sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Bolinho de aniversário

Esse ano não teve bolo. Como não fiz festa, achei por bem das minhas ancas pular o bolo de três camadas que eu não teria a quem distribuir. Depois de quase duas semanas de sono ruim, por conta de birras na hora de dormir e durante a madrugada, também não me sentia disposta a tanto. Thomas, que desde os oito meses dormia 12 horas por noite ininterruptas, e que sempre foi deixado acordado no berço para dormir sozinho, sem precisar ser ninado ou convencido, agora parecia ter mudado de ideia: era colocar no berço para abrir um berreiro escandaloso, como se o colchão fosse feito de espinhos. E isso valia também para a soneca durante o dia.

Pode imaginar meu cansaço diante da situação.

Então, já chegando num ponto insuportável, meu marido teve uma epifania: "E se transformássemos o berço em mini-cama?"

Pensei.

"Hmmm... talvez ele esteja ficando aflito de ser colocado ali dentro e saber que só vai sair quando quisermos tirá-lo?"
"É, não custa tentar", disse ele.

E lá foi o homem de parafusadeira em punho desmontar o berço e remontá-lo como mini-cama, enquanto Thomas saracoteava em volta, encantado com a movimentação. Foi um momento de orgulho e aperto no coração ver aquela caminha pequena e baixa ali, encostada à parede, com lençoizinhos arrumados e travesseirinho. Como uma das camas dos setes anões. E tendo matriculado meu filho na escola naquele mesmo dia, e sendo meu aniversário de 33 anos no dia seguinte, senti-me incrivelmente velha. Meu filho estava crescendo rápido e o tempo estava passando. Mas era um aperto bom. Pois tem sido melhor a cada dia.

Claro que foi um parto colocá-lo para dormir. Há crianças que não entendem logo de cara que podem sair sozinhas da cama, acostumadas ao confinamento do berço, mas Thomas, que é cabrito de montanha, escalou minha mesa de desenho com 6 meses, e preza por sua liberdade, imediatamente desceu chorando e correndo para a sala, no melhor estilo criança histérica do Supper Nanny.

Bota de volta na cama. Sai da cama. Bota de volta. Sai. Segura um pouco. Tenta acalmar. Trinta e cinco minutos depois, relaxa e dorme. A noite toda.

Na manhã seguinte, sou acordada por um chorinho de 0.3 segundos, que pára de repente, e é seguido de sons de passinhos no assoalho: tomp, tomp, tomp, tomp. Os passos se afastam, em direção à sala, e depois retornam, fazendo surgir ao pé da minha cama um rostinho redondo e amassado de travesseiro, de chupeta e cabelos loiros desgrenhados. Uma risada, e ele volta ao seu quarto, subindo novamente na cama para fazer manha de preguicinha.

Naquela noite, para minha alegria e surpresa, dei-lhe banho, botei-lhe o pijama, e, ao invés de niná-lo no colo até o berço, coloquei-o no chão: e eis que ele caminha rápido até a caminha, sobe sozinho e deita-se. Sento-me ao seu lado, canto um pouco, ele faz uma graça, e quando saio do quarto para atender ao telefone, ao contrário das minhas expectativas, ele não corre chorando atrás de mim. Ele adormece sozinho.

Presente de aniversário como esses eu nunca tive. ^_^

Nos minutinhos restantes do meu dia, que começara bem, com passeio para catar amoras no vizinho e continuara com um almoço gostoso com minha mãe, em São Paulo, resolvo me preparar cupcakes de chocolate. Rapidíssimos e deliciosos. Preparei meia receita, pois seis cupcakes de chocolate com cobertura de chocolate para uma aniversariante, um marido que não come bolo e uma criança que ainda está proibida de comer doces que sejam apenas doces pelo doce, estão mais do que bons.

Caso você não tenha acesso a unsweetened chocolate (chocolate a 99 ou 100% de cacau - já comprei no Sta Luzia várias vezes) use sua cobertura favorita. Os bolinhos em si ainda valem a pena, deliciosos e macios. 

CUPCAKES DE CHOCOLATE
(do livro Sinfully Easy Delicious  Desserts, da Alice Medrich)
Rendimento: 12 cupcakes (mas pode ser feita meia receita, como eu fiz)

Ingredientes:
(bolinhos)
  • 1 xic. farinha de trigo orgânica
  • 1/3 xic. + 1colh (sopa) cacau em pó
  • 1 xic. + 2 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh. (chá) cheia de sal
  • 8 colh. (sopa) manteiga sem sal, derretida
  • 2 ovos grandes, orgânicos
  • 1/2 xic. água quente
  • 1/2 colh.(chá) extrato natural de baunilha
(cobertura)
  • 115g chocolate 99% ou 100% de cacau, picado grosseiramente
  • 5 1/2 colh. (sopa) manteiga sem sal, cortada em pedaços pequenos
  • 1 xic. creme de leite fresco
  • 1 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1/4 colh (chá) sal

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e posicione a grade no terço inferior do forno. Forre a forma de muffins com forminhas de papel. 
  2. Numa tigela, misture com o fouet a farinha, cacau, açúcar, bicarbonato e sal.
  3. Junte a manteiga derretida e os ovos e misture com cuidado até formar uma pasta espessa. Então bata com o fouet umas 30-40 vezes, vigorosamente.
  4. Usando uma espátula, misture a água quente e a baunilha, até que a massa esteja homogênea. Distribua nas forminhas e asse por 18-22 minutos, até que um palito saia limpo quando inserido no meio dos bolinhos. Deixe esfriar por 5 minutos ainda na forma, então desenforme e  deixe esfriar completamente numa grade antes de decorar. 
  5. Enquanto os bolinhos estão no forno, faça a cobertura. Coloque o chocolate picado e a manteiga numa tigela resistente a calor.
  6. Numa panela, leve à fervura branda o creme de leite, o açúcar e o sal e cozinhe em fogo baixo por 4 minutos, mexendo sempre.
  7. Derrame a mistura sobre o chocolate e misture com o um fouet até que o chocolate tenha derretido e a mistura esteja homogênea e brilhante. Leve à geladeira, descoberto, por uns 40 minutos, tempo em que os bolinhos também estarão esfriando. Quando a cobertura estiver fria, mas não dura demais, coloque num saco de confeitar e decore os bolinhos.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Frascatula di polenta e verdure e criança que não fala

"Frascatula" não é uma palavra linda? Esse prato de polenta e legumes da província siciliana de Enna me chamou a atenção pelo nome e pelo colorido. Mas enquanto eu repetia "Frascatula" e "Polenta" para Thomas, escandindo as sílabas, ele me devolvia meia dúzia de sons guturais, alguns "hmmmmm" enquanto devorava os quadradinhos amarelos de polenta (e ignorava o brócolis), e uns "ah!", "bu!", e "dá!" ocasionais.

Thomas andou cedo, é grande e forte, esperto e bem humorado, mas tem uma preguiça fenomenal de falar, não importa o quanto estimulemos. "Po-len-ta", eu digo. "Ah-uá!", ele responde. ¬_¬

Fazer o quê?

Cada criança tem seu ritmo, e se você já ficou aterrorizada por pediatras e amigos dizendo que seu filho tem problema porque ainda não anda, ainda não fala, ainda não dorme a noite inteira, ainda não tem todos os dentes, ainda não atingiu a desgraçada da média burra de peso e altura (Thomas esteve abaixo no seu primeiro ano inteiro, e hoje ultrapassou de longe ambas, então isso não quer dizer joça nenhuma) ou qualquer outra medida-padrão de criança que trata seres humanos como se fossem maquininhas todas iguais, mande lamber sabão, relaxe e curta seu filho do jeito que ele é.

