segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Calda de damascos

Não ando preparando muitos doces, por todos os motivos abaixo:

1. Tive uma overdose de cozinha (e doces) no fim do ano e ando com mais vontade de comer frutas in natura.
2. Ganhamos muitos chocolatinhos, biscoitos e coisinhas natalinas comestíveis, e não gosto de fazer doce novo enquanto não acabar com o que há em casa.

No entanto eu comprara damascos frescos ainda antes do ano novo com uma intenção específica: purê (ou calda) de damasco. Preparara isso no ano passado com uma bandejinha de frutas que estavam muito sem gosto, e o resultado fora sensacional. Esperei, então, o ano inteiro pelo surgimento dos damascos frescos no supermercado, salivando de antecipação.

O preparo não poderia ser mais simples: coloque numa panela média 1/2 xic. de açúcar, 1 1/2 xic. de água e algumas gotas de extrato de baunilha e leve à fervura, até que o açúcar tenha dissolvido. Ferva por um minutinho ou dois e junte cerca de 15 damascos cortados ao meio e sem caroço. Espere levantar fervura, abaixe o fogo, tampe e deixe cozinhar até que os damascos comecem a se desmanchar. Desligue o fogo e passe tudo por um liquidificador, processador ou um passa-verdura. Guarde em potes na geladeira e use em sorvetes, iogurte, bolos, pãezinhos... A receita é da Tessa Kiros, do livro Apples for Jam, que eu adoro.

Hoje de manhã já misturei fartas colheradas ao iogurte caseiro, até que todo o iogurte ficasse cor-de-laranja e perfumado. Poderia comer isso pelo resto da vida. Tão bom...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Um almoço colaborativo: pizzoccheri com folhas de rabanete

Espero que todos tenham tido um ótimo Natal e um excelente Reveillon. Eu tinha sim planos de escrever durante o fim do ano a respeito de todas as minhas desventuras culinárias, mas confesso que depois de passar tantos dias preparando comida, a única coisa que queria era sentar e comer, e não ficar fotografando ou falando a respeito. Passadas as festas, passei dois merecidos dias assistindo a uma temporada inteira de Mad Men, com meus delicados pés tamanho 40 para cima.

[Apenas para matar a curiosidade de qualquer transeunte, o almoço do dia 25 foi quase um repeteco de dois anos atrás: pasta de figo seco e avelã com pecorino, arroz selvagem com cramberries secas e castanhas, couve de bruxelas com parmesão, uma salada de aspargos, batatas e avelãs e uma torta de abóbora, tudo para acompanhar o peru, o tender e a farofa de minha mãe. De sobremesa, o velho e bom panettone, sorvete de nozes, sorvete de baunilha e calda quente de chocolate. Como alternativa, torta de limão com coco. No Reveillon, Saint Peter marinado em charmoula, com berinjelas e pimentões agridoces, rúcula e batatas assadas.]

De qualquer forma, confesso que ainda estou esperando a correria passar. No fim do ano, a correria do trabalho virou correria de compromissos familiares e com amigos que não via havia muito tempo e depois correria de cozinha. Quando essa maratona passou, me vi defronte a uma nova: a maratona do "faltam três meses para o bebê chegar e eu ainda não tenho nem onde colocar o moleque".

Vê-se logo que as experimentações culinárias andam em segundo plano.

Hoje, com pouco tempo e muita fome, resolvi colocar em uso dois deliciosos presentes: um maço de folhas de rabanete fresquinhas, colhidas da horta de meu primo, e um pacote de pizzoccheri que minha cunhada nos trouxe da Itália.

Enquanto os pizzoccheri cozinhavam, piquei grosseiramente as folhas de rabanete e fatiei um grande dente de alho. Refoguei o alho numa frigideira com um fio de azeite e um naco de manteiga. Quando começou a dourar, juntei as folhas, com uma generosa pitada de sal e pimenta-do-reino, e mexi com um garfo grande de bambu [acho os garfos mais práticos que as colheres para mover folhas numa frigideira sem jogá-las para fora da panela] até que estivessem murchas mas ainda de um verde bem vivo. Juntei um punhado de passas, mais um naco generoso de manteiga e acertei o tempero. Então bastou escorrer os pizzoccheri e juntá-los às folhas refogadas, servindo com um punhado de parmesão ralado grosso.

De barriga cheia e gordice satisfeita, posso voltar para minha correria.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Aventuras de Natal Parte 2: Torrone

Um dos meus doces favoritos de infância é o torrone. Minha mãe costumava me comprar um torrone comprido, que parecia, na época, do tamanho do meu braço, e eu o devorava em dois tempos. Adorava sua textura macia, puxa-puxa, pontuada pela crocância das amêndoas e pistaches. Ao longo dos anos, no entanto, aquele torrone da minha infância, que em minha memória era saboreado no pátio do colégio, mãos melecadas sendo limpas inocentemente na calça de elanca azul-marinho, desapareceu. Ele deu lugar a um torrone esponjoso, com jeito de marshmallow industrializado e repleto de aromas artificiais desinteressantes. Durante bons vinte anos busquei em vão, nas gôndolas dos mercados, aquele doce comprido em plástico transparente e dourado, sem me dar conta de que ele provavelmente ainda existe, mas sua receita fora – como tudo o que era bom há 20 anos atrás – modificada exaustivamente para torná-la mais barata e menos saborosa.

O torrone deixou saudades. E mal sabia eu que minha mãe sofria do mesmo mal. Há anos ela vinha buscando nos empórios uma versão razoavelmente semelhante ao torrone da sua infância. Imaginei que se o meu torrone industrializado sofrera alterações inimagináveis na fórmula, o que poderia ter acontecido ao torrone artesanal de quarenta ou cinquenta anos atrás? Pensamentos tristonhos. Ela tentara os nougats franceses, os turrones espanhóis, os ditos italianos, e nada. Nenhum a satisfazia.

Quando lhe contei que a Pat me arranjara papel-arroz e que eu tinha planos, portanto, de tentar produzir torrone, vi uma fagulha de contida esperança se ascender em seu rosto. E fui, feliz e contente, à busca de receitas razovelmente confiáveis para minhas primeiras experiências.

Todas as receitas escolhidas eram semelhantes em quantidades e praticamente idênticas em método. A não ser pelo fato de que as receitas italianas eram integralmente feitas à mão e um pouco imprecisas, com instruções como "mexer no fogo até que uma gota num prato se solidifique". Olhei bem para minha xícara cheia de pistache cru, dei uma espiada na minha conta bancária e no recibo da banca do Mercado Municipal onde comprara minhas castanhas, e decidi que era melhor, numa primeira vez, não arriscar perder tanto dinheiro em ingredientes. E, contra todos os meus tradicionalismos, escolhi uma receita de Martha Stewart, que usava a batedeira planetária e um termômetro para doces.

