escola meio desajeitados. Há pedaços inundados pela neve derretida, há pedaços ainda com gelo escorregadio sobre as calçadas, há momentos em que não se pode fazer nada a não ser enfiar o pé inteiro naquela neve suja para poder atravessar a rua, ao mesmo tempo em que você pede pela décima vez para que as crianças não brinquem nas poças e no gelo, pois a neve conforme derrete revela presentinhos de gente mal educada que não sabe onde existe lixeira e não recolhe dejetos caninos. 

Volto da escola e é todo um processo para limpar o cachorro, que parece saído do meio de um manguezal, imundo até a barriga e cheio de pedras de sal nas patas. Depois de limpá-lo e secá-lo, é a vez de limpar a entrada do apartamento, enlameada e grudenta de sal, independente de termos colocado junto à porta um enorme tapete de borracha.

Apesar disso, as coisas vão bem.

É delicioso sair na rua sem luvas depois de duas semanas mal tendo o nariz exposto ao frio. Quando meus pais vieram visitar eles trouxeram o calor, fazendo a neve da semana anterior desaparecer e facilitando nossos passeios, apesar do vento intenso e das eventuais temperaturas negativas. Foi bom ter sua companhia aqui, poder mostrar-lhes nossa casa, nossa vida, nossa rotina. Isso parece ter tornado mais concreto o fato de morarmos aqui. Não são férias. Não vamos voltar e mostrar as fotos da viagem.

Aproveitei o fato de que as crianças estavam o dia todo na escola e os levei para passear, para conhecer a cidade que eu mesma não conhecia ainda, concentrada que andava na rotina da casa e na adaptação das crianças. 

Nós saímos algumas vezes para comer, e outras ficamos em casa, e adorei cozinhar para todos nós a nossa comidinha de sempre, como AQUELA SOPA DE ABÓBORA SIMPLES E DELICIOSA, que meus filhos amam e o marido que não gosta de abóbora aprendeu a comer. Sempre a preparei com abóbora japonesa, mas desta vez foi com a Butternut Squash.

Falando em abóboras, demorei o Outono inteiro para mergulhar nelas, ainda tirando proveito da variedade de legumes e verduras que desapareceriam durante o inverno. A Spaghetti Squash foi um sucesso com todo mundo menos com Laura, que andava numa fase meio do contra desde que eu voltara do Brasil (ela ficou brava porque não a levei junto). É de se amar muito uma abóbora que, depois de assada, desfia-se assim como spaghetti, firminho e delicioso. Coisa linda, imaginei logo simplesmente misturá-la a um molho alho e óleo, mas resolvi seguir os planos com a receita do blog Sprouted Kitchen, Lasagna Style Spaghetti Squash. Eu não tinha carne ou espinafre, mas tinha o molho de tomate que sobrara da pizza dos dias anteriores e um bocado de queijo. Thomas pede para comprar essa abóbora de novo toda vez que a avista no mercado.



Essa falta de variedade de verduras no inverno não é sentida por todo mundo não. Assim como no Brasil, os supermercados tendem a se abastecer de comida do mundo inteiro. Então se o verão acabou e Ontario não produz mais blueberries, não entre em pânico: temos mirtilos chilenos por apenas o dobro do preço e metade do sabor. Via de regra, tenho comprado minhas frutas e verduras no mercado orgânico. E como sigo sempre a regra de só comprar comida importada que venha do mesmo hemisfério (mesma estação do ano) em que estou, isso acaba naturalmente limitando as escolhas. Pouca coisa tenho conseguido que seja produzida no Canadá: quase tudo raízes, tubérculos e maçãs. Nenhum problema, tem sido interessante descobrir o que fazer com nabos (sopa francesa deliciosa de nabos e batatas), rutabagas (funciona em qualquer receita de batata), pastinacas, raízes de aipo, diferentes tipos de batata e todas as cores de beterrabas e cenouras. Toda semana o mercado coloca em promoção uma saca diferente de maçãs, e toda semana temos mais 1,5kg de maçãs pra comer. Havia peras de Washington que já sumiram, caquis espanhóis, marmelos italianos e romãs americanas. Bananas são a única exceção que faço, pois são produzidas o ano inteiro e precisam necessariamente vir de algum país tropical. Quem me salva muito é a Califórnia (oi, titia!). Querida Califórnia ensolarada que nos provê de muitos tipos diferentes de couves:  curly kale, cavolo nero, purple kale, collard greens... E couve é algo que tenho sempre, sempre, de dois a quatro pés, e eu saio rasgando e colocando em tudo, em saladas, em sopas, no macarrão... Mas meu jeito favorito de comê-las é mesmo numa torrada.


Assim, couve picada, com cabinho e tudo, refogadinha no alho só até amolecer. Polvilho de queijo, desligo a frigideira e tampo, deixando o queijo derreter com o calor ali dentro da panela. Transfiro tudo isso para cima de um pão integral torrado e com uma passadela de tahini, polviho de gergelim e sou feliz. Naquele dia da foto usei tomates pretos, locais, orgânicos, mas de estufa, que são sempre os olhos da cara, mas que estavam em promoção, e minha saudade de tomate não me deixou passá-los.

O hábito da torrada com legumes de almoço tem tornado minha vida infinitamente mais simples. Não preciso cozinhar nada complexo para mim e isso resolve quando tudo o que sobrou do jantar foi meia xícara de legumes, ou uma única concha de sopa. É fácil adaptar essa sobra para uma torrada. Eu almoço leve, continuo o dia me sentindo produtiva, não aumento minha cintura e não tenho trabalho extra.