Eventualmente ele vai andar, falar, ter dente, crescer, o que for. O pediatra fazia terrorismo por Thomas ser magro, sem levar em consideração que o menino estava sempre feliz e de bochechas rosadas, e que nunca havia pego uma gripe sequer (a única febre até hoje foi no nascimento dos dentes). Vou ficar encucada? Claro que não. Dava de ombros, e não dava vitaminas coisa nenhuma. Nem fórmula, essa coisa bizarra.

Hoje lá vai ele, maior que as crianças da idade dele que conhecemos (salvo os primos de segundo grau, que puxaram ainda mais a alemãozisse da família, e são imensos), mas magrelo como só ele, sorridente, saudável, voluntarioso e teimoso.

Teimoso com brocolis, que sempre gostou, e agora empurra para o lado. "Nein, nein", diz ele, balançando a cabeça, e não sei se é uma sílaba aleatória, ou se ele está me imitando quando digo "não" ao cachorro em alemão. Nada de brócolis, mãe, por mais gostoso que esteja. Mas a abóbora pequena, que entrou no lugar da abobrinha na receita, os tomates e, principalmente a polenta... ah, a polenta sim. Um pouco d'água para ajudar a descer... e mais polenta.

"Hmmmmm", diz ele, sorridente, espetando a polenta com o garfo e levando à boca, acertando uma das nove tentativas. Então faz cara de safado, ergue e balança o garfo, como quem diz "olha só o que eu estou fazendo agora..." E ri. E eu sei que ele está satisfeito quando começa a brincar de esmagar a polenta entre os dedos e reorganizar o brocolis no prato. Fora do prato. No prato. Fora do prato.

Esta "Frascatula", quase nada adaptada do lindo e enorme livro Culinaria Itália, é um prato perfeito para famílias como a minha, e algo que pretendo repetir quando a pequena futura guerreira de cabelos cacheados estiver na fase das papinhas. Porque os adultos comem como adultos, os pequenos escavadores de sementes recém-plantadas em vasos comem com as mãos e conseguem mastigar bem todos os elementos do prato, e os menorezinhos ainda comem a polenta molinha com os legumes transformados em purê. Se achar que falta uma proteína, pode-se fazer a polenta veneziana (com leite no lugar de parte da água) ou misturar queijo a ela (ou por cima do prato). Também acredito que vários outros legumes ficariam bem aqui, apesar de ter gostado da combinação como ela é. Substituí a abobrinha pela abóbora pequena, apenas descascada e ligeiramente aferventada junto com o brócolis para garantir que ficaria molinha o bastante para o Thomas, e omiti as batatas, que não tinha.

FRASCATULA DI POLENTA E VERDURE
(ligeiramente adaptada do lindo livro Culinaria Italia)
Rendimento: 3 pessoas

Ingredientes:
  • 300g sêmola de milho ou polenta bramata
  • 300g ramos de brócolis
  • azeite de oliva
  • 1 cebolas em rodelas
  • 400g de abobrinhas cortadas em pedaços pequenos (ou abóbora pequena, descascada)
  • 1 lata de tomate pelado
  • sal e pimenta do reino

Preparo:
  1. Leve à fervura água na proporção indicada na embalagem da sêmola ou polenta que você tem em casa. Salgue, junte a sêmola aos poucos, e cozinhe em fogo brando, mechendo com frequência, até que a polenta esteja cozida (de 30-40 minutos). Despeje numa assadeira média, alisando a superfície com uma colher, e deixe esfriar e firmar. Corte-a em pedaços pequenos, no formato que quiser.
  2. Cozinhe o brócolis em água fervente salgada por alguns minutos, apenas até que estejam al dente, e retire. Se estiver usando a abóbora, cozinhe-a na mesma água por um minuto, apenas para acelerar seu cozimento depois. 
  3. Aqueça o azeite numa frigideira grande e junte a cebola, a abóbora ou abobrinha e cozinhe em fogo médio até que estejam tenras e começando a dourar. Junte a lata de tomate, tempere com sal e pimenta e abaixe o fogo para que cozinhem mais devagar, mexendo de vez em quando.
  4. Quando a abóbrinha ou abóbora estiver macia, junte o brócolis. 
  5. Distribua a polenta (reaquecida ou em temperatura ambiente, para que se aqueça com o vapor dos legumes) nos pratos e cubra com os legumes. Sirva imediatamente. (A quantidade de polenta pode ser demais, mas as sobras são ótimas fritas em azeite quente no dia seguinte.)


sábado, 29 de setembro de 2012

Bolo de laranja e chocolate, para deixar as coisas mais leves (e nossas barrigas, mais pesadas)

Despois de desopilar o fígado no outro post, melhor um bolo para adoçar a vida, já que o leite não colabora para tanto.

Ando preparando muito menos doces desde que me mudei. Em parte porque meu apetite anda mais para frutas, em parte porque agora, sem ter para quem ficar distribuindo, é um perigo deixar um bolo inteiro desacompanhado na minha cozinha. Curtindo essa fase em que a futura pequena justiceira ítalo-germânica (falei que era menina?) anda me consumindo e me fazendo emagrecer, estou tentando não abusar daquilo de que minha cintura não precisa. E mais: o pequeno reorganizador de pedrinhas de vasos de jardim já sabe onde bolos, muffins e biscoitos jazem depois de prontos, e, uma vez encontrados, é tudo o que ele quer. Logo, menos bolos, muffins e biscoitos em casa é igual a um pimpolho de 1 ano e meio comendo fruta de lanche ao invés de brownie.

Mas fora um dia frustrante. O vento forte e gelado é constante desde que a chuva começou a ameaçar chegar. E por vento forte, refiro-me àqueles que derrubam regadores e samambaias, daqueles que esvoaçam o cabelo além de qualquer presilha, que zunem nos ouvidos e queimam a ponta do nariz. E, no meu caso específico ainda, transformam minha pele (particularmente minhas mãos) em couro curtido e rachado, seco e dolorido, não importa quanta água eu beba ou quanto creme ultra-forte gaste.

Já ouvi falar de ventos europeus que enlouquecem as pessoas numa estação. Este está me tirando do sério. Ele não pára. Nunca. Zunindo nas janelas, arrancando fora o capuz do Thomas, fazendo entrar poeira no olho, batendo portas violentamente e trazendo toda sorte de folhas e lixo para o quintal e através de qualquer porta que tenha ficado aberta.

Vento idiota.

E quando, junto dele, chove, o pequeno maratonista inquieto fica com formiga na cueca, e eventualmente começa a demonstrar com birra o tédio de estar trancado em casa olhando para a cara da mãe o dia todo. E o cão choraminga que quer sair. E eu, já um tanto barriguda, sentindo a futura pequena lançadora de olhares significativos me chutando loucamente, só queria sentar um pouco. Um pouquinho. Um minutinho. Mas Thomas não deixa. Gnocchi não deixa. E eu penso no trabalho atrasado a entregar, que terei de começar a fazer apenas às sete da noite, quando o pimpolho for dormir.

Cansaço. Frustração. Principalmente cansaço.

Bolo.

É interessante quando a gente percebe nosso padrão de funcionamento. Bolo é definitivamente minha cura número um para dias frustrantes. Bolo e goró, mas do segundo eu não posso. E ando com uma vontade louca de beber margaritas, o que só pode significar que minha filha terá tendências bagaceiras, uma vez que durante a gravidez do Thomas, minha vontade era de martinis, bem mais sofisticados.

Mas bolo. Bolo é o que interessa.

Queria um bolo de laranja. Bolinho simples. Queria que fosse fácil. Vontade nenhuma de amolecer manteiga ou usar a batedeira. Queria que usasse o iogurte viscoso da geladeira. Mas também queria algo mais. Que não fosse... simples demais. Algo que de fato aplacasse minha frustração do modo como apenas chocolate faz.

