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terça-feira, 10 de novembro de 2015

A ida e a volta da porca louca – trabalhando com o que se tem. No caso, rabada.

Quando tinha meus poucos 11 anos, desenhando loucamente minhas ideias descabidas, comprei um livro recém-editado chamado "Como Fazer Histórias em Quadrinhos", da editora Global. Nele, havia a seguinte tira: "A Ida e a Volta da Porca Louca".


Essa é a sensação que ficou de meus sete dias de férias em Paris: a ida e a volta da Ana Elisa a Paris. Foi, voltou, acabou. Foi tão curto. Foi tão rápido. Mas foi tão, tão bom.

Como dizia Mark Twain, você jamais saberá o asno que pode ser até viajar para o exterior. (“The gentle reader will never, never know what a consummate ass he can become until he goes abroad.” – Mark Twain, The Innocents Abroad) 

Viajar te deixa menos burro.

Aprendi em Paris que uma cidade pode ser linda e suja ao mesmo tempo. Como haviam me alertado, fiquei desconcertada com a quantidade de lixo no chão em áreas menos turísticas. Um amontoado de cocô de cachorro, bitucas de cigarro e embalagens vazias de isopor com restos de comida da madrugada passada. Dependendo do horário que você passa na rua, se o lixeiro ainda não passou, você até acha São Paulo mais limpa que Paris. No entanto, você olha para cima e parece que há um descompasso na noção de respeito com o passado, pois se por um lado os parisienses não titubeiam antes de jogar um cigarro aceso na calçada, por outro aqueles prédios de centenas de anos estão todos ali, conservados, reformados, coerentes com a paisagem, lindos mesmo quando ligeiramente decadentes. Assim como me aconteceu em Milão, não foi difícil vislumbrar como seria o centro de São Paulo se alguém tivesse tido a boa vontade de conservar as construções mais antigas do modo como elas mereciam, antes de virarem cortiços, garagens ou lojas de produtos contrabandeados, descaracterizando ou mesmo destruindo fachadas, condenando as casas e prédios antes lindos e históricos à fatídica demolição ansiada pelos especuladores imobiliários.

Também aprendi que, de modo geral, os parisienses têm aquela característica que muito aprecio, o orgulho de se fazer bem feito. Não fui a nenhum restaurante mega estrelado, nenhum lugar moderno e inovador e cheio de frufru. Nenhum lugar caro, se você desconsiderar a explosão do euro. Mas comi maravilhosamente bem em todas as refeições.



No Astier, pedi pato confitado, de pele crocante e carne macia, e uma tábua de queijos descomunal e deliciosa. Meu primeiro confit de canard, e aquele que será para sempre a base de comparação. Marido que não gosta de pato provou e aprendeu que daquele pato ele gostava.



No Comptoir Saint Germain, pé de porco desossado e empanado, acompanhado de purê de maçãs, a carne, a gordura e a cartilagem derretendo deliciosamente na boca. Aprendi que se você não se aventurar na hora da comida, jamais vai descobrir como pode ser gostoso um pé de porco, por mais estranha que a ideia soe. De sobremesa, um financier de pistache com sorvete de queijo de cabra e coulis de manjericão, acompanhado de frutas vermelhas. Ok, esse era mais moderno. Mas surpreendentemente bom e refrescante. Do tipo que quero reproduzir em casa.

No Café Constant, pernas de rã com purê de salsinha, deliciosa codorna recheada de foie gras, e îles flotantes, um merengue cozido nadando num creme pontilhado de sementes de baunilha e coberto de caramelo. Achei que a sobremesa era grande demais para mim, mas sem demora o prato estava vazio e teria sido lambido se eu estivesse no conforto de minha casa. Marido cheio de gordice roubava do meu creme para banhar seu enorme pedaço de crème caramel.

No Au Pied du Fouet, terrine de campagne absolutamente cremosa e deliciosa, uma salada verde com tomates, lardons (bacon) e queijo de cabra, e ameixas ao vinho de sobremesa (ex-vegetariana comendo carne todo dia com certeza precisa de ameixas ao vinho no meio da viagem).

Aprendi que se tivesse ido à França vegetariana, teria sido a viagem do omelette. Porque até a salada vinha com bacon. Melhor coisa que fiz pelo meu amor à comida foi ter ido a Paris depois de voltar a comer carne, ou talvez tivesse saído de lá um pouco frustrada.

No Café des Musées, foie gras com pãozinho de figo e geleia e steak tartare. E depois de comer duas vezes foie gras, aprendi que é sim muito gostoso, mas não tanto assim pra justificar o que se faz com o pobre ganso ou pato. Patê de fígado de frango basta pra mim. Nesse café aprendi também que as crianças francesas se comportam tão bem em restaurantes quanto uma criança pode se comportar. Elas não paravam quietas nas cadeiras, perambulavam por todo o restaurante e falavam alto como todas as crianças. Um casal de franceses ao nosso lado bufou e reclamou durante todo o jantar da algazarra dos pimpolhos. Tendo já presenciado coisa bem pior em restaurantes do Brasil, achei louvável os adultos tentarem controlar a pimpolhada sem nenhum jogo eletrônico, e achei toda a movimentação e barulho bem ok. O casal reclamão me incomodou bem mais.



No Robert et Louise, onde estávamos presos no restaurante por uma chuva forte, aprendi que adoro boudin noir (linguiça de sangue) com purê de maçã. Também pedi gigot d'agneau (um bife de cordeiro maravilhoso) feito numa chapa de ferro dentro de uma enorme lareira no fundo do salão, acompanhado das melhores batatas sautée que comi na vida, cozidas e salteadas na gordura restante na chapa de ferro. Aprendi que esse é o único jeito de se fazer batatas sauté. Pura perfeição. E de sobremesa, o melhor crème brulée da minha vida, com a proporção perfeita de gemas, amarelo, cremoso mas firme, substancioso, repleto de sementes de baunilha. Também aprendi que adoro Armagnac.

No Breizh Café, galette complète, um crepe fino de trigo sarraceno, com queijo gruyère de leite cru, presunto da Savóia e ovo frito, e de sobremesa um simples crêpe com limão e mel da Bretanha. Tão. Bom. Aprendi que aquilo que eu chamava de galette não é galette. Até eu conseguir produzi-la tão fina quanto se deve, eu simplesmente não estou fazendo direito.



Na Du Pain et Des Idées, simplesmente a melhor flûte (uma baguette menorzinha) e excelente pain au chocolat. Aprendi que um pão excelente e um queijo ok podem ser um jantar melhor do que um queijo excelente num pão mequetrefe. Aprendi que a gente definitivamente não sabe fazer pão direito e não tem o menor respeito por pão. Aprendi que o pãozinho está sempre lá para ser embebido no que resta de molho no prato, e isso é uma delícia, porque mesmo que você coma uma salada, o pãozinho está ali para saciá-lo. E que se você vai num pub e pede um hambúrguer (marido pediu um hambúrguer de porco espanhol que estava uma delícia), você recebe pãozinho pra acompanhar. Porque... né? Pão pra acompanhar o sanduíche. Por que não?

Também aprendi que os parisienses servem cerveja sem espuma. WTF? Só vinho salva.



Na Éclairs de Génie, aprendi que existe uma bomba de baunilha para estragar seu paladar para sempre. Nunca mais vou conseguir comer outra. Marido mandou eu comprar o livro do homem e aprender a fazer igual. Taí uma meta.

Na Bertillon, aprendi que uma bolinha minúscula de um sorvete extremamente bem feito pode ser melhor do que um pote inteiro de um sorvete mediano. Quando serviram o sorvete de baunilha, achei esquisito ele ser cinza, até olhá-lo de perto e me dar conta de que eram todas aquelas sementes de baunilha no sorvete claro que davam esse efeito. O sorvete de chocolate é tão escuro, denso e intenso, que também estraga você para a vida. Tipo colocar uma barra de chocolate belga inteira no freezer. Só que cremosa.