Esta da foto embaixo, complementada por alface romana de onde? de onde? da Califórnia, claro, tinha tahini por baixo, o purê de cenoura do jantar, queijo feta e sementes de abóbora. Esse purê de cenoura foi uma revelação: sempre via nas competições de culinária o pessoal se dando mal por conta de purê de cenoura ralo e granuloso, e confesso que fiquei com medo de tentar.

Mas eu havia comprado um belo Artic Char em promoção (já deu pra notar que só compro no mercado orgânico aquilo que está em promoção, certo?), um peixe de águas geladas, que parece salmão, cozinha-se como salmão, mas é bem mais suave e menos fishy. Sem saber o que fazer com ele, acabei me guiando pelos legumes que tinha: adivinha! cenoura e beterraba. A receita da Suzanne Goin, do livro Sunday Suppers at Lucques, que quase vendi um punhado de vezes mas acabei trazendo comigo, grelhava um filé de Snapper (Vermelho) e servia com beterrabas ao gengibre e purê de cenoura. E eu tinha TODOS os ingredientes na despensa, até a harissa para o peixe. Quão raro é isso?

Tanto as beterrabas quando o purê ficam sensacionais. O prato todo, com o peixe, ficou absolutamente delicioso... não fosse o fato de ter ficado todo meio rosa-cor-de-laranja. A única coisa que esqueci de comprar foi a rúcula, e ela traria verde e contraste ao prato. Com o peixe de carne branca deve ficar lindo. Mas não havia luz que fizesse o meu prato ficar apetitoso na foto. Então desisti. Mas deixo aqui a receita. O peixe fica picante, as beterrabas refrescantes e o purê de cenoura adocicado e incrivelmente cremoso, graças  a uma dose cavalar de azeite para emulsionar tudo. Mas como eu sou a primeira a colocar meio tablete de manteiga dentro do purê de batatas, não me senti nem um pouco incomodada. Bota todo o azeite sem dó. É uma delícia.



PEIXE APIMENTADO, COM BETERRABAS AO GENGIBRE E PURÊ DE CENOURA
(adaptado do livro Sunday Suppers at Lucques, de Suzzane Goin)
rendimento: 6 pessoas

Ingredientes:
  • 6 filés de peixe, com pele, de cerca de 150-180g cada
  • harissa (ela pede 3/4 xic de pasta de harissa feita em casa, mas usei o tempero seco, e foi no olho, tipo pitadas, apenas o suficiente para temperar, para não matar de pimenta a boca dos meus filhos.)
  • cerca de 10 beterrabas pequeninas
  • azeite de oliva
  • 2 colh. (sopa) cebola picada bem fininha
  • 1/2 (chá) alho picado bem fininho
  • 2 colh. (chá) gengibre ralado
  • 1/4 xic hortelã fresca picada
  • 1/4 xic coentro fresco picado
  • 2 colh (chá) suco de limão
  •  1 maço pequeno de rúcula
  • 1/2 limão
  • sal e pimenta
(purê de cenoura)
  • 900g cenoura, descascada e cortada em rodelas de 0,5cm
  • Um punhado cheio de talos de coentro + 1/4 xic. das folhas
  • 3/4 xic azeite de oliva
  • 1 xic. cebola picada
  • sal e pimenta

Preparo:
  1. Esfregue a harissa e um fio de azeite nos filés de peixe, cubra e refrigere por pelo menos 4 horas. 

(beterrabas)
  1. Pré-aqueça o forno a 205oC. Corte os talos das beterrabas, deixando 1cm deles ainda agarrados às beterrabas (guarde as folhas para outra receita, se houver). Limpe-as bem, misture a 2 colh,(sopa) de azeite  e 1 colh (chá) de sal. Coloque numa assadeira com um splash de água no fundo, cubra com papel alumínio e asse por 40 minutos, até que estejam macias. Retire do forno, deixe esfriar, arranque as peles, e corte as beterrabas em cunhas. 
  2. Numa tigela, misture a cebola, alho, gengibre, coentro, hortelã, e 6 colh. (sopa) de azeite. Junte as beterrabas, 1/4 colh (chá) de sal, um pouco de pimenta do reino e suco de limão. Experimente e ajuste o tempero.

(Purê de cenoura)
  1. Cozinhe as cenouras e os talos de coentro no vapor por 20 minutos, até que fiquem macias.
  2. Aqueça em fogo alto uma panela de fundo grosso, despeje 1/2 xic. do azeite e então a cebola. Tempere com 2 colh. (chá) sal e 1/4 colh (cha) de pimenta do reino. Cozinhe por 5 minutos, até que a cebola fique translúcida. 
  3. Junte as cenouras, as folhas de coentro, e cozinhe por mais uns 8 minutos, mexendo e raspando o fundo com uma colher de pau, até que as cenouras estejam ligeiramente caramelizadas, com cuidado para não queimar. 
  4. Passe a mistura pelo mixer ou processador até que fique lisa. Com a máquina ligada, despeje devagar o azeite restante, e processe até que esteja incorporado e o purê esteja bem homogêneo.

(peixe)
  1. Aqueça bem uma frigideira grande em fogo alto. Tempere o peixe com sal e pimenta (não muito, pois a harissa já tem os dois) e coloque na frigideira, pele para baixo, cozinhando por 3-4 minutos, sem mexer.Se estiver grudando, é porque a pele ainda não est[a crocante o bastante. Vire o peixe e cozinhe por mais alguns minutos, Não passe do ponto.
  2. Coloque uma colher do purê no centro do prato. Espalhe um pouco de rúcula por cima. Coloque o filé de peixe em cima. Tempere-o com suco de limão e uma colherada das beterrabas ao gengibre por cima e em volta do peixe. 