E, numa busca rápida pela internet, encontrei um bolo de limão e iogurte com mirtilos, no Smitten Kitchen, seguida de uma dezena de sugestões para variações. E dentre elas, lá estava: laranjas no lugar dos limões e gotas de chocolate no lugar dos mirtilos. Bingo!

O bolo foi facílimo de fazer. As laranjas, orgânicas, estavam perfumadas e suculentas, mesmo depois de semanas na geladeira. Usei meia xícara a menos de chocolate do que a medida de mirtilos, com medo de que afundassem na massa, e porque julguei que era já o bastante. O bolo já pronto e frio ficou com aroma e sabor tão intenso de laranja, que me lembrou algum bom licor. Macio e denso, com esse parco pontilhado de chocolate que foi mais do que o bastante para trazer algo de diferente ao bolo, um quê de bombom recheado de infância.

Delícia, delícia. Adoçando dias frustrantes. Devidamente escondido no fundo da bancada, para que Thomas coma seu mamão e deixe todo o bolo para as ancas da mamãe.

BOLO DE IOGURTE COM LARANJA E CHOCOLATE
(Receita original de Ina Garten, adaptada no Smitten Kitchen)
Tempo de preparo: 1h30
Rendimento: 1 bolo

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 1 xic. iogurte integral caseiro
  • 1 xic. açúcar cristal orgânico
  • 3 ovos grandes, orgânicos
  • casca ralada de 2 laranjas orgânicas
  • 1/2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 1/2 xic. óleo vegetal
  • 1 xic. gotas de chocolate amargo (usei 53%)
  • (calda)
  • 1 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 1/3 xic. suco das laranjas

Preparo:
  1. Unte uma forma de bolo inglês com manteiga. Forre o fundo com papel-manteiga, unte o papel e polvilhe farinha em toda a forma, batendo o excesso. Pré-aqueça o forno a 180ºC. A massa fica pronta muito rápido, então só comece a prepará-la quando o forno estiver na temperatura certa.
  2. Numa tigela, misture a farinha, o fermento e o sal.
  3. Em outra, misture bem o iogurte, o açúcar, os ovos, a casca de laranja, a baunilha e o óleo.
  4. Junte os ingredientes líquidos aos secos e misture com uma espátula até que fique homogêneo. Incorpore as gotas de chocolate.
  5. Espalhe a massa na forma e leve ao forno por 50 minutos, ou até que um palito inserido no centro saia limpo.
  6. Retire do forno e deixe esfriar sobre uma grade, dentro da forma, por 10 minutos. Enquanto isso, junte o suco de laranja reservado e o açúcar restante numa panela pequena e aqueça até que o açúcar dissolva.
  7. Solte as laterais com uma faca e desenforme. Retire o papel da base. Faça furos com um palito na parte de cima do bolo. Regue com a calda (ou pincele, que é mais fácil), deixando que o bolo absorva bem toda ela. Deixe esfriar completamente sobre a grade antes de servir.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A tristeza do cappuccino

Se existe uma coisa que me deixa profundamente frustrada com esse país (além da corrupção, do "jeitinho brasileiro", e da indiferença do povo) é o leite. Porque vamos e venhamos, esse é um blog de culinária, e se é para reclamar de alguma coisa, que reclamemos de leite.

A frustração se expande, na verdade, não apenas pelo leite puro, mas por toda a gama de laticínios produzida aqui. E não há nada que exponha de forma mais grandiosa a porcaria que aceitamos consumir todos os dias como viajar para um país que respeita seus laticínios (e seus consumidores). Um exemplo "high end" é a burrata, essa espécie de mozzarella cremosa por dentro que agora entrou na modinha em restaurantes e pizzarias brasileiras, e pela qual o povo paga o dobro do preço, sem saber que estão comprando gato por lebre. Ainda estou para provar aqui algo que sequer tenha condições de se comparar com a burrata pugliese que comemos em Roma. Aquele queijo com sabor de leite fresco, dissolvendo na língua, um dos alimentos mais gostosos que já comi na vida. Allex e eu não conseguíamos comer cada pedacinho sem suspirar de alegria. Comprei algumas marcas de mozzarella de búfala disponíveis por aqui, a preço de ouro, diga-se de passagem, e elas eram ácidas e sem gosto. Não vou nem arriscar experimentar o que vendem como burrata.

O mesmo com a ricotta. Segundo Allex, o que constituiu a melhor refeição de sua vida foi um mero ravioli de ricotta com espinafre. E estava, de fato, absolutamente fantástico. A ricotta não era um mero "preenchedor de espaço"; ela era extremamente fresca, cremosa e saborosa por si só, sem precisar de muitos temperos, e mesmo se sobressaindo ao espinafre. Nunca na vida provei ou preparei algo parecido. Porque não há ricotta aqui que se compare. Também sem ter disponível uma ou outra marca mais premium, mais fresquinha e cremosa, que eu costumava comprar a granel, experimentei já duas marcas disponíveis aqui (inclusive a Balkis, que se vende como coisa premium), ambas ressecadas e com gosto de soro azedo.

E o iogurte? Quão difícil é encontrar um iogurte industrial que tenha suficientes bactérias para transformar um litro de leite em iogurte? Desde que me mudei, experimentei três marcas diferentes, e as três falharam. O da Batavo foi o único que conseguiu transformar o leite em iogurte, mas ainda assim, as bactérias eram tão poucas, que o iogurte, apesar de firme, ficou viscoso, com textura de cola branca. E quando se consegue o iogurte, ele é ralo, porque o leite não se sustenta, tem pouca gordura, e é preciso reduzí-lo, acrescentar creme, e torcer para dar certo.

E o cappuccino, o delicioso e simplíssimo cappuccino, café espresso bem tirado e espuma cremosa de leite, até esse recentemente sumiu daqui de casa. Porque, como já havia sido discutido em post e comentários por aqui, a maior parte dos leites brasileiros têm uma porcentagem mínima de gordura, e apenas alguns se salvavam para o cappuccino. Dos frescos, pasteurizados (daquilo disponível em São Paulo e imediações), só o Xandô. Dos UHT que eu experimentei, só o Leitíssimo, que apesar de ser UHT se salva por não ser homogenizado (o leite é engarrafado com a mesma gordura que sai da vaca, como deveria ser).

Então noutro dia Allex veio me dizer, horrorizado como normalmente só eu fico com notícias sobre comida, que havia prestado atenção às embalagens dos leites na gôndola do supermercado e que agora todos estavam anunciando em letras grandes que o leite continha 3% de gordura. "Mas isso parece muito pouco", rebati. "Era light?" "Não", respondeu ele, "leite integral mesmo, falando de 3% de gordura como se fosse benefício." E fomos conferir. E de fato, leites que costumavam ter na tabela nutricional 6 ou 7% de gordura, tinham cortado a quantidade pela metade. (Lembrei-me depois de post publicado que era 6-7g de gordura saturada por porção, e não porcentagem.) Que tristeza.

Então chegou o dia em que ele abriu uma garrafa de leite pasteurizado para preparar seu cappuccino de manhã cedo. Estranhamente, o leite ferveu, mas não espumou. "Devo ter feito algo errado", balbuciou ele, guardando o leite fervido na geladeira para que Thomas bebesse depois e colocando mais uma porção na leiteirinha de inox. Lá foi ele no vapor da máquina de espresso de novo, com toda a atenção do mundo. De novo, ferveu, não espumou. Imprecações. Apanhei a garrafa e lá estava o selinho: 3%.

E eu fico pensando, quão difícil é vender para outro ser humano algo de qualidade e não apenas algo que encha seu bolso de dinheiro mais rápido. Pois estamos pagando cada vez mais caro por um litro de leite que é constituído, na verdade, de cada vez mais água, apesar de ser descrito como "integral". Desculpem-me o palavreado, mas integral o caralho. Até quando o governo vai continuar criando uma legislação que proteja as empresas de modo que elas possam nos enganar dessa forma e sairem impunes? Ah, desculpem-me, esqueci que a maioria dos deputados tem fazenda de gado. Erro meu.

