domingo, 31 de agosto de 2008

PADARIA DE DOMINGO 19: Pão de aveia e passas

Não tenho certeza se aveia foi um gosto adquirido, um gosto surgido com a maturidade ou um gosto empurrado goela abaixo. Quando criança, via propagandas de mingau na TV, molinho, quentinho, apetitoso, com rodelinhas perfeitas de bananas por cima, e pensava: isso deve ser bom. Corria para minha mãe e lhe pedia para que preparasse mingau de aveia. Lá vinha um prato quentinho, molinho, com rodelinhas de banana. Eu colocava na boca e... argh. Detestava. Empurrava. Jogava fora.

Esse deveria ser o fim do mingau de aveia em minha vida. No entanto, por algum motivo infantil que não sei ao certo (mas que deve ter algo a ver com o modo como obrigo as pessoas a comer coisas de que não gostam), não desisti fácil. Algo no mingau de aveia me intrigava. Não me conformava em não gostar. Eu precisava gostar. Então, seis meses depois, tentava de novo.

"Mãe, faz mingau?"
"Você não gosta de mingau."
"Gosto sim."

Lá vinha de novo, e de novo eu tinha a mesma reação. E assim prosseguiu minha infância, com repetidas e falhas tentativas de gostar de mingau de aveia. Até a que a infância passou e desisti temporariamente.

Não me lembro exatamente por que, já no fim da adolescência, resolvi voltar com o embate contra a aveia. Lembro-me, no entanto, de ter comprado a embalagem errada: aveia em flocos em lugar de farinha de aveia. Lá fui eu. Na época, no microondas de minha mãe. Xícara verde cheia de leite e aveia. Um minuto. Pi-pi-piiiiiiiiiii. Adocei a aveia, adicionei uma banana cortada e abocanhei minha primeira colher.

Amor à quadragésima terceira vista. E desde então, não consigo ficar sem aveia na despensa.

Por isso mesmo me animei quando vi a receita de Bertinet para pão de aveia e damascos. Ainda que o pão não seja de fato DE aveia, mas apenas COM aveia, uma vez que é um mero pão integral rolado em flocos da mesma. Ainda assim, adorei. Susbtituí os damascos por passas, pois era o que havia em casa, e fiquei contentíssima com o resultado. O tipo de pão que o faz sentir-se imediatamente uma pessoa saudável.

PÃO DE AVEIA E PASSAS
(quase nada adaptado do livro Dough)
Tempo de preparo: 3h
Rendimento: 2 pães médios


Ingredientes:
  • 2 1/3 xíc. de farinha de trigo integral
  • 1 1/2 xíc. de farinha de trigo para pães
  • 10g de fermento ativo fresco
  • 2 colh. (chá) de sal
  • 1 1/2 xíc. de água
  • 1 xíc. de uvas passas (das mais úmidas)
  • 3/4 xíc. de aveia em flocos

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno no máximo. Misture as duas farinhas e esmigalhe o fermento por cima, esfregando com as pontas dos dedos para misturar bem à farinha. Junte o sal e misture. Junte a água e sove por 10 minutos (ou 10 minutos em velocidade 2 na batedeira com gancho) até que a massa fique elástica. Como todos os pães de Bertinet, esta também é bastante úmida. Ao final da sova, incorpore as passas.
  2. Coloque a massa sobre uma superfície enfarinhada, forme uma bola, coloque-a em uma tigela ligeiramente enfarinhada, cubra com um pano e deixe fermentar por 1h10min.
  3. Coloque a massa numa superfície ligeiramente enfarinhada. Retire o ar dela, trazendo as bordas para o centro e afundando com a mão. Divida a massa em duas porções iguais, forme bolas e deixe descansar por 5 minutos.
  4. Estenda a primeira massa em formato de retângulo. Como quem faz um avião de papel, traga uma das bordas compridas em direção ao centro. Aperte com os dedos para selar. Faça o mesmo com a outra borda. Então dobre uma sovbre a outra, sele bem e role a massa sob as palmas para que fique do tamanho desejado. Faça o mesmo com a outra bola.
  5. Coloque a aveia em um prato grande. Pincele o pão com água e role-o na aveia, cobrindo-o completamente. Coloque os pães em uma assadeira, afastados. Com uma faca afiada, faça cortes diagonais na superfície do pão. Cubra com um pano e deixe que cresçam por mais 1 hora.
  6. Abra o forno, pulverize com um pouco d´água e coloque rapidamente os pães. Abaixe o fogo para 220ºC e asse por 25 minutos.

sábado, 30 de agosto de 2008

Um bolo que quase não foi mas que acabou fondo


Muitas pessoas me dizem que gostam do fato de eu descrever meus fracassos tanto quanto os sucessos, enquanto outras não vêem qual seria o objetivo disso. Minha resposta é sempre a mesma: se meus amigos acharem que acerto sempre, desistirão ao primeiro insucesso, acreditando não terem "mão" para cozinha. E não é isso o que quero. Poderia, portanto, não publicar esse bolo, pelo simples fato de ele não ter ficado com a aparência que tinha em mente. Mas a verdade é que, no melhor estilo "pastelaria Nigella", o bolo ficou muito bom, apesar de desmazelado.

Quinta-feira foi aniversário de minha irmã, e uma semana antes ela já me pedira um bolo. Passei sete dias pensando no que faria, ansiosa por poder voltar à ativa, com saudades da produção de doces que costumava ser mais intensa por aqui. Perguntei-lhe sobre preferências de sabor, ao que ela respondeu: "ou morangos ou doce-de-leite". Morangos? Hmmmm... adoraria, mas o sucesso de um bolo de morangos depende da qualidade das frutas, e ficaria muito frustrada se comprasse cestos e cestos de morangos azedos. Doce-de-leite é mais garantido.

Imediatamente pensei num bolo de "dulce-de-leche" do livro Sky High. Mas quando abri o livro, dei-me conta de que a receita diluía demais o doce-de-leite em creme de leite fresco, e não era isso o que eu queria. A massa do bolo também levava canela, e percebi que aquele não era o bolo de doce-de-leite que minha irmã, por sua vez, queria. Tentei imaginar outra coisa, então. Nós crescemos comendo doce-de-leite feito pelo cozimento de lata de leite condensado, e era isso o que eu desejava: um bolo com gosto da nossa infância: doce, honesto, caseiro, sem firulas ou inovações. Decidi então que apanharia minha receita tradicional de génoise e trocaria uma parte do açúcar por açúcar mascavo escuro, para um sabor caramelado (coisa que depois vi, a autora do livro também faz, mas com açúcar mascavo claro). Para não aplicar o doce-de-leite puro no recheio, diluiria em muito pouco creme de leite fresco, praticamente invertendo as proporções sugeridas no livro. Faria um xarope de açúcar. Hmmmm... ok, vai, vou usar o xarope de rum do livro, que parece interessante. Rechearia os bolos. Para cobertura, faria uma ganache de chocolate branco e doce-de-leite, e criaria um efeito marmorizado com um pouquinho de ganache de chocolate amargo. Na minha mente, aquilo funcionaria e ficaria fantástico.


Um dia antes do aniversário, no entanto, estava atolada em trabalho e com pouco tempo para fazer o bolo. Preparei as génoises e adorei seu resultado. Elas assaram maravilhosamente bem, e o aroma que exalavam era exatamente o que eu buscava: doce-de-leite. Deixei que esfriassem enquanto voltava ao trabalho.

Hora do recheio. Tive medo de cozinhar a lata de leite condensado por horas a fio e não alcançar o ponto desejado, e por isso, contrariando meu comportamento padrão, comprei uma lata de doce-de-leite pronto (a única marca que encontrei que não levava amido ou outros espessantes). Coloquei quase toda a lata na batedeira e um pouco de creme. Eu jurava que o recheio firmaria. Mas claro que isso não aconteceu. Cobri a primeira camada, tomando cuidado para deixar distância entre o recheio e a borda, e repousei suavemente a segunda camada por cima. Tudo ok. Por 10 segundos. E o peso da segunda camada começou a empurrar o recheio para fora.

Apanhei uma espátula e saí recolhendo o doce que fugia pelas laterais, tentando limpar o bolo o máximo possível. Quando tudo parecia bem novamente, coloquei o bolo na geladeira enquanto preparava a cobertura.

E a dúvida surgiu. Sem cacau na fórmula (que contém amido), não sabia se a mistura simples do chocolate branco com o creme de leite firmaria. A única receita que encontrara de ganache branco pedia para batê-lo como chantilly, o que eu não queria: buscava uma cobertura lisa e firme. Sem querer arriscar o bolo de minha irmã e o pouco tempo que eu teria para fazer tudo de novo caso a idéia virasse um desastre, abdiquei de minha cobertura marmorizada e decidi que faria uma linda e brilhante ganache de chocolate, que daria ao bolo inteiro a cara de um alfajor gigante. Pronto. Mais fácil. [Por favor, argentinos, descendentes de argentinos ou pessoas que gostam de coisas argentinas: não me massacrem por comparar o bolo a um alfajor; a referência é puramente visual.]