E então foi chegando o Natal. Enquanto meus pais estavam aqui, eles conseguiram participar da compra da árvore e da colocação dos enfeites. E assim que eles foram embora, o calor se foi e começou a nevar outra vez. Uma neve forte e intensa, que deixou tudo muito branco por muito tempo, e as crianças ficaram empolgadas em ter um Natal com neve. 

De repente, os biscoitos, os pães, os assados, as frutas secas, tudo fez sentido. Ao olhar do lado de fora da janela e perceber que no meio daquele mundo monocromático e dormente, apenas o verde dos pinheiros, evergreens, surgia, você entende o por que de trazer para dentro de casa um símbolo de que nem tudo morreu e aquele não é o fim. São as únicas árvores com folhas, onde os pássaros encontram proteção, e é só aproximar-se de um deles para ouvi-los cantar, em bandos imensos. Fiquei pensando nas crenças pagãs, no mundo antigo lidando com o inverno. 

Na vida moderna, no entanto, o Natal é igual em qualquer lugar do mundo. As decorações, o consumo desenfreado, o frenesi dos presentes, das festas de fim de ano de empresa, os amigos secretos, as promoções nas lojas, os papais-noéis fajutos de shopping centers, o lanche comunitário da pré-escola, a apresentação de música do primeiro ano, o trânsito louco de feriado, a pressão psicológica para a produção de momentos perfeitos e memoráveis.

Verdade verdadeira, eu estava exausta demais para aproveitar qualquer coisa do Natal.

Quando meus pais foram embora, me senti na obrigação de voltar à rotina e aos meus rituais, para não sentir tanto o baque da saudade. Meus pequenos rituais importantes que me trazem conforto. Como voltar da escola de manhã e tomar meu Chai e meu iogurte com frutas antes de começar qualquer outra atividade.

Maçã ralada, pedaços de pera, iogurte, linhaça, sementes de abóbora e mel.

Quando eu achava que retomaria a rotina normal da casa para me preparar para o fim do ano, veio o frio e a neve de uma vez por todas, de verdade agora, trazendo toda uma série de novidades com as quais me adaptar. 

  1. Não, não dá para confiar nas crianças. Elas saem sem luvas, sem fleece, botam tênis no lugar da bota de neve e regata embaixo do casaco. Tem que ficar monitorando cada peça de roupa que eles vestem. E tem um montão de peças. E tem que ver se eles voltaram da escola com todas elas. Thomas perdeu 2 gorros e um par de luvas na primeira semana (e enquanto escrevo isso descubro que mais um par de luvas se foi para o buraco negro do lost and found da escola).
  2. Neve tem diferentes texturas. Quando acaba de cair, é fofa, faz barulho de polvilho quando pisada, e te dá a sensação de andar em areia branquinha de praia. Depois de um tempo já acomodada, ela fica com cara de açúcar de confeiteiro, e conforme vai compactando, vai virando uma enorme pedra de gelo que escorrega pra chuchu. Conforme ela derrete nas calçadas por causa do sal, ela pode congelar de novo numa película de gelo que é como azulejo de cozinha ensaboado, ou formar uma lama com cara de raspadinha derretendo, que é bem como andar na lama mesmo: seu pé gira e desliza para fora a cada pisada. Ou seja, depois de um dia andando nisso tudo, você descobre dor em músculos que não sabia que tinha.
  3. Frio cansa. Seu corpo gasta muita energia para te manter quente. Quando você tem que esperar 30 minutos em pé do lado de fora entre a saída da escola da filha mais nova e a do filho mais velho, acrescido do tempo que eles querem gastar brincando na neve depois da aula, não há pilha que dure.
  4. Tudo demora o dobro quando tem neve. Seja porque você acaba andando mais devagar, seja porque você tem que ficar berrando pros seus filhos pararem de brincar com a neve ou eles chegarão atrasados à escola.
  5. Criança parece meio daltônica pra neve: você fala pra ela brincar só com a neve branquinha do parque, mas ela insiste em se jogar na neve cinzenta da beira da calçada, no slush preto do asfalto, e até na neve amarela, que você deve bem saber do que se trata. É virar os olhos e tá lá seu filho lambendo o poste gelado. É uma atrás da outra.
  6. Fim de ano é fim de ano em qualquer lugar do mundo, e se no Brasil eu já não conseguia mais relaxar para o Natal com as crianças de férias, verão, aquilo tudo, aqui que as aulas vão até dia 23 de dezembro, com evento na escola à noite, um milhão de reuniões com professores, meus dois dias de voluntariado na escola, lição de casa, cachorro, lanche comunitário de um, passeio de outro, preparação para receber a sogra, tudo regado a neve e slush e criançada tão cansada e histérica quanto você... simplesmente não sobrou muito espírito natalino dentro de mim.
Eu só queria férias.

Então não me coloquei muita pressão a respeito das comidas do Natal. Assim como ano passado, fui fazendo conforme dava vontade. Então saíram os Spekulatius de sempre na primeira semana de dezembro, como todo ano. As crianças se divertiram tanto cortando os biscoitos que decidi que só faria cut-out cookies. Eles pediram Gingerbread Men, então fui atrás de boas referências de receita: e a Deb, do Smitten Kitchen, recomendava muito bem os da Martha Stewart. E, de fato, a recomendação vale. Um dos MELHORES GINGERBREAD MEN que já fiz e comi, senão o melhor. Também fiquei com receio da quantidade astronômica de especiarias, mas a verdade é que elas tornam o biscoito realmente especial. Quando, na semana seguinte, fiz o Gingerbread finlandês da Tessa Kiros, eles empalideceram em comparação aos da Martha. Mesmo já tendo passado o Natal, recomendo. Você sempre pode fazer como eu fazia: assava gingerbread em formatos não-natalinos em julho e agosto, no inverno brasileiro, quando as especiarias faziam mais sentido para o meu paladar.
 