Se não tenho uma mozzarella que preste ou uma ricotta que seja comestível, resta fazer meu próprio quejo, mas como isso é possível, se nossos leites mais premium não passam de mijo de vaca? Minhas tentativas de produzir mozzarella foram todas infrutíferas, pois o leite é ralo demais.

Leite orgânico não é opção para mim, infelizmente, porque ou é B (cadê o leite A???) ou o Santa Luzia cobra 7 reais o litro. Aparentemente, o único jeito de beber leite que seja de fato leite, e não "alimento similar a leite" é tendo minha própria vaca.

Enquanto isso a gente continua mosca-morta, sem ler rótulo do que compra como quem assina contrato sem ler, e pagando caro por uma pilha de merda, acreditando feito gente cor de rosa no reino do pirlimpimpim que as grandes empresas estão aqui para pensar na sua felicidade e no seu bem estar.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A melancia da mãe maluca, geleia, picles, suco, o que for

Minha mãe tem uma loucura bastante específica. No universo dela, não há comida na minha casa. Quando morávamos a 3 quarteirões de distância, ela não conseguia aparecer em casa de mãos vazias: trazia sempre alguma fruta, alguma torta, um sorvete favorito, um queijo que o Allex gosta. Mesmo estando cercados de padarias, quando me mudei para longínquos seis quarteirões de distância, ela era incapaz de vir tomar conta do Thomas sem trazer um saco de pão que poderia alimentar uma família de oito pessoas.

Imagine agora que estou em outra cidade.

Apesar de haver três supermercados ao lado do condomínio, uma padaria, e estarmos a dez minutos de carro de mais pelo menos três redes de hipermercados e atacados, ela acredita piamente que é difícil comprar comida aqui. De modo que, mesmo ela perguntando se eu queria algo, e eu atestando que não, que a geladeira estava abarrotada, a mulher trouxe comida.

Uma melancia inteira. Do tamanho da minha barriga quando estava de nove meses do Thomas.

E eu fiquei olhando para aquela mostruosidade, pensando no que fazer com aquilo, uma vez que não podia dividi-la com minha mãe, pois a metade não caberia na geladeira. Mas não podia deixá-la ali, também, fechada, perigando estragar.

Suco. Pronto. Vou fazer suco. Mas 1/4 da melancia encheu minhas duas jarras de suco fresquinho, e eu não sabia o que fazer com aqueles pedaços cortados, já sem casca, pois havia sequer tigelas o bastante para acomodá-las, quando mais espaço dentro da geladeira.

Fiquei olhando para as cascas e decidi que faria picles delas, senão de toda a casca, ao menos de uma parte. Para me redimir daqueles picles que eu havia feito e deixado estragar. Mas e a polpa? Havia tantas frutas já maduras na bancada, que eu não conseguia pensar em simplesmente comer toda aquela melancia.

Foi quando me lembrei de ter visto uma receita de geleia em algum lugar. E estava certa: no livro da Tessa Kiros, que eu adoro, Falling Cloudberries, havia uma receita de geleia de melancia com rosas que usava bem um quilo e pouco da fruta descascada, o que já me livraria de um bom bocado.

Mas não tinha pétalas de rosa. Bom, pensei, tudo bem, quando a geleia estiver pronta, acrescento umas gotinhas de água de rosas, e pronto. Confesso, no entanto, que me esqueci dela. A geleia estava pronta, gostosa, os vidros esterilizados, e foi só quando coloquei as tampas que me dei conta de que não havia colocado a tal da água. Bem, não fez falta.

A geleia é bem molinha, consistência e cor de geleias de pimenta, mas um sabor bastante peculiar. É doce, ligeiramente azedinha do limão, e vai bem no pãozinho com manteiga (e imagino que maravilhosamente com um queijinho de cabra ou um brie), apesar da sugestão do livro ser como molho de um pudim de buttermilk. O interessante é que se me dessem da geleia para provar, jamais diria que era de melancia. Por algum motivo há algo nela que me lembra tomates, e a textura dos pedaços me lembra ameixas firmes, mas é difícil identificar de bate-pronto de onde vem aquele sabor por trás do azedinho-doce. Recomendo, principalmente se você tiver uma melancia gigante ocupando espaço na sua cozinha. ;)

Quanto aos picles, me empolguei e fiz o dobro da receita. Da primeira vez que o fizera, tratava-se de uma conserva ao modo dos pepinos, como eu gosto, bem azedinhos e ácidos. Esta receita, no entanto, bem tradicional do sul dos Estados Unidos, produz picles bem adocicados, e vi americanos sugerindo mesmo comer com sorvete. Hmmm... não era bem o que eu esperava. Não se engane: ficaram ótimos. Mas realmente não era o que eu esperava. Agora tenho três vidros de picles de casca de melancia na geladeira e não sei muito bem o que fazer com eles.

O resto da melancia virou suco. Jarras e jarras e jarras. Quatro dias de suco de melancia. Delícia.

Mãe, tem comida em casa, viu? Relaxa a bisteca. Mas você vai ganhar um vidro de geleia e um de picles. Como "punição". ;)

GELEIA DE MELANCIA
(adaptado do lindo Falling Cloudberries, de Tessa Kiros)
Tempo de preparo: 1 hora mais 1 noite de geladeira
Rendimento: 2 1/2 xic.

Ingredientes:
  • 1,2kg de melancia, já sem a casca (cerca de 2kg dela com casca)
  • 1 3/4 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1 limão
  • 1/2 maçã

Preparo:
  1. Corte a polpa da melancia em pedaços pequenos. (Você pode já retirar as sementes, se quiser, mas elas se soltam sozinhas e sobem à superfície no cozimento, e achei mais fácil simplesmente pescá-las com uma colherinha.) Coloque em uma tigela grande e polvilhe com o açúcar. Corte o limão ao meio. Esprema uma metade, juntando o suco à melancia, e fatie fino a outra metade, cortando as fatias ao meio, também juntando à melancia. Misture, cubra com filme-plástico e leve à geladeira por uma noite. 
  2. Coloque a mistura numa panela grande não reativa (ou seja, que não seja de alumínio). Corte a metade da maçã em cubos pequenos, sem se importar em tirar a casca, e junte à panela. Leve ao fogo alto até que ferva, e então abaixe para o mínimo, cozinhando por cerca de 1 hora, mexendo de vez em quando.
  3. Quando a mistura estiver bem vermelha a melancia em pedaços menores, e você achar que faltam só uns 10 minutinhos para ficar no ponto, leve uns 3/4 da mistura ao liquidificador (tente pescar toda a maçã, mas deixar algumas fatias de limão na panela) e bata até que fique homogêneo.Volte para a panela e continue cozinhando, até que fique mais espesso. A geleia é mais líquida, pois melancia não tem pectina, mas, ao ser gotejada sobre um pires gelado, ela deve escorrer devegar, com certa resistência. 
  4. Distribua em potes esterilizados, preenchendo quase até a boca. Limpe as bordas, tampe e deixe que esfriem completamente. Se estiverem bem selados, guarde na despensa. Na dúvida, deixe na geladeira por tempo indefinido. Conserve em geladeira após aberto.

sábado, 22 de setembro de 2012

Pão de Como e de chuva


Chove. Finalmente. Não que eu reclame dos dias de céu azul de brigadeiro e sol no meu quintal. Mas minha pobre pele seca e branca feito lençol agradece alguns momentos frescos embaixo de um telhado, e uma desculpa para não deixar meu moleque branquelo-bicho-de-goiaba tostando lá fora enquanto corre atrás de formigas. (Ele ainda não foi picado por nenhuma, e fico só esperando o momento em que ele vai aprender que formigas não são assim tão divertidas.)