O processo, para quem já fez marshmallows na vida, é muito fácil. Há apenas de se evitar o desespero ao adicionar o mel cozido às claras, quando você acreditará piamente que seu torrone sairá castanho-escuro, feio e com gosto de açúcar queimado. Calma. Conforme a batedeira se esforça em continuar batendo a mistura, ela clareia um bocado, até um um tom de creme muito suave, que pode até mesmo ser evitado caso você, ao contrário de moi, use um mel bastante claro. Eu acabei usando um mel de flor de limão, que era o que eu tinha na despensa. Evite a todo custo qualquer mel forte como de eucalipto, no entanto. O de acácia é o mais indicado, mas nunca o vi por essas bandas.

O segundo momento "salve-se-quem-puder-senta-no-chão-e-chora" é o momento de raspar a tigela da batedeira e despejar o conteúdo na bancada. Use uma espátula de madeira ou metal, pois as de silicone não farão nem cócegas no reboco com o qual você estará lidando. A massa é espessa, grudenta e parece que a qualquer momento vai se solidificar num bloco eterno de pedra. Calma. Ignore a camada indelével grudada na tigela e foque em misturar a massa com o amido UNIFORMEMENTE polvilhado na bancada. "Uniformemente", porque onde não houver amido, a massa VAI grudar. Tão logo você dobre ao meio a massa duas ou três vezes, incorporando o amido, verá aquele desespero em forma de doce se tornando uma das massas mais agradáveis de se manipular, como argila leve e quente, e será uma delícia abri-la ligeiramente com o rolo, aplainar sua superfície e dispô-la na assadeira, entre as folhas de papel-arroz. E quanto à sujeira na tigela, na pá da batedeira e nas espátulas, meia hora de molho n'água é o bastante para dissolver tudo, magicamente, e você não terá sequer de esfregá-las com a esponja.

Cortar o torrone em pedaços foi um pouco chatinho, pois o recheio macio se espremia para fora dos limites do papel. Mas basta uma espátula de metal, a palma de sua mão e algum jeitinho para voltá-los a retângulos perfeitos antes de embalá-los em celofane colorido ou guardá-los num pote fechado.

Quando terminei os torroni, não me continha de felicidade. Levei um pote grande com eles para a casa dos meus pais. Enquanto ouvíamos um LP antigo e montávamos o carrinho de bebê que minha tia nos dera de presente, minha mãe cortou alguns dos retângulos em pedaços menores para que todos experimentassem. Aguardei ansiosamente o veredito.

Então, extasiada, ouvi de minha mãe que a textura era exatamente aquela que ela vinha buscando. Com algumas diferenças no sabor, pois ela não se lembrava de quais nozes e aromas eram usados, o resultado era o que ela buscara em todas as versões industrializadas, sem sucesso. O sucesso desta versão caseira, no entanto, foi unânime. A textura macia, puxa-puxa, o aroma da baunilha natural, do mel e da casca de laranja, a crocância das amêndoas e dos pistaches... tudo perfeito. Eu mal podia acreditar que acertara em cheio, na primeira tentativa.

E prometi que essa será minha receita tradicional de Natal, e que eu a farei todos os anos a partir de agora.

A receita parece longa e complicada, mas apenas quis deixá-la mais dummy proof com instruções mais precisas. Se estiver inseguro, aconselho fazer marshmallow uma vez na vida antes, apenas para se familiarizar com o processo e experimentar com ingredientes mais baratos. Você pode substituir a casca de laranja e a baunilha por qualquer outro aroma de sua preferência, assim como as castanhas. Se for usar avelãs, nozes, pecãs, etc... sempre toste-as no forno antes. O único que vai cru é o pistache.

TORRONE
(ligeiramente adaptado do site de Martha Stewart)
Tempo de preparo: cerca de 1h + tempo para esfriar e cortar
Rendimento: cerca de 24 pedaços

Ingredientes:
  • 1/3 xic. amido de milho
  • 3 claras de ovos orgânicos, em temperatura ambiente
  • 1 xic. mel (use um mel de sabor suave e, se possível, cor clara)
  • 3 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1/2 xic, açúcar de confeiteiro
  • 1 xic. pistache cru, sem sal
  • 1 xic. amêndoas inteiras, com o sem pele
  • 1/2 colh. (chá) extrato de baunilha
  • casca ralada de 1 laranja orgânica

Preparo:
  1. Pr´é-aqueça o forno a 180ºC. Espalhe as amêndoas numa assadeira e leve ao forno por cerca de 15 minutos, misturando-as de 5 em 5 minutos, até que estejam perfumadas, ligeiramente douradas, mas não queimadas. Pique grosseiramente e reserve junto com os pistaches crus e a casca de laranja ralada. 
  2. Polvilhe uma bancada limpa com o amido. Forre uma assadeira de 23x33cm (usei uma de 21x30cm, sem problemas, o torrone só ficou mais espesso) com o papel-arroz, sem sobrepor os papéis, guardando a mesma quantidade de papel para cobrir o torrone depois. Coloque as claras de ovo na tigela de uma batedeira planetária, com a pá*.
  3. Numa panela média, misture o mel e o açúcar cristal. Lembre-se de que a mistura vai borbulhar e subir, então não seja mesquinho na escolha da panela. Melhor que seja um pouco maior do que menor. Leve ao fogo médio e deixe que o açúcar dissolva. Quando a mistura começar a ferver, coloque o termômetro para doces (digital ou analógico), e continue cozinhando, mexendo com uma colher de vez em quando. Se o caramelo borbulhar demais e começar a subir perigosamente, abaixe o fogo, misturando com a colher até "acalmá-lo".
  4. Enquanto isso, ligue a batedeira e bata as claras até obter picos firmes. Junte a baunilha e o açúcar de confeiteiro e continue batendo até que esteja uniforme e brilhante. Continue de olho no caramelo durante todo o tempo. 
  5. Quando o termômetro marcar 157ºC (315ºF, pra quem tiver um digital), retire do fogo. A temperatura vai ainda aumentar sozinha até os 160ºC (320ºF). Misture com uma colher de pau, fora do fogo, até que a temperatura abaixe para os 149ºC (300ºC).
  6. Com a batedeira ligada em velocidade média e com MUITO CUIDADO, despeje num fio constante o caramelo quente sobre as claras, tentando não atingir a pá. Não encoste na tigela da batedeira, pois ela ficará tão quente quanto a panela. A mistura vai ficar castanha e vai aumentar bastante de volume. Continue batendo em velocidade média até que todo o mel tenha sido incorporado e a mistura comece a desinflar.
  7. A massa ficará cada vez mais espessa e grudenta e começará a clarear. Vá diminuindo a velocidade da batedeira conforme julgar necessário, pois a massa vai ficar bem pesada. Alguns minutos depois, você verá que ela está começando a se concentrar em torno da pá, desgrudando das laterais da tigela, como massa de pão. Na velocidade mais baixa, junte as castanhas e casca de laranja e bata um pouco. 
  8. Desligue e, com a ajuda de uma espátula firme, transfira a massa para a bancada. A massa em si não estará tão quente quanto a tigela. Sove ligeiramente, dobrando a massa ao meio e amassando, incorporando todo o amido. O torrone não terá gosto de amido de milho, não se preocupe.
  9. Com a ajuda de um rolo, abra a massa até que fique no tamanho da forma, e transfira-a para cima do papel-arroz. Aperte com as mãos, alisando a superfície. Cubra com o restante do papel-arroz e deixe a assadeira sobre uma grade para esfriar.
  10. Quando estiver quase frio, desenforme com cuidado e, usando uma faca muito afiada polvilhada com amido, corte o torrone nas porções desejadas. Deixe os torroni terminarem de esfriar sobre uma grade antes de embalá-los individualmente ou guardá-los em um pote fechado, em camadas separadas de papel-manteiga. Cuidado para não apertá-los, ou eles grudarão uns nos outros. Guarde-os em um pote fechado, em temperatura ambiente, por até 2 semanas. 
*Caso não tenha uma batedeira planetária com pá e tigela de metal, imagino que você possa bater as claras com uma batedeira portátil, numa tigela de metal, e, na hora de incorporar o mel, pedir ajuda a alguém para derramar num fio constante o mel quente enquanto você bate as claras com uma colher de pau, tomando MUITO cuidado para que o mel não respingue em você. Não sei se as tigelas de plástico foram feitas para suportar essas temperaturas altas, e sugiro que não seja usada o batedor de arame para bater o torrone, pois a massa eventualmente fica pesada, e você pode quebrar ou entortar o batedor da sua batedeira.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma salada Ceaser para um dia apressado