Dona Martha, na verdade, tem sido grande companheira nesse inverno. A única revista de culinária que guardei e trouxe durante todo esse processo de mudança foi uma Food Everyday - Holiday Baking edition, da titia Martha. Ao contrário de muitos livros de cozinha que eu tive na vida, eu realmente queria cozinhar TUDO daquela mini revistinha, e tudo o que eu já fizera ficara muito bom. Dele preparei Chocolate Shortbreads no dia do evento de Natal da escola. Tendo horário para sair, as crianças pedindo para experimentar o biscoito ainda esfriando na grade, não tive dúvida: coloquei a forma quente na varanda e contei cinco minutos. Estava -12oC lá fora, mais frio que meu freezer, e rapidinho os biscoitos ficaram frios para serem cortados. Só fiquei de olho para não ser assaltada por uma gaivota passante.

Também preparei o Applesauce Cake da revista. Com aquela infinidade de maçãs consumidas, eu tinha miolos de fruta para um galão de geleia. Mas nunca tendo preparado tanta geleia de uma vez, ela não pegou o ponto, e ficou meio molengona. Usei as duas xícaras restantes da geleia molinha no lugar do applesauce e obtive um bolo muito muito fofo e gostoso. Lembrando que Applesauce nada mais é que purê de maçã.



Outro bolo muito, muito, MUITO bom foi o Fresh Ginger Cake. Foi difícil achar um melado saboroso como o do Brasil, pois os daqui quase todos têm gosto de queimado e textura de graxa. Esse é um bolo que não vejo a hora de fazer de novo. Ele é muito fácil e deveria ter crescido lindamente, não fosse o fato de eu ter ficado no papo com a minha irmã pelo Skype e o forno ter aquecido além da conta. Mesmo afundando, o bolo ficou fantástico. :D

Para a ceia a ideia era manter simples e sazonal, e Allex teve a ideia de irmos ao St. Lawrence Market, o "Mercadão" de Toronto, e comprar uma carne já preparada de um dos lindos açougues por lá. Compramos Peameal Bacon feito com açúcar mascavo e um outro, cru, para tentarmos fazer outro dia. Esse segundo, que achei que ficou mais gostoso, foi regado com uma calda de Maple Syrup, mostarda de Dijon  e alecrim, um glaze que deve ficar delicioso no tender brasileiro. Batatas e rutabagas assadas para acompanhar e couves de bruxelas braseadas que, estavam tão fresquinhas que passaram do ponto mais rápido do que a receita previa. Ficaram muito moles, mas ficaram bem gostosas.

Coisas gostosas compradas no St Lawrence Market
Peameal bacon, brussel sprouts, roasted potatoes and rutabagas amd apple sauce.
Depois que o natal passou, preparei o panforte da Alice Medrich, empolgada por finalmente ter um forno que assa as coisas a temperaturas menores que 180oC, ao contrário do meu forno no Brasil. Também dei pulinhos de alegria por uma coisa muito besta: o papel-manteiga daqui DE FATO não gruda. Não precisei correr atrás de papel-arroz para forra a forma do panforte. Segui a receita, usando o papel-manteiga untado, e ele desgrudou sem a menor dificuldade. Às vezes não sei como posso ser uma pessoa tão complicada, se coisas tão simples me deixam tão feliz. Vai entender.

O tempo todo em que minha sogra esteve aqui a temperatura despencou. Quando chegou a -20oC, ficamos cautelosos, mas o frio (e meu marido ansioso em aproveitar as férias) não nos impediu de sair. Fomos ver o lago congelado, fazer trilha com snow shoes, descer morros de trenó e andar no parque. Quando chegou a -30oC, no entanto... Alguém tinha que passear o cachorro. E lá fui eu, apenas olhinhos de fora. Não precisa sequer ventar. O ar é tão gelado que sua primeira respiração do lado de fora faz seu nariz congelar e grudar por dentro. Você olha para aquele céu azul sem nuvem nenhuma e não acredita que está tão frio. Tão frio que as nuvens não se formam. Qualquer pele exposta simplesmente dói. Enrolei meu cachecol em volta do rosto até cobrir o nariz, puxei o zíper do casaco até o alto (ele cobre minha boca) e acomodei o capuz com peles o mais por cima da testa que pude. E saí. Lá fora, não se via ninguém que não PRECISASSE estar lá. No parque, meia dúzia de cães e seus donos passeavam, os cães felizes e contentes, afundando na neve e brincando com galhos, os donos encolhidos, mãos segurando copos fumegantes de café em canecas térmicas. Nos parabenizávamos com o olhar por sermos tão bravos e intrépidos, enfrentando o frio por nossos amigos peludos. O frio é assim: parou, congelou. Enquanto Gnocchi e eu nos movêssemos, estávamos bem. Andávamos, pés afundando na neve, silêncio absoluto à nossa volta, nenhum animal selvagem, nenhum passarinho à vista. Depois de uns dez minutos caminhando, eu finalmente sentia minhas mãos quentes outra vez. Pois roupa térmica tem disso: ela não esquenta, ela só mantém o calor. Se seu corpo está frio, ele continuará frio. Precisei começar a gerar calor no corpo para que as luvas cumprissem seu papel e mantivessem aquele calor ali dentro. Enquanto isso, minha respiração quente condensava na lã do cachecol e nos pelos do capuz, e imediatamente congelava, criando minúsculas estalactites penduradas em frente aos meus olhos.