Acho difícil pensar num cheiro mais relaxante que o de terra molhada de chuva. Senti falta disso. Tantos anos acostumada ao cheiro do asfalto quente exalando vapores sob a chuva fria. Esse perfume fresco da grama molhada agora me é tão querido talvez por ser tão nostalgico. Por lembrar os fins de semana frustrados na chácara, com oito anos, quando tudo o que eu queria era sair para brincar, mas chovia. As árvores e verduras lá fora pareciam aliviadas, refrescadas, suspirando. Algumas gotas gordas produziam ruídos estalados ao se chocarem com folhas maiores e mais espessas. Do lado de dentro, protegidas pelas paredes de tijolos, duas crianças, dois pais e dois avós procuravam o que fazer para se entreter numa casinha bastante pequena. Se fosse domingo muito cedo, eu assistiria ao Globo Rural na nossa televisãozinha portátil de 13 polegadas. Se fosse mais tarde, sentaríamos à mesa de jantar e jogaríamos rouba-monte com meus avós. Ou poderia levar minhas revistinhas de colorir para o terraço e ficar ali mais perto do que estava lá fora, mas ainda sob a proteção do telhado, maldizendo a brisa fria e úmida que virava as páginas da revista.

Talvez por isso eu passe boa parte do meu dia com essa sensação de estar quase de férias. Mesmo não estando numa chácara. Mesmo sendo uma casa de condomínio, cercada imediatamente por outras casas, é frequente esse sentimento de isolamento silencioso, o perfume das plantas, o ar com cheiro de ar, o céu imenso e horizontal sobre a minha cabeça.

Aliás, retiro o que eu disse – principalmente num dia de chuva, é fácil pensar num perfume relaxante: pão quente recém-saído do forno. Este, do excelente livro The Italian Baker,  eu já havia feito outras vezes, mas como nunca me lembrava de começar o fermento na noite anterior, acabava optando pelo menor tempo de fermentação indicado na receita. Grande erro. Ele fica tão melhor fermentando durante a noite; sua massa fica mais leve, saborosa e com mais estrutura, crescendo mais, dourando melhor e criando uma casca mais quebradiça. Delicioso no café da manhã preguiçoso, com requeijão (ando com vontade do meu requeijão caseiro) ou numa bruschetta na hora do almoço. Excelente amanhecido numa pappa al pomodoro ou numa panzanella.

Mas então pára de chover de novo. O pequeno maratonista de corredores acorda e saio eu correndo também atrás dele, antes que ele escale a mesa de centro, dê uma vassourada no cachorro (ele oscila entre vassouradas e abraços no bicho, e o Gnocchi, coitado, não entende lhufas) ou arranque meu manjericão da terra, com raiz e tudo. E o cliente liga querendo fazer um conference call com mais meia dúzia, e lá estou eu discutindo briefing, arrancando a vassoura da mão do moleque e tentando fazer o cachorro parar de comer as folhas do meu pé de berinjela. E a sensação de férias desaparece. Ainda bem que tem pão quentinho. 

PANE DI COMO
(do ótimo e recomendado The Italian Baker, de Carol Field)
Tempo de preparo: 4-8 horas para a esponja, 2h30 fermentação, 1h de forno
Rendimento: 2 pães redondos, médios

Ingredientes:
(esponja)
  • 1 colh.(chá) fermento biológico seco
  • 1 colh. (chá) extrato de malte
  • 1/3 xic. água morna
  • 2/3 xic. leite, em temperatura ambiente
  • 1 xic. menos 1 colh. (sopa) (aprox. 135g) de farinha de trigo orgânica
(massa)
  • 2 xic. (480g) água, em temperatura ambiente
  • cerca de 6 1/4 xic. (860g) farinha de trigo orgânica
  • 1 colh. (sopa) sal

Preparo:
  1. Numa tigela média, misture o fermento, o malte e a água. Deixe descansar por uns 10 minutos, ou até que espume. Junte o leite e a farinha e mexa com uma espátula ou colher de pau, até que fique bem homogêneo. Cubra com filme plástico e deixe em temperatura ambiente por no mínimo 4 horas, mas preferencialmente durante a noite. (Se a noite estiver quente, acima de qualquer coisa entre 19 e 21ºC, use água fria e leite gelado, para retardar a fermentação.)
  2. Se estiver fazendo o pão à mão, junte a água à esponja e misture e aperte entre os dedos, para dissolver a massa. Misture o sal à farinha e vá acrescentando dessa mistura à esponja cerca de 2 xic. por vez, mexendo bem a cada adição. Quando a massa estiver muito difícil de mexer com uma colher, comece a sovar com as mãos, acrescentando o restante da farinha com sal aos poucos. Sove bem por 4-5 minutos, até que esteja elástica, mas ainda úmida e ligeiramente pegajosa. Bata a massa vigorosamente contra a bancada, para desenvolver o glúten. Forme uma bola.
  3. Se estiver fazendo o pão na batedeira planetária, junte a água à esponja e bata com a pá em velocidade baixa até dissolver a esponja. Junte a farinha e o sal e misture por 2-3 minutos, até formar uma massa. Troque para o gancho e bata em velocidade média por cerca de 3-4 minutos, até que a massa esteja elástica mas ainda úmida e ligeiramente pegajosa. Termine de sovar à mão, polvilhando com pouca farinha para formar uma bola. 
  4. Coloque a bola numa tigela grande, untada de azeite, e cubra com filme-plástico. Deixe fermentar por cerca de 1h30, até que dobre de tamanho.
  5. Corte a bola em duas partes e forme duas bolas iguais. Coloque as bolas de cabeça para baixo em 2 tigelas iguais (de uns 20-21cm de diâmetro), forradas com panos de linho muito bem enfarinhados. Cubra com outros panos e deixe que fermentem por mais 1 hora, ou até que dobrem de tamanho, preenchendo bem as tigelas. 
  6. Trinta minutos antes das massas terminarem de fermentar, ligue o forno a 205ºC, com a pedra dentro. Na hora de assar, polvilhe a pedra com farinha de trigo ou, preferencialmente, de milho. Com cuidado, inverta as tigelas sobre a pedra, retire os panos e feche o forno. Asse por 1 hora, ou até que estejam dourados e soem ocos ao bater-lhes os nós dos dedos na parte de baixo.
  7. Dica: não ligue muito para o tempo de fermentação, e fique mais de olho no tamanho das massas; os pães que fiz que fermentaram por mais tempo – esponja durante a noite, e às vezes meia hora a mais em cada fermentação – criaram mais estrutura e não espalharam tanto dentro do forno, ficando mais altos. Com fermentação muito curta, eles espalham um bocado, e já aconteceu de meio que quererem "escorrer" para fora da pedra.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Frenesi e conservinha de abobrinha