Minha lista de coisinhas gostosas que quero cozinhar é quase tão extensa quando a lista de trabalhos e afazeres a serem entregues até minhas tão sonhadas férias. Por isso, resolvi deixar todos os meus projetos de Natal temporariamente engavetados até poder de fato passar a tarde fazendo torrone, sem pensar que eu deveria estar no computador finalizando algum trabalho ou respondendo email para cliente.

Por isso, o almoço hoje foi muito rapidinho, como tem sido nas últimas semanas. Eu andava fantasiando com uma salada Ceasar, então voltei – apressada – da feira com tantos pés de alface romana quantos couberam na minha sacolona. E dois deles (pequenos, ok) foram parar no meu prato. Não seja mesquinho ao rasgar sua alface para essa salada, pois as folhas murcham sob o peso do molho e o prato diminui consideravelmente de tamanho. E, afinal, é só alface. Go nuts.

Lembre-se: ovos crus, orgânicos, sempre. Aliás, ovos deveriam ser SEMPRE orgânicos, crus ou cozidos. Eu não quero nos meus ombros o peso do sofrimento das pobres galinhas confinadas e mal tratadas. Se você só puder comprar um item orgânico da sua lista de supermercado, que sejam ovos. Prioridade número 1. Assim você não pensa nem em salmonela, nem nos hormônios de crescimento e antibióticos e nem no sofrimento das galinhas. Aproveita o seus lindos ovos de gema cor-de-laranja e fica feliz com sua mousse, seu bolo, sua salada Ceaser. Tá combinado, então? [A saber, gosto muito dos ovos Yamaguishi, granja sobre a qual a Fer já falou aqui.]

A receita da salada é um repeteco. Então fica o link para o post original. Posso dizer que rachei o bico ao me ler falando em calorias? Ah, a vida dá voltas...

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Kouglof ou Kugelhopf, ou brioche com passas, ou primeira aventura de Natal do ano

 E começa a brincadeira de Natal. Todos os anos coloco na minha cabeça que vou fazer uma dezenas de receitas tradicionais, mas a verdade é que nunca passo do panettone. Porque não há bocas o bastante para comer tudo o que quero fazer, porque o calor acaba com a vontade de comer doces pesados, falta tempo hábil para de fato cozinhar... enfim. Escolha seu motivo. Desta vez, no entanto, os malabarismos de tempo andam funcionando, o calor não tem abalado meu apetite e eu ando sim com uma vontade louca de panettone, torrone, panforte, biscoitos e afins, disposta a comer tudo sozinha se for necessário. ;)

Resolvi começar a temporada unindo o útil ao agradável: aproveitei que não tinha pão em casa e escolhi um Kouglof, ou Kugelhopf, ou a forma de escrita mais esdrúxula que você encontrar por aí. Basicamente o mesmo brioche primo do panettone, com nomes diferentes em cada região onde é feito. Qualquer coisa descrita como um "brioche com frutas secas" merece minha atenção. A receita original pedia ainda por amêndoas inteiras sem pele, que eu JURAVA que tinha em casa, mas dei com os burros n'água na hora de incorporá-las à massa, e por um xarope de amêndoas muito específico, que não me apeteceu comprar apenas com esse intuito. De modo que adaptei para o que tinha em casa, omitindo as amêndoas e substituindo o xarope por uma quantidade menor de essência de amêndoas amargas. Se houver amêndoas inteiras sem pele na sua casa, posicione-as nos sulcos da forma untada antes de colocar a massa, de forma que, ao desenformar o Kouglof, as amêndoas estejam incrustadas nas laterais do brioche.

A receita, no entanto, não aconteceu sem alguns percalços. Normalmente compro ovos extra-grandes, e, quando os misturei à massa, ficou muito claro que os ovos franceses usados na receita eram menores. A massa, que deveria ser linda e grudenta como todo brioche, virou um mingau. Se despejasse na bancada para tentar sovar, ela escorreria bancada abaixo em direção ao chão. Então tive de acrescentar mais um tantinho de farinha, pouco a pouco, polvilhando e misturando com os dedos, até obter aquela meleca pegajosa mas manipulável, à la Bertinet.

Se seus ovos forem pequenos ou médios [mais uma vez, tamanho de ovo não é questão de julgamento pessoal, mas um padrão comercial que vem escrito na embalagem] vá em frente, e duvido que seja necessário mais do que os 300g iniciais de farinha. Se forem grandes ou extra-grandes como os meus, a escolha é sua: pare de acrescentar os ovos quando a massa estiver suficientemente grudenta mas não líquida, ou use todos e acrescente mais um tanto de farinha, como eu fiz. De qualquer forma, essa receita é para quem já perdeu o medo da grudentice. Se você nunca mexeu com uma massa desesperadoramente pegajosa, no entanto, fuja para as montanhas.

O Kouglof assou lindamente, e mesmo o acréscimo da farinha não o impediu de ficar muito fofo e macio, como todo brioche deve ser. Sua massa é amanteigada e mais salgada do que doce, diferente do panettone, e fatias suas ficaram uma delícia ligeiramente aquecidas na torradeira de manhã cedo e recobertas de fartas passadelas de manteiga e geleia.


 KOUGLOF
(Adaptado da receita de Gérard Mulot, publicada na revista Saveurs)
Tempo de preparo: 30 min. + 4 horas de fermentação + 40 min.
Rendimento: 6-8 generosas porções

Ingredientes:
(massa)
  • 100ml leite integral
  • 3g fermento ativo seco (ou 10g fermento fresco)
  • 300-400g farinha de trigo
  • 1 colh. (chá) sal
  • 30g açúcar
  • 4 ovos
  • 150g manteiga em temperatura ambiente + para untar a forma
  • 90g uvas passas douradas
(finalização)
  • 3 colh. (sopa) água
  • 1 colh. (chá) água de flor de laranjeira
  • 1/2 colh. (chá) essência de amêndoas
  • 10g manteiga derretida
  • açúcar cristal ou de confeiteiro para polvilhar.