Retirei o bolo da geladeira apenas para descobrir que o recheio escorrera mais. Lá fui eu novamente, espátula em mãos, limpando a sujeira. Quando tudo parecia bem novamente, comecei a aplicar a cobertura. E tudo ia bem. Consegui aplicar a primeira camada, que, teoricamente, manteria também o recheio em seu lugar, e meti o bolo na geladeira. Meia hora depois, fui aplicar a segunda camada e descobri que a cobertura não contivera coisa nenhuma. Tentei desesperadamente espalhar a ganache sem puxar junto o creme de doce-de-leite, mas foi impossível. Em algumas partes das laterais, a mistura dos dois era evidente. Suspirei. Fazer o quê?

Estava tudo ótimo, e eu deveria ter deixado o bolo do jeito que estava. Mas não, precisava meter o dedo. Esquentei a espátula de metal, querendo dar um acabamento brilhante e um pouco mais profissional e passei-a sobre a ganache. No entanto, ela já endurecera o suficiente para, ao invés de derreter ligeiramente e ficar lisa, dividir-se em placas e arrastar-se como pele queimada na superfície do bolo.

Ah! O horror...

Ok, dá prá salvar, dá prá salvar. O meio está apresentável, apenas as laterais e as bordas estão feias. Vamos cobrir as bordas, então, com a sobra de recheio que ficou na geladeira.

Apanhei a tigela gelada e percebi que o creme firmara, finalmente. A-há! Para o saco de confeitar! Foi formar a quinta estrelinha de creme sobre o bolo, que notei, exasperada, que a primeira começara a derreter. Muito rapidamente. Tentei apressar o trabalho, para voltar o bolo à geladeira, mas ao terminar toda a borda, era tarde demais: as estrelas se haviam derretido e escorriam pelas laterais do bolo.

What the helll...?

Fica assim, então. Espalhei o que restava do recheio e puxei com a ponta de uma faca, para que, agora de propósito, escorrecem pelas laterais.

Olhei para o bolo finalizado. Vergonha. Ai, que vergonha. O da minha mãe tinha ficado tão bonito... Minha irmã vai achar que fiz o dela de qualquer jeito.

Levei-o para a sala, que tinha uma deliciosa luz de fim de tarde, fotografei-o, guardei-o na geladeira e mandei as fotos para minha irmã, por e-mail, perguntando se ela ia mesmo querer o bolo, pois ele tinha ficado feio.

"´Cê tá louca? Manda prá cá!"

Oooooook... Então tá.

No fim das contas, o bolo fez sucesso. Ficou muito bom e valeu completamente a pena furar a dieta e comer dois pedaços. Fiquei com raiva de não poder comer mais. Com certeza terá repeteco. Mas com adaptações: omitiria completamente o creme-de-leite do recheio, espalhando puro doce-de-leite sobre o bolo; e, para evitar que ficasse enjoativo, faria a ganache sem açúcar ou com um chocolate mais amargo. Ou, diminuiria pela metade a quantidade do recheio, de modo que ele não seja suficiente para escorrer. A idéia da ganache branca com doce-de-leite ainda não está descartada, entretanto: apenas precisa de testes. Ou, o que também recomendo, é desencanar completamente de apresentações firulentas e simplesmente deixar que o recheio escorra livremente e despejar a ganache sobre a segunda camada de forma que ela se misture naturalmente ao recheio, deixando entrever as génoises. Pensando bem, acho que farei isso da próxima vez.

De qualquer forma, deixo a receita exatamente como fiz.

Se quiser saber da receita original de bolo de doce de leite que serviu de inspiração, pode ver a linda versão preparada pela Patrícia Scarpin, que, só depois me dei conta, também teve a idéia de finalizar tudo com chocolate.

[P.S.: Antes que eu receba comentários me mandando para os quintos dos infernos, não acho que o bolo tenha ficado "feio-inservível"; apenas não estava de acordo com os meus planos originais... Claro, na minha terra da fantasia, eu tenho muito mais talento para decorar bolos do que na vida real... : P]


BOLO DE DOCE-DE-LEITE E CHOCOLATE
(Inspirado e adaptado do livro Sky High)
Tempo de preparo: 3 horas
Rendimento: 1 bolo 21cm, de duas camadas


Ingredientes:

(génoises)
  • 4 ovos extra-grandes orgânicos em temperatura ambiente
  • 1 pitada de sal
  • 100g de açúcar cristal orgânico
  • 45g de açúcar mascavo escuro (amassado com um garfo para desfazer as pelotas)
  • 145g de farinha de trigo
  • 1 colh. (chá) de essência de baunilha
(xarope de rum)
  • 1/4 xíc. de rum escuro
  • 1/2 xíc. de açúcar cristal orgânico
  • 1/4 xíc. de água
(recheio)
  • 300g de doce-de-leite
  • 1/4 xíc. de creme-de-leite fresco
(ganache)
  • 150g de chocolate amargo mínimo de 50% de cacau
  • 150g de creme-de-leite-fresco
  • 15g de mel
  • 30g de açúcar cristal orgânico
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 190ºC. Unte duas formas de bolo de 21cm, forre-as com papel-manteiga e unte novamente. Em uma batedeira, bata em velocidade alta os ovos, a baunilha e o sal, até começarem a tomar corpo. Vá acrescentando os açúcares aos poucos e continue batendo por cerca de 10 minutos, até que a mistura esteja com 4-5 vezes o volume inicial, bastante fofa e esbranquiçada. Isso é crucial para o sucesso do bolo, uma vez que ele não leva fermento.
  2. Diminua a velocidade da batedeira. Peneire a farinha e junte-a aos poucos à mistura, incorporando bem, tomando cuidado para que a massa não perca volume. Faça isso à mão, com uma espátula, se quiser.
  3. Derrame a massa igualmente nas duas formas, alisando com a espátula (não bata na forma). Leve ao forno por 10-15 minutos, até que estejam dourado-claras em cima e se desprendendo das laterais. Teste com um palito, e se ele sair limpo, está pronto.
  4. Retire do forno, deixe descansarem por 5 minutos e então desenforme, retire cuidadosamente os papéis e deixe que esfriem.
  5. Coloque os ingredientes do xarope numa panela e leve à fervura. Abaixe o fogo e deixe que ferva devagar, até que esteja com metade do volume inicial. Deixe esfriar um pouco.
  6. Enquanto isso, coloque o doce-de-leite e o creme de leite fresco na tigela da batedeira e bata até dissolver o doce e tomar corpo. Se não quiser usar o creme de leite, pule essa etapa.
  7. Coloque um dos bolos num prato, de ponta-cabeça. Regue com metade do xarope frio. Espalhe o recheio por cima. Se pretender dar um acabamento mais refinado com a ganache, deixe 1-2cm de borda, para que o recheio não se misture à cobertura. Se não, use todo o recheio e deixe que escorra naturalmente. Coloque a segunda camada, virada para cima, e regue com o resto do xarope.
  8. Pique o chocolate e coloque em uma tigela. Coloque o creme de leite, o mel e o açúcar em uma panela e leve à fervura. Desligue imediatamente e derrame sobre o chocolate. Deixe por alguns segundos e então misture até que esteja tudo derretido e homogêneo. Deixe esfriar um pouco.
  9. Se quiser um acabamento mais rústico, apenas derrame a ganache no centro do bolo, deixando que escorra naturalmente pelas laterais. Se não, espalhe uma camada fina da cobertura, por todo o bolo, puxando de cima para as laterais e puxando a espátula sempre para a mesma direção. Leve o bolo à geladeira por meia hora.
  10. Derrame o restante da cobertura, puxando com a espátula de cima para as laterais e deslizando-a pela lateral do bolo, num só sentido. Puxe o excesso de cobertura das bordas para o centro do bolo, deixando-o uniforme.
  11. Se tiver feito o recheio com o creme e tiver sobras, use-as para decorar o bolo como quiser.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Agradecimentos e uma sopa de beterrabas fruto de um chilique

Antes de começar, preciso agradecer a todos que passaram por aqui no aniversário do blog. Quem diria que depois de dois anos, tanta gente se daria ao trabalho de ler os absurdos que eu escrevo. Meu coração gelado foi derretido pelo carinho de todos vocês. Muito, muito obrigada!