Aprendi também que a coisa toda das mulheres parisienses parecerem bonitas sem esforço é meio que verdade. Mas que o tal glamour parisiense é um mito descabido. Andei por toda a cidade em todos os horários, e as únicas pessoas vestidas de parisienses glamourosas eram as turistas tentando parecer parisienses glamourosas. O que vi, no entanto, foram mulheres francesas sabendo usar o que elas têm de melhor ao invés de tentar mudar o que são. Não vi uma francesa de chapinha no cabelo. Quem tinha cabelo liso, tinha cabelo liso, quem tinha cacheado tinha cacheado, etc, etc. Aquela coisa linda de ter o cabelo crespo ou cacheado ou ondulado e simplesmente dar uma arrumada com os dedos e sair na rua, e deixar o cabelo meio bagunçado porque é isso aí, a gente é assim, e cabelo cacheado que foi penteado fica horroroso.

Marido num dado momento começou a me perguntar por que diabos as francesas não penteavam o cabelo. Porque mesmo quem tinha cabelo liso escorrido parecia ter prendido o cabelo num rabo sem olhar no espelho. Expliquei o conceito engraçado do "sou linda, acordei assim". Ele riu. Então notei como isso só funcionava porque elas estavam minimamente maquiadas. Minimamente mesmo. Do tipo que você olha de longe e parece que só tem um realce nos olhos, um corado saudável nas bochechas. Nada de sombras pesadas, contornos evidentes.

Fiz o teste em mim mesma. Acordei com o cabelo do cão chupando manga. Coisa fácil para quem tem cabelo meio liso na raiz, meio cacheado no meio, meio ondulado nas pontas, e cheio de poinhóin que nasce torto bem no alto da testa e que se recusa a formar cacho ou seguir liso. Altos traumas com os poinhóin, esse cabelo que fica uma aura de desleixo em torno no rosto e que foi alvo já de muita escova, chapinha e até tratamento químico.

Larguei o cabelo como estava e ao invés de tentar domá-lo, amassei-o para fazer ainda mais volume. Com aquela cara cinza de quem dormiu nada, parecia que eu tinha saído do hospício. Então fiz minha maquiagem. Nem tanta coisa assim. Um bb cream bem leve, um jeito nas sobrancelhas falhadas, corretivo, rímel (porque meus cílios são inexistentes) e blush bem levinho. De longe, tô usando nada. Só trazendo à tona aquilo que se tem de bom.

Olhei no espelho.

I woke up like this. Flawless.

Uma roupa simples que me vestia bem, uma maquiagem simples bem feita, e o meu cabelo o mais natural possível. E ao invés de ficar com cara de quem tinha levado quarenta minutos pra se arrumar, aquele jeito de quem  simplesmente tá se esforçando além da conta, que sempre fica meio ridículo, fiquei com cara de "sou linda, acordei assim". Funciona de um jeito tão fantástico, que tive vontade de voltar no tempo e avisar meu eu-adolescente dessa coisa mágica de parar de gastar tanto tempo com cabelo e simplesmente usá-lo do jeito que ele é.

Aceitação. Sabe? É. Larga o terapeuta e simplesmente aceita o teu cabelo. Pronto. Problemas resolvidos.

No fim, o marido mesmo começou a notar como parecia que esse jeito de se aceitar e usar o que se tem de melhor parecia permear franceses e francesas de todas as idades. Com peito, sem peito, com bunda, sem bunda, magrinha, gordinha, todos pareciam vestir bem seus corpos como eles eram ao invés de se espremerem em modelos inapropriados para suas formas ou suas idades. Logo... todos pareciam elegantes e bonitos, mesmo de jeans e camiseta branca.

Enfim... aprendi que bonito é se trabalhar com o que se tem e saber tirar o melhor do que você é, ao invés de se apertar em soutiens que apertam os peitos, estragar o cabelo com a chapinha, e ficar usando roupas para uma realidade que não é a sua, seja sua idade, sua condição financeira ou seu tipo físico.

Também aprendi que o seu dia fica de fato mais gostoso quando todo mundo com quem você fala te diz "bom dia" e te deseja uma "boa jornada" quando você se despede. Um hábito que eu já tinha e que, aqui onde eu moro, me irritava muito por não ser correspondido. Brasileiro pode ser um povo muito caloroso em alguns aspectos, mas, meu deus, como é difícil arrancar um "bom dia" de um ser humano em São Paulo. Cansei de olhar nos olhos das pessoas, abrir um sorriso e dizer "boa tarde" e ser completamente ignorada. Mesmo nos restaurantes em que os garçons eram muito ocupados e o serviço era brusco, um "bom dia" e um elogio à comida bastavam para que eles sorrissem de volta, contentes, em Paris.

E não tem como: viajar deixa você menos burro porque você tem a oportunidade de confrontar sua realidade com a dos outros, e, então, aprender alguma coisa com esse evento. Que toda cidade grande tem problemas, que o que torna algumas mulheres mais bem resolvidas pode ser justamente o tipo de auto-aceitação que me faltava, que eu amo arte tanto quanto ou mais do que comida, que eu sou mais cosmopolita do que gostaria de admitir, e que talvez meu problema não fossem cidades em geral, e sim apenas São Paulo. Porque eu me sinto muito à vontade em outras grandes cidades do mundo, de um jeito que não me sinto mais em São Paulo, que parece me agredir os sentidos toda vez que piso nela.

Pensei no modo como os condomínios de apartamentos são cada vez mais feitos para que você nunca precise sair de casa, até mesmo incorporando shoppings centers e clubes. Como aqui nós estamos relacionando cada vez mais qualidade de vida à possessão de coisas: casa grande, carro bom, sofá caro, tv gigante, varanda gourmet... Quando fui à Amsterdam, chamou-me a atenção os apartamentos pequenos, clean, minimalistas. E agora em Paris, o mesmo. Marido ficou em choque com o apartamento de 25m2 que alugamos, e mais ainda quando expliquei que aquilo era meio que padrão, mesmo para alguém de classe média. Mas quando você entende o quanto sua vida acontece do lado de fora, o quanto a cidade permite que você fique ao ar livre, você se dá conta de que não precisa mesmo de mais espaço. Sua geladeira pode ser um frigobar (como era o caso no apartamentozinho) se você tem acesso fácil a comida fresca todos os dias. Você não precisa de um carro se o transporte público funciona. Você não precisa de uma tv gigante se a cidade provê cultura e entretenimento variado fora da sua sala. Você não precisa de clube se os parques são seguros e agradáveis.

Enfim.

Sua mente se expande e nunca mais volta ao tamanho original, e você aprende, então, muitas coisas a seu respeito, sobre o que é importante para você e o que é de fato qualidade de vida.

E enquanto eu bebericava meu vinho bom e barato e beliscava mais um pedaço de boudin noir, vi-me explicando ao marido porque todos os cardápios dos bistrozinhos pareciam ter apenas cortes "estranhos" de carnes. Eram pés, orelhas, rins, fígados, cabeças... Dividindo espaço com rãs e codornas e foie gras e peixes nobres. Fiquei pensando sobre quanta fome um ser humano precisou ter para catar um sapo no brejo e resolver comê-lo. Mas achei lindo ter tanta variedade desses cortes e partes mais "difíceis". Primeiro, porque estava morrendo de vontade de experimentar tudo. Segundo, porque amo essa noção de que se é pra matar um bicho para comer, é bom usá-lo todo. Quando vejo essa bizarrice de povo que só come o peito do frango, me dá aflição.

Povo! Compre o frango inteiro, pelamordedeus, que é bem mais barato e você tem mais refeições variadas, saborosas e interessantes do que comprando uma bandeja só de peito.

Além disso, isso dos "cortes estranhos" mostra claramente como comida excelente precisa de ingredientes BONS, não ingredientes CAROS. Lembrei de um artigo publicado há muito tempo atrás de alguém xingando o fato de todos os restaurantes paulistanos servirem o mesmo atum selado em crosta de gergelim. Eu ri. Porque era verdade. Conheço muita gente que não come nada além de "carne de primeira" (termo estúpido) e peitinho de frango, porque acha que todo o restante é "comida de pobre". Chique é falar de "cucina povvera" italiana. Mas comer língua ninguém quer. Bobagens, bobagens. Troco um filé mignon por uma rabada numa boa.

Peraí. Essa frase ficou horrível. >_<

Vamos começar de novo.