Preparo:
  1. Lave as uvas passas e escorra-as. Reserve.
  2. Aqueça ligeiramente o leite e misture ao fermento, dissolvendo-o. 
  3. Numa tigela grande, misture a farinha, o sal e o açúcar. Abra um buraco no meio e derrame o leite com fermento, misturando aos poucos com a ponta dos dedos. 
  4. Junte os ovos, um a um, misturando bem. A massa deve ficar incrivelmente grudenta e pegajosa, mas você deve ser capaz de juntá-la num montinho. Caso ela esteja muito líquida, vá acrescentando farinha pouco a pouco, até que esteja na consistência correta.
  5. Despeje numa bancada limpa e sove, levantando a massa com os dedos e jogando-a de volta na bancada, até que sua textura fique mais uniforme e comece a grudar menos (mas ainda esteja úmida). 
  6. Junte a manteiga amolecida e sove a massa novamente. Recolha a manteiga que escapar, amassando-a e incorporando-a, pacientemente. Eventualmente a massa ficará uniforme de novo e muito lisa e macia, mas ainda ligeiramente grudenta. Incorpore as passas.
  7. Com a ajuda de uma espátula ou um raspador de massa, transfira a massa molenga para uma tigela. Cubra com um pano e deixe fermentar por cerca de 1 hora.
  8. Com o punho, afunde a massa (se ela não tiver crescido muito ainda, não tem problema), voltando-a ao tamanho original, cubra novamente e leve à geladeira por 2 horas. 
  9. Transfira a massa para uma bancada enfarinhada. Você verá que ela ficou bem mais firme e fácil de manipular depois do tempo da geladeira. Forme uma bola. Afunde um dedo enfarinhado no centro da bola e, com a ajuda dos outros dedos, abra o buraco, até que a bola se transforme numa rosca que caiba em sua forma.
  10. Unte com manteiga uma forma de Kugelhopf, uma Bundt Pan ou uma forma comum de furo no meio com cerca de 23cm de diâmetro e 10cm de altura e transfira a rosca para ela. Cubra com um pano e deixe fermentar por mais pelo menos 1 hora, até que dobre de tamanho.
  11. Pr´é-aqueça o forno a 200ºC. Asse o brioche por 40 minutos ou até que esteja dourado e um palito inserido no meio saia limpo. Desenforme imediatamente e deixe esfriar sobre uma grade.
  12. Misture a água, a essência de amêndoas e a água de flor de laranjeira e pincele generosamente sobre o brioche. Então pincele com a manteiga derretida, polvilhe com o açúcar e sirva.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mousse de chocolate branco dos apressadinhos (mas não dos pouco exigentes)

Fiquei matutando onde começar (ou voltar) a comprar comida a granel ou em grandes quantidades para diminuir o número de embalagens trazidas para casa, mas confesso que me dava uma preguiça monstruosa toda vez que pensava a respeito. Foi preciso que meu parmesão e meu cacau acabassem para que movesse minha pequena busanfa. A notícia de que o Santa Luzia não venderia mais cacau da Callebaut me tirou do eixo. E AGORA???

Agora, bora pro centro.

E já que vou no centro comprar chocolate, por que não aproveitar e passar no mercadão para queijos e outros essenciais? Lá fui eu colocando meus potes e minha sacola dobradinha dentro da mochila, ao que vejo o marido bufar pra fora do sofá, anunciando que não me deixaria ir sozinha e grávida numa manhã de 30 graus no centro da cidade em época de compras de Natal pra voltar carregando quilos de comida no braço. Bom pra mim, tive companhia para um pastel de bacalhau e as compras viraram passeio. :)

Voltei para casa com meus queijos, azeitonas pretas e verdes (trazidas em potes de vidro levados de casa e preenchidos com o líquido da salmoura), 2,5kg de chocolate branco, 2,5kg de chocolate 53% (o que mais uso) e 1kg de cacau em pó. Só não trouxe mais nozes e amêndoas porque não queria estourar (mais) meu orçamento. Fica pra dezembro, pensei.

Arranjei potes grandes de vidro para acomodar meus lindos callets marrons e brancos e prossegui com a minha vida, estranhamente apaziguada pela consciência da fartura de chocolate na despensa. Bom saber que por muito tempo não terei a surpresa de encontrar uma barra de 200g pela metade, quando precisava dela inteira para uma receita.

Mais tarde, Allex não se conformava com a quantidade abissal de chocolate na nossa minúscula cozinha, e tentei, em vão, explicar a ele que o consumo daquilo não seria imediato, mas diluído em muitos e muitos meses, uma vez que costumo comprar/usar de 200 a 300g de chocolate por mês (pouco até, considerando a quantidade de doces que produzo). Ele entendeu apenas quando lhe contei a diferença do preço, mas mesmo assim lançou-me olhares desconfiados de que o chocolate não fosse durar tanto assim.

"Bom, tudo bem, vai... Mas você vai fazer uma mousse de chocolate branco, não vai?", fez manha. Fiquei sem reação por um momento.
"Hoje?"
Já eram oito da noite. Para falar a verdade, eu também queria um docinho.

Apanhei minha bíblia do chocolate, Bittersweet. Deveria haver lá algum mousse ou pudim rápido de chocolate branco. E havia. Muito simples e muito rápido, que firmou em pouco mais de meia hora. Coloquei dois dedos de água numa frigideira e levei quase à fervura, desligando o fogo em seguida. Numa tigela, coloquei 255g de chocolate branco, 4 1/2 colh. (sopa) de água fria e 1 1/2 colh. (sopa) de conhaque. Acomodei a tigela na água quente da frigideira (30 segundos depois de desligar o fogo) e mexi com uma espátula, até derreter o chocolate. Segundo Alice Medrich, esse método de banho-maria desligado e água misturada ao chocolate evita que o chocolate branco queime. Retirei a tigela e deixei amornando enquanto batia 1 1/2 xic. de creme de leite fresco quase em ponto de chantilly, apenas para que começasse a formar picos, mas ainda mole o bastante para escorrer da tigela da batedeira. Juntei o creme ao chocolate ainda morno (se estiver frio, a mousse fica granulosa) e misturei com uma espátula, rápida mas gentilmente, até ficar uniforme. Despejei em 8 potinhos de 90ml e levei à geladeira até firmar um pouco. Ficaram suficientemente firmes em pouco mais de meia hora, mas Alice recomenda no mínimo 1 hora inteira.

A perspectiva de mais mousses e pudins de chocolate pelo próximo ano e meio acalmou qualquer dúvida e desconfiança. A mousse ficou leve e doce na medida. Fiquei feliz por ter seguido a sugestão da autora e não ter usado apenas 6 colh. (sopa) de água, mas ter substituido uma parte pelo conhaque. Seu sabor ficou sutil mas presente o bastante para cortar o doce insistente do chocolate branco. Recomendo porções pequenas, no entanto.