No entanto, até que o bolo de aniversário de minha irmã esteja pronto, estamos de volta à contagem de [argh!] calorias. A boa notícia é que ao menos estou começando a ver já algum resultado depois de duas semanas e meia querendo mastigar meu braço esquerdo de vontade de comer doce.

Há alguns meses atrás, tive o que não poderia descrever de outra forma senão como um siricotico. Um ataque, daqueles que fazem com que você saia gritando pela casa com os braços para cima, querendo jogar fora tudo o que tem e começar de novo, limpa, sem peso nas costas. Não se alarme, porém: tenho um desses, eu diria, trimestralmente. Após três anos morando com a louca que vos escreve, meu marido já se acostumou a chegar em casa e encontrar o apartamento inteiro invertido, os cds organizados por data de lançamento na estante onde antes ficavam os álbuns de fotografia, os livros empilhados ao invés de horizontalmente alinhados, o sofá onde antes ficava a TV. Normal. Ataques. Chiliques. Siricoticos.

No último deles, resolvi implicar com minhas revistas de cozinha. Espalhei-as por toda a sala e folheei uma a uma, recortando apenas o que tinha certeza de que cozinharia um dia (surpreendentemente, pouca coisa), e jogando o esqueleto repolhudo restante fora. Os recortes foram, então, organizados por tamanho, montados como quebra-cabeças e colados no meu caderno. Caderno de volta à estante e tudo bem: hora de comprar revistas novas.

Ah, essa compulsão...

Foi numa noite em que jantaria sozinha que resolvi exercitar minha opção de "duas conchas grandes de sopa de legumes — SÓ LEGUMES" colada à geladeira. Imediatamente me lembrei de uma das receitas coladas ao caderno que, para ser sincera, eu já quisera preparar muitas vezes fora da dieta, mas sempre me esquecia de comprar os ingredientes. E desta vez, tinha todos à mão. A receita era de uma sopa de beterrabas de uma Cláudia Cozinha de uns dez anos atrás. Mas, quando comecei a lê-la, desanimei: panela de pressão.

Ooook... Não preciso explicar de novo o por quê de não ter uma panela de pressão.

Apanhei meus ingredientes e resolvi reinventar a sopa, a meu modo. Desde que descobri as maravilhas das mini-beterrabas assadas en papillote com vinagre balsâmico [receita que achava ser do Jamie Oliver, até descobrir que é clássica italiana], nunca mais as preparei de outra forma. O que mais gosto nelas dessa forma é o fato de ficarem ligeiramente caramelizadas, macias, doces e deliciosas, mas sem absorverem toda aquela água de quando são cozidas. Outra facilidade é o fato de sua casca ainda ser muito fina, e, quando assada, praticamente desaparece na boca, razão pela qual não me dou ao trabalho de descascá-las.

Esta é uma sopa para amantes de beterrabas, mas talvez possa convencer alguns do contra. Ela é ainda mais saborosa acompanhada de mozzarella de búfala ou algum queijo de cabra.

SOPA DE BETERRABAS ASSADAS
(Inspirada por uma receita da revista Cláudia Cozinha)
Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento: 3-4 porções


Ingredientes:
  • 1 lata de tomates italianos pelados
  • 1 cebola
  • 1 talo de salsão de uns 15cm
  • 2 dentes de alho
  • 6 mini-beterrabas, ainda com parte dos ramos
  • 1 colh. (chá) de vinagre balsâmico
  • 2 colh. (chá) de azeite extra-virgem
  • 1 colh. (chá) de Tabasco
  • 1 xíc. de água
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • salsinha para guarnecer

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Rague uma folha grande de papel alumínio e dobre-a ao meio, para que fique mais segura e não rasgue. No meio dela, coloque as beterrabas inteiras (ou cortadas ao meio se forem maiores) e o vinagre balsâmico. Tempere com sal e pimenta. Feche o papel alumínio como um envelope, apertando bem as laterais para que o vapor não escape. Leve ao forno e asse por 20-30 minutos, até que o papel esteja bem inflado e as beterrabas estejam assadas e caramelizadas. Não tem importância se queimar um pouco.
  2. Pique o alho, a cebola e o salsão e refogue em uma panela, com metade do azeite. Junte os tomates e cozinhe por uns 15 minutos, mexendo de vez em quando.
  3. Retire as beterrabas do forno e coloque-as num liqüidificador, com qualquer caldo que tenha escorrido delas. Junte a mistura de tomates, a xícara de água e o Tabasco e bata até que fique homogêneo.
  4. Volte a mistura para a panela, para reaquecê-la. Tempere com sal e pimenta (e mais Tabasco, se quiser). Guarneça com folhas de salsinha e sirva.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

La Cucinetta faz anos, e o azar é só dela...


Há dois anos atrás resolvi começar a escrever sobre comida para meus amigos e quem mais caísse por aqui de pára-quedas. Marcara na agenda a data e desde o início de agosto eu tinha planos para um belo bolo de camadas para comemorar o aniversário do blog. Não contava, no entanto, com o advento da dieta. Esta que anda me enlouquecendo por me proibir de preparar e comer doces.

Tenho sido uma boa menina, quero deixar isso claro. Melhor, tenho sido uma paciente exemplar. Tanto, que, num momento meigo, quando o marido comentou que meus olhos estavam com um tom esverdeado bonito, pensei comigo mesma: "são os legumes".

Com minha irmã (que faz aniversário também essa semana) pedindo para que eu fizesse seu bolo, tentei manter a cabeça no lugar e deixar meu "pedaço de doce permitido da semana" para o dia da festa. No entanto, o alien que habita meu estômago ganhou como forte aliado o grilo estridente em meu cérebro, que gritava exasperado que eu já deixara passar em branco o 1º aniversário do La Cucinetta.

Está bem, está bem. Vejam o que não faço por vocês. Maculei minha até então incólume dieta em nome de um post de aniversário mais ou menos decente. Apanhei uma receita do livro da Ghirardelli, adaptei o quanto pude para produzir um único bolinho de tamanho próprio para alguém que quer emagrecer um pouco, troquei alguns ingredientes e tchananans: ele não tem mais manteiga do que você passaria no pãozinho de manhã cedo, não tem quase nada de farinha, contribuindo com sua textura interna cremosa, e leva meu permitido chocolate a 70% de cacau, aromatizado com menta, combinando maravilhosamente com as framboesas surpreendentemente doces. Furei a dieta mas valeu cada colherada...

[E o melhor de tudo é o alívio incrível por ter gasto vinte minutos de meu tempo preparando um doce, ao invés de sonhando com ele... ]


BOLINHO CREMOSO DE CHOCOLATE-MENTA
(livremente adaptado do livro The Ghirardelli Chocolate Cookbook)
Tempo de preparo: 20 minutos
Rendimento: 1 porção


Ingredientes:
  • 15g de manteiga sem sal, e mais para untar
  • 30g de chocolate amargo 70% de cacau aromatizado com menta
  • 1 ovo extra-grande
  • 2 colh. (sopa) de açúcar baunilhado
  • 1/4 colh. (sopa) de farinha de trigo
  • framboesas
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 230ºC. Unte com manteiga um ramequin de 150ml.
  2. Derreta em banho-maria a manteiga e o chocolate. Enquanto isso, bata na batedeira o ovo e o açúcar por uns 10 minutos, até que esteja muito fofo e esbranquiçado.
  3. Desligue a batedeira e, com uma espátula, incorpore a mistura de chocolate. Junte a farinha e misture.
  4. Derrame no ramequin e leve ao forno por 10-15 minutos. O bolo inflará como um soufflé e será muito mole, tendo apenas uma fina casquinha mais ou menos firme. Retire do forno e deixe descansar por uns 5 minutos. Ele desinflará. Desenforme num prato de sobremesa e sirva com as framboesas.

domingo, 24 de agosto de 2008

PADARIA DE DOMINGO 18: Pão de mel, maple e passas


Estava na hora de deixar aqui algum pão diferente. Ainda que este pareça mais um pão de forma integral, ele é muito macio, ligeiramente adocicado, e o perfume que ele libera já dentro do forno é tão inebriante que pode vir a ser o pão favorito de muita gente. Eu mesma já estou louca para fazê-lo mais uma vez.

Claro, estamos caminhando num reino muito obscuro quando o termo é "pão integral". Veja bem: só posso comer duas fatias por dia, então é bom que seja um pão excelente e saboroso. Por isso estou deixando passar algumas passas ali, um pouco de mel acolá, tudo em nome de algo que faça com que me sinta muito bem nutrida logo de manhã cedo. Afinal, posso até abdicar do açúcar no café; mas meus pães, ah, nesses ninguém mete o dedo.