Aprendi que cozinha francesa mesmo, assim como a italiana, é muito mais pautada no que o povo teve que usar para se virar e encher a barriga do que em qualquer fricote de pratinhos minúsculos de ingredientes carésimos. Uma terrine de porco bem feita, cheia de partes "estranhas" dá um couro em qualquer foie gras. Pelo menos eu acho.

Voltei da França com vontade de continuar me cuidando, com vontade de pintar alucinadamente, com vontade de comer pão bom em todas as refeições, com vontade de terminar todas as refeições com queijos, com vontade de cozinhar carnes "estranhas".

Começando com rabada (oxtail), que comi pela primeira vez em Trinidad & Tobago, e adorei.

Essa é receita de Nigel Slater, e ficou deliciosa. As crianças acharam esquisito mas interessante comer o rabo do boi, ou, como diz Thomas, "a cauda". Ficou muito bom com purê de batatas bem cheio de manteiga e o molho é de lamber o prato. Único problema é que eu calculei mal o tempo de forno e tive de tirar o bicho lá de dentro antes de estar de fato desmanchando, o que nos fez comer uma rabada ainda um pouco dura. Outra coisa: as ameixas ficam deliciosas, mas achei 200g coisa demais. Recomendo que se use menos. Ninguém consegue comer tanta ameixa em uma só refeição.

Enfim, fico feliz de ter conseguido FINALMENTE colocar esse post no ar. A vida anda uma loucura e uma bagunça, cheia de novidades e contratempos. Uma novidade é o meu canal de Youtube, Desenhoquê (Ana Elisa Gaiarsa Granziera), em que estou postando videos semanais com meu processo de trabalho. Porque, como eu disse, descobri em Paris que arte é de fato o que mais amo na vida, (tanto que fotografei mais quadros do que comida) e gostaria de enfim dedicar mais tempo "de internet" ao meu ofício de verdade. Além disso, ando muito empolgada com a linguagem do video, enquanto a do blog tem me cansado um pouco. Os posts aqui continuam existindo, mas mais esporadicamente. Espero que compreendam, que me visitem lá no meu canal e que gostem do meu trabalho. :)

Também espero que gostem de rabada... ;)



RABADA COM AMEIXAS SECAS
(do livro Notes from the Larder, de Nigel Slater)
Rendimento: 2 porções bem servidas

Ingredientes:

  • 2 colh. (sopa) azeite
  • 1,3kg rabada
  • 2 cebolas picadas grosseiramente
  • 5-6 tiras de casca de uma laranja + o suco da laranja
  • 200g ameixas secas macias, sem caroço
  • 1 colh. (chá) sementes de zimbro
  • 2 xic. vinho tinto


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 220ºC.
  2. Aqueça o azeite em uma panela grande, com tampa, que comporte toda a rabada numa camada única e que possa ir ao forno.
  3. Junte os pedaços de rabada, lado cortado para baixo, e cozinhe por 4-5 minutos de cada lado, até que o óleo esteja chiando e a carne esteja dourada. Transfira para um prato.
  4. Junte as cebolas ao óleo quente, e refogue em fogo mais baixo, até que comecem a amolecer. 
  5. Volte a rabada para a panela, junte as cascas de laranja, o suco, as ameixas, o zimbro e o vinho. Tempere com sal e pimenta.
  6. Aumente o fogo e leve à fervura. Tampe imediatamente e transfira para o forno. 
  7. Cozinhe por 25 minutos, então abaixa o fogo para o mínimo e cozinhe por 2 horas ou até que a carne esteja se soltando do osso facilmente. (Se parecer que o líquido está reduzindo muito rápido, acrescente um pouco de água ao molho e tampe novamente.)


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Borcht com Pirochki, para quem não vive sem legumes


As coisas andam tão corridas, que esse era para ser um post de Reveillon, veja só. Com resoluções e o caramba. Engraçado como um mês depois você já se dá conta de que resoluções não levam a nada e que o melhor é simplesmente viver sua vida da melhor forma possível e não encanar muito com as coisas. [Viu? Isso era uma das resoluções, tentar ser menos dura, e levar as coisas de um jeito mais leve – só pra dizer que essa resolução tem beirado o impossível de manter.]

E tive mesmo de não encanar muito nos últimos meses, pois fui absorvida pelo trabalho durante as férias escolares, com direito a duas viagens internacionais que soaram bem mais interessantes do que foram de fato. Precisei de muita a ajuda de marido, mãe e sogra, para poder dar conta de tudo e basicamente qualquer atividade que eu tivesse planejado para janeiro (que era para ser minhas férias) teve que ser cancelada.

Agora o trabalho está um pouco mais tranquilo e as crianças voltaram para a escola, e estamos todos ainda nos adaptando à nova rotina, agora que a pequena Madame Bochechas também tem aulas. Consigo trabalhar a manhã toda, e um pouco mais à tarde, porque os dois cochilam após o almoço. (Aleluia!)

E tenho mais tempo para pensar melhor as refeições do meio da semana e até mesmo para voltar a fazer pão com regularidade.

E se as viagens a Trinidad não foram aquela coisa maravilhosa de dias no Caribe que as pessoas esperavam quando eu contava do trabalho, valeu para poder organizar a cabeça de novo e me dar conta de coisas nas quais não havia ainda prestado atenção.

Após uma reunião de três horas, o cliente pediu almoço para a equipe na sala de conferência antes da reunião seguinte... de três horas. Sempre que pediam comida no escritório a mistura era mais ou menos a mesma: algo indiano, algo chinês, algo com sotaque africano. Sempre um peixe ou uma carne com um molho doce e bem apimentado, algum curry, algum arroz ou macarrão chinês com legumes.

Muito gostoso. Comi bem todos os dias.

Mas não foi assim com todos nós. A equipe era chamada de "Nações Unidas", porque era composta de uma brasileira (eu), uma norueguesa, um romeno, um guatemalteco, um peruano e um chinês. O guatemalteco, logo notei, nunca comia nada. Naquele dia, havia um pãozinho indiano simples e delicioso, para ser comido junto com um curry que quase me fez lamber o prato. O rapaz comia apenas o pão.

O peruano lhe perguntou a respeito de sua dificuldade com a comida local.

"Não gosto de comida apimentada. Ou com muitos temperos. Não consigo comer."
"A comida na Guatemala não é apimentada?", perguntei.
"Não, é bem neutra de temperos, na verdade."

Pela localização geográfica, presumi que fosse muito quente na Guatemala, e que por isso, lá também, como todos os locais quentes, muita pimenta fosse usada. Mas não, a Guatemala é a "terra da primavera eterna", ele me explicou. E a comida reflete o clima ameno.

"Mas o que seria o básico da comida de lá? Do que você sente falta?", perguntou o peruano.
"Ah... feijão. Eu preciso de feijão. Se não tem feijão no meu prato, não é uma refeição", disse ele.
"Feijão? Hum... Para mim é arroz. Acho muito estranho não ter arroz. Fica faltando alguma coisa, não satisfaz", disse o peruano. "E você, Ana?"

Pensei um pouco.

"Como brasileira, acho que seria a combinação dos dois. No Brasil, pelo menos no sudeste, acho que arroz e feijão juntos são muito importantes."

Eles pareceram satisfeitos com essa resposta, mas eu, não. Continuei a comer meu curry de vagens, chuchando o pãozinho no molho cremoso e apimentado, e matutando no assunto. O que torna minha refeição uma refeição de fato? O que não pode faltar no meu prato? Do que mais sinto falta quando estou fora da minha casa?

Carne? Não, não preciso de nenhuma.
Arroz? Neh.
Feijão? Neh.
Queijo? Nem isso.

A resposta me surpreendeu um bocado e me encheu de satisfação ao mesmo tempo: verduras. Preciso de verduras e legumes no meu prato. Sempre. Nem que seja apenas uma folha de alface num sanduíche de queijo. Um pouco de couve para acompanhar o arroz com feijão.