"Pense bem", disse eu ao marido, satisfeito com sua mousse. "Eu fui, na verdade, muito comedida."
"Comedida??? 5kg de chocolate, mulher!"
"Pois é, mas eu não trouxe nenhum saco do 70%. Poderiam ser 7,5kg."

;)

P.S.: você pode substituir o chocolate branco por BOM chocolate ao leite, se quiser. Lembrando: bons chocolates não têm gordura hidrogenada. 

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pão preto ou falso Pumpernickel


Assim que a fase do sono passou, percebi que ando excessivamente acelerada. Ao ponto que tive de tomar bronca de marido e de mãe nesse fim de semana, para que eu simplesmente sentasse e ficasse quieta. Entre todos os afazeres que já tenho e aqueles que ando inventando, termino o dia exausta e com a sensação de que ainda não fiz metade do que queria/devia.

Ainda bem que pelo menos uma atividade me relaxa, apesar de, aos olhos dos outros, parecer mais trabalho: cozinhar. Fazer pão, então, nem se fala. No meio da minha loucura, percebo que minha respiração desacelera enquanto separo os ingredientes, e que enquanto sovo à mão ou supervisiono o trabalho da batedeira, não tenho nada em mente a não ser o resultado daquela ação, o vislumbre do pão quente saindo do forno, a imagem da faca espalhando a manteiga e a geleia de ruibarbo por cima. 

Pumpernickel é um dos favoritos do marido, que, por acaso, foi quem me apresentou a esse estranho pão de centeio alemão. O original é denso e pesado como um tijolo, e uma refeição em si. É tão nutritivo que é difícil comer várias fatias dele de uma vez, o que explica seu tamanhinho diminuto, um tijolinho marrom não maior que um pão francês. Além disso, me divirto com o nome, que há uns anos atrás, costumava confundir com Rumpelstiltskin... ;)

Esse é um "falso" Pumpernickel, pois não é preparado como o original e, apesar de denso e bastante forte, ainda não é TÃO denso e forte como o verdadeiro, sua fermentação não é tão longa, e são usados ingredientes como café, cacau e melado para torná-lo assim escuro. Ele é, na verdade, a versão americana, modificada. Pumpernickel americano ou falso alemão, eu o chamaria simplesmente de "pão preto". Seu sabor é bastante forte, e fica ótimo com queijos igualmente potentes, ou apenas com manteiga e geleia, como o tenho comido, no café-da-manhã. Imaginei uma fatia dele, uma passadela de Roquefort e uma fatia fina de maçã Golden. Nham... No próximo inverno, com certeza...

PÃO PRETO ou FALSO PUMPERNICKEL
(do livro Kitchen Aid Best Loved Recipes)
Tempo de preparo: 20min + 2h fermentação + 35min forno
Rendimento: 2 pães pequenos

Ingredientes:
  • 1 xic. café forte (Café feito, não o pó. Pode ser espresso, de coador ou instantâneo.)
  • 1/2 xic. cebola picada fina
  • 1/2 xic. melado
  • 2 colh. (sopa) manteiga
  • 1 colh. (sopa) sal
  • 4 1/2 colh. (chá) fermento ativo seco
  • 1/2 xic. água morna
  • 2 1/2 xic. farinha de trigo para pães (ou orgânica)
  • 1 xic. farinha de trigo integral
  • 1/4 xic. cacau em pó
  • 1 colh. (sopa) sementes de alcaravia
  • 2 xic. farinha de centeio

Preparo:
  1. Aqueça o café, cebola picada, melado, manteiga e sal em uma panela pequena, apenas até amornar um pouco.
  2. Enquanto isso, dissolva o fermento na água morna na tigela da batedeira planetária, com gancho. Deixe descansar por 5 minutos.
  3. Junte a mistura de café e adicione 2 xic. da farinha de trigo, toda a farinha integral, o cacau e a alcaravia. Bata em velocidade baixa por cerca de 2 minutos. (Alternativamente, misture e sove à mão). 
  4. Gradualmente misture a farinha de centeio, 1/2 xic. por vez, e apenas o bastante da farinha de trigo restante para que a massa comece a tomar corpo. Talvez essa 1/2 xic. extra de farinha de trigo nem seja necessária. Sove na batedeira (ou à mão) por 7-10 minutos, até que a massa esteja lisa e elástica. 
  5. Unte uma tigela grande com óleo, forme uma bola com a massa e role-a no interior da tigela. Cubra com um pano e deixe fermentar por cerca de 2 horas, ou até que dobre de tamanho.
  6. Unte uma assadeira grande e polvilhe com polenta ou farinha. Alternativamente, se for assar numa pedra, apenas polvilhe generosamente a pá ou assadeira invertida com farinha ou polenta.
  7. Retire o ar da massa, divida-a em 2 partes iguais e forme 2 bolas ligeiramente achatadas. Coloque-as na assadeira ou na pá, cubra com um pano e deixe fermentar por mais 1 hora ou até quase dobrar de tamanho. 
  8. Enquanto isso, pré-aqueça o forno (com a pedra, se for usar) a 190ºC. Quando os pães estiverem fermentados, asse-os (na assadeira ou direto na pedra) por 30-35 minutos, até que soem ocos quando bater-lhes na parte de baixo com os nós dos dedos. Remova e deixe esfriar sobre uma grade. Para que a casca fique brilhante e não opaca, pincele com manteiga derretida, se quiser.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Salada picadinha de desentralhamento

Ok, talvez eu tenha ficado um pouco... alarmada (alucinada? aterrorizada?) com a quantidade de tralha que os lojistas e os médicos sem noção (além de algumas mães malucas) dizem que um bebê precisa. Na minha inocente concepção, acreditava que, contanto que eu mantivesse meu filho quentinho, alimentado e limpo, tudo estaria bem. Mas ai de mim se não tiver as tralhas máximas da modinha que o último psicopedagogo disse que são primordiais para o desenvolvimento "correto" do meu pequeno. Bastou uma visita a uma grande loja de tralhas de bebê para sair de lá com alergia de tanto plástico rosa e azul claro.

Em tempo: não é falta de amor, e não é uma crítica a quem montou o enxoval todo no primeiro mês de gravidez. Cada um na sua. Tem gente que compra roupinha porque gosta de roupinha. Eu, que poderia vestir um saco de batatas, ando colecionando receitas de papinha e juntando meus brinquedos antigos [aleluia! eu guardei minha coleção do He-Man e todo o meu Lego] e todos os meus livros de infância, louca para lê-los para o pequeno. O caso é que sou uma pessoa essencialmente prática. E não vi muita (ou qualquer) utilidade na maioria dos objetos vendidos na loja. O que vai tornar a lista do chá de bebê pequena e estranha.

Desde a fatídica visita à loja, tenho olhado em torno e, pensando já numa mudança de casa e na vinda das inevitáveis tralhas infantis, tenho sentido necessidade de "desentralhar" meu lar. Ou, como diria a Oprah, "unclutter". Vira e mexe me dá um siricotico de arrumação e, quando não posso resolver algum problema maior imediatamente, saio organizando aquilo que está ao meu alcance. É um processo catártico, no mínimo.