PÃO INTEGRAL DE MEL, MAPLE E PASSAS
(livremente adaptado do livro O Livro Essencial da Cozinha Vegetariana)
Tempo de preparo: 2h30
Rendimento: 1 pão de forma grande


Ingredientes:
  • 250ml de água
  • 15g de fermento ativo fresco
  • 1 colh. (chá) de açúcar cristal orgânico
  • 300g de farinha de trigo integral
  • 125g de farinha de trigo para pães
  • 1/4 de colh. (chá) de sal
  • 2 colh. (chá) de canela em pó
  • 60g de passas escuras
  • 30g de manteiga sem sal derretida e mais para untar
  • 1 1/2 colh. (sopa) de mel
  • 2 1/2 colh. (chá) de maple syrup
  • 1 colh. (sopa) de leite quente

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte uma forma de bolo inglês grande, forre com papel vegetal, deixando sobrar um pouco nas laterais (para facilitar a retirada do pão) e unte o papel.
  2. Numa tigela, misture as farinhas, a canela e o fermento esmigalhado, esfregando com as pontas dos dedos.
  3. Junte a água, o mel, a manteiga derretida, o sal e 2 colh. (chá) do maple syrup. Misture bem.
  4. Coloque numa superfície ligeiramente enfarinhada ou na batedeira planetária com gancho e sove por 10 minutos. Forme uma bola, coloque numa tigela untada com óleo e deixe fermentar por 1 hora ou até que dobre de volume.
  5. Devolva a massa à superfície enfarinhada, retire-lhe o ar trazendo as bordas para o centro e afundando-a. Acrescente as passas, sovando por uns 3 minutos e incorporando-as de forma uniforme. Forme uma bola novamente e deixe descansar por 5 minutos.
  6. Estenda a massa na forma de um retângulo do comprimento da forma. Dobre uma das bordas em direção ao meio, como quem faz uma avião de papel e aperte bem com os dedos. Repita com o outro lado. Dobre ao meio, sempre mantendo o mesmo comprimento e só trabalhando a largura, aperte bem e role-a sobre as palmas algumas vezes para que fique mais uniforme. Coloque-a na forma, com a fenda para baixo, cubra com um pano e deixe descansar por 40 minutos.
  7. Misture o leite com a 1/2 colh. (chá) de maple restante e pincele o pão com essa mistura. Leve o pão ao forno por 40 minutos. Retire, deixe na forma por 3 minutos e desenforme e retire o papel, deixando esfriar sobre uma grade.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Tirando trauma: ceviche de salmão

Certa vez, quando ainda morava com meus pais, minha mãe e eu resolvemos tentar uma dieta estranha feita por um Instituto do Coração XYZ, já não me lembro mais qual. A dieta começava com uma espécie de minestrone sem pão, feijões, batatas ou macarrão. Deveríamos tomar a sopa todos os dias, almoço e jantar, e ir, a cada dia, completando com alguma coisa mais, segundo a lista.

Eu fui a responsável pelo preparo do sopão. Caldeirão em mãos, fui acrescentando os ingredientes. Por distração, entretando, acabei usando extrato de tomate no lugar de polpa, e juntei uma quantidade muito maior de repolho do que deveria. Resultado: gostos muito fortes e conflitantes que por muito tempo provocaram em mim uma certa repulsa por repolho.

Cada um na família reagiu de uma forma diferente àquele estranho experimento: meu pai adorou a sopa e tomava baldes dela todos os dias, e até hoje, segundo minha mãe, pede para que a preparem novamente; eu consegui segui-la por 5 dias, e então atingi meu limite, pois andava me sentindo muito enfraquecida com a falta de carboidratos; minha mãe não suportou mais de 3, e diz que até hoje engasga ao lembrar-se da sopa; minha irmã nem chegou perto e não me lembro de sequer vê-la experimentando.

O que me leva ao ponto principal: no segundo ou terceiro dia do sopão, podíamos comer um pouquinho de peixe. Ao que tive a brilhante idéia de passar no supermercado tranqueira e pedir ao peixeiro que me cortasse um pouco de salmão para sashimi. Lembro-me até hoje da menina que me atendeu, claramente desconfortável com seu posto de trabalho, e como ela assassinou aqueles meros 100g de peixe com seu facão de cabo branco e sua óbvia inabilidade. Minha pobre bandeja de salmão parecia mais um amontoado de iscas de frango que um prato de sashimi. Mas, como na época eu não era chata e exigente, deixei passar e fui feliz e contente para casa para entuchar meus sashimi-meleta no shoyu. Se ficou bom? Neh. Tinha gosto de peixe.

Essa experiência negativa somada à minha pobre faca incapaz de fatiar um peixe com delicadeza se meu pescoço estivesse na reta foram responsáveis por nunca mais pensar em preparar qualquer coisa remotamente semelhante a peixe cru.

Até o dia do milagre do peixe que não fede. Não há como dizer isso de outra forma: eu não fazia idéia de quão ruins eram minhas facas e do quanto elas me atrapalhavam na cozinha até ter em mãos uma de qualidade. Sei que parece propaganda, mas não me importo. Facas boas e afiadas não são perigosas: elas facilitam o trabalho e tornam todo o ato do mis-en-place mais prazeroso. Não pude acreditar quão fácil foi cortar o couro daquele peixe, e me senti num programa do Jamie Oliver, em que ele manuseia a faca como se fosse parte de seu corpo.

Empolgada com os resultados obtidos àquele dia, resolvi tirar o trauma de vez: apanhei meu salmão restante, deitei-o na tábua e, num movimento sem esforço, cortei-lhe a pele fora e fatiei-o tão fino quanto julguei apropriado para meu paladar. Se há alguma técnica nisso? Duvido muito. Tenho certeza de que há muitos sushimans se contorcendo ao olhar para minhas fotos. Ainda assim, aquelas delicadas e pequenas fatias de salmão prestavam-se para o que eu pretendia: ceviche.

Ainda que acredite que isso vá implícito quando falamos de peixe cru, o seguro morreu de velho: só prepare esse prato se tiver em mãos um pedaço de salmão fresquíssimo e de boa procedência. Salmon is a very fishy fish, e não vai ficar legal se seu cheiro já estiver mais forte.


CEVICHE DE SALMÃO
(Quase nada adaptado do livro Gordon Ramsay´s Fast Food)
Tempo de preparo: 15 minutos
Rendimento: 1 porção


Ingredientes:
  • 90g de salmão sem pele em fatias de 0,5cm
  • 1/2 pimenta dedo-de-moça sem as sementes
  • 1 cebolinha
  • 1/2 dente de alho pequeno
  • 1/2 colh. (sopa) de suco de limão
  • 1 colh. (chá) de shoyu (um bom, não porcaria, que é salgado demais)
  • 1 colh. (chá) de azeite de oliva extra-virgem
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • coentro fresco
Preparo: Disponha as fatias de peixe ligeiramente sobrepostas em um prato. Fatie fino a pimenta, a cebolinha e o alho e distribua sobre o peixe. Numa tigelinha, misture o shoyu, o limão, o azeite, o sal e a pimenta. Derrame sobre as fatias de peixe de forma homogênea e deixe marinando por 10 minutos. Na hora de servir, pique um pouco de coentro fresco e coloque-o sobre o peixe.

Para acompanhar o ceviche, preparei uma salada verde simples e outra de mini-abobrinhas cruas fatiadas fino com o descascador de legumes, milho em conserva, tomates-cereja e queijo feta.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Cena de um casal no shopping e uma sopa picante com queijo

Um casal passeia despreocupadamente no shopping, quando, de repente, a mulher agarra seu companheiro pelo braço e o puxa em direção a uma loja de cozinha em liquidação. O homem, acostumado já aos rompantes consumistas de sua esposa, não faz caso e se deixa levar. Ela aponta para uma travessinha cor de tomate maduro, apanha a peça nas mãos e solta um longo, dengoso e inapropriado-para-sua-idade: "onhonhóoooooooh, que butitchiiiinhu.... cutchi-cutchi..." O marido, sem saber onde enfiar a cara, concorda discretamente, na tentativa de acalmar a mulher maluca, e observa que há já muitas travessas em casa.

"Mas essa é piquinininha...!", tenta a mulher, com olhos pidões.
"E o que você faria nela?", perguntou ele, resistindo, buscando um furo em sua estratégia.
"Aaaaaaaah... um monte de coisa...! Um clafoutizinhozinhoinho, por exemplo... porção para dois!", retrucou, com uma cara de pamonha que sempre fazia seu marido rir. "Eu sei que não tem mais espaço", continuou ela, mostrando ainda estar em pleno domínio de suas faculdades. "Mas é tãaaaaaaao bonitinho... Eu vou levar, vai! Fica aí, que vou no caixa."

