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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Meu primeiro bacalhau, o segundo, o terceiro e o quarto também

Polenta, bacalhau à moda de Vicenza, e radicchio grelhado. NHAM.

Meu primeiro bacalhau à Gomes de Sá.

Noutro dia me dei conta de que nunca fizera bacalhau. NUNCA. E fiquei em choque. Porque bacalhau sempre foi comida da minha mãe. Primeiro, apenas na Páscoa, pois era muito caro. E por isso, era especial. Comida de festa. Pra muita gente, ainda é. Conforme as coisas melhoraram em casa, e minha mãe começou a preparar bacalhau com mais frequência, continuei gostando, mas confesso que perdeu um pouco a graça. Como se desse alcachofra o ano todo. Como comer panettone em junho. Ou tomar quentão em janeiro. Eu curto a sazonalidade das coisas, e para mim, bacalhau era aquela coisa de uma vez por ano, duas se déssemos sorte.

Daí, como minha mãe ainda fizesse bacalhau sempre e eu tivesse onde comê-lo, não me interessei muito em cozinhá-lo eu mesma.

Só que recentemente me deu um tilt, um incômodo, um comichão, de preparar bacalhau. Da mesma forma que anda me dando comichão de fazer pernil. E boeuf borguignon. E eu fico pensando na infinidade de coisas que eu nunca cozinhei na vida, e parece que não há vida bastante para cozinhar tudo.

Fui lá no mercadão, comprei um belo pedaço de bacalhau, voltei pra casa e me vi naquele impasse: o que é que eu preparo com isso agora? Era tanta receita diferente, que minha cabeça girou um pouquinho.

Fechei todos os livros, catei meu caderno e apanhei uma receitinha véia recortada de uma revista Gula antiga, e colada ali numa página qualquer havia milênios: bacalhau à Gomes de Sá. Afinal, sempre digo que é bom fazer o básico antes de sair atrás das invencionices.

E meu deus, como ficou gostoso. Eu lá, morrendo de medo de fazer alguma coisa errada com o bicho, e como é fácil esse prato. No entanto... descobri a duras penas que meu marido não gosta de bacalhau. Bacalhau pronto e ele: "mas eu não gosto de bacalhau". Nem as crianças, que só comeram as batatas.

Eu lá com aquele panelão-delícia para comer sozinha.

Dia seguinte, desfiei melhor o bacalhau, e virou frittata. Tão boa, tão boa, que cogito a possibilidade de fazer bacalhau de novo só pra botar ovo junto. E na frittata, todo mundo comeu o bacalhau. Até o marido, ainda que meio a contragosto.

Agora, sabendo do desafio de fazer algo que só eu gostava, tinha que dar fim logo ao pedação de bacalhau que ainda restava na geladeira.

O que escolhi fazer foi baccalà alla vicentina, uma receita italiana com a qual eu tinha uma história. Na primeira viagem à Itália, em Bologna, ainda meio que vegetariana (só comia peixe quando realmente não havia opção), finalmente encontrei um restaurante que servisse o que viria a se tornar minha massa recheada favorita: tortelli di zucca (tortelli de abóbora, com mostarda di cremona, amaretti e sálvia). Acontece que o restaurante era mais chique do que eu havia previsto, e quando pedi o prato, vieram 5 tortellezinhos do tamanho de uma noz. Que para a fome que eu estava, não dava para nada. Resolvi pedir um segundo prato. No meio de tanta carne, só havia ali bacalhau alla vicentina. Vai tu mesmo. E o que veio foi uma porção de polenta cremosa e o que parecia um purê de bacalhau por cima, com muito mais leite do que peixe, meio farinhento. Não sei dizer o que exatamente havia de errado no prato (além do fato de estar comendo em Bologna um prato de Vicenza); mas na primeira garfada, quase cuspi tudo. Era horrível. E eu lá, morrendo de fome, e gastando mais dinheiro naquele jantar do que eu gostaria. Dá-lhe vinho pra fazer descer aquele grude.

Não é a apresentação mais bonita que eu poderia fazer do prato. Mas tendo uma profusão de receitas do tal bacalhau com polenta, e sendo um prato clássico de uma cidade, eu estava era curiosa para ver se o negócio era mesmo terrível ou se o restaurante errara muito a mão, fazendo algo que não era da sua região.

Com certeza a segunda opção.

Pois bacalhau à moda de Vicenza é uma delícia. Ao menos esse. E completamente diferente daquele purê bizarro. O processo é mais fácil até do que o bacalhau à Gomes de Sá, ainda que parecido. E o peixe fica molhadinho, em lascas macias. Como disse a Tessa Kiros no livro, o bacalhau salgado combina maravilhosamente com a polenta doce e o amargo do radicchio grelhado. O radicchio, na minha opinião, levanta o prato como ninguém, e é crucial.