Semana passada foi meu armário: eu, que não sou lá muito ligada em moda, fiquei surpresa de ver quanta roupa havia no meu armário que não usava há mais de um ano. Encontrei um casaco que estava no cabide há mais de 6 anos. Foi tudo passado para frente, para quem puder aproveitar melhor as peças. Sem dó. Desapego total.

Depois, veio o banheiro. Mesmo não tomando mais do que um Tylenol a cada morte de papa, fiquei besta com a quantidade de remédios vencidos embaixo da pia. E creminhos que nunca usei nem nunca vou usar. E amostras grátis de perfume que já perderam o cheiro. Consegui até abrir espaço para minha caixinha de laços e papéis de presente. [A exemplo da minha cunhada, eu tento reaproveitar os papéis de presente, quando não embrulho presentes em páginas coloridas das revistas que não quero mais. Uma vez dei a um amigo um livro embrulhado em uma entrevista da Fergie, com uma foto sua de lingerie. Ele guardou o embrulho.]

Depois, os livros. Apesar de ter feito uma rapa há uns 6 meses, ainda consegui encontrar livros que nunca mais vou ler de novo ou mesmo alguns de culinária que simplesmente não uso e SEI que não vou usar.

E a cozinha. Surpreendentemente, uso toda a louça que tenho. A falta de espaço não me permite ficar colecionando muitos pratos e potes diferentes. As coisas já estão perigosamente empilhadas do jeito que estão. O que vai embora é o miniprocessador, que nunca mais usei depois de ganhar o grande no último Natal, dois potes de plástico impossíveis de desengordurar e que já estavam me enervando, e a cafeteira Bialetti, inutilizada depois do advento da máquina de espresso. O que me surpreendeu sim foram os ingredientes vencidos (REALMENTE vencidos, e não o velho "ainda dá pra comer") e aqueles escondidos no fundo da geladeira, sem uso nenhum por falta de conhecimento de sua existência.

Isso trouxe à luz um péssimo hábito meu, e grande responsável por, vira e mexe, eu estourar o orçamento do supermercado: comprar ingredientes específicos para uma receita só. Aquilo de ter um pé de alface e sair para comprar o queijo, o pão, o ovo e a anchova para fazer salada Ceaser, ao invés de combinar o alface com o que tem na despensa. Quando me dei conta, além de gastar mais dinheiro, estava com uma despensa abarrotada de itens que uso a cada morte de papa e que ocupam precioso espaço na minha geladeira pequena e em minhas diminutas prateleiras. Tenho certeza de que não sou a única a levar um pacote de sagu pra casa para "o dia em que quiser fazer tapioca pudding". Preciso dizer que o sagu estragou e eu nunca fiz tapioca pudding na vida? Bom...

Basta.

Trouxe à frente todos os "itens especiais" dentro das datas de validade, e estabeleci a meta de usá-los todos em detrimento de qualquer novo item. E se acabou o leite, voltar do mercado apenas com leite. E se não tem queijo para o soufflé, fazer uma omelete. Parece muito, muito óbvio, mas eu NUNCA havia me dado conta do meu erro, tão absorta no prazer de cozinhar e de testar novas receitas.  

O almoço de hoje foi nesse espírito. Numa revista do Jamie Oliver, havia uma reportagem sobre "Chopped Salads", e vi uma que levava quatro coisinhas viventes em minha geladeira: alface romana, erva-doce, cenouras e rabanetes. Meu primeiro impulso foi sair para comprar o salmão defumado e as endívias que faltavam, mas me estapeei mentalmente. Nein, nein. Bad Ana.

Piquei a cenoura, alguns rabanetes e um pouco de erva-doce, em pedacinhos pequenos. Então apanhei uma mistura de alfaces romana, roxa e frisée e piquei com um pouco de rúcula. Misturei tudo a cubos de um queijo Feta que precisava ser terminado, e temperei com uma espremida de limão siciliano, sal, pimenta-do-reino e uma bela quantidade de azeite. Ficou ótimo e leve, com diferentes texturas, e me esqueci completamente do salmão e das endívias.

Estrelinha dourada na testa.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Pão de cerveja que ninguém bebeu e mudanças de hábitos


Não sei se foi saudável a leitura dinâmica que fiz no blog Zero Waste Home. Por um lado, fez com que me sentisse menos alien. Porque você há de convir... aqui em São Paulo, parece que ainda não "pegou" isso de voltar ao esquema antigo de se fazer as coisas. Aliás, parece que não pegou nem o esquema "ecológico" de se fazer as coisas. Fala-se muito, vendem-se muitas "eco-bags", mas no fim das contas, eu nunca vi mais ninguém a não ser minha mãe e eu levando nossas próprias sacolas ao Santa Luzia. Muita gente ainda me olha torto quando digo o que como e o que não como, o que faço ou deixo de fazer em termos de ter a qualidade de vida que nossos avós tiveram, e eu tenho certeza absoluta de que essa sensação de solidão alienígena num mundo de ações automáticas não pensadas não acontece só comigo. E qualquer esforço em direção a mais mudanças de hábitos não condizentes com a conveniência moderna corre o risco de aumentar ainda mais essa sensação de ostracismo. Porque quem tenta uma vida mais natural é "ecochato", é "extremista", é "do-contra". 

Ler o blog me fez ver o quanto ainda me falta fazer. Senti-me muito idiota em alguns aspectos, e percebi quão mal-informados podemos ser. Sempre achei que reciclando aquela embalagem plástica onde colocam meu queijo, tudo estaria bem. Até descobrir que a maior parte dos plásticos só pode ser reciclada uma ou duas vezes, e então vai para o lixo com todas as outras porcarias não biodegradáveis. Fiquei em choque, confesso.

Pensei no quanto ainda trago embalagens para casa. Apesar de prestar muita atenção a isso, ainda coloco na reciclagem um saco grande de embalagens toda semana. De lixo orgânico, são um ou dois saquinhos pequenos por semana, do tamanho de lixinhos de banheiro, mas bem que eu gostaria de ter uma lata de compostagem para dar cabo disso. Um dia, quando tiver mais espaço.

O hábito da mocinha do blog de comprar coisas a granel e levar seus próprios potes me pareceu, em princípio, difícil de executar aqui. Mas eu já vinha há algum tempo levando de volta os saquinhos das frutas (as que não são vendidas em bandejas de isopor) para reutilizá-los, ou pedindo para o rapaz que as pesa colar a etiqueta de preço diretamente nas bananas ou no abacaxi. Na feira, há já muitos meses o pessoal sabe: direto na sacola, nada de saquinhos (mas eles ainda riem de mim e da minha "mania"). Meus chás já são todos soltos, sem saquinhos individuais, e o café, agora que pretendo começar a comprá-lo recém-moído, num café aqui perto, será posto direto no meu potinho. Então me pus a pensar... Poderia voltar a comprar minhas nozes e queijos no Mercadão, e alguns ingredientes de confeitaria em lojas do centro. Mas e os grãos? Prefiro meus feijões orgânicos sempre que possível, e não imagino que a zona cerealista os tenha. Tenho de escolher entre orgânico com embalagem ou não-orgânico sem embalagem. O que me pareceu bizarro e contraditório.