Uma vez fiz uma frittata de mortadela da Nigella, que, apesar de deliciosa, causou-me muita estranheza: depois de uma vida fazendo frittata de legumes e verduras, ver proteína com proteína daquele jeito me pareceu pesado e redundante, e senti falta de algo bem verde e leve para suavizar a refeição. Posso comer um prato inteirinho de verduras e legumes, e para mim é almoço completo. Mas um prato sem eles parece tragicamente abandonado no meio do caminho.

Essa constatação me deixou muito feliz comigo mesma. Como disse a meu marido outro dia, parece que hoje, mesmo comendo carne eventualmente, eu poderia ser uma vegetariana melhor do que jamais fui. Consegui chegar num ponto em que realmente estou satisfeita com a minha alimentação. Meu prato me faz levantar da mesa leve e cheia de energia.

E fico contente vendo os pimpolhos seguindo o mesmo caminho.

Depois de pastar um bocado com o Matador de Dragões nos seus Terríveis Dois Anos, quando ele não queria provar nada verde e empurrava o prato para longe, e berrava e não comia e me deixava louca, finalmente posso simplesmente preparar o almoço com a maior quantidade de legumes e verduras possíveis, e não ficar muito encanada se aquilo será aceito ou não pelas crianças.

Porque mesmo que sem entusiasmo, eles pelo menos provam. Um influenciado pelo outro. Madame Bochechas passou voando pela fase do "não quero-não gosto", já que quer imitar o irmão, e se o irmão está comendo quiabo, então ela vai comer quiabo também. Ou Laura recebe palmas por comer toda a couve, e o ciúmes faz com que Thomas leve um garfo cheio de couve à boca, pedindo palmas também.

Às vezes tenho que me refrear e não ficar tão encanada com o fato de eles comerem tudo do prato ou não. E simplesmente fazer festa por terem provado algo novo. As broncas acontecem mais quando a brincadeira é tanta à mesa, que cotovelos batem em garfos e comida sai voando pelos ares. Ou quando Laura resolve colocar comida atrás da orelha.

Mas de vez em quando eles me surpreendem. Muito. Como quando você coloca à frente deles uma tigela de Borcht e pasteizinhos de repolho e eles comem sem titubear, sem pedir ajuda, viram as tigelinhas na boca e pedem mais, chucham os pasteizinhos no caldo púrpura brilhante, perguntam o que são as sementinhas ali dentro (alcaravia), repetem os nomes como conseguem e se esbaldam, quase não deixando nada para papai e mamãe.  

Penso de novo nisso de "cardápio infantil" ou "paladar infantil" e acho tudo uma grande bobagem. Vejo os dois tomando sopa de beterraba com repolho e comendo frutas de sobremesa e fico contente, acreditanto que eles também vão sempre buscar colocar uma folhinha de alface dentro de seus sanduíches de queijo. E que, principalmente, no dia em que estiverem na Tailândia, ou no Japão, ou na França, ou na Alemanha, ou em qualquer lugar do mundo, ou mesmo na casa de um amigo, nunca vão passar fome ou recusar comida de um anfitrião generoso. E essa perspectiva me deixa muito feliz.

Esse Borcht é vegetariano, olhe só. Eu sempre achei que Borcht levasse uma tonelada de carne. Só que não. Pelo menos essa versão. Essa sopa é mais saborosa e mais leve do que parece. Em temperatura ambiente, foi refeição em dias de calor brutal. O certo é colocar creme azedo por cima, mas uma colherada generosa de iogurte firme também serve. E não deixe de fazer os pasteizinhos, que são fáceis e deliciosos. E tanto a sopa quanto os pastéis congelam maravilhosamente bem. Foi minha saída, pois só no meio do preparo dei-me conta de que fazia Borcht e Pirochki para DEZ PESSOAS. o_O

BORCHT com PIROCHKI (vegetariano)
(do livro Culinária Ilustrada Passo a Passo, Legumes e Verduras, da PubliFolha)
Rendimento: 8-10 porções

Ingredientes:
(Borcht)

  • 1 repolho de 1,5kg, cortado em quartos e fatiado bem fino
  • 2 cenouras médias, picadas
  • 3 cebolas médias, picadas
  • um punhado de endro, picado
  • um punhado de salsinha, picada
  • 750g tomates, pelados e picados grosseiramente
  • 6 beterrabas médias, cozidas (ou assadas), descascadas e raladas grosso
  • 60g manteiga
  • 2 litros de caldo de galinha ou água
  • 1 colh. (chá) açúcar
  • suco de 1 limão
  • 2-3 colh. (sopa) vinagre de vinho tinto
  • 125ml creme azedo (sour cream), para servir

(Pirochki)

  • 60g queijo minas
  • 2 colh.(chá) sementes de alcaravia (kümmel)
  • 175g farinha de trigo
  • 1 ovo
  • 60g manteiga sem sal, amolecida
  • 2 colh. (sopa) creme de leite
  • 1 ovo para pincelar


Preparo:

  1. Depois de picado o repolho, reserve 1/2 xic. de chá para rechear os pirochki.
  2. Para a massa dos pastéis, coloque a farinha numa tigela com a manteiga, o ovo e o creme de leite, 1/2 colh (chá) de sal e misture com a ponta dos dedos, juntando a farinha aos outros ingredientes aos poucos, até obter uma farofa grossa. Forme uma bola.
  3. Polvilhe uma superfície com farinha e sove a massa sobre ela por 1-2 minutos, até ficar bem lisa e soltar da superfície e dos dedos. 
  4. Embrulhe bem a massa em filme plástico e deixe na geladeira por 30 minutos. 
  5. Enquanto isso, faça a sopa. Derreta a manteiga em uma panela BEM GRANDE. Acrescente a cenoura e a cebola e cozinhe, mexendo, por uns 5 minutos, em fogo baixo, até os legumes fiquem macios, sem dourar. Retire 1/4 dos legumes passados na manteiga para o recheio dos pirochki.
  6. Junte à panela o repolho, a beterraba, o tomate, o caldo (ou água), açúcar, sal e pimenta a gosto e deixe abrir fervura.
  7. Abaixe o fogo e cozinhe por 45-60 minutos. Prove, corrija o tempero, se necessário, e adicione mais caldo ou água se a sopa estiver muito grossa (dependendo da panela, pode secar muito rápido, então fique de olho!). Desligue o fogo e reserve enquanto prepara os pirochki. Na hora de servir, junte as ervas picadas, o suco de limão e o vinagre e acerte o tempero. 
  8. Para o recheio dos pirochki, coloque o repolho reservado em uma tigela, cubra com água fervente e deixe ficar 2 minutos. Escorra, passe por água fria e escorra de novo, espremendo bem com as mãos. Pique finamente.
  9. Misture o repolho picado, o queijo, as sementes de alcaravia e as cenouras e cebolas refogadas. Tempere com sal e pimenta. 
  10. Polvilhe uma superfície com farinha e abra a massa com rolo até 3mm de espessura. Recorte discos de massa com um cortador ou um copo de borda fina. Deve render de 25-30 discos, mais ou menos. 
  11. Use uma colher de chá para colocar o recheio no centro dos pastéis. Pincele as bordas com um ovo batido com 1/2 colh. (chá) de sal. Feche bem os pasteizinhos em forma de meias-luas e coloque em uma assadeira. Pincele-os com o ovo batido. Leve à geladeira por 15 minutos.
  12. Aqueça o forno a 200ºC. Quando o forno estiver quente, asse os pastéis por 15-18 minutos, ou até que dourem. 
  13. Sirva os pastéis ao lado do borcht quente ou em temperatura ambiente, com uma colherada de creme azedo por cima. 






terça-feira, 29 de maio de 2012

Orzetto alla Trentina

Um dia eu encontro uma sopa italiana que fotografe bem. :P
O dia estava cinzento e chuvoso, pisos de pedra molhada refletindo o céu prateado, e Trento era linda e calma. Minha cunhada e seu marido foram nos buscar na estação de trem e haviam reservado um almoço em um restaurante típico trentino. É sempre um bom sinal dar de cara com o dono do restaurante terminando um enorme prato de spaghetti no balcão do restaurante.
 Minha cunhada nos avisou que comprara uma seleção de antipasti para a noite (maravilhoso Speck, Prosciutto, deliciosa Sopressa Veneta e uma Mozzarella e Ricotta fresquíssimas, de chorar de boas*); e por isso fomos direto ao prato principal.