Ele apanha a peça de suas mãos, e, num menear de cabeça, sorri e diz: "Dá aqui. Vou te dar de presente, porque sei que você fica toda feliz quando tem coisa bonita onde fotografar sua comida."

: )

O mais incrível é que, na verdade, não fazia idéia do que faria com a tal travessa quando a ganhei. Mas desde que ela chegou à cozinha, foi usada praticamente todos os dias, justamente por ser pequena o suficiente para comportar porções para um casal. E, desta vez, com poucos ingredientes para uma sopa para dois, não foi diferente.

Queria uma sopa de legumes que pudesse ser feita com o que havia em casa, e sem nenhum grão ou cereal. Admito: é muito difícil pensar em uma sopa que não leve nenhum feijão, ervilha, pão ou batata, ou que não seja engrossada com farinha. Quando encontrei essa receita no livro de Heidi Swanson, sabia que teria um jantar delicioso. A sopa é mais rala, por não ter nenhum agente espessante (leia-se ingrediente com amido), então a quantidade de caldo é crucial para determinar sua consistência. Vá acrescentando aos poucos até chegar no ponto desejado. Aviso: ela é bem picante, mas o queijo equilibra bem a força da pimenta.

SOPA DE PIMENTÕES ASSADOS E TOMATE
(Adaptado do livro Super Natural Cooking, de Heidi Swanson)
Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento: 2 porções


Ingredientes:
  • 1/2 lata de tomates italianos pelados, com seu suco
  • 1/2 pimentão vermelho sem as sementes
  • 1/2 pimentão amarelo sem as sementes
  • 1 cebola pequena cortada em quartos
  • 1 dente de alho grande inteiro, com casca
  • 1/2 pimenta dedo-de-moça, sem as sementes
  • 3 colh. (chá) de azeite de oliva extra-virgem
  • 1 1/2 - 2 xíc. de caldo de legumes
  • 1/4 colh. (chá) de páprica picante
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 2 bolas grandes de mozzarella de búfala
  • folhas de manjericão para decorar (opcional)

Preparo:
  1. Aqueça o forno a 180ºC. Disponha os pimentões, a cebola, o alho e a pimenta em uma travessa refratária pequena. Tempere com sal, pimenta e 1 colh. (chá) de azeite e leve ao forno já quente por meia hora, ou até que as pontas dos vegetais estejam chamuscadas. Vire-os no meio do cozimento.
  2. Retire do forno. Exprema o alho para fora da casca, descartando-a. Bata os legumes no liquidificador junto com o caldo e os tomates.
  3. Coloque a sopa em uma panela pequena e reaqueça em fogo baixo. Junte a páprica e acerte o sal e a consistência.
  4. Abra as mozzarelle com os dedos e coloque uma no centro de cada tigela. Despeje a sopa à volta do queijo, derrame o resto do azeite em fio sobre ele e sirva imediatamente.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O milagre do peixe que não fede

Procure "peixe" neste blog, e você ficará frustrado. Nunca faço peixe. Para não ser radical, acho que preparei um pedaço de salmão desde que me casei. E não é por ser semi-veggie, ou por não saber cozinhar um pedaço de peixe. Ah, o motivo é muito mais frívolo: o cheiro, la puzza incredibile que fica impregnada em todo o meu pequeno apartamento.

No reveillon de 2006 para 2007, eu resolvi que cozinharia o jantar para minha irmã e meus amigos: risotto de limão e filé de salmão com ervas. Fomos até o mercado municipal atrás de peixe fresco em conta, uma vez que no supermercado ele estava os olhos da cara. Geladeirinha em mãos, comprei metade de um peixe, pois [pode me chutar agora] eu queria tentar terminar de limpá-lo e cortá-lo em porções.

Trouxe o peixe para casa, empolgada, até dar-me conta de que não tinha uma tábua onde cortá-lo, a não ser minha tábua de madeira. Pensei no fedor do peixe na tábua onde corto chocolates, e apanhei o rolo de filme, forrando-a com meia dúzia de camadas plásticas. O peixe esparramou-se sobre a tábua, preguiçoso. O dia estava muito quente. Era preciso trabalhar rápido para que ele voltasse o quanto antes à geladeira.

Abri meu livro de técnicas no conjunto de fotos de um peixeiro habilidoso limpando um enorme salmão. Olhei para a foto. Olhei para o peixe. Segurei minha faca. Afiei-a na chaira. Ela cortou a carne do salmão como manteiga, mas, ao atingir o couro, nada. Pressionei mais forte. Ahn-ahn. Droga. Apanhei a tesoura e, desajeitadamente, comecei a cortar aquela pele indesejada que segurava uma gordura também indesejada.

Ok. É preciso tirar as espinhas, pois o peixeiro deixara um bocado delas para minha diversão. Apanho uma pinça e começo... e continuo... e continuo... e termino. Hora de cortar os pedaços. Calculo mais ou menos um filé de 120g e corto... até atingir o couro. F*ck. Pego a tesoura. Nem ela faz o trabalho direito, e termino com filés cheios de rebarbas.

Pego o primeiro filé. As ervas estão prontas. Basta criar um corte no couro e enfiá-las na fenda. Tento cortar com a faca. Nada. Afundo a ponta da lâmina na pele. A pele não cede; a carne coralina e macia afunda e começa a se desmanchar. Não, não, não! Pára tudo. Para falar a verdade, nem me lembro como diabos consegui criar aqueles dois míseros cortesinhos supericiais sobre os filés de peixe. Entucho os buraquinhos de ervas. Azeite. Cubro com filme plástico e deixo na geladeira até de noite.

Na hora marcada, apanho a assadeira, ingredientes e duas frigideiras antiaderentes de bom tamanho e levo para a casa de meu amigo. Enquanto ele toma conta do risotto, eu aqueço as frigideiras e finalizo os peixes. Um a um, os convidados recebem seus pratos. O peixe ficou bom. O risotto de limão corta a gordura do salmão. Sucesso.

Fogos de artifício. Vinho espumante. Feliz ano novo. Voltamos para dentro do apartamento e somos bombardeados direto no nariz pelo pungente odor de peixe que a fritura deixou na casa toda. Lavo as frigideiras e a assadeira, guardando-as e levando-as de volta.

No dia seguinte, começo todo um processo de esfrega panela, passa limão, passa vinagre, deixa de molho, bota incenso, lava a mão com três sabonetes diferentes, lava o cabelo, e o cheiro persiste, como se nunca mais fosse embora, como se fôssemos conviver com aquele odor pelo resto de nossas vidas.

De fato, acho que demorei uma semana inteira para parar de sentir peixe por toda a casa. Trauma. Nunca mais. Nunca, nunquinha. Peixe, não. Quer peixe, come fora de casa. Eu não faço.

Então, dois anos depois, vem a nutri me entupir de proteína. Ovo, queijo, queijo, ovo. Uma semana depois, não quero mais olhar para nenhum dos dois. Quero outra coisa. Atum em lata. Sardinha em lata. Ingredientes que limitam minha criatividade. Só consigo pensar em salada Niçoise. Mas não quero mais salada.

[*Suspiro*]

Vou comprar peixe fresco.

Mas onde? Não há peixarias no meu bairro. E meu mercado de confiança só vende peixes em bandejas, e não quero passar o sufoco de ter de cortá-los com tesoura novamente. Dou o braço a torcer, então, e vou ao outro supermercado, de uma grande rede, que acho uma zona e detesto. "Recebemos peixes frescos diariamente", dizem eles. Olho para o salmão. Sua carne emaciada e pastosa me diz o oposto. Eles não fedem, mas também não estão tinindo de frescos. O salmão nas bandejas tem um tom cor-de-laranja terrivelmente suspeito. Viro as costas e vou embora.

No meu mercado de confiança, encontro uma geladeira vazia. "Recebemos peixe fresco hoje, às 10 horas, mais ou menos, se você quiser voltar." Eu quero. Estou saindo do mercado e vejo um caminhão refrigerado com enormes letras azuis dizendo "Pescados" estacionando. Volto uma hora depois e compro salmão embalado no dia, coral, brilhante, bonito, com o nome e endereço do fornecedor, e bacalhau fresco, que só comera na Califórnia e achara muito delicado e diferente. O bacalhau vai para o freezer. Arranco o filme plástico do peixe e cheiro. Sem cheiro. Bom, muito bom. Sabendo disso, resolvo arriscar e o coloco diretamente na tábua. Apanho minha faca nova, alemã, afiadíssima. Ela corta a carne feito manteiga. E, para minha surpresa, também o couro, de uma só vez, sem fazer força.

Felicidade é uma faca de qualidade.

Guardo a outra porção de peixe muito bem embalada na geladeira e preparo meu almoço. Coloco no forno uma porção de legumes para acompanhar a cevada cozida, e adapto uma receita de Jamie Oliver para que produza molho para apenas um filé de peixe.