Desta vez, Thomas comeu o bacalhau. E a polenta. E, veja só, até o radicchio. Laura ficou mais na polenta mesmo. Allex comeu porque era o que tinha. Eu me deliciei. Repeti duas vezes, a gordinha.

E no dia seguinte, o que sobrou do bacalhau foi batido no processador com mais ou menos a mesma quantidade de batata cozida, com casca e tudo, e mais um punhado de salsinha, até virar um purê firme. Passei na farinha de rosca, fritei e servi os bolinhos de bacalhau (de chorar de bom) no almoço, junto com a sopinha de couve-flor e alho-poró da Bela Gil. Molecada devorou os bolinhos. Inclusive a Laura, que até então recusara o peixe.

Frittata de bacalhau e batata. Vale o esforço de preparar o bacalhau.

Um montão de receita aí, ó:

BACALHAU A GOMES DE SÁ:
(de Milu Palmela, publicada numa revista Gula)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 1kg bacalhau deixado de molho por 2 dias na geladeira, trocando a água com frequência
  • 200ml azeite de oliva
  • 2 dentes de alho esmagados
  • 4 cebolas médias em rodelas
  • 1kg batatas lavadas e cozidas com a casca
  • 4 ovos cozidos duros
  • Leite quanto baste para cobrir o bacalhau
  • Azeitonas pretas a gosto
  • Salsinha picada para polvilhar
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Escorra o bacalhau, passe para uma panela grande e cubra com água fervente, fora do fogo. Tampe a panela, embrulhe num pano grosso e mantenha assim por 20 minutos.
  2. Escorra novamente, retire a pele e as espinhas, e desfaça em lascas. Passe para um recipiente fundo, cubra com leite quente e deixe em infusão de 1h30-2 horas. 
  3. Retire as cascas das batatas e corte em rodelas.
  4. Numa travessa que possa ir ao fogo e ao forno, coloque o óleo de oliva, alho e cebola. Leve ao fogo, e assim que as cebolas começarem a dourar, junte as batatas
  5. Distribua as lascas de bacalhau já escorridas, tempere com pimenta e sal.
  6. Leve ao forno quente por 15 minutos. Retire do forno, polvilhe com salsinha, distribua os ovos e as azeitonas e sirva bem quente. 

......

FRITTATA DE FORNO DE BACALHAU COM BATATAS
Rendimento: 4-6 pessoas
  • O que sobrou do bacalhau a gomes de sá (cerca de 3 xic.) (se sobrou pouco, pode completar com mais batatas cozidas e fatiadas)
  • 1 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 7 ovos
  • sal e pimenta
  • azeite para untar a forma
  • um punhado de salsinha picada

Preparo:
  1. Misture tudo em uma tigela, coloque em uma assadeira untada de cerca de 20-30cm e leve ao forno a 200ºC por cerca de 40 minutos, até dourar.


......

BACCALÀ ALLA VICENTINA
(do lindo livro Venezia, de Tessa Kiros)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 700g bacalhau, deixado de molho por 2 dias na geladeira, água trocada com frequencia
  • farinha de trigo, para polvilhar
  • 5 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 1 cebola grande, cortada em meias-luas finas
  • 2 dentes de alho picados
  • cerca de 6 filés de anchova conservados em óleo (alice) grandes, quebrados em pedaços
  • 2 colh. (sopa) salsinha picada
  • 750ml leite


Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Escorra o bacalhau, e corte em pedaços de cerca de 4x5cm, descartando pele e espinhas. Disponha numa assadeira e polvilhe com farinha dos dois lados, chacoalhando para retirar o excesso. 
  2. Aqueça o azeite em uma travessa que possa ir ao fogo e ao forno (uso sempre o panelão baixo e verde da foto, que tem tampa), e refogue a cebola até que fique macia. Junte o alho. Quando perfumar, junte metade da anchova, amassando com uma colher de pau para dissolver. 
  3. Misture bem, junte a salsinha, e arranje os pedaços de bacalhau por cima, misturando com uma colher de pau, para que os temperos recubram o peixe. Adicione umas 2 ou 3 viradinhas do moedor de pimenta.
  4. Junte o leite, movendo os pedaços de peixe para que o leite escorra por baixo deles. Junte o resto da anchova. Cubra a travessa com papel alumínio (ou tampa, se houver) e leve ao forno. 
  5. Asse por 1 hora, então descubra a travessa e asse por mais 30 minutos, ou até que o bacalhau e a cebola tenham absorvido quase todo o líquido e haja uma crosta dourada por cima. (Se o leite talhar, como no meu caso, a aparência não vai ser das mais bonitas, mas o gosto é excelente.)
  6. Remova a panela do forno e deixe descansar alguns minutos, para que o peixe absorva mais líquido. Se ainda estiver muito cheio de líquido, volte para o forno desligado mais um pouco. 
  7. Sirva quente, acompanhado de polenta (mole ou grelhada) e radicchio grelhado (corte o radicchio em quartos no sentido do comprimento, tempere com sal, azeite e pimenta e disponha numa travessa refratária. Leve ao forno e asse até que esteja macio e quase chamuscadinho nas pontas.)