O quintal era feiosinho, até minha sogra aparecer com um lindo manacá que não pára de florir. Então, num frenesi de plantação, plantei gardênias. E romã, e meu pé de maracujá moribundo que me segue desde o primeiro apartamento. E um pessegueiro cujo galho solitário comprei por uma ninharia e achei que fosse morrer em uma semana, mas que está repleto de novos brotos. E como forração do vaso amplo, plantei alfaces e rúcula, para colher logo. E também num outro vaso grande, onde plantei duas batatas que estavam brotando na cozinha. E usei as jardineiras velhas e abandonadas que vieram com a casa para plantar minhas ervas: alecrim, cebolinha, sálvia, manjericão, tomilho, coentro, manjerona e duas mudinhas de espinafre, que a moça me garantiu que cresceriam a ponto de não precisar mais comprar espinafre na feira. As duas mudinhas de morango também me paqueraram direito, e ganharam uma jardineira com sol matutino e temperaturas amenas no terraço. E plantei berinjelas. E pitanga, que minha mãe plantou de uma sementinha que lhe dei, vinda de uma pitanga roubada de calçada de São Paulo. E uma enorme muda de limão siciliano, e uma pequenina de mirtilos. No fim do ano, o limão ganhará como forração em seu imenso vaso sementes de radicchio de Treviso, que minha cunhada me deu. As sementinhas de manjericão genovês já brotaram, e esperam o momento certo de serem transplantadas, para o mesmo vaso onde plantarei meus tomates (um repele a praga do outro). Ainda não sei onde colocarei os feijões rajados que germinaram num vidro na cozinha e as favas que estão chegando pelo correio, junto com os tais tomates (variedades selvagens, diferentes), os rabanetes-melancia, o tomatillo mexicano, o manjericão tailandês e as acelgas coloridas. Fiz um enorme vaso de melissas, confundindo com um de hortelã, e depois fiz um de hortelã, agora sim ele mesmo. Plantei begônias num canto sombreado. Há ainda uma bandejinha de pimentas sortidas que serão semeadas, pois eu quero mudas de jalapeño e habanero. E ainda quero plantar abobrinhas, muito mais pelas flores frescas que pelas ditas-cujas.



Frenesi de plantação.
E tem meu pinheiro, minha tuia-maçã, que está entrando no lugar de uma touceira que só servia para acumular aranhas e pernilongos.

Quem lê, pensa que moro num sítio. Quem me dera. Meu frenesi é em vasos, todos acumuladinhos contra as paredes ensolaradas. Vamos ver no que vai dar. Adoraria ter uma produção tão prodigiosa de frutos ou legumes a ponto de precisar produzir conservas para não colocar a perder os alimentos. No entanto, sei que se minhas duas mudinhas de berinjela produzirem cada uma um único fruto, ficarei um bocado contente.

Enquanto isso, minhas conservas vêm de geladeira cheia. É o que dá quando você diz aos amigos e família que podem "trazer o que quiserem para colocar na grelha", e, todos muito generosos trazem o bastante para cada um produzir seu próprio churrasco veggie. A geladeira lotou e quem me conhece sabe que geladeira cheia me dá siricutico. Daquelas que você abre a porta e não enxerga o que está no fundo. Você sabe que não vai dar tempo de consumir tudo, e se há algo que me enerva profundamente é jogar comida fora. Num ponto que já cheguei a usar a sardella que sobrou de um encontro com amigos como molho de macarrão. Só para não ir para o lixo. (Daí que pretendo me arranjar um minhocário, para unir o útil ao agradável, e o que não virar molho de macarrão ou caldo de legumes, pelo menos vira composto para adubar o jardim e, quem sabe, produzir mais de uma berinjela por muda.)

Nisso, me vi com uma braçada inteira de abobrinhas e lembrei imediatamente de uma conservinha rápida (rápida de fazer e de consumir) da Marcella Hazan, que sempre quisera preparar. Fiz o dobro da receita e ficou uma delícia (a transcrição abaixo é da quantidade original da receita), apesar de ter usado vinagre branco, pois não havia do tinto na despensa. A hortelã veio direto do quintal, essa sim, quentinha de sol e tinindo de fresca.

Retire as extremidades de meio quilo de abobrinhas, e corte-as em palitos finos, de de uns 6-7cm de comprimento. Coloque em uma frigideira grande com 1/3 xic. de azeite de oliva, 1/3 xic. de vinagre de vinho tinto (ou branco, como usei), 3 dentes de alho descascados e meio amassados e sal a gosto. Leve ao fogo baixo por cerca de 30 minutos, ou até que todo o vinagre tenha evaporado e as abobrinhas estejam macias, mas ainda um pouco firmes. Você vai saber que o vinagre evaporou porque o óleo que sobra começa a dourar os vegetais. Coloque numa tigela e misture a umas 10 folhas de hortelã fresca. Essa não é uma "conserva" propriamente dita, de meses ou de prateleira de armário: pode ser consumida na hora ou ficar até uma semana na geladeira, coberta.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Muttar Paneer e birra de criança


E quando você tem um blog de culinária há tantos anos que já não se lembra de ter ou não publicado uma receita? Isso acontece com frequência comigo quando se trata de pratos que já preparei várias vezes. Não consegui encontrar no blog nenhuma referência a mutaar paneer, mas se parecer familiar a alguém, considere isso um reforço na minha recomendação. ;)

Adorei o conceito desse prato desde a primeira vez que vi Nigella preparando-o em seu programa de TV, e adorei ainda mais quando o fiz em casa, a primeira, a segunda e a décima oitava vez. É rápido, prático, e costumo ser tendenciosa no meu julgamento de qualquer coisa que tenha sotaque indiano.

Thomas, que desde as papinhas come temperos fortes como curries e pimentas, não estranhou. Comeu metade do prato com gosto, mas depois fez birra e não quis sobremesa. Simplesmente tirei o prato dele, lavei suas mãozinhas e deixei que saísse para brincar. Sem estresse.

O que me fez lembrar de quando ele fez birra a primeira vez. E como fiquei maluca com isso. O choro histérico (de mãe e filho), a comida no chão, a colher voando longe, e eu sem entender por que diabos meu filho recusava algo que até o dia anterior ele comera com gosto.

Isso passou.

Não a birra. O drama.

Birras existem e sempre vão existir. Um dia, é sono. Esse é fácil de reconhecer: não quer comer (nem mesmo a favorita e irrecusável banana), não quer beber água, no colo está ruim, no chão está pior. Chupeta e berço. Resolvido. Come um lanche reforçado quando acordar.

Noutro dia, é o dente. Qualquer comida que ofereça a menor resistência machuca. Irrita. Não quer comer, não quer colo e colocar no berço achando que é sono piora as coisas. Choro incessante. Pura histeria. Sofá e desenho. Distrai da dor. Resolvido. Mamãe faz um arrozinho com tomate, bem molinho, gostoso e fácil de comer, de jantar.

Num terceiro dia, é simplesmente falta de apetite. Porque adulto às vezes está sem fome, e olha para a comida e não quer nada. Tem dia em que ele comeu meio pãozinho a mais no café da manhã e na hora do almoço não tem fome. Brinca com o garfo, tira a comida do prato e coloca na bandeja do cadeirão, aperta nos dedos, bota de volta no prato. Comer, nada. Dois bocadinhos, se tudo isso. Ele se diverte, mas não come nada. Sem drama. Tira o prato, deixa a criança sair pra brincar. Lanchinho reforçado depois. Resolvido.

Às vezes, pelo meio da refeição, a birra vem. Brincadeira com a comida, garfo jogado no chão, prato virado ao contrário. Não é sono, não é dente, não é falta de apetite. É frustração. Frustração porque quer comer sozinho mas a mãe não está deixando, ou frustração porque quer comer sozinho mas suas habilidades ainda são parcas e dá muito trabalho colocar o arroz na colher e a colher na boca sem derrubar tudo pelo caminho. Nessa hora, pergunto: "posso ajudar?", e tento pegar o garfo da mãozinha dele. Se ele deixar, ele come ainda boas garfadas com mamãe ajudando.

Ou, para distrair da brincadeira da comida, de fazer montanha com purê de batata, basta um copo d'água. E, saciada a sede, ele volta a comer.

Ninguém está morrendo de fome, ninguém está desnutrido, ninguém deixa de comer a coisa certa na hora certa. Mas, principalmente, ninguém está estressado: nem mãe nem criança.