Então, hoje, no supermercado, lembrei-me de que eles vendem manteiga por quilo. Poderia bem economizar naquele montaréu de papéis metalizados que vão para o lixo com frequência aqui em casa. Enquanto o rapaz pesava 600g de manteiga sem sal para mim (que ainda saiu mais barata do que comprada em porções de 200g com embalagem), perguntei-lhe, meio sem graça, meio envergonhada, se seria possível que eu trouxesse meu próprio pote da próxima vez que eu quisesse comprar, por exemplo, ricotta ou cream cheese ou qualquer outro queijo, mesmo os fatiados. "Claro que não tem problema!", ele respondeu. "Jura?" Fiquei em êxtase. "Pode trazer!", confirmou ele.

Confesso que ainda não sei bem como operacionalizar isso. Qual pote eu vou levar, e se vou manter algum sempre dentro da minha sacola. Se vai ser de vidro ou de inox. Sei que vou fazer a mesma pergunta prá mocinha das frutas secas da próxima vez. E já sei que esse novo hábito eliminará muitas das compras por impulso, uma vez que precisarei planejar e levar o pote de acordo. Ótimo, vai ser bom para economizar uns trocados além de tudo.

Nesse espírito, quando fui comprar mais fermento ativo seco, deparei-me com um pacote de 500g. O preço era ótimo em relação aos envelopinhos de 10g, e, claro, era muito menos matéria-prima de embalagem do que para 50 envelopinhos individuais. Mas fiquei pensando se ele duraria tempo o bastante para usá-lo todo. Costumo abrir os envelopinhos, usar uma parte e fechá-los bem com pregadores de roupa, e eles duram muitos meses. Nunca nenhum deles estragou. Como o pacote expirava no fim de 2012, resolvi arriscar. Levei o pacotão comigo, abri-o e já despejei-o em um pote muito bem fechado, guardando-o no escuro, para que não estrague. Esse meio quilo de fermento é minha promessa de não comprar pão nem em emergências, para não deixar o fermento estragar, e economizando em embalagens de papel ou celofane. ;)

O fermento novo foi estreado justamente num dia de reaproveitamento. O marido abrira uma garrafa de cerveja grande, mas desistira dela na metade. Sem minha companhia para beber (cerveja, pra mim, só sem álcool por enquanto), ele ficou sem saber o que fazer com o que sobrara da cerveja, com dó de jogá-la fora. Tranquilizei-o, então, dizendo que transformaria aquela cerveja em pão.

Dito e feito.

Procurei por alguma receita que usasse cerveja e encontrei várias, mas todas usando cerveja escura, que não era o caso da pobre Original abandonada na porta da geladeira. Então me lembrei de uma de Jamie Oliver, de um de seus primeiros livros, que simplesmente trocava a água de sua "massa básica" por cerveja. O pão da foto era muito bonito, bolinhas de pão dourado em círculo dentro de uma forma de metal. No entanto, eu me lembrava bem do gosto dos pães de Jamie. Por mais que o adore e adore suas receitas, as de pão deixam um pouco a desejar em termos de sabor e textura em relação a outros pães que já fiz de outros livros.

Apanhei então uma receita que já preparara algumas vezes, com base em uma proporção básica do Professional Chef, e inventei em cima. O pão ficou muito saboroso e macio, com a casca fina e levemente crocante. O sabor da cerveja não é perceptível, mas conferiu algo de ligeiramente caramelizado ao gosto do pão que ficou muito bom.


PÃO DE CERVEJA CLARA
Tempo de preparo: 3 horas
Rendimento: 1 pão de cerca de 22cm

Ingredientes:
  • 275g cerveja pilsen
  • 1g fermento ativo seco instantâneo (ou 3g de fermento fresco)
  • 360g farinha de trigo orgânica
  • 65g farinha de trigo orgânica integral
  • 1g sal

Preparo:
  1. Se tiver uma batedeira planetária com gancho, coloque todos os ingredientes na tigela e ligue em velocidade baixa por 1 minuto, até que a massa esteja razoavelmente misturada. Aumente a velocidade um pouco e sove por 10 minutos, até que a massa esteja elástica, a tigela esteja limpa, mas a massa esteja ainda ligeiramente pegajosa ao toque. Se estiver muito seca, acrescente mais uma colher de cerveja. 
  2. Se não tiver a batedeira, dissolva o fermento na cerveja, misture ao restante dos ingredientes numa tigela grande, e quando a massa começar a se formar, sove numa bancada por 10 minutos, tentando não acrescentar mais farinha, até que a massa esteja elástica, a tigela esteja limpa, mas a massa esteja ainda ligeiramente pegajosa ao toque. Se estiver muito seca, acrescente mais uma colher de cerveja. 
  3. Forme uma bola e coloque a massa numa tigela ligeiramente untada com óleo. Cubra com um pano e deixe fermentar por cerca de 1h30, até que a massa tenha crescido e seu dedo deixe uma marca que não volta ao pressioná-lo ligeiramente na massa. 
  4. Afunde a massa, transforme-a novamente numa bola e divida-a em 8 pedaços iguais, rolando-os em formato de bolas. Unte com óleo uma forma alta de bolo de cerca de 21-22cm de diâmetro, e disponha as bolas em formato de flor. Cubra com um pano e deixe fermentar por 25-30 minutos, até que ao pressionar o dedo na massa, ela volte devagar para o lugar.
  5. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 190ºC. Se tiver uma pedra de forno na grade inferior, pode deixá-la. No meu forno, a grade inferior é sempre melhor para assar pães. Mas pode assá-lo na grade do meio, se lhe parecer mais confiável.
  6. Quando tiver fermentado, abra o forno quente e pulverize- com água, umas 15 espirradelas. Coloque a forma com a massa no forno e pulverize mais duas vezes com água, rapidamente. Feche e asse por 5 minutos. Abra o forno rapidamente e pulverize mais duas vezes com água. Feche novamente, sem bater a porta, e termine de assar por mais cerca de 30-35 minutos, ou até que o pão esteja dourado e soe oco ao bater no fundo com os nós dos dedos. Se tiver desenformado e ainda não estiver pronto, volte-o para a forma e termine de assá-lo. 
  7. Desenforme e deixe esfriar completamente sobre uma grade antes de comê-lo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Conservando a sanidade mental

Às vezes os clientes tomam chá de sumiço. No meio de um trabalho, prazo apertando, e eles desaparecem sem deixar rastro, a não ser pelo cheiro inconfundível do meu desespero crescente ao me ver abandonada, sem saber se o cliente sumiu porque não gostou, porque morreu ou simplesmente porque está ocupado com outra coisa.