Foi uma experiência e tanto.

E quando, no dia seguinte à partida de minha sogra, a temperatura voltou a ZERO graus, parecia verão. Sensação gostosa no rosto, cabeça sem gorro, casaco meio aberto, calça jeans sem calça térmica por baixo. Referência é tudo na vida. Aquele dia de sensação de -17oC que descrevi em outro post, do vento como apanhar com um bacalhau congelado? Nada. Tranquilo. Sossegado. Passou. Nos próximos dias a temperatura deve despencar de novo, mas agora já sei no que estou me metendo.



Há um mês atrás, tive uma conversa rápida de porta de escola com a mãe croata de uma colega da Laura. E ela me disse: só sofre no inverno quem fica dentro de casa. E isso é verdade. Não se pode ter medo do frio. Conheço gente que ficou o recesso de natal inteirinho trancafiado dentro de casa, com medo daqueles -20oC. Você tem que dar a cara a bater para aquele bacalhau congelado, se agasalhar DIREITO, com ROUPAS APROPRIADAS, e ir brincar na neve. Porque uma das coisas mais legais daqui, é que adulto tem permissão para brincar. A gente o morro de trenó com filho ou sem filho, faz boneco de neve, se mete no meio do mato, cutuca o gelo do lago com galho, faz castelo de areia na praia cheia de neve. Depois que você pega a manha da parte chata do inverno, que é o slush, que é o cansaço, que é o tira-e-põe infinito de bota e casaco e a sujeirada que invade invariavelmente sua casa - e depois que dá uma relaxada com a porcariada que as crianças fazem com neve suja e poça preta - o inverno é tão divertido quanto o verão. Só requer cuidados específicos.

No último dia com neve, antes da temperatura subir e o gelo começar a derreter, fui buscar as crianças com o trenó debaixo do braço e uma caneca térmica cheia de Chai fumegante. Laura brincou com os colegas nos morrinhos da escola enquanto esperávamos Thomas, e assim que ele saiu, fomos ao parque mais próximo para brincar. Fazia 0 graus. Começou a chover leve. Ficamos ainda uma hora debaixo da chuva, rolando blocos imensos de gelo morro abaixo. Havia mais duas ou três famílias fazendo o mesmo. Vendo a pimpolhada se divertir enquanto eu me aquecia sob a chuva com minha bebida quentinha, senti que havia passado no teste de admissão canadense.

No dia seguinte, o que encontrei na escola foi o que parecia um pátio imenso coberto por raspadinha de limão derretida. :P Esperemos pela próxima neve, que eu e minha caneca térmica estamos prontas.


 




sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Verão, refeições colaborativas, cozinhando sem me dar conta

Basler Leckerli depois de cortado.


Ah, o verão.

Esse bafo quente do inferno.
Esse ar parado onde só se movimentam mosquitos.
Essa vontade de me jogar no sofá em frente ao ventilador e permanecer ali até a noite chegar.
Esse asfalto quente que queima as patas do cão quando a gente sai pra passear.
Esse sol escaldante que torra a nossa nuca enquanto a gente tenta ler no parquinho que não tem sombra.
Essa chuva à tarde que frustra todas as minhas tentativas de levar as crianças pra passear na cidade.
As moscas.

Ah.

O verão.

Dezembro passou num piscar de olhos e com alívio. Natal e Reveillon com a família foram muito muito bons, mas parece que mesmo não mexendo minha busanfa para fazer ceia nem nada, ainda assim os compromissos, o trânsito caótico de São Paulo e o preço das cerejas deixa você meio que em estado irritadiço e ansioso o tempo todo. Quando você se dá conta, está de férias há um mês, mas parece que alguém esqueceu de avisá-lo disso, pois você nem passeou nem descansou durante esses trinta dias que passaram voando.

Aquela velha rotina de infindáveis receitas de Natal durante Dezembro com certeza não existiu por aqui. Concentrei mais meu tempo em ficar com as crianças e colocá-las para me ajudar na cozinha do dia-a-dia propriamente dita.

Para não dizer que não fiz NADA-NADA especial para Natal e Reveillon, fiz sim. Coisas bem simples e muito poucas.

Fiz ESSES BISCOITOS de canela da Martha Stewart para dar às professoras no último dia de aula. No fim das contas, as crianças acabaram se animando e correram para escolher os cortadores. Para minha surpresa, eles foram extremamente cuidadosos e organizados, e os biscoitos saíram perfeitos. Tanto, que pensei que as professoras não acreditariam em mim quando dissesse que eles os haviam feito. :P

Também fiz, a pedido do marido, e novamente com a ajuda da pimpolhada empolgada, os Spekulatius de sempre, receita AQUI NO BLOG.

Esse ano combinamos de só dar presentes para as crianças. Mas como minha sogra e meus pais se encarregaram da ceia, e eu não queria ir assim tão de mãos vazias, resolvi fazer um biscoito suíço chamado Basler Leckerli, do livro Minha Cozinha em Berlim, da Luisa Weiss, que fora presente de Natal de minha sogra há uns bons anos atrás, e foi um dos livros que mantive por ter algumas receitas alemãs que eu ainda queria testar - essa entre elas. Os biscoitos, que com o passar dos dias vão ficando mais sequinhos e crocantes, e que meus filhos chamaram de "biscoito de balinhas", por causa das frutas cristalizadas coloridas, para mim tinham gostinho bom de panettone, e foram embalados e dados de presente para a família na noite do dia 24.