Tão bom antipasto, que me lembrei de fotografar apenas quando já havíamos comido metade.
Quando pedi pelo Orzetto alla Trentina, o marido de minha cunhada ficou inconformado: "Mas é comida de dieta!" E eu, pensando apenas na cevada (orzo), dei de ombros e pedi mesmo assim. Não sei exatamente o que esperava que fosse. Apenas sei que quando o prato de sopa de cevada com batatas e cenouras foi colocado à minha frente, senti aquela espécie de vergonha que se sente quando se dá conta de que você foi o idiota que pediu a pior coisa do cardápio.

Veja bem: eu ADORO sopa de cevada com legumes. Mas essa me parecia familiar demais, do tipo "faço em casa todo dia", e me soou como um desperdício de refeição de férias, principalmente ao olhar o apetitoso Strangolapretti do Allex: pequenas almôndegas de pão, queijo e verdura cozidas e banhadas num mar de manteiga.

Essa coisa linda de ver montanhas em torno da cidade...
Quando provei de minha sopa, ela estava gostosa. Mas confirmou meu temor: tinha gosto de sopa feita em casa; particularmente na MINHA casa. Já estava olhando com olhos gulosos os pratos ao meu lado, quando, de repente, o senhor comedor de spaghetti aproximou-se de mim, para ralar uma comedida mas certeira porção de queijo sobre minha sopa. Experimentei de novo.

Era outra sopa. Completamente outra. E de repente eu estava feliz novamente com meu prato, e pensando como um único ingrediente pode trazer todos os outros para um mesmo coro harmônico. E como era bom aquele queijo. E raspei meu prato com a ajuda de belos nacos de pão. Tão focada, esqueci-me de perguntar que queijo era.

E fiquei com aquilo na cabeça, aquilo do bom ingrediente, e como um queijo de pacote, pura serragem, não teria feito absolutamente nada por aquele prato. No fim, no entanto, era um conjunto de bons indivíduos: um caldo que tinha gosto de caseiro, cenouras doces, batatas com gosto de batatas (e só quem come batatas com gosto de batatas pode saber quão não-batatas algumas batatas são), grãos de cevada macios mas al dente, um perfume de ervas aromáticas, uma base de cebola dourada em azeite. Não consegui sentir qualquer nuance de carne, no entanto, então me surpreendi ao vê-la na receita de Marcella Hazan, ao pesquisar em casa, e não me senti menos autêntica ao omiti-la na versão que preparei em casa.

A sopa repetida agora em São Paulo ficou igualzinha àquela, e ainda que o parmesão uruguaio não tenha a complexidade de sabor e a doçura do queijo que foi esparsamente polvilhado sobre meu prato em Trento, o efeito de comunhão com os outros sabores foi o mesmo.

Vinha evitando preparar sopas para o pequeno caçador de perigos, pois querendo comer sozinho, pressentia o caos abominável. Mas ele adorou seu orzetto alla trentina, e raspou o prato, comendo boa parte dela quase sozinho, com mamãe ajudando a levar a colher para o lado certo.

ORZETTO ALLA TRENTINA
(Adaptado do ótimo Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica, de Marcella Hazan)
Tempo de preparo: cerca de 1 hora
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 1 1/4 xic. cevadinha
  • 500ml caldo de legumes caseiro
  • 1/4 xic. + 2 colh. (sopa) azeite de oliva extravirgem
  • 1/2 xic. cebola picada
  • 1/2 colh. (chá) alecrim seco ou 1 colh. (chá) alecrim fresco picado
  • 1 colh. (chá) salsinha picada
  • 1 batata média
  • 2 cenouras pequenas ou 1 grande
  • sal e pimenta-do-reino a gosto
  • queijo parmesão de boa qualidade (do tipo saboroso o suficiente para comer pedacinhos depois da refeição)

Preparo:
  1. Coloque a cevada e o caldo em uma panela grande e termine de completar com água até que haja uns 7-8cm de líquido por cima da cevada. Leve à fervura branda e cozinhe por cerca de meia hora, ou até que a cevada esteja cozida mas não empapada.
  2. Enquanto isso, numa frigideira pequena, aqueça todo o azeite e refogue a cebola em fogo médio, até que doure, sem queimar. Junte o alecrim e a salsa, mexa bem e depois de um minuto, desligue o fogo. 
  3. Descasque a batata e a cenoura, lave em água fria, seque e corte em cubinhos pequenos (para que cozinhem rápido). Cada um deve render cerca de 2/3 xícara.
  4. Quando a cevada estiver no ponto, junte a batata, a cenoura e o conteúdo da frigideira, temperando com sal e pimenta a gosto. Seja generoso com a pimenta, mas vá acrescentando o sal aos poucos, para que a sopa não continue reduzindo e acabe salgada demais. 
  5. Continue cozinhando por mais trinta minutos, ou até que as batatas e as cenouras estejam macias, acrescentando mais água se a sopa parecer muito seca. Ela não deve ficar nem muito grossa, nem muito rala.
  6. Sirva imediatamente, polvilhada com parmesão e mais um fio de azeite. (A sopa pode ser preparada com um ou dois dias de antecedência e reaquecida, mas o parmesão só deve ir ao prato na hora de servir.)

* Que eu não sou vegetariana propriamente dita todo mundo sabe, pois vira-e-mexe aparecem receitas de peixe por aqui. Mas como até hoje eu me torturava por, durante minha primeira viagem à Itália, ter ido a Parma e não ter comido Prosciutto, resolvi mandar minha "dieta 90% vegetariana" (acho que esse é um termo mais correto) e me esbaldar com os emutidos italianos. Estava tudo uma delícia, mas com certeza me deu uma base de comparação de como meu corpo funciona – ou NÃO funciona – com consumo diário de carne, mesmo em pequenas porções.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

New York, New York

 
Eu estava com certeza precisando dessas microférias. E não importa que tenha sido corrido, que tenha havido perrengues na ida e, principalmente, na volta, ou que os problemas estivessem nos esperando sentadinhos aqui em São Paulo. A viagem foi, indubitavelmente, sensacional. Esperando apenas por mais uma São Paulo, fiquei impressionada com a beleza e conservação dos edifícios, com a organização, a limpeza, os sons, os cheiros, as cores, as pessoas.

Logo no primeiro dia, encontramos por acaso, em Chelsea, um pequeno restaurante com um cardápio inteiro de hambúrgueres vegetarianos. Nada com aquela cara natureba-broto-de-alfafa que muitos restaurantes brasileiros acreditam que seja comida vegetariana. Mas simplesmente hambúrgueres vegetais repletos de queijo cheddar, onion rings, guacamole e molhos apimentados. Meu hambúrguer deu de dez em qualquer outra opção vegetariana que eu tenha comido por aqui. De entrada, um "pequeno" prato de nachos com frijoles refritos, guacamole, sour cream e com a surpresa de as tortillas serem feitas de farinha de milho azul! Procurei feito louca nos mercados em que entrei a tal farinha, mas não a encontrei. Titia, se você estiver lendo, sei que na California tem, então você já sabe o que trazer para mim em sua próxima visita! ;) Folgada, eu? Para acompanhar a comilança muito bem-vinda, um menu todo de cervejas orgânicas, uma mais interessante que a outra.
 
A caminhada pós nachos e hambúrguer nos levou a Washington Square, onde tive meu momento "iêeei!", ao me lembrar que fora ali que Harry deixara Sally após a road trip que iniciou seu relacionamento. Já falei que When Harry met Sally é meu filme favorito? Pois é. 