Peixe na frigideira. Oh-oh. O cheiro. La puzza. Oh, não! Mas ele não parece tão forte. Finalizo o peixe no forno, monto meu prato e almoço. Delícia. Nem parece dieta.

Volto à cozinha e começo a limpar a sujeira. Estranhamente, ela não cheira a peixe. Não de forma ruim. Ela cheira a almoço. Delicioso almoço. "Alguém preparou algo gostoso aqui hoje." Lavo a louça, limpo a tábua, guardo a faca. Cheiro a tábua. Madeira. Cheiro a faca. Aço. Se é que aço tem cheiro. Cheiro a frigideira. Um odor muito suave, que desaparecerá ao longo do dia. Lavo as mãos.

Vou trabalhar, e, quando volto para fazer um chá, sinto cheiro... de cozinha.

Que maravilha...

Peixe fresco é outra coisa mesmo.

SALMÃO AO MOLHO DE ANCHOVA E ALECRIM
(Ligeiramente adaptado do livro How to Cook, de Jamie Oliver)
Tempo de preparo: 10 minutos
Rendimento: 1 porção


Ingredientes:
  • 1 filé de salmão de 130g, com pele
  • 2 colh. (chá) de azeite
  • 1 colh. (chá) de suco de limão
  • 1 colh. (chá) de folhas de alecrim fresco
  • 1 filé de anchova de uns 5cm
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Em um pilão, amasse o alecrim e o filé de anchova até virar uma pasta. Junte metade do azeite e o suco de limão e misture bem, até formar um molho que possa ser derramado sobre o peixe.
  2. Esfregue a outra metade do azeite sobre o peixe, dos dois lados. Tempere com sal e pimenta.
  3. Aqueça bem uma frigideira que possa ir ao forno. Não precisa ser antiaderente, mas precisa estar MUITO quente. Se não estiver, o peixe grudará. Coloque o filé com a pele para baixo na frigideira em fogo médio-baixo e deixe cozinhar por 2 minutos. Vire o peixe com uma espátula, com cuidado, e leve a frigideira ao forno por 3 -4 minutos, até que ele esteja rosa-claro.
  4. Disponha o salmão no prato e derrame o molho sobre ele.

Só brigadeiro de colher resolve. Mas se não pode, não pode. Fazer o quê?

Começo já a sentir forte a síndrome de abstinência de doces. Por mais que adore frutas frescas, há um momento em que só brigadeiro de colher resolve. Quem é mulher me entende. Ando correndo atrás de alternativas que tornem os "lanchinhos saudáveis" mais atrativos do que a velha e boa maçã. Algo para comer de colher. Que seja grelhar a fruta para extrair dela mais doçura, que seja temperá-la com uns pinguinhos de nada de água de flor de laranjeira. Qualquer coisa que eleve a fruta ao status de sobremesa está valendo.

A nutri, como era de se esperar, valeu-se do truque de me entupir de lanchinhos para matar minha fome voraz e constante e, de quebra, aumentar meu metabolismo. Após o treino de corrida, por exemplo, preciso de um segundo café-da-manhã com fruta e proteína, ao que a nutri escrevera: "1 banana com 1 iogurte desnatado".

Olhem bem para minha cara. Ok, não dá. Então imaginem bem minha cara. Iogurte desnatado? Jura?

"Mas eu faço meu próprio iogurte integral toda semana", expliquei a ela. "Essas coisa light são cheias de aditivos e não têm gosto de nada..."
"Ah, tenta pelo menos fazer com leite semidestanato, vai...", pediu.
"Hmmmm... ooook...", menti.

Meu iogurte é integral. Assim como meu omelete não é de claras. Ora bolas, tenho sido uma boa menina em todo o resto. Não creio que vá para o inferno por causa desse deslize.

Lembrei-me então de uma sobremesa rápida de uma revista francesa, com figos gelados, e resolvi recriá-la para meu lanche, de cabeça. Cortei dois figos pequenos e bem maduros em quartos e os bati no liqüidificador com 3/4 de xícara de iogurte integral caseiro (equivalente ao copinho de 200g, eu pesei!) e 1/4 colh. (chá) de canela em pó. Aos fora da dieta, acrescentem mel a gosto. Como os figos estavam doces, no entanto, e o leite que uso para o iogurte o deixa com um delicioso sabor e aroma de creme de leite, a mistura rosa-antigo, ligeiramente pedaçuda, equilibrou-se perfeitamente entre o doce da fruta e o azedinho do iogurte. Muito melhor que qualquer desses iogurtes de frutas light que prometem levá-lo ao trono. :P

domingo, 17 de agosto de 2008

PADARIA DE DOMINGO 17: mais um pão de forma integral

Se por um lado a dieta me impede de exercitar um de meus maiores prazeres, que é fazer bolos, por outro lado ela não exclue meu amor pela panificação. Eu tinha uma escolha: podia fazer como todos os outros que conheço e comer duas fatias de pão light de manhã [alguém me explica como algo que só leva água, farinha e fermento pode ter versão light?], ou continuar preparando meus pães e me ater a uma fatia apenas.

Adivinha o que foi que escolhi. Vai, uma chance só.

Uma pena que o dia em que fiz o pão era frio, e nem o forno ligado ajudou muito. Preferi interromper a fermentação e ter um pão mais denso a deixá-lo fermentando devagar por tempo demais e interferir no sabor.

PÃO DE FORMA INTEGRAL COM AZEITE DE OLIVA
(Adaptado do livro Professional Baking)
Tempo de preparo: 10 minutos + 2h de fermentação + 30-40 minutos de forno
Rendimento: 1 pão de forma


Ingredientes:
  • 150g de farinha de trigo para pães
  • 230g de farinha de trigo integral
  • 210g de água
  • 20g de leite integral
  • 14g de fermento ativo fresco
  • 10g de sal
  • 15g de açúcar cristal orgânico
  • 15g de azeite de oliva extra-virgem
Preparo:
  1. Misture as duas farinhas em uma tigela. Esfarele o fermento com as pontas dos dedos e misture-o às farinhas. Junte o restante dos ingredientes, mexendo bem e sove, sem acrescentar mais farinha, até que a massa esteja lisa, elástica, mas ainda um pouco grudenta. Como alternativa, misture os ingredientes em uma batedeira planetária com gancho, por 10 minutos na velocidade 2.
  2. Em uma superfície ligeiramente enfarinhada, forma uma bola com a massa. Coloque-a em uma tigela enfarinhada, cubra com um pano e deixe fermentar em local quente (25-27ºC) por 1 hora meia. Se o dia estiver frio, deixe o forno ligado para aquecer a cozinha.
  3. Tire o ar da massa, trazendo suas laterais para o centro e afundando-a. Transfira a massa para uma superfície ligeiramente enfarinhada e forme uma bola novamente. Deixe descansar por 5 minutos.
  4. Abra a massa como um retângulo. Traga a beirada mais comprida para o centro, como quem dobra uma folha de papel para um aviãozinho, e aperte bem. Faça o mesmo com o outro lado. Agora dobre ao meio no sentido do comprimento, selando bem as abas com os dedos, e role a massa até atingir o tamanho da forma.
  5. Unte a forma de pão com manteiga ou óleo e coloque ali a massa, com a marca da fenda virada para baixo. Cubra com um pano e deixe dobrar de volume, por não mais que meia hora.
  6. Abra o forno pré-aquecido a 200ºC, pulverize um pouco de água e coloque o pão lá dentro. Asse por 30-40 minutos, ou até que ele esteja bem dourado e soe oco quando batido em baixo com os nós dos dedos.

sábado, 16 de agosto de 2008

Lembranças de pasta e vino...


Ao pensar em minhas recentes férias na Califórnia, dou-me conta de que há ainda muito sobre o que escrever. Meu grande problema literário é que quase todas as histórias começam da mesma forma: "eu não dava nada por aquele lugar; porém..." Depois da viagem à Itália e da descoberta dos mais deliciosos pratos nos lugares menos prováveis, era de se esperar que eu não viajasse mais munida de qualquer espécie de preconceito. Mas, fazer o quê, talvez tenha assistido a muitos documentários pixando os Estados Unidos como a Meca da junk food, e por isso mesmo desconfiasse de qualquer restaurante que não tivesse cara (ou nome) de bistrot francês. Atire a primeira pedra quem nunca julgou um livro pela capa.

No entanto, foi interessante notar que, no mesmo dia, tive diferentes experiências gastronômicas que contrariaram minhas expectativas: um lugar que sugeria comida ruim foi sensacional, e o que era caro, cheio de mequetrefes e prometia que era uma beleza, serviu-me comida insossa e com um péssimo atendimento.