Basler Leckerli antes de separar.


BASLER LECKERLI
(Do livro Minha Cozinha em Berlim, de Luisa Weiss)
Rendimento: cerca de 40 biscoitos de 2,5cm

Ingredientes:
  • 3/4 xic mel
  • 1/3 xic açúcar + 1 colh (sopa)
  • 1/4 colh (chá) sal
  • 2 1/2xic. farinha de trigo
  • 2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1 ovo grande
  • raspas da casca de 1 laranja orgânica
  • raspas da casca de 1 limão-siciliano orgânico (usei taiti)
  • 1/8 colh(chá) noz moscada ralada
  • 1/8 colh (chá) cravo em pó
  • 1 1/2 colh(chá) canela em pó
  • 2/3 xic. (rasa) de amêndoas sem pele, bem picadas
  • 3/4 xic.casca de laranja cristalizada, bem picada (ou substiua as duas cascas cristalizadas pelas mesmas quantidades de frutas cristalizadas sortidas, como eu fiz)
  • 3/4 xic. casca de cidra cristalizada, bem picada 
  • 1/4 xic. açúcar de confeiteiro
Preparo:
  1. Numa panela em fogo médio, derreta o açúcar, mel e sal e passe a mistura para uma tigela. deixe esfriar. 
  2. Aqueça o forno a 190oC. Em outra tigela, peneire a farinha e o fermento.
  3. À mistura de mel, junte o ovo batido, as raspas, as especiarias e 2/3 da farinha. Misture bem enquanto acrescenta as amêndoas e as frutas cristalizadas. Junte o restante da farinha e misture. A massa fica bem dura.
  4. Forre uma assadeira grande (50x30cm) com papel-manteiga ou silpat. Unte as mãos e aperte a massa na assadeira, espalhando, até que fique com pouco menos de 0,5cm de espessura e mais ou menos uniforme. 
  5. Coloque a assadeira no forno e asse por 15 minutos. Abaixe o fogo para 175oC e asse por mais 10 minutos ou até que esteja dourada e ligeiramente inchada. Cuidado para não queimar embaixo. 
  6. Quando a massa estiver quase pronta, prepare o glacê. Numa panela, em fogo médio-alto, coloque o açúcar de confeiteiro e 2 colh (sopa) de água. Cozinhe até que a água tenha evaporado e o glacê esteja formando bolhas grandes. Ainda deve estar mais líquido que grosso, para poder espalhar. 
  7. Retire a massa do forno e imediatamente cubra com o glacê, usando um pincel para ajudar a espalhar. 
  8. Imediatamente corte a massa em quadrados de 2,5cm, sem retirar da assadeira. (Se estiver usando um silpat, use uma espátula ou um raspador de pão, pois uma faca pode danificar o silpat.) Deixe esfriar até temperatura ambiente. Então separe os quadradinhose guarde em um pote hermético por até 2 meses.
Aliás, continuo mandando embora meus livros de cozinha, e às vezes, quando surge um arrependimento, uma receita que eu queria mas não tenho mais, corro para a internert, onde tenho redescoberto alguns blogs. Nisso, reencontrei o Wednesday Chef, da Luisa Weiss, e descobri que ela fizera um livro inteirinho de baking da Alemanha que parece puro amor. Confesso que me deu um comichão imenso para comprar o livro, mas me refreei, pelo menos por enquanto. O processo é de "down sizing" e economia, então não convém botar nada de novo na casa que não seja absolutamente necessário. Ao invés disso, resolvi testar as receitas do livro que encontrei disponíveis por aí net afora. Na própria página da Amazon, fiquei namorando a foto dos pãezinhos em forma de croissants, cobertos de sementes de papoula, mas a única página que se podia visualizar era a dos ingredientes. Sem problemas, pensei. Pelos ingredientes deduzi como deveria ser o preparo, e assim fiz os danados, que nada mais são que pãezinhos de leite que se enrolam como os croissants e se cobrem de sementes. Uma delícia e muito fáceis, presumindo que o preparo dela era o mesmo que o meu... ;)

MOHNHÖRNCHEN
(adaptado do livro Classic German Baking, de Luisa Weiss)
Rendimento: 10-12 pãezinhos