 

Tendo sido esta a primeira viagem internacional que meu marido e eu fizemos JUNTOS, foi ótimo descobrir, depois de nove anos de relacionamento, que viajamos da mesma forma. Nada de pegar metrô de um ponto a outro: gostamos de andar. O que são 40 quadras da estação da 33rd Street até o Luxembourg Café, na 72nd?? Nada! Subimos a 7th Avenue, embrenhamo-nos no Central Park, e na hora do almoço estávamos já loucos para encontrar o restaurante recomendado por um amigo. Como era sábado, o cardápio era de Brunch. Pedi um incrivelmente leve Lobster Roll, com relish de pepino e mini-agrião, em um pãozinho fofo e amanteigado como um brioche, e Allex pediu um belo hambúrguer de atum. Mais cervejinha local para acompanhar. Férias, ué. Satisfeitos, fomos gastar a cerveja batendo perna no Museu de História Natural, onde realizamos sonhos de infância de ver dinossauros de verdade. A decepção veio, no entanto, quando descobri que o salão da Lula e a Baleia (mais um filme que eu adoro, aliás) estava fechado... :( 

Wall Street para mim foi a prova de que o Centro de São Paulo seria magnífico se alguém se importasse em conservá-lo. Almoçamos em um restaurante escandinavo em uma rua que é o exemplo de quão agradável pode ser uma praça de alimentação se ela for ao ar livre, com mesas de madeira e com garçons, ao invés de bandejas plásticas. De ambos os lados, havia apenas bares e restaurantes, e ainda que não houvesse nenhuma divisão distinta entre as mesas e bancos todos iguais, cada garçon parecia conhecer bem sua área. Adorei a versão vegetariana das almôndegas com molho de lingonberries, e o arroz doce muito suave e cremoso, coberto de compota de cerejas e lâminas de amêndoas ficou gravado em minha mente como um "must try this at home". 

Passei em frente à Magnolia Bakery, sem filas, mas resolvi não entrar. Estou fula da vida por seu livro ser tão ruim. Outras pessoas na Amazon criticaram o fato de que as receitas não funcionam ou não produzem cupcakes iguais ou sequer semelhantes aos da loja. Se sua receita é um grande segredo, não escreva um livro. Por isso, nossos amigos de lá nos levaram ao Billie's, uma pequena confeitaria cujo buttercream frosting é tão leve que não parece apenas manteiga e açúcar. Allex comeu um cupcake de macho, como brincamos, de chocolate e vanilla buttercream frosting (o verde de confeitos cor-de-rosa da fotografia) e eu pedi um delicioso banana cupcake com cream cheese frosting, outra maravilhosa revelação. Não sei se o Billie's tem um livro, mas assim que encontrei uma livraria, apanhei um livro bonito de cupcakes e o comprei. :) Ignorem o fato de que cupcakes estão na moda por aqui, para que eu não pareça apenas uma maria-vai-com-as-outras...

Em Williamsbourg, para lá do Brooklin, nossos anfitriões nos levaram ao Sea, um restaurante tailandês inacreditavelmente barato, onde comemos pad thai, curries, rolinhos primavera, mojitos de lichia (é, é isso mesmo, mojitos de lichia) e um chá gelado tailandês, que consiste em chá vermelho, leite condensado e gelo. Ah, tantas descobertas! :D
Andamos pela Brooklin Bridge e tomamos um sorvete mequetrefe do outro lado, andamos pelas ruas de Chelsea e Soho carregando nas mãos Iced Chai Tea e Iced White Chocolate Mocha, compramos bagels com cream cheese e sentamos em um pier em New Jersey, tomando café-da-manhã e olhando para Manhatan, ficamos profundamente arrependidos de termos confiado na previsão do tempo e não levado um par de shorts e chinelos, dado o calor de 30 graus que deixou nossos rostos corados, e, principalmente, prometemos voltar para conhecermos tudo aquilo para o qual não tivemos tempo. Um feriado é muito pouco para ver tudo o que New York tem a oferecer. Se por um lado nossa andança-pé-doendo-e-unha-preta nos proporcionou uma boa noção da vida local e de ruas escondidas da cidade, por outro lado gastamos tempo indo de um ponto ao outro e não conseguimos ver todos os pontos turísticos que nos interessavam. Metropolitan, Grand Central e Rockefeller Center ficaram para uma próxima visita.
Mesmo as compras ficaram reduzidas. Uma passada na Williams-Sonoma e na Bed Bath & Beyond foi o bastante para me encher de tralhas culinárias, mas não tive tempo de passar na loja de material de arte que eu anotara no mapa. 

Agora, o espólio.
Minha tão sonhada forma de bundt cake, com capacidade de 10-15 xícaras, a tortilla-presser que a policial do aeroporto pensou que fosse um dispositivo nuclear, colheres de sorvete tradicionais, para tirar bolas exatas de massa de biscoito e criar cookies uniformes, um termômetro de forno novo, melhor e mais confiável, um termômetro para doces eletrônico, pincéis, biscuit cutters, cookie cutters estilo "prensa de Guttenberg", para escrever mensagens personalizadas, extrato de baunilha, maple syrup, chocolate, forma de mini bundt cakes, forma de picolé, farinha de farro, masa harina (farinha para tortillas), formas de panqueca em formato de Darth Vader, Star Trooper e Yoda (meu marido encheu os pacová para levar!), um maçarico, um pastry scraper e um rack de três andares para esfriar biscoitos.
Ufa! Um monte de tralha para quem só tinha o mochilão de trilha e uma malinha de mão. Livros foram poucos (de cozinha, pelo menos, fora os de quadrinhos e ilustração). Seasonal Fruit Desserts, da Deborah Madison, My Bread, do Jill Laney, The Sweet Life, da Kate Zuckerman e Cupcakes, da Elinor Klivans. De quebra, umas revistinhas compradas no aeroporto.
Agora, a novidade. Muita gente andou pedindo videos disso e daquilo, como aquele de sovar pão postado há muito tempo atrás. Acontece que minha pobre nikonzinha que fazia videos mequetrefes não está mais em minhas mãos. Mas agora, tcharans!, temos filmadora de novo. Então pensem com carinho em o que seria mais útil para vocês verem em video. O ponto de claras em neve? O molde do pão? A sova estilo Bertinet? E escrevam nos comentários. Ok? 
Agradeço imensamente a nossos amigos que nos hospedaram em Jersey City, por sua disponibilidade e generosidade. :)

quinta-feira, 26 de março de 2009

De volta do Ceará com um novo livro de cabeceira e vontade de comer tapioca com queijo

Depois de alguns dias de pé na areia, olhando para um mar que me fazia virar o pescoço de um lado para o outro para enxergar suas extremidades, descobri que adoro baião-de-dois e tapioca. Sim, parece incrível, mas nunca havia provado nenhum dos dois. Foi uma semana de pargo frito, camarão de inúmeras maneiras e caldinho de peixe espesso e amarelo, que me dava a impressão de que seria capaz de levantar um saco de tijolos acima da cabeça; mas agora tudo o que quero é um pouco de verde no prato.

O interessante dessas pequenas férias, além de conhecer um pedaço do Brasil que nunca antes visitara, foi reorganizar minha cabeça e, em conseqüência, meu tempo. Assim que o avião pousou, arranquei o relógio do pulso e meti-o na bolsa, decidida a não mais saber que horas eram a não ser pelo movimento do sol sobre os prédios de Fortaleza ou sobre as dunas de Canoa Quebrada.

O tempo longe do computador e da televisão fez com que eu terminasse um livro que estava pela metade, lesse um inteiro comprado no aeroporto e começasse um terceiro trazido de São Paulo, o que tornou minha mala mais pesada mas com certeza me trouxe de volta a meu antigo ritmo de leitura. Deitada numa rede, cervejinha numa das mãos, devorei, deliciada, o último livro de Michael Pollan: Em Defesa da Comida. Não sou muito de fazer resenhas de livros, mas não há uma pessoa que eu conheça a quem não esteja recomendando essa leitura. Para quem já leva a vida com mais calma, o livro não traz nada de novo em suas recomendações. As regras na parte de trás do livro, inclusive, dão uma idéia errada de seu conteúdo, e eu mesma pensei que o livro não me ensinaria coisa alguma, uma vez que já sigo boa parte (senão todas) das regras de Pollan. No entanto, o que o livro faz é dar respaldo a pessoas que já fazem determinadas escolhas no que diz respeito a estilo de vida e alimentação. É um alívio saber não estamos loucos e sozinhos no mundo, e que o que fazemos de fato faz algum sentido. [Sinto-me menos chata.] Àqueles que já pensam que talvez aquele pacote de bolachas sabor morango não seja uma compra tão boa – mas que ainda assim vão lá e o compram – o livro dá o último empurrão para que abandonem os maus hábitos. E aos glutões que pouco se importam com o que enfiam na boca, as informações sobre a história do cultivo de cereais no ocidente, a industrialização da comida, o "nutricionismo" e a relação de tudo isso com sua saúde debilitada serão certamente um choque.

O mais interessante disso tudo, foi conseguir compreender de fato o por quê de ter emagrecido – além do fato de ter me exercitado um bocado – sem ter aberto mão de nada de que gostasse. Durante oito meses (e ainda hoje) eu comi comida. Não muito. Principalmente vegetais.

Deixo a vocês então imagens relaxantes e essa recomendação de leitura. Imagens relaxantes são primordiais nesse momento, em que há dois encanadores fazendo de meu banheiro um queijo suíço. Só posso ignorar o barulho, apanhar um bocado do sorvete de milho verde da Patrícia, que preparei com as lindas espigas de milho fresquinhas compradas na feira, olhar para as fotos do mar e fingir que as marteladas são na verdade o burburinho das ondas. Suspiro, volto a trabalhar, e fico imaginando onde vou encontrar feijão de corda fresquinho para fazer baião-de-dois por aqui. [Fico também imaginando se posso fazer a goma da tapioca num dia, colocar na geladeira e preparar a tapioca na manhã seguinte. Será que posso? Será?]

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Bacalhau fresco: usando boas lembranças de inspiração


Já falei sobre o Boudin por aqui. Sobre seus pães fantásticos que me deixaram saudades. Já comentei também sobre legumes cozidos no ponto e como isso é prioritário para uma boa experiência em um restaurante, ao menos para mim. Também já escrevi sobre preconceito contra restaurantes, e como às vezes você se sente idiota por ter quase deixado escapulir a oportunidade de uma excelente refeição.

Pois é, fazer o quê?! Esse post é sobre tudo isso. De novo.

Depois de um longo passeio à pé por San Francisco, saindo da Lombard Street (aquela rua famosa, cheia de curvas), percorrendo China Town, o bairro italiano e o centro comercial, estávamos na orla, vendo os lindos porém fedidos leões marinhos, quando, a despeito da puzza que dominava o ar, ficamos com fome. Saímos andando em busca de um bom restaurante onde comer e, depois de ler pelo menos 6 ou 7 cardápios suspeitos, decidimos que a exaustão nos guiaria e entramos, por fim, no bistrot que fica no andar superior da Boudin, a padaria Disney-style da cidade. O lugar parecia bastante formal, inconsistente com os ares lúdicos do andar superior, e sua decoração de madeira escura, toalhas brancas e talheres pesados intimidava um pouco duas mulheres com roupas confortáveis de turistas e que obviamente passaram a manhã inteira subindo e descendo ladeiras íngremes.

Chegaram os pãezinhos do couvert. Aaaaaaah... desses já falei, então não falo de novo.

Olhei o cardápio e imediatamente um prato me chamou a atenção: Black Cod com legumes. Hmmmm... bacalhau fresco: estava aí uma coisa que nunca provara na vida. Fiz meu pedido, acompanhado de um copo imenso de um chopp local de San Francisco (delicioso, denso, âmbar, opaco). Titia, mais comedida, pediu uma salada simples de tomates e parmesão.

Quando os pratos chegaram, tive uma surpresa: eles eram metade da porção que nos fora servida em nossa viagem até então. Diga-se de passagem, eles tinham o tamanho dos pratos de bons restaurantes de São Paulo, ao contrário daqueles onde vínhamos comendo, que serviam porções duplas (razão pela qual voltei mais pesadinha da viagem). Num primeiro olhar, não vi nada de muito especial no prato: o bacalhau branquinho, de pele negra, deitava-se sobre uma cama de mini-vegetais cozidos, embebidos em caldo de legumes. Uma grande folha de menta que parecia ter sido frita repousava sobre o peixe. Quando vi as cenouras e alho-porós bebês, imediatamente lembrei-me de um episódio de Kitchen Nightmares, em que Gordon repudia baby carrots. Tá vindo... tá vindo... Opa! Preconceito!

Por isso, decidi que sequer tiraria uma foto do prato. Por esse motivo e porque, como dissera, o ambiente intimidava um pouco... e eu fiquei com vergonhinha.

A primeira reação foi de minha tia. À primeira garfada, ela desprendeu uma interjeição de alegria, e pediu para que tirasse uma foto de sua salada, uma vez que os tomates, o queijo e todo resto estavam fantásticos.

Experimentei meu prato. O bacalhau estava divinamente bem preparado e temperado, a menta frita fora um toque excelente, e os vegetais-baby estavam tão deliciosos e bem cozidos que viraram referência eterna para mim. Apanhei a máquina, deixei a vergonha de lado e saí fotografando comida, pão, chopp, o diabo.

Anotei a mistura em meu caderno e prometi a mim mesma que tentaria reproduzir o prato em casa. O problema de fazê-lo, no entanto, é encontrar o danado do Black Cod por aqui. Por isso mesmo vibrei quando vi os filés de bacalhau fresco na geladeira do mercado. A-há! Vem com a mamãe, que você vai virar janta!

Infelizmente, o peixe fora filetado como pescada, e não tinham pele. E não fosse o cheiro suave e característico do bacalhau, acharia que comprei gato por lebre. Como vou adaptar isso, então? Resolvi usar uma técnica fácil mas que fica super metida à besta: cozinhar o peixe en papillote. Apanhei os alhos-poró pequenos, cortei-os ao meio no sentido do comprimento, lavei-os e os cozinhei por um ou dois minutos em caldo de legumes fervendo. Cortei as cenouras em tiras finas e fiz o mesmo, até que estivessem macias mas não desmanchando. O mesmo com alguns floretes de brócolis japonês e algumas de suas folhas. Por fim, cozinhei algumas ervilhas. Queria muito ter usado batatas, mas elas estão proibidas para mim.


Arranjei dois grandes retângulos de papel-manteiga e pincelei-os com um fiozinho de azeite. Montei duas camas de vegetais ainda encharcados de caldo sobre esse azeite, temperei com sal e pimenta e coloquei os filés de peixe, cortados em pedaços de 90g, para que todos cozinhassem por igual. Polvilhei sal, pimenta-do-reino, suco de limão, e um pouquinho de menta seca. Então piquei um punhado de salsinha e um dente de alho grande, misturando bem os dois, e espalhei essa mistura por cima de todo o peixe. Fechei bem os retângulos de papel-manteiga, amassando bem as bordas do papel para que o vapor não escapasse, coloquei os dois pacotinhos em uma assadeira e levei ao forno pré-aquecido a 220ºC por 10 minutos, até que os pacotes estivessem inflados e dourados nas bordas.

Meu marido não é fã de bacalhau salgado. O sabor que nos é mais familiar do bacalhau é muito mais sutil no peixe fresco, e desse ele gostou. Ficou tão bom que era inacreditável que estivesse mais dentro da dieta do que qualquer outra coisa que tenha preparado até então. Ficou igual ao do Boudin? Decerto não, ficou bastante diferente. No entanto, estou feliz de ter usado a lembrança do Black Cod como inspiração para esse prato. E resta ainda o desafio não cumprido, esperando por uma oportunidade...

sábado, 16 de agosto de 2008

Lembranças de pasta e vino...


Ao pensar em minhas recentes férias na Califórnia, dou-me conta de que há ainda muito sobre o que escrever. Meu grande problema literário é que quase todas as histórias começam da mesma forma: "eu não dava nada por aquele lugar; porém..." Depois da viagem à Itália e da descoberta dos mais deliciosos pratos nos lugares menos prováveis, era de se esperar que eu não viajasse mais munida de qualquer espécie de preconceito. Mas, fazer o quê, talvez tenha assistido a muitos documentários pixando os Estados Unidos como a Meca da junk food, e por isso mesmo desconfiasse de qualquer restaurante que não tivesse cara (ou nome) de bistrot francês. Atire a primeira pedra quem nunca julgou um livro pela capa.