Numa tarde dessas, em que minha mente ociosa começava a inventar caraminholas mil, apanhei um livro qualquer na estante e fui para o sofá. Tratava-se de um livro de conservas. Eu me sentira muito mal comigo mesma por ter desistido das conservas há um tempo atrás. Alguns erros de principiante metida à sabe-tudo botaram a perder minha conserva de ameixas, meu relish de milho e meu picles de melancia. No primeiro, não usei frutas no auge do seu frescor, e não retirei os bolsões de ar que ficaram entre a fruta e o xarope, de modo que ao abrir o frasco ouvi um triste "pssssssfff" ao invés do animador e hermético "poc!"e me deparei com uma conserva obviamente estragada. Quanto ao relish, o problema foi que quis inventar passos onde não havia, e resolvi ferver o relish depois de pronto, para conservá-lo na prateleira. Durante o cozimento extra, o milho antes macio ficou duro feito pedra. No picles de melancia, usei frascos cujas tampas (descobri depois) estavam ligeiramente tortas, de modo que não selaram de modo apropriado. Então me lembrei de que entortara as tampas com uma faquinha para conseguir abrir os vidros quando ainda tinham seus conteúdos originais. O ar lá dentro transformou meu picles em formas cinzentas nadando em um líquido enevoado. Uma tristeza...

É claro que isso desanima qualquer ser humano. Mas nessa tarde caraminholenta, estava decidida a tentar de novo. Algo fácil. Algo simples. Algo feito para ser consumido na hora, e não ser deixado maturando na prateleira, gerando enormes expectativas. Sabia ter encontrado o que queria ao ver a autora do livro falando cheia de amores de uma geleia de framboesas que deveria ser feita em pequenas quantidades, pois era mais saborosa quando ainda tinha gosto de frutas frescas, e não após meses de prateleira.

Tchanans!

E podia ser feita com framboesas congeladas!

Tchananans!

Apanhei meu meio pacotinho de framboesas congeladas, que vieram todas grudadas e em pedacinhos, impossíveis de serem usadas de forma mais decorativa, e misturei ao mesmo peso de açúcar cristal orgânico. Levei ao fogo e foi uma mera questão de mexer, retirar qualquer espuma, e esperar dar o ponto. Suficientemente espessa, considerando que geleias de framboesa não ficam muito espessas sem a adição de pectina, a geleia foi direto para um vidrinho esterilizado no forno (10 minutos a 180ºC, mais prático que ficar retirando vidro de água fervente), e fechada para ser aberta já no dia seguinte.

Na manhã seguinte, espalhei a geleia de cor vibrante e pontilhada de sementinhas num pãozinho com manteiga e passei-o ao meu marido. Algumas mordidas depois, ele veio perguntar que marca de geleia era essa que eu comprara, pois estava sensacional e eu deveria comprá-la sempre. Sucesso total! De fato, a geleia de framboesa feita assim fresquinha tem um gosto diferente do que as que ficaram maturando dentro do pote.

Fiquei empolgada com a possibilidade de produzir pequenas quantidades de geleia, com as frutas da estação, para consumo imediato. Aquilo fazia sentido, mais do que ficar entulhando a despensa. Assim que a de framboesa acabou, apanhei as laranjas-pêra orgânicas que eu tinha e um vidro de gengibre em conserva que já estava aberto e sem uso e, com mais uma receita do mesmo livro, fiz uma de minhas geleias favoritas, com as tirinhas finas de casca. O gengibre foi uma adição muito bem-vinda à geleia de laranja, e fiquei feliz por ter produzido mais de um pote. Tendo rendido três, deixei um na geladeira para consumir imediatamente, dei um à minha mãe e o outro resolvi deixar no armário, para testar. Pedi à minha mãe que prestasse atenção ao som feito pelo pote ao ser aberto, e fiquei feliz em saber que foi "poc!", o maravilhoso som do ar do ambiente entrando de uma vez em um pote fechado a vácuo. Grandes chances para minha geleia no armário, então.

Não contente, apanhei um vidro grande e resolvi fazer os tais limões em salmoura que andam muito na moda em blogs e revistas. Principalmente porque nunca os vi à venda, nem mesmo em lugares bem abastecidos de coisinhas gourmet. Imaginei esses limões lindamente amarelos em pratos de verão (quando estarão maturados), e imediatamente pensei em dias de sol. Bastou esfregar bem os limões (1kg) em água quente, cortá-los em quartos quase até o fim, deixando os quartos ainda presos entre si, e acondicioná-los num pote de vidro esterilizado (tampas de vidro, para evitar corrosão pelo sal), alternando com camadas de sal grosso (250g) e algumas folhas de louro. Empurrei bem os limões para baixo, deixando-os apertadinhos para que não flutuassem depois. Preenchi todos os espaços com água, fechei a tampa e coloquei a data. Esses foram fáceis, e desde que estejam todos bem submersos, tudo indica que terei limões em conserva para temperar meus pratos em janeiro. O pote já tem quase duas semanas e não há nenhum sinal de "atividade indesejada" neles. De vez em quando, basta dar uma chacoalhada no pote e colocar mais sal, caso ele tenha dissolvido. Deve ser guardado em local fresco e escuro por 3 meses antes de ser usado.

Então, na feira, deparei-me com uma caixa inteira de mini-alcachofras, do tamanho de punhos de crianças. Coisinha mais linda. Levei meio quilo por uma ninharia, comprei um potinho hermético de 500ml e segui absolutamente à risca uma receita de Eugenia Bone. E assim, fiz meus primeiros corações de alcachofra em conserva, que devem ficar quietinhos por umas duas semanas antes de serem consumidos, mas também, alguns dias depois, não dão indícios de estarem estragando.

Por fim, quando a geleia de laranja acabou, fiquei com dó de abrir tão já o próximo pote e resolvi produzir outra, com algo da estação: ruibarbos. Antes que perguntem onde os encontrei, o Santa Luzia tem produção própria. E fiz minha geleia de ruibarbos, azedinha-doce, deliciosa sobre uma fatia de broa de milho. A receita é adaptada da revista francesa Saveurs, e fiz apenas metade, rendendo dois potes, pois ruibarbos não são o vegetal mais barato do mundo por aqui. Deixei macerando durante umas duas horas 650g de ruibarbos cortados em pedaços pequenos, 450g açúcar cristal orgânico baunilhado, suco de 1/4 limão siciliano e 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha (para substituir o uso da fava, que eu não tinha), até que o ruibarbo estivesse flutuando em seu próprio caldo. Então levei a panela ao fogo moderado e cozinhei, retirando a espuma com uma escumadeira e mexendo, até dar ponto, uns 20-30 minutos. Ela ficou espessa e deliciosa, cheia de pedacinhos macios de ruibarbo. Como havia muitos talos esverdeados, a geleia não ficou tão rosa. Para intensificar a cor tradicional, a revista sugeria o acréscimo final de 1 colh. (sopa) de Grenadine, um xarope cor-de-rosa de romã. Mas me pareceu bobagem comprar uma garrafa inteira apenas para isso, e mantive minha geleia assim, vermelho-acastanhada. Um pote foi para a geladeira, e outro para o armário.

Meus dedinhos coçam em antecipação para a próxima empreitada. :)

"Se não estiver dando trabalho, pode continuar com as geleias, viu?!", disse o marido outro dia, muito consciente de que eu estou é me divertindo.

Cozinhe isso também!

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