Ingredientes:
  • 2 colh(chá) fermento biológico seco
  • 3 colh(sopa) açúcar
  • 1 colh(chá) sal
  • 3 colh(sopa) manteiga, derretida
  • 1 xic. + 2 colh(sopa) leite morno (ou temperatura ambiente se o dia estiver quente)
  • 1 ovo
  • 500g farinha de trigo
 (cobertura)
  • 1 gema de ovo
  • 1 colh (chá) leite
  • 1-2 colh (sopa) sementes de papoula
Preparo:
  1. Numa tigela grande ou na tigela da batedeira planetária, dissolva o fermento e o açúcar no leite morno e deixe espumar por uns 5-10 minutos.
  2. Junte o sal, a manteiga, o ovo e a farinha e misture bem até formar uma massa. Sove por 5-10 minutos, à mão ou com o gancho da batedeira, até que ela fique lisa e elástica
  3. Forme uma bola, coloque numa tigela untada e cubra com filme plástico.  Deixe fermentar por 1 hora ou até que dobre de tamanho.
  4. Abra a massa com um rolo numa superfície ligeiramente enfarinhada, até obter um retângulo de mais ou menos 50x20cm. Corte 10-12 triângulos (use as sobrinhas da massa para abrir novamente em forma de triângulo). Como com croissants, segure as duas pontas da lateral mais estreita do triângulo e puxe um pouco para fora, fazendo orelhas. Então comece a enrolar em direção à ponta, apertando para que o rolinho fique compacto. Coloque numa assadeira forrada de papel manteiga ou silpat, com a pontinha enrolada para baixo (para que não se abra durante o cozimento) e entorte as pontas externas para que fique curvo como uma meia-lua. Repita com os triângulos restantes. 
  5. Cubra com um pano de linho ou coloque a assadeira dentro de uma sacola plástica grande e deixe fermentar por mais 45 minutos ou até que os crescentes dobrem de tamanho novamente. 
  6. Pré-aqueça o forno a 205oC. 
  7. Misture o ovo e o leite da cobertura num potinho. Pincele a mistura em todos  os pãezinhos e polvilhe com as sementes. Leve ao forno por cerca de 25 minutos, ou até que estejam dourados e emitam um som oco quando lhes bater os nós dos dedos na parte debaixo. Retire-os da assadeira e deixe que esfriem sobre uma grade. Depois de frios podem ser congelados dentro de sacos plásticos ou se mantém frescos de um dia para o outro, bem envoltos num pano de prato. 
Mas ainda para o Natal, a noite do dia 24 fora responsabilidade dos outros, mas o almoço do dia 25 foi a bagunça daqui de casa. Minha irmã me pedira encarecidamente pela PASTINHA DE FIGO SECO E AVELÃS que ela pede todo ano desde aquele almoço de Natal há um milhão de anos, e que, tendo encontrado ambos mais baratinho num mercado de São Paulo (porque onde moro você tem que vender um rim para comprar castanhas e frutas secas), resolvi fazer.

Minha mãe trouxe uma carne de panela da minha infância, um lagarto fatiado fino e comido frio, sempre ótimo pro bafão quente de verão, e eu acompanhei com o clássico Orecchiette al forno do Jamie Oliver que é sempre bom e uma torta de alho poró muito simples da Tessa Kiros, do livro Twelve, que foi devorada. O bom tanto do prato de massa quanto da torta é que eu pude preparar no dia anterior. Então no dia 25 mesmo, pude acordar com calma e me concentrar apenas em deixar a casa em ordem e passar maquiagem o bastante para cobrir a cara de ressaquinha. ;)

Meu pai havia dito que traria casquinha de siri de entrada, um clássico familiar que em tempos difíceis fora feito até com atum em lata, e o que era para ser uma entradinha meio que virou almoço, e todos comemos tanto que quase não sobrou espaço para o almoço de fato.

Quando chegou a hora da sobremesa, já era quase hora do jantar, na verdade. Eu preparara um repeteco de um SORVETE DE LIMÃO simples e refrescante (sorvete é sempre bom de fazer, porque você pode fazer com uma semana de antecedência e ficar sossegada até o dia do evento) e era para ser apenas isso. Não tivesse eu no dia anterior tido um siricotico e resolvido de última hora preparar uma receita de brownies de cappuccino de uma revistinha de Natal da Martha Stewart. Eu adoro aquela revistinha específica e acho que já fiz quase todas as receitas dela. Lembrava desse brownie, que eu jurava que tinha vindo parar no blog, e o que me lembrava era de que ele tinha ficado bom mas meio sequinho. Então resolvi mexer na receita. E troquei metade do açúcar orgânico branco pelo mascavo, para trazer tons de caramelo ao sabor e deixá-lo mais "fudgy". Também omiti as gotas de chocolate. E usei chocolate 80% (tenho usado da marca Casino, do Pão de Açúcar) no lugar do unsweetened. Mas acho que o pulo do gato foi a forma. Da primeira vez que fiz, usei minha forma de alumínio quadrada de 20cm, que eu nunca forro porque tem fundo removível. Desta vez, usei minha forma de vidro quadrada de 21cm e forrei com papel manteiga. Não parece muita coisa, mas o brownie ficou mais fino e não secou tanto. O resultado foi maravilhoso. Tomei cuidado de tirar do forno ainda molinho no meio, e os brownies ficaram perfeitos, dignos de infinitos repetecos. :) Receita AQUI.

No Reveillon, meu pai preparou um belo pernil assado para fazermos sanduíches. Foi todo um exagero em que todos da família trouxeram comida e acabou que no fim da noite não houve uma pessoa sem uma quentinha embaixo do braço cheia de sobras gostosas. Sobrou tanto pernil aqui em casa que ele rendeu diversas refeições. No dia primeiro do ano foi sanduíche no almoço e jantar, pois ainda tinha muito pão e muito vinaigrette do meu pai. No dia 2, refoguei um pouco de cebola, gengibre, cebolinha e pimenta fresca em óleo de gergelim, juntei o pernil desfiado e arroz branco de transantontem, temperei com um pouco de vinagre de arroz e shoyu e comemos esse stir-fry muito bom acompanhado de uma saladinha de repolho roxo, cenoura, cebolinha e amendoim torrado. O restante do pernil já havia sido desfiado e incorporado a um molho de tomate com alecrim e louro, e esse ragù rápido foi congelado em 3 porções generosas para ser comido depois, com pappardelle feito em casa ou polenta quentinha. Isso porque eu já congelara o pernil desfiado ano passado, e ele queimara e estragara. Envolta em molho, não há chance da carne queimar de frio.

Os ossos do pernil foram para o Gnocchi, claro, que se esbaldou.

