sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

UMA SEXTA FEIRA FRUGAL 10: relish de milho

Às vezes eu encano com a comida. Comprara uma bela braçada de milho verde pensando em fazer sabe-se Deus lá o quê, mas acabei desistindo no meio do caminho. Durante uma semana, o milho ficou ali sentado na geladeira, com cara de ué, esperando algum uso. Mas, na minha encanação, nenhuma receita servia. Milho cozido? Não é "bom" o suficiente. Soufflé de milho? Não tô afim. E lá ele foi ficando, secando, ficando triste.

Isso quase sempre acontece quando vou à feira num dia de empolgação e felicidade e, saltitante, compro uma enorme variedade de coisas gostosas. E na semana que se segue não tenho tempo, paciência ou inspiração para fazer nada com aquilo tudo. Lá vou eu correr para salvar os feridos fazendo tortas de cinco pés de escarola.

Este relish veio para salvar a milharada, mas depois de pronto, fiquei me perguntando onde diabos ele estivera durante toda a minha vida. Imaginei aquele tempero num sanduíche de queijo, abacate e tomate, ou sobre uma salada... a verdade é que, não fosse vinagre puro, eu comeria às colheradas, como o Danoninho mais bizarro do mundo.

Consegui dois vidros cheios e um meio que pela metade. O livro de onde vem a receita é uma gracinha, mas muito play-safe. Quase conserva nenhuma vai para a prateleira; é tudo de geladeira. A autora sequer menciona o banho-maria como método de conservação. No entanto, quis testar. Como esse relish é praticamente um picles de milho, tanta acidez que tem, resolvi fazer o banho-maria final e deixar esfriar. Se estiver bem seladinho, um vidro vai para a despensa, como teste. Os outros dois vão para a geladeira, e vou abrir o com menos recheio primeiro, pois tem mais ar dentro e deve começar a estragar antes.

Nham!

RELISH DE MILHO-VERDE
(do livro Conservas e Compotas, de Thane Prince)
Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento: 900g


Ingredientes:
  • 500g de grãos de milho-verde
  • 2 pimentas-malagueta vermelhas com ou sem sementes, picadas
  • 115g pimentão vermelho sem sementes, picado
  • 115g salsão picado
  • 115g cebola vermelha picada
  • 175g açúcar cristal
  • suco de 1 limão grande
  • 300ml vinagre de vinho branco
  • 1 colh. (chá) mostarda em pó
  • 1 colh. (chá) sementes de aipo (não usei, pois não tinha)
  • 1 colh. (sopa) sal

Preparo:
  1. Coloque todos os ingredientes menos o sal numa panela e cozinhe em fogo baixo, mexendo de vez em quando, até dissolver o açúcar.
  2. Quando levantar fervura, cozinhe por 20 minutos até engrossar um pouco. Ainda ficará líquido na panela. Enquanto isso, esterilize os potes e tampas a serem usados (mesmo que for conservar na geladeira).
  3. Junte o sal e cozinhe para dissolvê-lo.
  4. Coloque nos potes, deixando 1cm de borda, limpe bem a borda para tirar respingos e feche com as tampas. Deixe esfriar e conserve na geladeira ou freezer.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Cinnamon Bubble Buns para uma Padaria de Domingo adiantada

Pretendia postar essa receita no domingo, na Padaria de Domingo, onde ela pertence. No entanto, o resultado foi tão bom que foi como uma novidade incrível que você não vê a hora de dividir com alguém, e faz com que você acabe contando a história da sua vida para o motorista do táxi que acabou de conhecer.

Esses pãezinhos de canela são assim bons!

A massa é fácil de fazer, e para quem não tem uma Kitchen Aid com pá, deve ser facilmente adaptável para um processador ou mesmo para a boa e velha colher de pau, uma vez que o equipamento só serve para misturar os ingredientes. Quem sova mesmo é você. A massa começa grudenta, mas vai tomando corpo rapidamente, mantendo-se ainda bastante úmida mas incrivelmente elástica e acetinada. Ela é tão gostosa entre os dedos, tão agradável de manipular, que, parafraseando Tracy Jordan, do 30Rock, dá vontade de levar pro matinho e fazer filhos com ela. ;)

Quando você lê toda a matemática da coisa, entretanto, parece complicado. Dividir a massa em doze, dividir cada bolinha em outras seis bolinhas, e rolar cada uma das 72 bolinhas em manteiga, canela e açúcar e então montá-las nas formas. Mas o processo é rápido, principalmente se você enrolar as bolinhas não nas mãos, como brigadeiros, mas com a mão em concha, diretamente na bancada limpa, sem enfarinhar. Pá-pum. Enquanto rolava a minha 57a bolinha na manteiga, as pontas dos dedos melecadas de canela, senti-me como uma daquelas avós que fazem coisas gostosas como bolinhos de chuva. Esses pãezinhos têm gosto de avó. Eles parecem com algo de que um neto se lembraria com saudades. Os pãezinhos de canela da vovó, macios e perfumados, ainda quentinhos do forno.