Normalmente, a não ser que o atirador de garfos tenha feito muita porcaria com sua comida, simplesmente guardo o pratinho na geladeira e dou de novo no jantar. Quase sempre ele come aquilo que ele recusou no almoço. Principalmente se eu, espertalhona, jogar algumas uvas-passas no meio (que o bicho adora) para abrir-lhe o apetite.

Então deixo aqui essas duas dicas. Claro, nem toda criança é igual. Mas birra de criança na hora de comer irrita qualquer mãe. Se você começou a lidar com isso pela primeira vez, a primeira dica: não estresse. Quanto mais irritada você ficar, mais a criança vai captar essa irritação e responder a ela. Não quer comer, não come. Come depois. Come amanhã. De modo geral, criança com fome come. A não ser que ela esteja incomodada com outra coisa (sono, dente, fralda cheia, etc...) ou que a comida seja difícil de ela comer (alface para quem não tem molares, por exemplo). Thomas detestava feijão quando menor, porque não conseguia triturar a casca do feijão e se engasgava. Hoje come qualquer tipo. Ainda não é fã de grão-de-bico, que é mais firme. Num dia ficou irritado por não conseguir comer milho. Na semana seguinte, andava por aí com a espiga na mão, metendo-lhe os dentinhos.

E sim, no dia seguinte, Thomas comeu todo o seu mutaar paneer.

E a segunda dica é: faça muttar paneer. Já fiz duas versões: a de um livro indiano, com mais ingredientes e etapas, e a versão adaptada da Nigella, que eu, no meu direito, adapto também. Como nunca tenho extrato de tomate, uso um ou dois tomates de alguma lata que eu tenho aberto. Nunca uso caldo de legumes, não precisa, o prato já é saboroso só com água. E uso queijo-coalho no lugar do indiano paneer, sempre com sucesso. Aliás, ele é ótimo para substituir o grego haloumi também. Não é a mesma coisa, mas tenho um amigo que fazia o inverso: morando em Londres, desejando queijo-coalho, usava o haloumi no lugar.

MUTTAR PANEER
(Adaptado do livro Feast, de Nigella Lawson)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 250g queijo coalho (retire os palitos, se houver, e corte em cubos pequenos)
  • 1 cebola, picada
  • 2 dentes de alho, picados
  • Gengibre fresco (cerca de 2,5cm), descascado e picado
  • 1 colh. (chá) garam masala ou curry em pó
  • 1 colh. (chá) cúrcuma
  • 350g ervilha congelada
  • 1 tomate fresco bem maduro picado ou retirado de uma lata
  • 250ml água
  • óleo vegetal

Preparo:
  1. Aqueça um fio de óleo numa frigideira ou panela grande. Doure o queijo no óleo, tomando cuidado, pois pode espirrar um pouco na hora de virar os cubinhos. Retire os queijos dourados com uma escumadeira e reserve. 
  2. No mesmo óleo (acrescente mais um fio, se precisar), refogue a cebola, o alho e o gengibre até que fiquem macios. Tempere com um pouco de sal e junte o garam masala e a cúrcuma. Mexa bem, deixando os temperos tostarem um pouco no óleo, por 1-2 minutos.
  3. Junte as ervilhas, mexa, e junte o tomate e a água, amassando o tomate com a colher e mexendo bem. Abaixe o fogo e deixe apurar por uns cinco minutos, até que a água tenha reduzido bem e formado um molhinho grosso, uns cinco minutos. 
  4. Desligue o fogo e junte o queijo reservado. Sirva com arroz. Delicioso com arroz integral. (Transformado em purê, com o arroz, fica uma ótima papinha.)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Pão integral "multi-farinhas"

Há muito tempo eu queria preparar esse pão, mas parecia que nunca havia todas as farinhas na minha despensa ao mesmo tempo. Desta vez, milagre, há. Todas. Até a bendita de farro (spelt flour, farinha de espelta), comprada durante as férias na Itália. A espera valeu a pena, pois ele é uma delícia.

Este é o primeiro pãozinho que produzo nessa cozinha. Queria algo simples, que pudesse ser preparado nos mínimos intervalos enquanto corro atrás do pequeno chacoalhador de pessegueiros e revolvedor de terra em vasos, já que aquela única soneca sua de duas horas diárias é reservada para meu trabalho.

 Continuando um pouco com o assunto do post anterior, tem sido interessante o modo de pensar "é o que temos". Olhar a geladeira e descobrir o que é possível produzir de almoço e jantar sem precisar pegar o carro ou andar bons quarteirões empurrando carrinho de bebê até o mercado mais próximo. Quando a distância era de uns dois quarteirões sombreadas por prédios, um pulinho valia a pena. Agora sinto uma preguiça brutal de andar sob o sol forte até lá, empurrando ladeira acima 10kg de carrinho mais 12kg de criança, e não parece valer a pena um "pulo" para um ingrediente só. Bom para meu bolso, que evita as compras por impulso. Certeza de que conseguirei diminuir a conta do supermercado morando aqui.

Nos momentos do "é o que temos", o site Eat Your Books, que a Patrícia me recomendara há um tempo atrás, é uma mão na roda. Principalmente para quem tem muitos livros e revistas em inglês. É ótimo, na correria, digitar três ingredientes da sua despensa e ter toda uma lista de receitas possíveis com aquilo que você tem à disposição. Você acaba colocando em uso livros que estavam esquecidos e testando receitas que haviam passado desapercebidas.

E para quem não tem uma centena de livros de culinária, sentar no sofá com alguns volumes para folhear também é ótimo para montar o cardápio da semana. E procurando o que fazer com o que tinha em casa, sem ter de sair para completar o quadro de ingredientes, justamente acabei produzindo essa semana uma série de pratos que, talvez, não tivessem me apetecido tanto ao ponto de sair especificamente para comprar seus elementos, mas que resultaram excelentes ainda assim.

Restrição criando novos horizontes. Isso é bom. Como quando comecei a comprar da cesta orgânica, e me vi usando verduras e legumes que não teria comprado antes, tivesse a escolha de levar para casa as mesmas abobrinhas de sempre.

Por isso digo: não saia correndo procurando todas essas farinhas para produzir esse pão. Você vai entulhar sua despensa de farinhas integrais que vencem rápido e vão enlouquecer você por isso. Guarde a receita para aquele dia em que, surpresa!, elas coincidentemente estão todas lá. E se nenhum amigo viajante puder trazer de presente a farinha de farro, acho que funciona bem sem ela, simplesmente acrescentando mais meia xícara de farinha branca e meia xícara de farinha integral fina.

PÃO INTEGRAL MISTO
(do sempre excelente Apples for Jam, de Tessa Kiros)
Tempo de preparo: 10 minutos + 2h15 fermentação + 25min. forno
Rendimento: 2 pães

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. água morna
  • 2 1/4 colh. (chá) fermento biológico seco
  • 2 colh. (chá) mel
  • 1 1/2 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 3/4 xic. farinha de trigo sarraceno
  • 3/4 xic. farinha de centeio
  • 3/4 xic. farinha de trigo branca
  • 2/3 xic. farinha de trigo integral
  • 1 xic. farinha de espelta (farro, spelt) ou mais 1/2 xic. farinha branca e 1/2 xic. farinha integral
  • 1 colh. sopa sementes de linhaça
  • 1/4 xic. sementes de gergelim
  • 1/2 xic. sementes de girassol
  • 1 colh. (sopa) sal

Preparo:
  1. Coloque a água morna numa tigela menor e misture o fermento, o mel e o azeite. Deixe descansar por uns cinco minutos enquanto você apanha as farinhas.
  2. Numa tigela grande, misture todas as farinhas e o sal. Toste as sementes numa frigideira seca e junte às farinhas. 
  3. Misture o fermento às farinhas, com os dedos, e sove na tigela por pelo menos cinco minutos, até que a massa fique elástica. Só acrescente mais farinha branca se a massa estiver grudando tanto que você não consiga sovar. Mas prefira manter a massa ligeiramente grudenta, para que o pão não resulte pesado.
  4. Forme uma bola, cubra a tigela com panos de prato e deixe em local morno e sem vento por 1h30, ou até que a massa tenha dobrado de volume. 
  5. Sove por alguns segundos, divida a massa em duas e molde dois pães ovais e razoavelmente compridos (uns 20cm).
  6. Coloque numa assadeira enfarinhada, faça cortes diagonais na superfície dos pães e cubra com os panos. Deixe fermentar novamente por 45 minutos, ou até que cresçam bem.
  7. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 205ºC. Retire os panos e leve os pães ao forno aquecido por 25 minutos, ou até que estejam dourados, suas crostas estejam duras e produzam um som oco ao bater os nós dos dedos na parte debaixo deles. 
  8. Deixe esfriar sobre uma grade.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Adaptação e molho Blue Cheese para batatas

Minha cozinha está em fase de adaptação.