segunda-feira, 1 de abril de 2013

Financiers de avelã, chocolate e amaranto

Tenho boas memórias das Páscoas passadas. Ok, talvez menos uma, em que, com o olho maior que a barriga, comi todo o meu chocolate de uma vez e passei mal. Mas ainda assim, as boas memórias superam as ruins. Lembro do bacalhau da Sexta-Feira Santa, coisa mesmo de uma vez ao ano, pois bacalhau era caro, lembro de acordar cedo para encontrar a cestinha de vime com meu nome e com os chocolatinhos do Coelho da Páscoa e de levar pedacinhos do ovo embrulhados em papel alumínio no lanche da escola.

Os eventos religiosos na escola de freiras foram integralmente apagados da minha mente.

O caso é que, assim como aconteceu com o Natal, percebi que minhas memórias mais gostosas e persistentes tinham a ver com a comida. E, por consequência, as pessoas que haviam preparado aquela comida e dividido ela comigo. Mas se eu ganhei um ovo ao leite ou crocante, não sei. A não ser pelos ovinhos que meus pais nos davam todos os anos, pequenos, cobertos de açúcar para parecerem ovos de galinha, e que precisavam ser quebrados com um martelo de cozinha, não me lembro de nenhum outro. Mas esses, talvez pelo inusitado e pelo modo divertido com os comíamos, ficaram marcados.

Essa foi a segunda Páscoa do Thomas. E a segunda Páscoa em que ele não ganhou ovo e eu fiquei, confesso, sem saber o que fazer a respeito. A coisa toda do ovo de chocolate parece ter saído de controle. O que me parecia uma diversão inocente naquela época virou mais um exemplo de excessos. Fui criada como católica, mas hoje me considero muito mais uma pessoa espiritualizada do que pertencendo a qualquer religião organizada. Nesse ínterim, meu marido e eu sabemos exatamente como explicar Natal a nossos filhos, e como incorporar Papai Noel na jogada sem deixar que o feriado seja uma mera questão de soterrar crianças com brinquedos (já pedimos aos familiares que dêem apenas lembrancinhas – qualquer presente grande ou mais caro é pai e mãe que dão). Agora Páscoa... por algum motivo parece mais difícil. Pelo menos por enquanto, em que é complicado explicar o feriado a uma criança de 2 anos, e que, uma vez permitidos os ovos, a coisa foge ao controle. A escola mesma do meu filho distribuiu coelhos de chocolate, que, sem saber o que era, ele simplesmente levou na mochila. Uma vez longe do pimpolho, ele já tendo esquecido do coelho na mala, apanhei o coelho da Lacta para ler os ingredientes. Nada que prestasse. Ainda querendo dar uma chance, abri um pedacinho do papel e tirei um naquinho da orelha do bicho. Gosto de m*rda. Lixo.

Mas eu também não posso exigir que a família saia por aí gastando os tubos para comprar chocolate belga para o menino. Não é justo e também não é o objetivo. Prefiro pedir que não dêem nada a ficar dando uma lista de regras chatas.

O que fazer?

Esse ano, o domingo de Páscoa foi também festinha de aniversário, pois Thomas faz 2 anos na quarta-feira. Daí que seu chocolate de Páscoa foi um enorme pedaço de bolo de brigadeiro e financiers de avelã, chocolate e amaranto, ambos feitos pela mamãe. Ano que vem, no entanto, ele talvez se pergunte a respeito dessa história de coelho, já que a própria escola (que é laica) fica dando liçõezinhas sobre o lado consumista do feriado: fala-se de coelho e chocolate, mas nada sobre a parte religiosa.

Daí que ando pensando em outras atividades para fazer com o pimpolho. Se ano que vem chamo a família para uma caça aos ovos (de verdade, pintados) no jardim, para depois serem trocados por coisinhas gostosas de chocolate, por exemplo. Bom... tenho um ano para matutar. Mas adoraria saber se vocês têm alternativas ao safado do ovo de chocolate, e se as crianças (e o resto da família) abraçam ou não a ideia.

Pois o mais difícil até agora não tem sido educar meus filhos a não relacionarem feriados a consumismo desenfreado. Isso parece fácil. O difícil é convencer os outros. Família e amigos parecem ficar ofendidos quando você explica que não precisa de presente de aniversário, Natal ou o que seja, porque a criança (ou mesmo nós, os pais) não precisa de nada, já tem bastante roupa, brinquedo, o que for, e que a companhia e a brincadeira é melhor do que um objeto. (E sim, eu fico chateada quando vejo que minha irmã, meus pais ou minha sogra ficaram tristes por eu "não deixar" dar presente.) Estamos, como sociedade, tão acostumados a medir nosso amor por uma pessoa pela quantidade de objetos que damos a ela, que nos perdemos um pouco, e nossa boa intenção e nosso amor vira dinheiro que não precisava ser gasto e acúmulo de objetos dos quais não precisamos.

Nessa Páscoa, Thomas não ganhou nenhum ovo. De ninguém. Brincou loucamente com toda a família, e foi dormir feliz e exausto. Os financiers que ele surrupiou da bandeja sem que mamãe visse foram chocolate o bastante pra entretê-lo entre uma brincadeira e outra. ;)

A receita, ótima, é do La Tartine Gourmande, mas ao invés de 8 formas de muffin normal, assei por 5 minutos a menos, na mesma temperatura indicada, 24 financiers em forma de mini-muffin. O perfume de avelã e chocolate que o forno exala é delicioso, e o amaranto se sente muito pouco, mas aplaca aquele pânico materno de nutricionismo. hehehe... (Se não tiver farinha de avelã no supermercado, basta pulsar avelãs no processador até ficar com textura de areia grossa – usei farinha feita com a avelã inteira, com casca e tudo, e ficou uma delícia).

De quebra, Thomas não tinha pedaço de ovo para levar de lanche, mas levou com gosto dois financiers, cujo papelzinho ele aprendeu a tirar com relativo cuidado.

Receita AQUI.

[Em tempo: os pimpolhos eventualmente começarão a ganhar ovos de chocolate. Só estou deixando para quando forem um pouquinho mais velhos. Não tem porque entuchar de chocolate uma criança tão pequena. E essa é minha decisão. Não quer dizer que vá fazer de fato bem para os meus filhos, e com certeza não quer dizer que tem que ser feito assim para todo mundo.]

segunda-feira, 9 de março de 2009

Le Chocolê

Quando vi as novas fotos dos chocolates da Lelê, tive certeza de que precisava falar deles aqui. Eu quase nunca faço qualquer espécie de propaganda de um lugar, pessoa ou produto, a não ser que realmente goste da coisa. E a Le Chocolê não foge à regra.

Conheci Elenice Tamashiro há muitos anos atrás, quando peguei um emprego fixo de ilustração. Foi ela quem me ensinou a tomar chá verde sem açúcar, um hábito que nunca pensei que se enraizaria em mim. Foi sua mãe quem me ensinou a fazer um delicioso pão de milho, que vira e mexe faço como ele é, vira e mexe adapto, mas sempre sai perfeito. Já naquela época ela nos presenteava com suas trufas, muito escuras, aromáticas e cobertas de cacau em pó, que, ao serem mordidas, revelavam duas cores, dois sabores, deliciosos e que derretiam na boca. Cuidadosa, Lelê as embalava em caixas douradas e prateadas que ela mesma fazia de origami.

Embora não fosse viciada em chocolate, ela foi cada vez mais se apaixonando pela arte e pela técnica que envolve o chocolate. Seus presentes delicados acabaram gerando encomendas, o que a incentivou a começar o Le Chocolê e buscar cada vez mais conhecimento. Fez dois cursos na Academia do Chocolate em Lebeke-Wieze na Bélgica [invejinha...], e não perdeu tempo em aplicar o que havia aprendido. Lembro-me de ter passado horas com ela, após seu primeiro curso, conversando sobre as técnicas, tentando absorver seu conhecimento por osmose. Hoje, ela usa apenas matéria prima belga de qualidade na confecção de seus chocolates, a respeito dos quais mostra um orgulho quase tímido, muito condizente com sua personalidade doce, se me permitem o adjetivo.