Mas falemos das coisas boas, que já estou exausta de reclamar e você, querido e companheiro leitor, deve estar exausto de ter ouvidos de penico (ou seriam olhos?).

Naquela manhã acordáramos em Sonoma com um objetivo: degustação de vinhos. Para ser mais exata, eu acordara com esse objetivo, uma vez que minha tia, além de ser a motorista designada, não era lá muito fã da coisa. Sem ter feito minha lição de casa com a enorme apostila do curso de sommelier que deixara em São Paulo, decidi que o acaso e a opinião alheia nos direcionariam às vinícolas. Tenho vergonha de dizer que foi um cupom de desconto dado pelo escritório de turismo da cidade que nos levou à primeira. Ok, eram onze horas da manhã e tudo o que eu queria era vinho. Eu sei, eu sei, são os sinais do alcoolismo, mas ah! vá! eu estava de férias! Larga do meu pé.

Fomos atendidas em um salão amplo, de pé direito muito alto, com um comprido balcão de madeira escura. Tudo muito sóbrio, sério, combinando com o longo caminho de cascalhos ladeados de árvores antigas que nos trouxera do estacionamento até ali. Havia apenas mais um casal a uns dois metros de distância, e nossos pensamentos ecoavam no salão. Um senhor magro, grisalho, quase britânico com seus óculos de aros finos e perfeitamente redondos apoiados à ponta do nariz comprido, veio apanhar nossos cupons e nos mostrar o cardápio da degustação. "Esses são os do cupom; estes outros aqui são nossos vinhos especiais, reserva", disse ele, educadamente, servindo-nos nossa primeira taça.


O vinho era muito bom, e imediatamente comecei a comentar com minha tia, em português, ao que o senhor ficou curioso. Sem conhecer muito os termos específicos em inglês, enrolei um pouco os termos em francês e começamos a conversar sobre os vinhos. Ele quis saber o que eu achava daquele.

Segunda taça. Minha tia esboçou um tímido ok, e por isso mesmo surpreendeu-se com meu entusiasmado "hhhhhmmmmmmmmmm, que vinho booooooooooooooom..."

"Você gostou desse?", perguntou-me o senhor, com um meio sorriso suspeito.
"Nossa, ele é muito bom!"
"Jura? Você achou tudo isso?", perguntou minha tia, achando que o problema fosse seu paladar.
"Aaaaah", explicou ele, "eu não servi o mesmo vinho para as duas." Aproximou-se um pouco do balcão, mantendo ainda a postura, e baixando a voz quase em um cochicho. "Eu servi a você este aqui", disse, apoiando a ponta do dedo fino e comprido sobre um dos vinhos reserva. "Não conte a ninguém."

Terceira taça. Mesmo truque. "Eu vou mimar você um pouco", disse ele, sorrindo. Ao fim das cinco taças, quatro das quais custando o triplo dos vinhos que beberíamos com o cupom, não resisti e comprei uma garrafa de Pinot Noir. Excelente vendedor, pensei.

Seguimos para a próxima vinícola, mais ampla, réplica de château francês no limiar do bom gosto, prestes a cair para o lado Disney da coisa. Aproveitei para fotografar os vinhedos e as flores, olhar em volta e respirar aquele lugar tão diferente de minha casa.

Atravessamos os jardins bem cuidados em direção a um salão um pouco mais comercial, cheio de souvernirs e os mais diversos acessórios ligados a vinho. Assim que nos aproximamos do balcão, um homem veio nos avisar: "Daqui a cinco minutos um ônibus cheio de turistas barulhentos chegará aqui. Se vocês quiserem apreciar o vinho com calma, é melhor irem à sala reservada, do outro lado do jardim. Lá eles têm outras cartas de vinho, também." E a caminho da tal sala já podíamos ouvir a algazarra da turistada.

Nesta sala, fomos atendidas por uma mulher bonita, loira e entusiasmada, cheia de vontade de conversar sobre seu vinho com quem estivesse disposto. E eu estava disposta. E tão logo a conversa começou, começaram os mimos. Lá, bebi um dos Chardonnay mais fantásticos que já provei.

"O Chardonnay californiando tem fama de ser amanteigado", explicou ela, "o que nem sempre é bom. Mas esse é diferente, veja se você percebe... É um dos nossos melhores vinhos!"
"Uaaaau! É como... nossa! É como crème brulée engarrafado!!"
"Exato!"

Quando me dei conta, ela já estava servindo a sétima taça em uma degustação que previa apenas cinco, apenas pelo prazer de ver se eu conseguia sentir a diferença de um vinho para o outro. Correndo o risco de estragar na mala (o que não aconteceu), precisei comprar o Chardonnay, ao saber que ele era vendido apenas na vinícola. Aaaaah, se eu tivesse uma cave, teria levado uma caixa inteira...

Por indicação dela, fomos a uma pequena loja ali perto para provar alguns vinhos de boutique. Algumas taças depois, descobri um de sobremesa fortificado (é um Porto, mas eles não podem chamar de Porto) tão bom, mas tão bom, que até minha tia que não é fã levou uma garrafa para ela. E eu também.

Depois de tanto vinho, no entanto, eu estava faminta e precisando urgente de algo no estômago para não passar nenhum vexame. O senhor do vinho do Porto nos indicou um restaurante italiano ao lado. Por falta de paciência de procurar outra coisa, decidimos tentar.

Por fora, o lugar era simples. Por dentro, então, uma decepção. Um balcão separando você da cozinha, no melhor estilo Mc Donald´s, e uma lousa branca acima de nossas cabeças, com os molhos e tipos de massas escritos à caneta, à disposição para o freguês combinar como quisesse. Pedi penne ai funghi porcini e titia pediu penne alla putanesa. E fomos nos sentar do lado de fora, em cadeiras de plástico e mesas cobertas de toalhas também plásticas.

Já estava esperando o pior, quando nossos pratos chegaram. Sensacionais, perfumadíssimos, saborosíssimos. E não era apenas a fome falando. Os porcini eram frescos, macios, deliciosos, e em pedaços muito pouco tacanhas, a massa estava perfeitamente cozida, e o queijo era de qualidade. Titia fez tantos elogios a seu prato que insistiu para que também o fotografasse. Uma das melhores refeições que tive durante a viagem, e em um dos lugares mais capengas.


Sentindo gosto da Itália na boca, resolvemos aproveitar o tema e conhecer um tal de mercado italiano em uma das grandes vinícolas no outro extremo da região. Ao chegarmos lá, a grande quantidade de ônibus estacionados embaixo de auto-falantes tocando música italiana já nos avisava do que estava por vir. Claro, o lugar era um parque temático. O mercado não era nada interessante, e todo o complexo era uma armadilha para turistas. Tanto, que não tive vontade de experimentar seus vinhos, ao ver como eles faziam daquilo um espetáculo brega, ao contrário dos outros lugares onde estivéramos.


Restou-nos apreciar a vista, essa sim fantástica. Sentamo-nos em um dos amplos terraços e ficamos quietas, observando as vinícolas que se estendiam sobre colinas douradas e suaves. A música italiana tocava, o gosto dos porcini ainda estalava em minha língua; olhei à minha volta, para as flores, os pinheiros italianos, a cópia de villa num terracota que jamais será a terracota dos antigos casarões da Toscana, e me vi, ridícula, de olhos marejados. O peito apertou de saudades da Itália, e me perguntei como era possível que me doesse tanto a distância de um lugar onde passei tão pouco tempo de minha vida...

Levantei-me e fui embora, sem olhar para trás, revoltada com como algo tão falso pôde resgatar em mim saudades da experiência verdadeira. Pensei nos vinhos que me esperavam no porta-malas do carro e nas refeições que estavam por vir e segui em frente. E prometi a mim mesma não julgar mais os restaurantes por sua cara, mas continuar julgando vinícolas se suas cedes parecerem feitas de fibra de vidro.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Nada mudou, tudo ficou no lugar: cevada, abobrinha, grão-de-bico.

Estou esperando pela sensação purificadora da dieta. Aquela quando você passou uma semana comendo porcaria e resolve compensar com uma semana de saladas; aquela sensação de estar leve, limpa, renovada. No entanto, tenho me sentido... satisfeita. À parte a chateação de medir tudo milimetricamente, não tenho tido nenhuma dificuldade em seguir as novas diretrizes. Olho para meu prato e, bem, ele não parece diferente do que sempre esteve. A impressão que tenho é de que esqueci de comprar macarrão na última ida ao supermercado. Posso dizer, portanto, que estou contente. É bom perceber que o que estava errado era a quantidade, e não a qualidade do que eu preparava. Invertem-se proporções, mas no fim das contas, nada mudou: os ingredientes são os mesmos, os sabores também.