No entanto, foi interessante notar que, no mesmo dia, tive diferentes experiências gastronômicas que contrariaram minhas expectativas: um lugar que sugeria comida ruim foi sensacional, e o que era caro, cheio de mequetrefes e prometia que era uma beleza, serviu-me comida insossa e com um péssimo atendimento.

Mas falemos das coisas boas, que já estou exausta de reclamar e você, querido e companheiro leitor, deve estar exausto de ter ouvidos de penico (ou seriam olhos?).

Naquela manhã acordáramos em Sonoma com um objetivo: degustação de vinhos. Para ser mais exata, eu acordara com esse objetivo, uma vez que minha tia, além de ser a motorista designada, não era lá muito fã da coisa. Sem ter feito minha lição de casa com a enorme apostila do curso de sommelier que deixara em São Paulo, decidi que o acaso e a opinião alheia nos direcionariam às vinícolas. Tenho vergonha de dizer que foi um cupom de desconto dado pelo escritório de turismo da cidade que nos levou à primeira. Ok, eram onze horas da manhã e tudo o que eu queria era vinho. Eu sei, eu sei, são os sinais do alcoolismo, mas ah! vá! eu estava de férias! Larga do meu pé.

Fomos atendidas em um salão amplo, de pé direito muito alto, com um comprido balcão de madeira escura. Tudo muito sóbrio, sério, combinando com o longo caminho de cascalhos ladeados de árvores antigas que nos trouxera do estacionamento até ali. Havia apenas mais um casal a uns dois metros de distância, e nossos pensamentos ecoavam no salão. Um senhor magro, grisalho, quase britânico com seus óculos de aros finos e perfeitamente redondos apoiados à ponta do nariz comprido, veio apanhar nossos cupons e nos mostrar o cardápio da degustação. "Esses são os do cupom; estes outros aqui são nossos vinhos especiais, reserva", disse ele, educadamente, servindo-nos nossa primeira taça.


O vinho era muito bom, e imediatamente comecei a comentar com minha tia, em português, ao que o senhor ficou curioso. Sem conhecer muito os termos específicos em inglês, enrolei um pouco os termos em francês e começamos a conversar sobre os vinhos. Ele quis saber o que eu achava daquele.

Segunda taça. Minha tia esboçou um tímido ok, e por isso mesmo surpreendeu-se com meu entusiasmado "hhhhhmmmmmmmmmm, que vinho booooooooooooooom..."

"Você gostou desse?", perguntou-me o senhor, com um meio sorriso suspeito.
"Nossa, ele é muito bom!"
"Jura? Você achou tudo isso?", perguntou minha tia, achando que o problema fosse seu paladar.
"Aaaaah", explicou ele, "eu não servi o mesmo vinho para as duas." Aproximou-se um pouco do balcão, mantendo ainda a postura, e baixando a voz quase em um cochicho. "Eu servi a você este aqui", disse, apoiando a ponta do dedo fino e comprido sobre um dos vinhos reserva. "Não conte a ninguém."

Terceira taça. Mesmo truque. "Eu vou mimar você um pouco", disse ele, sorrindo. Ao fim das cinco taças, quatro das quais custando o triplo dos vinhos que beberíamos com o cupom, não resisti e comprei uma garrafa de Pinot Noir. Excelente vendedor, pensei.

Seguimos para a próxima vinícola, mais ampla, réplica de château francês no limiar do bom gosto, prestes a cair para o lado Disney da coisa. Aproveitei para fotografar os vinhedos e as flores, olhar em volta e respirar aquele lugar tão diferente de minha casa.

Atravessamos os jardins bem cuidados em direção a um salão um pouco mais comercial, cheio de souvernirs e os mais diversos acessórios ligados a vinho. Assim que nos aproximamos do balcão, um homem veio nos avisar: "Daqui a cinco minutos um ônibus cheio de turistas barulhentos chegará aqui. Se vocês quiserem apreciar o vinho com calma, é melhor irem à sala reservada, do outro lado do jardim. Lá eles têm outras cartas de vinho, também." E a caminho da tal sala já podíamos ouvir a algazarra da turistada.

Nesta sala, fomos atendidas por uma mulher bonita, loira e entusiasmada, cheia de vontade de conversar sobre seu vinho com quem estivesse disposto. E eu estava disposta. E tão logo a conversa começou, começaram os mimos. Lá, bebi um dos Chardonnay mais fantásticos que já provei.

"O Chardonnay californiando tem fama de ser amanteigado", explicou ela, "o que nem sempre é bom. Mas esse é diferente, veja se você percebe... É um dos nossos melhores vinhos!"
"Uaaaau! É como... nossa! É como crème brulée engarrafado!!"
"Exato!"

Quando me dei conta, ela já estava servindo a sétima taça em uma degustação que previa apenas cinco, apenas pelo prazer de ver se eu conseguia sentir a diferença de um vinho para o outro. Correndo o risco de estragar na mala (o que não aconteceu), precisei comprar o Chardonnay, ao saber que ele era vendido apenas na vinícola. Aaaaah, se eu tivesse uma cave, teria levado uma caixa inteira...

Por indicação dela, fomos a uma pequena loja ali perto para provar alguns vinhos de boutique. Algumas taças depois, descobri um de sobremesa fortificado (é um Porto, mas eles não podem chamar de Porto) tão bom, mas tão bom, que até minha tia que não é fã levou uma garrafa para ela. E eu também.

Depois de tanto vinho, no entanto, eu estava faminta e precisando urgente de algo no estômago para não passar nenhum vexame. O senhor do vinho do Porto nos indicou um restaurante italiano ao lado. Por falta de paciência de procurar outra coisa, decidimos tentar.

Por fora, o lugar era simples. Por dentro, então, uma decepção. Um balcão separando você da cozinha, no melhor estilo Mc Donald´s, e uma lousa branca acima de nossas cabeças, com os molhos e tipos de massas escritos à caneta, à disposição para o freguês combinar como quisesse. Pedi penne ai funghi porcini e titia pediu penne alla putanesa. E fomos nos sentar do lado de fora, em cadeiras de plástico e mesas cobertas de toalhas também plásticas.

Já estava esperando o pior, quando nossos pratos chegaram. Sensacionais, perfumadíssimos, saborosíssimos. E não era apenas a fome falando. Os porcini eram frescos, macios, deliciosos, e em pedaços muito pouco tacanhas, a massa estava perfeitamente cozida, e o queijo era de qualidade. Titia fez tantos elogios a seu prato que insistiu para que também o fotografasse. Uma das melhores refeições que tive durante a viagem, e em um dos lugares mais capengas.


Sentindo gosto da Itália na boca, resolvemos aproveitar o tema e conhecer um tal de mercado italiano em uma das grandes vinícolas no outro extremo da região. Ao chegarmos lá, a grande quantidade de ônibus estacionados embaixo de auto-falantes tocando música italiana já nos avisava do que estava por vir. Claro, o lugar era um parque temático. O mercado não era nada interessante, e todo o complexo era uma armadilha para turistas. Tanto, que não tive vontade de experimentar seus vinhos, ao ver como eles faziam daquilo um espetáculo brega, ao contrário dos outros lugares onde estivéramos.


Restou-nos apreciar a vista, essa sim fantástica. Sentamo-nos em um dos amplos terraços e ficamos quietas, observando as vinícolas que se estendiam sobre colinas douradas e suaves. A música italiana tocava, o gosto dos porcini ainda estalava em minha língua; olhei à minha volta, para as flores, os pinheiros italianos, a cópia de villa num terracota que jamais será a terracota dos antigos casarões da Toscana, e me vi, ridícula, de olhos marejados. O peito apertou de saudades da Itália, e me perguntei como era possível que me doesse tanto a distância de um lugar onde passei tão pouco tempo de minha vida...

Levantei-me e fui embora, sem olhar para trás, revoltada com como algo tão falso pôde resgatar em mim saudades da experiência verdadeira. Pensei nos vinhos que me esperavam no porta-malas do carro e nas refeições que estavam por vir e segui em frente. E prometi a mim mesma não julgar mais os restaurantes por sua cara, mas continuar julgando vinícolas se suas cedes parecerem feitas de fibra de vidro.

Cozinhe isso também!

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