Orgulho mesmo tenho eu, por ter assistido à sua trajetória. Desde suas primeiras trufas, enormes, como os verdadeiros tartufi das florestas italianas, até seus delicados bombons de hoje em dia, seus ovos de páscoa, seus alfajores que enchem minha boca d'água quando penso neles. Por isso, por conhecê-la, por ter visto seu cuidado e dedicação, que tive certeza de que precisava escrever esse post. Lelê tem o tipo de paixão pela cozinha que eu compreendo (e vocês). Não é à toa que seu enorme, carinhoso e estabanado labrador amarelo se chama Quindim. :D

Para conhecer sua lista de chocolates para a Páscoa e fazer encomendas, escreva para: lechocole@gmail.com

Todas as fotos foram feitas por Edu Moraes.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Achou o ovo!

Precisava fotografar o que restou da torta de Páscoa, simplesmente pela diversão que é ver esse ovo assim no meio dela. A receita foi uma das poucas que segui sem nenhuma adaptação nos últimos tempos, e por isso, infelizmente, não a colocarei aqui. Por isso, na verdade, e pela chatice que foi abrir a massa. Quatro vezes. Afe!

Se quiser fazer algo parecido, é mais fácil usar sua massa de torta favorita (ou massa folhada comprada pronta), e rechear com um maço inteiro de espinafre aferventado, escorrido e refogado com alho, misturado a ricotta fresca, um punhado de queijo pecorino ralado e um tantinho de creme de leite, só para dar cremosidade. Faça quatro buracos redondinhos no recheio e quebre os ovos lá dentro, polvilhando com queijo por cima. E cubra com a massa com muuuuuuuuito cuidado para não estourar as gemas! hehehe...

Um pouco de paz, sossego e comida em boa companhia na Páscoa






Confesso ter me exaltado no último post. Às vezes falho em controlar meus impulsos de atear fogo no circo. Quem me conhece sabe que não hesito em iniciar uma discussão, principalmente quando encontro pelo caminho alguém que não apenas tenha boa disposição para argumentar, mas também — e mais importante — tenha inteligência para não levar para o lado pessoal e, depois de ninguém ter convencido ninguém de coisa nenhuma, após horas de discussão acalorada, que consiga sorrir e combinar a próxima cerveja. Adoro quando encontro gente assim. Houve mesmo uma vez que fiquei num bar discutindo política com uma amiga de um amigo que tinha uma visão diametralmente oposta à minha, e mesmo depois de alguns pontos delicados muito bem esmiuçados, terminamos a noite com um "Ótima conversa! Quando vai ser a próxima?".

No entanto, família não funciona assim. Não sei por quê; em algum momento os cientistas vão descobrir porque parecemos absolutamente incapazes de manter uma conversação de base lógica com pessoas com quem compartilhamos o mesmo sangue. Por isso mesmo, pendurei as armas atrás da porta e me preparei para uma tarde inteira de paz. Ainda que muito do meu autocontrole tenha sido fruto do cansaço, confesso, pois autocontrole não é, normalmente, uma de minhas virtudes.

Esse almoço de Páscoa foi especial, pois pela primeira vez conseguimos unir os dois lados da família. Claro que só foi uma possibilidade porque havia pouca gente. Nosso pequeno "apertamento" não comporta uma grande festa de família com todos os avós, tios e apêndices de cada lado. Convidamos então os pais dele, minha mãe e minha irmã, pois a cunhada voltou para a Itália e meu pai continua em Fortaleza. Éramos seis [não resisti...]. Recusamos qualquer ajuda, e minha mãe ficou logo preocupada, pedindo para que não fosse louca como minha avó, que começava a preparar o almoço de domingo na sexta-feira, ao que eu respondi: "E não é essa a graça??"

No sábado de manhã comecei a maratona. Primeiro de tudo, o prato mais arriscado: uma torta siciliana de Páscoa, do livro Sabores da Sicília, do SENAC. Recomendo o livro: receitas deliciosas. Foi arriscado porque havia muita coisa que poderia dar errada, e era o único prato que eu jamais fizera. Eram quatro bolinhas minúsculas de massa que deveriam ser abertas em círculos finos como papel, translúcidos, e intercalados com azeite, duas camadas embaixo, duas em cima, recheio no meio. Este, de ricotta fresca, espinafre e queijo pecorino, deveria comportar em buracos muito bem estruturados quatro ovos inteiros, assim crus, para cozinharem como pequenos ovos pochés dentro do recheio verde enquanto a torta assava. Ainda bem, apesar do ligeiro stress para abrir a massa do tamanho certo sem rasgá-la, tudo deu certo e a torta ficou excelente. Não fosse o fato de a camada de cima ter-se descolado, inflado e entortado, a torta teria ficado perfeita.