Ok, ok, tenho meio litro de creme de leite fresco na geladeira, comprado antes da dieta começar, que anda me incomodando um bocado. Não quero que estrague, mas também não posso usá-lo em nada. Tanto, que estou pensando em preparar sorvete de creme e deixar no freezer, para o marido que não está de dieta, evitando assim o desperdício.

Para não dizer que nada mudou, minha geladeira está subitamente cheia. Como as quantidades de legumes no prato aumentaram na proporção inversa às dos carboidratos, fui obrigada a comprar mais quantidade e mais variedade. Também passei a fazer algo que jamais fizera: cozinhar alguns elementos com antecedência para tê-los quando quiser, a exemplo dos grãos-de-bico e da cevada. Convenhamos, não vou ficar gastando gás e tempo para cozinhar 3 colheres de qualquer coisa. Melhor cozinhar uma xícara toda e usar durante a semana. Pois é, isso é novo para mim, uma vez que sempre gostei de preparar tudo na hora. E é por esse tipo de praticidade (e por ter ficado muito bom) que repeti hoje o almoço de ontem. E, na certeza de que não foi apenas a fome falando, deixo a receita aqui.

É difícil não chamar meu almoço de salada: tem cara de salada. Talvez apenas por estar tudo misturado. Poderia ter disposto os elementos no prato de forma organizada: um montinho de cevada, um montinho de grão-de-bico, um montinho de abobrinha. Mas deus sabe que eu detesto isso e que sou obcecada por "pratos únicos". O caso é que os sabores e texturas dessa "salada quente" de fato se complementam e se ajudam. Não é a primeira vez que uso dessa mistura de ingredientes e não será a última. E para quem quiser comprovar o fato de que apenas o tamanho do prato mudou, veja aqui a salada de cevada e beringela que já era uma de minhas favoritas há muito tempo atrás...

SALADA QUENTE DE CEVADA, ABOBRINHAS E GRÃO-DE-BICO
Tempo de preparo: 15 minutos com a cevada pronta
Rendimento: 1 porção


Ingredientes:
  • 3 colh. (sopa) de cevada em grão cozida
  • 2 colh. (sopa) de grão-de-bico cozido
  • 2 mini abobrinhas ou 1 abobrinha pequena
  • 1 dente de alho pequeno
  • 1/2 pimenta dedo-de-moça
  • 1/2 colh. (chá) de azeite
  • 1 fatia de queijo tipo Feta
  • 1 colh. (chá) de suco de limão
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
Preparo:
  1. Fatie as abobrinhas em rodelas finas. Pique o alho. Retire as sementes da pimenta, descartando-as, e pique-a.
  2. Aqueça 1/4 colh. (chá) de azeite em uma frigideira pequena e doure ligeiramente o alho e a pimenta. Junte a abobrinha fatiada e salgue ligeiramente. Salteie até que a abobrinha esteja suavemente dourada, mas ainda firme.
  3. Junte a cevada e o grão-de-bico e misture para que os dois aqueçam e absorvam os sabores. Desligue o fogo, tempere com sal, pimenta-do-reino, o suco de limão e o restante do azeite. Esmigalhe o queijo por cima e sirva quente sobre folhas de salada crocantes de sua preferência.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mais uma de espinafre, porque é o que tem na geladeira...

Hoje posso dizer que terminei de fato minhas tarefas. Um por um, os post-its coloridos foram arrancados da parede atrás de meu computador, e consegui enfim respirar fundo e... morrer de sono. Sim, são oito horas da noite, eu já jantei e estou me segurando firme para não deitar e dormir. Fico contente de pensar, pelo menos, que os maiores pepinos que eu tinha já foram resolvidos (enfim!), e que semana que vem será uma semana mais normal, só corrida, trabalho e cachorro, sem nenhum compromisso ou pepino pessoal inesperado.

Por estar cansada e com fome, não quis inventar tanta moda quanto ontem à noite, quando resolvi usar da matemática culinária em cima das regras coladas à geladeira e preparei beringelas ao forno com muita (e permitida) mozzarella de búfala e um nadinha de molho de tomate.


Decidi, portanto, que o jantar seria uma salada e pronto. Muito, muito espinafre cru, coberto de 3 cogumelos portobello fatiados fino e ligeiramente refogados em 1/2 colh. (chá) de azeite (olha que menina comportada!), 1 ovo cozido fatiado, 2 colh. (sopa) de grão-de-bico cozido e 1 fatia fininha de queijo feta esmigalhado. Para temperar, 1 colh. (sopa) de azeite, 1 colh. (chá) de vinagre de vinho branco, 1 dente de alho pequenininho cru picado muito, muito fininho, e sal e pimenta-do-reino moída na hora. Muito gostoso, e vale vários repetecos ao longo das próximas semanas...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Ô, dificuldade prá fazer um couscous...!


Onze e meia da manhã. Fui desligando devagar a cabeça do trabalho e dos inúmeros post-its colados na tela de meu computador, lembrando-me do que estou esquecendo de fazer. Apanhei o livro italiano de cozinha vegetariana que ganhara de presente e comecei a procurar o que fazer para o almoço. Couscous marroquino com ovos e pimentões parecia uma ótima idéia. Um tanto de carboidrato permitido, legumes cozidos e uma fritatta simples. Tudo dentro da lei.

Separei todos os ingredientes no balcão e, quando estava já prestes a medir 400g de couscous, lembrei: peraê, tem outra medida. Volto-me à geladeira, espiando as notas presas à porta. Cinco colheres de sopa de carboidrato. Oooook... Uma, duas, três... Mas... Peraê. Cozido ou cru??? Porque couscous marroquino infla. Deve ser cozido. Volta uma colher.

Próximo item: 4 colheres de sopa de legumes cozidos. Olho inconformada para meus pimentões e minha lata de tomates pelados. What the f*ck...! Como diabos eu vou medir isso? Corto metade da quantidade que pretendia, separo apenas um tomate da lata e prossigo.

Ok, hora da fritatta. Espio a cola. Posso comer uma omelete de 4 claras.

Aaeaeaeaeaeaaaaaaargh...

Perdoe-me, nutri, mas há coisas que eu faço e coisas que não faço. E omelete de claras eu não faço. Vai uma fritatta de dois ovos então.

No fim das contas, um almoço incrivelmente simples, que normalmente não me tomaria mais de 10 minutos, demorou mais de 30 para sair. Ficou bom? Ah, sim, ficou sensacional, e eu nunca diria que aquilo estava em conformidade com uma dieta. Deu trabalho? Para mim sim, que tive de ficar calculando quantidades. Para você, ah, para você vem de mão beijada. O bizarro foi apanhar minha tigela e ir colocando 5 colheres de couscous, 4 colheres do molho, meia fritatta.

E a preguiça de pensar no jantar?

COUSCOUS MARROQUINO COM PIMENTÕES E FRITATTA
(Adaptado do livro Piatti Unici do Verdure)
Tempo de preparo: 20 minutos Rendimento: 2 porções


Ingredientes:
  • 1/3 xíc. de couscous marroquino
  • 1/2 pimentão amarelo pequeno, sem sementes
  • 1/2 pimentão verde pequeno, sem sementes
  • 1 tomate sem pele
  • 4 ovos
  • 1/2 colh. (chá) de páprica picante
  • 2 dentes de alho picados fino
  • 1/2 colh. (sopa) de azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 1/2 colh. (chá) de canela para polvilhar
Preparo:
  1. Bata os ovos com 1 colh. (sopa) de água em uma tigela e tempere com sal e pimenta. Aqueça o azeite em uma frigideira grande e despeje os ovos, cozinhando-os em fogo baixo. Quando a parte de baixo tiver coagulado, leve a frigideira ao forno e finalize a fritatta sob o grill ligado. Mantenha-a aquecida.
  2. Corte os pimentões em pedaços de cerca de 1,5cm. Coloque-os em uma panela pequena com o tomate e o alho picado e mexa, cozinhando em fogo baixo. Junte a páprica e salgue. Apenas cubra com água, aumente o fogo e deixe que o molho engrosse, mexendo de vez em quando.
  3. Enquanto isso, coloque 1/3 de xíc. de água em outra panela, para ferver. Quando entrar em ebulição, salgue e junte o couscous, mexendo com um garfo. Desligue o fogo e tampe a panela, deixando que descanse por 5 minutos.
  4. Destampe o couscous. Afofe-o com um garfo. Despeje-o no prato de servir. Corte a frittata em quadrados do tamanho dos pedaços de pimentão e misture-os ao couscous. Derrame o molho de tomate e pimentões por cima. Polvilhe a canela e sirva.

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails