
Eu fui a responsável pelo preparo do sopão. Caldeirão em mãos, fui acrescentando os ingredientes. Por distração, entretando, acabei usando extrato de tomate no lugar de polpa, e juntei uma quantidade muito maior de repolho do que deveria. Resultado: gostos muito fortes e conflitantes que por muito tempo provocaram em mim uma certa repulsa por repolho.
Cada um na família reagiu de uma forma diferente àquele estranho experimento: meu pai adorou a sopa e tomava baldes dela todos os dias, e até hoje, segundo minha mãe, pede para que a preparem novamente; eu consegui segui-la por 5 dias, e então atingi meu limite, pois andava me sentindo muito enfraquecida com a falta de carboidratos; minha mãe não suportou mais de 3, e diz que até hoje engasga ao lembrar-se da sopa; minha irmã nem chegou perto e não me lembro de sequer vê-la experimentando.
O que me leva ao ponto principal: no segundo ou terceiro dia do sopão, podíamos comer um pouquinho de peixe. Ao que tive a brilhante idéia de passar no supermercado tranqueira e pedir ao peixeiro que me cortasse um pouco de salmão para sashimi. Lembro-me até hoje da menina que me atendeu, claramente desconfortável com seu posto de trabalho, e como ela assassinou aqueles meros 100g de peixe com seu facão de cabo branco e sua óbvia inabilidade. Minha pobre bandeja de salmão parecia mais um amontoado de iscas de frango que um prato de sashimi. Mas, como na época eu não era chata e exigente, deixei passar e fui feliz e contente para casa para entuchar meus sashimi-meleta no shoyu. Se ficou bom? Neh. Tinha gosto de peixe.
Essa experiência negativa somada à minha pobre faca incapaz de fatiar um peixe com delicadeza se meu pescoço estivesse na reta foram responsáveis por nunca mais pensar em preparar qualquer coisa remotamente semelhante a peixe cru.
Até o dia do milagre do peixe que não fede. Não há como dizer isso de outra forma: eu não fazia idéia de quão ruins eram minhas facas e do quanto elas me atrapalhavam na cozinha até ter em mãos uma de qualidade. Sei que parece propaganda, mas não me importo. Facas boas e afiadas não são perigosas: elas facilitam o trabalho e tornam todo o ato do mis-en-place mais prazeroso. Não pude acreditar quão fácil foi cortar o couro daquele peixe, e me senti num programa do Jamie Oliver, em que ele manuseia a faca como se fosse parte de seu corpo.



Ainda que acredite que isso vá implícito quando falamos de peixe cru, o seguro morreu de velho: só prepare esse prato se tiver em mãos um pedaço de salmão fresquíssimo e de boa procedência. Salmon is a very fishy fish, e não vai ficar legal se seu cheiro já estiver mais forte.

CEVICHE DE SALMÃO
(Quase nada adaptado do livro Gordon Ramsay´s Fast Food)
Tempo de preparo: 15 minutos
Rendimento: 1 porção
Ingredientes:
- 90g de salmão sem pele em fatias de 0,5cm
- 1/2 pimenta dedo-de-moça sem as sementes
- 1 cebolinha
- 1/2 dente de alho pequeno
- 1/2 colh. (sopa) de suco de limão
- 1 colh. (chá) de shoyu (um bom, não porcaria, que é salgado demais)
- 1 colh. (chá) de azeite de oliva extra-virgem
- sal e pimenta-do-reino moída na hora
- coentro fresco
Para acompanhar o ceviche, preparei uma salada verde simples e outra de mini-abobrinhas cruas fatiadas fino com o descascador de legumes, milho em conserva, tomates-cereja e queijo feta.