Depois da torta, a massa. A receita é ipsis literis do livro Jamie´s Italy, de orecchiete al forno. Eu já preparara a receita usando conchiglie (na falta de orecchiete) e tomates frescos. Desta vez, encontrei um pacote de orecchiete de semolina da marca Granarolo, a mesma da farinha italiana que costumo comprar, e tomates em lata Raiola, meus favoritos. Intercala-se camadas de massa com molho, punhados generosos de parmesão ralado na hora e mozzarella de búfala em pedaços, e leva-se tudo ao forno. Ao contrário da torta, entretanto, deixei o prato apenas pré-montado. Para evitar que o macarrão continuasse cozinhando em seu próprio calor e ficasse empapado e sem textura (scotto, come dicono gli italiani), deixei que o molho esfriasse completamente antes de utilizá-lo, e cozinhei a massa por 1 minuto menos que o indicado no pacote, escorrendo-o e passando-o pela água fria, até que não restasse mais qualquer calor emanando dele. Montei o prato na minha panelona vermelha, que comportou confortavelmente os 500g de orecchiette, e foi, no dia seguinte, do forno para a mesa combinando bonitinho com minha toalha-cliché de trattoria.

Afe. Feito isso, hora do sorvete de creme. Depois de preparar a mistura e deixá-la na geladeira, saí para almoçar na Osteria del Petirosso, um lugar que adorei, apesar de ser meio salgado, e que me deu muita dó, por estar vazio, vazio. Melhor tiramisù de São Paulo, e único tortelli di zucca que comi fora da Itália em que se podia sentir o tempero sutil mas marcante da Mostarda di Cremona. No fim de tudo, depois do cafézinho, foi-nos servido um licor de amêndoas por conta da casa; uma delicadeza por parte dos donos que é difícil de se encontrar nos restaurantes por aqui, mesmo os mais caros.

Voltando do almoço, retorno à maratona. Asso os pimentões sob o grill, retiro-lhes a pele, fatio, refogo na cebola, com uma colherinha do molho de tomates reservado da massa. Vinagre. Sal. Pimenta. Pepperonata pronta.

Enquanto isso, cozinho as ervilhas com menta seca, escorro-as, tempero-as e misturo-as a azeite extra-virgem. Cubro-as e deixo marinando na geladeira.

Hora do único toque de chocolate do almoço: um bolo cremoso muito fácil que eu já fizera diversas vezes na casa de minha mãe, mas nunca aqui. Derrete chocolate com manteiga, mistura gemas, açúcar, sal e baunilha. Bate as claras em neve com o resto do açúcar, incorpora as claras na meleca de chocolate, coloca na forma forrada e untada e leva ao forno MÉDIO por 40 minutos. Até onde eu sei, forno médio é 180ºC. Pelo menos é o que diz na Dona Benta e em um monte de outros livros clássicos e imprecisos. Olho o meu termômetro e ele está marcando 180ºC exatamente, nem um milímetro para lá ou para cá. Lembro-me de que na casa de minha mãe o bolo sempre dava certinho, então coloco o timer para 40 minutos e vou descansar a coluna deitando no sofá um pouco, pois depois de 8 horas de pé, picando, cortando e misturando, eu mereço. Trinta minutos depois, aquele cheiro. É, aquele que eu detesto: queimado.

Corro para a cozinha, testo com o palito e, apesar de continuar a 180ºC, o bolo ficou pronto antes da hora. Tinha as beiradinhas das placas quebradas por cima chamuscadas e, ao desenformá-lo, via-se claramente o fundo enegrecido.

Insira imprecações aqui.

"Vai assim mesmo", pensei. Já estava cansada, e como o objetivo era comer o bolo com sorvete, mandei um "dane-se, todo mundo vai comer bolo queimado". Eu que não ia jogar tudo fora e começar de novo. Então me lembrei de que o forno de minha mãe é também desregulado como o meu, e a razão pela qual o bolo demorava 40 minut0s para ficar pronto era que a temperatura era 30ºC mais baixa.

Hunf.

No dia seguinte, todos chegaram ao mesmo tempo, exatamente na hora marcada, o que é sempre uma bênção para qualquer anfitrião: isso quer dizer que todos terão o mesmo tempo para se entupir de aperitivos, e que não é preciso esperar mais tempo para servir o almoço. Quando eles entraram, já estavam distribuídos pela "imensa" sala potinhos com castanhas de caju, azeitonas Kalamata (menos amargas que as comuns Azapa, e por isso ótimas para serem comidas puras), queijo Feta marinado em azeite e orégano (como me ensinou uma amiga grega de minha irmã), pepperonata e uma pasta de grão-de-bico que acabei aprontando no pilão cerca de 5 minutos antes de os convidados entrarem pela porta, com medo de que não houvesse comida suficiente. Para acompanhar a pasta e a pepperonata, fatias de pão ciabatta.