Adaptação ao fogão, pois o gás de butijão é mais forte e acabei de descobrir que o rapaz que fez a conversão do meu fogão instalou o botão do forno torto, de modo que as temperaturas marcadas ali não são mais confiáveis; além disso, não sei se meu termômetro quebrou, ou se de fato, mesmo na temperatura mínima, meu forno está chegando a 200ºC depois de pré-aquecer por meia hora. Há um bolo no forno nesse momento que deveria estar pronto, mas fez um movimento de gelatina quando abri a porta e movimentei a grade. Not good.

Adaptação também aos ingredientes. Já que perguntaram, aqui vai: não estou num fim de mundo, em que o que considero mais básico é difícil de achar. Há um supermercado de uma rede pseudo-chique perto de casa onde consigo encontrar alguns queijos especiais (maioria versão nacional) e coisas como mirtilos secos e groselhas frescas. Mas não minha farinha orgânica favorita. Aquela que virou item essencial na minha despensa, principalmente para fazer pães. Porque, sim, depois de alguns testes com pães de fermentação natural, concluí que farinhas orgânicas produzem pães melhores, principalmente os de fermentação longa. Algo a ver com o fato de a farinha não ter sido quimicamente branqueada e ter mais "comida" para o fermento do que a farinha comum. Também meu café em grão favorito não se acha por aqui. Ou pasta de curry tailandês. A seleção asiática é bem diminuta e inconsistente. Não consigo comprar manteiga por quilo nem cream cheese sem gomas. Qualquer chocolate que não tenha gordura hidrogenada é do tipo para comer, e não para cozinhar, e custa um bocado. Meu creme de leite favorito, que era espesso e durava uma eternidade pelo teor de gordura, também deixa saudades. Pior, produtos que eram considerados "meio-termo" no meu antigo supermercado, são considerados "premium" aqui, e têm os preços do que era o "premium" em São Paulo. O que quer dizer pagar mais do que eu pagava por um pedaço de parmesão e um litro de azeite inferior ao que eu usava antes.

Confesso que tive uma pequena crise de pânico culinário.

Mas nem tudo está perdido. A banca de orgânicos da feira de quinta é boa e os produtos são frescos e em conta. Meu marido trabalha ao lado de um desses atacados e que têm num bom preço muitos dos produtos estocáveis que eu uso, como massas secas italianas, tomate em lata e açúcar orgânico. Há lojas especializadas online que entregam em casa meu chocolate belga, e alguns dias depois de pedir, recebi 2,5kg de chocolate 70% e 2,5kg de 53%, os que mais uso, e que devem durar um belo tempinho. Quando minha mãe vem visitar, traz farinha e café e alguma especiaria que não se encontra aqui. O supermercado tem o tofu orgânico de que gosto, o que já me deixa mais tranquila. E quando for à Liberdade almoçar com os amigos, passo nos mercadinhos e me estoco de delícias chinesas, japonesas e tailandesas.

O prognóstico é simplificação e adaptação. Não tem o queijo especial? Escolha outra receita. No dia em que o tal queijo cair em suas mãos, você pode testar a bendita. No restante do tempo, não adianta se martirizar porque na sua cidade não tem farinha de castanha portuguesa. Vou voltar a usar o cream cheese com goma, fazer o quê? Nunca mais vou fazer cheesecake? Dificilmente.

A comida tem sido simples e fresca. Mas sinto que ainda não entrei completamente nos eixos. A movimentação na cozinha ainda não é natural. Ainda não sei de cor o que há na minha despensa. Ter abdicado do hábito de "dar um pulo" no mercado para um ingrediente faltante ainda me deixa perdida na hora de preparar o jantar na última hora."É o que temos" é uma frase que vem muito em mente, quando abro a geladeira para tentar descobrir o que cozinhar.

A churrasqueira, no entanto, tem sido um item bem-vindo. Ela é rasa e não exatamente bem construída, e por isso ainda estamos nos adaptando. Mas quem a comanda é o Allex, o que acaba me dando uma merecida folga. Nosso "churrasco vegetariano" na verdade é uma mera desculpa para comer do lado de fora em dias bonitos. A espiga de milho feita rapidamente no fogo alto, apenas para chamuscar de preto as pontinhas dos grãos, virou favorita do Thomas, que sai andando por aí carregando a espiga do tamanho de seu braço e a devora inteira, às dentadas, sem sal nem nada.

Ando paquerando a ideia de fazer pizza na grelha.

Mas a grande "descoberta" foram as batatas. Havíamos preparado batatas assadas no alumínio, como eu vira no livro da Heloísa Bacellar, quando minha sogra veio nos visitar. Mas elas queimaram em baixo, e achei incrivelmente difícil acertar o ponto de algo que não estou vendo, ou mesmo remexer as batatas num papel-alumínio sobre uma grelha sem rasgar tudo e fazer uma lambança. E elas ficam com gosto de batatas assadas no forno, o que não era o que queríamos. Quando meu pai veio, então, sequer pensamos em repetir as batatinhas.

Foi ele quem, no entanto, perguntou se havia batatas em casa. Respondi que sim, e apanhei as batatas orgânicas cheias de terra e lavei-as para ele, que prontamente apanhou um espeto e atravessou as batatas inteiras, colocando-as nuas sobre o fogo. As batatas ficaram ali por um bom tempo, e suas cascas foram enrugando e escurecendo, até ficarem quase quebradiças, cor da terra de onde saíram.

Quando meu pai tirou-as do espeto, amassou-as com um garfo, mostrando-me que haviam virado praticamente um purê por dentro. Um pouco de sal e manteiga e lá estavam as batatas que eu comera na chácara por toda a minha infância, e cujo preparo ou existência minha memória apagara.

Aquilo foi uma revelação, e repetimos as batatas no espeto já uma três vezes desde então. Das últimas vezes, com o molhinho Blue Cheese da Heloísa Bacellar. A combinação fez sucesso absoluto, e virou um clássico instantâneo. Tão bom, não deu tempo de fotografar nenhuma batatinha com molho, rapidamente devoradas.

MOLHO BLUE CHEESE PARA BATATAS ASSADAS (no forno ou no espeto)
(Ligeiramente adaptado do livro Cozinhando Para Amigos, de Heloísa Bacellar)

Ingredientes:
  • 150g queijo Gorgonzola ou Roquefort
  • 1 cebola pequena, picadinha
  • 1 1/2 colh. (sopa) mostarda de Dijon
  • 1 1/2 xic. creme de leite fresco
  • 1 punhado de salsinha picada
  • 1/4 xic. azeite de oliva extravirgem
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

Preparo:
  • Numa tigela, amasse o queijo com um garfo. Junte os outros ingredientes, misture bem e tempere com sal e pimenta a gosto. Guarde na geladeira até a hora de servir. Pode ser feito um dia antes. 


Cozinhe isso também!

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