Como todos voltariam dirigindo tarde da noite do Reveillon aqui em casa, pensei numa sobremesa diferente, para dar uma acordada no povo. Nesse calor dantesco, sorvete parecia o mais apropriado outra vez: por ser refrescante e por ser prático de fazer - de novo eu poderia fazer com antecedência. Fiz um SORVETE DE CHOCOLATE REPETIDO DAQUI a pedido das crianças, mas para os motoristas de plantão, o escolhido foi uma GRANITA de café bocoió de fácil, que apesar dos olhares desconfiados de todo mundo, acabou sendo sucesso... até com os pimpolhos! O segredo da granita de café, além de usar café saboroso e forte, é servir com chantilly batido na hora e com quase nada de açúcar, pois a granita já é surpreendentemente doce. O chantilly cremoso é um contraste delicioso aos cristais de gelo da granita, e não houve um só comensal que não tenha sentindo o PUNCH! do café na madrugada.

GRANITA DE CAFÉ
(do livro The Perfect Scoop, do David Leibovitz)
Rendimento: ele diz que dá tipo 6 porções, mas acho que nessa quantidade da foto serve 8-10 pessoas)

Ingredientes:
  • 4 xic. (1 litro) de café espresso ou café bem forte ainda quente
  • 1 1/2 xic. (300g) açúcar

Preparo: 
Dissolva o açúcar no café quente, mexendo com uma colher até que desapareça. Despeje numa assadeira de 20x30cm e bordas altas e leve ao freezer tomando mais cuidado do que eu tomei: fui empurrar a assadeira no freezer, o café balançou lá dentro e derramou no chão do freezer e eu tive de ficar limpando aquela joça naquele calorão de 35oC, torcendo pra tudo lá dentro não derreter enquanto isso. Bom... Deixe 1 hora no freezer. Retire, misture ou raspe com um garfo e leve de novo ao freezer. Vá checando a cada meia hora ou a cada hora, e raspando com o garfo. Vai depender da potência do freezer. Você vai fazer isso acho que umas seis vezes até obter aquela boa consistência de raspadinha. Pode parar e deixar no freezer até a hora de servir. Pronto. Bocoió de fácil. 


No fim, em Dezembro eu descobri que toda aquela alegria das férias de inverno era provocada pelo... inverno. E que no calorão eu realmente não estou afim de brincar de pega-pega ou ficar três horas debaixo do sol no parquinho. Quando mais nova eu brincava que minhas células eram fotovoltaicas, e eu só funcionava em dia de sol. Aparentemente meu organismo evoluiu para sistemas mais avançados e sensíveis e eu claramente preciso de refrigeração para meu melhor funcionamento.

Produtividade zero no verão.

Janeiro portanto começou com as crianças indo passar uns dias na casa da avó. Eles não aguentavam mais olhar para a cara da mãe e essa mãe aqui aproveitou a tranquilidade para... descansar? Não. Trabalhar, que graças à boa vontade do universo esse ano o trabalho promete voltar ao ritmo normal, e fechei três encomendas diferentes durante as festas. Ieeeei!

Antes de a pimpolhada se jogar nos braços dos avós que levam pra tomar sorvete todo dia, mamãe preparou waffles de ano novo para a criançada. A boa e velha receita de sempre, fofinha por dentro, crocante por fora, de quem, de quem? Da Tessa Kiros. Eu jurava que essa receita estava no blog, mas aparentemente foi só para o facebook na época em que eu ainda usava aquela joça. Então deixe-me corrigir isso:


WAFFLES
(do livro Apples for Jam, da Tessa Kiros)

Ingredientes:
  • 2 ovos, separados
  • 1/3 xic. açúcar (uso o baunilhado e omito a baunilha depois) 
  • 1/2 colh. (chá) extrato de baunilha
  • 4 1/2 colh (sopa) manteiga, derretida
  • 3/4 xic. leite
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo
  • 1/2 colh (chá) fermento químico em pó
Preparo:
  1. Numa tigela, bata com um fouet as gemas e o açúcar até que fique homogêneo e claro. 
  2. Junte a baunilha e a manteiga derretida e misture bem.
  3. Junte o leite e quando estiver incorporado, a farinha e o fermento. A massa ficará espessa. 
  4. Bata as claras em neve e incorpore à massa anterior. Aqueça o ferro de waffle e asse cerca de 1/3 xic. por vez. Rende o bastante para uma família de quatro gulosos se esbaldar. 
Pimpolhada continuou no bom e velho maple syrup trazido da Califórnia pela titia Maria Rosa, e eu bati um pouco de chantilly com pouco açúcar e comi meus waffles quentinhos com minha compota de cereja, feita com as cerejas que ganhei de Natal da minha mãe, que sabe do que eu gosto. :) Lembrei imediatamente da viagem a Amsterdam, há tanto tempo, e dos waffles servidos da mesma forma que comi por lá. Delícia.

Daí que no meio da correria louca de dezembro, cada evento pareceu parar um pouco o tempo e durar o bastante para aproveitarmos. Cada um fez um pouco e ninguém ficou (muito) cansado, e acho que esse foi o melhor Natal e Reveillon que tivemos nos últimos anos. Foi um fim de ano caloroso e feliz, cheio de muita comida gostosa.

Acho também que preciso editar esse post e rever aquela frase lá em cima. Que para alguém que disse que não faria nada para o Natal, e que disse que preparara pouca coisa simples, fiquei besta com a quantidade de links para receitas que tive de inserir no meio do texto. Sem a pressão de PRECISAR fazer um monte de comida, acho que fui fazendo e nem me dei conta.

E vamos para 2017 então.

Cozinhe isso também!

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