Reaqueci a torta, aqueci e gratinei a massa, e servi ambos acompanhados das ervilhas com menta e da salada Cole Slaw, feita no dia, com repolho branco, cenouras e cebolas roxas, maionese e mostarda de Dijon.

Tudo correu muito mais suavemente do que eu esperava. Todos os pratos deram certo e agradaram, até mesmo o pobre bolo queimado que, no fim, por milagre talvez, não pegara gosto de queimado. O único erro foi ter calculado mal a quantidade de bebidas, razão pela qual Allex teve de sair de fininho para comprar mais.

Quem mais gostou da festança foi o cachorro, que não sabia no colo de quem pular. O fato de ter feito muito mais comida do que seis pessoas poderiam comer (e repetir e repetir de novo), prova de uma vez por todas que carrego em mim os genes da fartura de minha avó Lydia. Espero tê-la deixado orgulhosa, onde quer que a véia tenha reencarnado.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Sexta-Feira Santa: Santa Paciência!



A despeito do fato de não sermos exatamente católicos, é impossível para mim não querer sentar à mesa posta, tomar um bom vinho e comer algo especial em uma Sexta-Feira Santa. No primeiro ano em que nos mudamos, lembro-me vagamente de algum pai (o meu ou o do Allex, já não sei mais) nos perguntando se comeríamos peixe na sexta-feira.

"É claro que não!", respondemos, exasperados. "Não comemos carne o ano todo, porque comeríamos justamente no dia em que não devemos???"

E, respondendo ainda ao olhar confuso e perplexo do interlocutor oculto pelo véu de minha parca memória: "Para quem não come carne, Sexta-Feira Santa não tem nada de especial: é só sexta-feira."

De fato, fico sempre boquiaberta com a falta de disciplina dos assim chamados católicos. Ninguém está pedindo para que eles sejam perpetuamente vegans. São 364 dias de balbúrdia e descontrole e apenas um — unzinho só — sem carne. E pensar que antigamente eram dias e dias de jejum, diminuídos posteriormente para apenas sexta-feira, então atenuados para uma dieta restrita, que, finalmente, foi deturpada por um monte de gente sem o menor senso de autocontrole, para "um peixinho pode". Daqui a uns tempos vão dizer que franguinho também está ok. Ah, vá, povo, ninguém consegue ficar 24 horas sem comer um bicho???

De qualquer forma, sou sempre invadida por sentimentos paradoxais em feriados religiosos. Por um lado, há o saudosismo incontrolável, as lembranças das Páscoas da infância, de quando bacalhau era item raro e caro, e por isso, preparado apenas uma vez ao ano, razão pela qual eu já começava a salivar de ansiedade assim que terminava o Carnaval. Por outro lado, minha parte cínica pulula e grita, irritada pela comemoração em nome da comemoração, sem conhecimento, sem tradição, rendida e vendida às fábricas de chocolate e brinquedos, inundando mentes maleáveis de noções consumistas e fúteis que contrapõem justamente a mensagem que o feriado deveria difundir. Páscoa não é mais um momento de reflexão. Nem Natal. Nem coisa nenhuma. O importante é pagar 40 reais num ovo de 300g de chocolate de qualidade inferior e abarrotado de gordura hidrogenada. Tudo porque é mais fácil agradar a criançada com uma dose colossal de açúcar do que de fato ensinar-lhes algo que preste para suas vidas.

Veja bem, fui criada como católica. Fiz primeira-comunhão. Quando me revoltei contra tudo e todos, em meus anos aborrecentes, costumava desejar "Feliz Solstício!" e "Bom Equinócio!" a meus pais, apenas para enfurecê-los. Sim, porque me parecia ridícula toda a comemoração em torno de datas arbitrárias, escolhidas pela igreja medieval em função de festas pagãs e judaicas, apenas com o intuito de minar o espírito comemorativo de indivíduos de outra fé, e, aos poucos, substituir uma festa pela outra. Isso não é segredo para ninguém. Mas acredito que se for para tomar com desinteresse uma data como esta, que pelo menos seja com essa consciência, e não por ter sido dominado pelo desejo por chocolate. Fiquei em choque ao assistir a um programa de TV em que, perguntado sobre o significado da Páscoa, um transeunte de quociente intelectual questionável respondeu que era uma data relacionada ao descobrimento do Brasil, algo a ver com o monte Pascoal.


Hmmmmmmmmmf...


Esse tipo de coisa me dá dor no estômago. Sério.


Mas, como meu lado cínico e meu lado saudosista são duas partes que há muito tempo aprenderam a conviver em paz e ceder um ao outro em nome da boa vizinhança, tento nessas datas criar minhas próprias tradições. Afinal, algo terá de ser ensinado aos filhos quando eles um dia vierem. Os pimpolhos decerto saberão o significado da Páscoa, pois, apesar de não-católica, tenho grande respeito e admiração por esse homem que tentou desesperadamente botar a humanidade nos trilhos e que (dizem os padres) morreu hoje. Mas também saberão que as datas são apenas simbólicas, e que houve e há muita politicagem no meio. Assim como também terão consciência de que Páscoa não é o Dia Oficial do Chocolate.

Por isso, e por detestar ovos de Páscoa, nessa Sexta-Feira Santa fiz um almoço simples, Risi e Bisi, que, no dialeto de Veneza, quer dizer apenas "Arroz e Ervilhas". Um risotto quase sopa (pois os venezianos bem gostam de seu risotto com mais água), de ervilhas frescas e salsinha, muito leve, ideal para um dia de calor e de restrição. É claro que omiti (como sempre omito) as fatias de pancetta. O risotto combinou à perfeição com a garrafa de Pinot Grigio do Friuli, D.O.C.

E, para iniciar uma tradição muito inglesa e pouco italiana, preparei esses brioches de Páscoa, Hot Cross Buns, que devem ser comidos na Sexta-Feira. Adoro esse tipo de pão semidoce, perfumado de especiarias e pontilhado de frutas secas. Como dez desses em lugar de um pedaço de ovo de chocolate. O aroma que se espalha pela casa quando eles estão no forno vale decerto uma lembrança daqui a 20 anos, dos pãezinhos de Páscoa preparados toda Sexta-Feira Santa.



HOT CROSS BUNS (Brioches Ingleses de Páscoa)

(Ligeiramente adaptado do livro Biscuits et Petits Gâteaux)
Tempo de preparo: 20 min. + 2h30 fermentando + 25min forno
Rendimento: 8 pães do tamanho de um punho


Ingredientes:
  • 1/2 colh. (sopa) de fermento ativo seco instantâneo
  • 40g de açúcar cristal orgânico
  • 315g de farinha de trigo para pães
  • 1/4 colh. (chá) de pimenta-do-reino branca moída
  • 1/4 colh. (chá) de gengibre em pó
  • 1/4 colh. (chá) de cravo moído
  • 1/2 colh. (chá) de canela em pó
  • 1/2 colh. (chá) de noz moscada ralada na hora
  • 1/4 colh. (chá) de sal
  • 125ml de leite morno
  • 50g de manteiga sem sal derretida
  • 1 ovo extra-grande batido
  • 120g de passas sem sementes
  • 50g de cascas de laranja cristalizadas cortadas em pedaços

Preparo:
  1. Junte o fermento, uma pitada de açúcar e 60ml de água morna e deixe descansar por 10 minutos, até que espume.
  2. Em uma outra tigela, misture a farinha, os temperos e o sal.
  3. Na tigela de uma batedeira planetária, bata com o gancho para massas o leite, a manteiga, o açúcar, o ovo e cerca de 4 colh. (sopa) da mistura de farinha, até que fique liso. Junte o fermento, as passas e as cascas de laranja e misture.
  4. Vá juntando a farinha aos poucos (4 colh. por vez), misturando bem entre cada adição, até que tudo tenha sido incorporado. A massa ficará muito mole e grudenta, como massa de panettone. Bata com o gancho na velocidade 2 por 5 minutos.
  5. Passe a mistura para uma tigela untada com óleo, cubra com filme plástico e deixe descansar por 1h30-2h, até que dobre de volume.
  6. Afunde a massa com o punho enfarinhado, e, em uma superfície igualmente enfarinhada, divida a massa em 8 porções iguais. Forme bolas com elas e disponha-as em uma assadeira grande, untada com óleo, com cerca de 4cm de distância entre elas. Cubra com um pano úmido e deixe descansar por 30 minutos.
  7. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Leve ao fogo alto 1 colh. (sopa) de açúcar com a mesma quantidade de água, e desligue assim que ferver. Reserve.
  8. Misture 30g de farinha a um pouco de água, até formar uma massa. Abra-a com 2mm de espessura, e corte 16 tiras de 5mm de largura, formando cruzes sobre os pães crus. Leve ao forno por 20 minutos ou até que dourem.
  9. Pincele os pães com o xarope de açúcar frio e deixe que os pães esfriem sobre uma grade.

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