Unte e enfarinhe muito bem as formas de muffins, pois o açúcar vira um caramelo na base e gruda sem dó. Use uma faquinha para ajudar a desenformá-los, com cuidadinho, pois eles saem do forno tão incrivelmente macios, que você tem certeza de que se rasgarão ao primeiro puxão para fora da forma.

A receita original tinha ainda um glacê de açúcar, manteiga e leite, mas o omiti. Gostei deles assim, simples, e desta forma eles podem ser congelados (depois de terem esfriados) e reaquecidos no forno, embalados individualmente em papel alumínio, a 150ºC por uns 10 minutos.


CINNAMON BUBBLE BUNS
(ligeiramente adaptado do livro Baking for All Occasions, de Flo Braker)
Tempo de preparo: 2h30m-3h
Rendimento: 12 pãezinhos


Ingredientes:
  • 2 1/4 colh. (chá) fermento ativo seco instantâneo
  • 1/4 xic. água morna
  • 3 colh. (sopa) manteiga sem sal, derretida e fria
  • 2/3 xic. sour cream
  • 3 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico (usei o baunilhado)
  • 1 ovo grande, orgânico
  • 1 colh. (chá) essência de baunilha
  • 2 1/2 xic. farinha de trigo + 1-2 colh. (sopa) para sovar
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 1/4 colh. (chá) bicarbonato de sódio
(cobertura)
  • 2 colh. (sopa) cheias de açúcar cristal orgânico
  • 4 colh. (sopa) cheias de açúcar mascavo
  • 1 colh. (chá) canela em pó
  • 2 colh. (sopa) manteiga sem sal, derretida

Preparo:
  1. Na tigela da batedeira, misture a água morna e o fermento, e deixe descansar 5 minutos. Junte o sour cream, a manteiga derretida, o ovo, a baunilha e o açúcar e misture com uma espátula até ficar bem incorporado.
  2. Junte 2 xic. de farinha, o sal e o bicarbonato e bata com a pá da batedeira, em velocidade média-baixa, por 30-45 segundos, até que esteja homogêneo. Junte a 1/2 xic. de farinha restante e bata novamente, apenas até que a massa esteja homogênea e mais ou menos molenga. Ela fica com cara de massa de biscoito tipo "chocolate chip cookies".
  3. Transfira a massa para a bancada e sove por uns 3 minutos. Não se assuste com o fato de ela ser grudenta. Acrescente NO MÁXIMO 2 colh. (sopa) de farinha, caso tenha dificuldades. Coloque a massa de volta na tigela, cubra com filme plástico e deixe dobrar de tamanho por 1 hora.
  4. Enquanto isso, unte e enfarinhe cuidadosamente 12 formas padrão de muffins. Numa tigela, misture os açúcares e a canela. Coloque a manteiga derretida em um prato raso.
  5. Pré-aqueça o forno a 180ºC.
  6. Coloque a massa numa bancada limpa, afundando-lhe o punho para lhe retirar o ar, e forme um cilindro. Divida o cilindro em 12 partes iguais e forme bolas.
  7. Com a ajuda de uma faca ou espátula de metal, divida cada bola em 6 partes. (O jeito mais fácil é dividir como uma flor de 6 pétalas, como se faz com scones.) Forme bolinhas e role cada uma primeiro na manteiga e depois na mistura de canela.
  8. Acomode 5 bolinhas no fundo de cada forma, apertando a 6a bolinha no topo, com a ponta do dedo. Cubra sem apertar com filme plástico e deixe fermentar por cerca de 40 minutos, até dobrar de tamanho.
  9. Leve ao forno pré-aquecido por 20-22 minutos, até que os pães estejam dourados. Retire e deixe esfriar por 5-8 minutos. Com a ajuda de uma faquinha, retire os pães e sirva-os, ou deixe que esfriem sobre uma grade. São melhores consumidos no dia.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sopa de Escarola e Arroz e uma novidade no blog

Primeiro: que difícil é fotografar uma sopa marrom-esverdeada à noite sob a luz fluorescente da minha cozinha! :P

Segundo: como tão poucos ingredientes podem produzir algo tão gostoso?

Fiquei feliz em ver, enfim, folhagens saudáveis e bonitas, sem as marcas das chuvas excessivas dos últimos meses. Na minha banca de feira favorita, a baciazinha azul tinha quatro ou cinco pés de escarola pequenos, novinhos, mas de folhas verde-vivo, sem manchas, tenras e bilhantes. Levei toda a bacia para casa, pensando nas saladas, tortas e sopas por vir.

Esta sopa italiana é a prova de que não é preciso se complicar para produzir delícias. De uma simplicidade ilusória, ela depende completamente da qualidade de seus ingredientes, como quase tudo na boa cozinha da Itália. Só comecei a compreender a maravilha das sopas da terrinha quando passei a produzir meu próprio caldo de legumes e a comprar verduras e legumes sazonais, no pico da estação. Escarolas murchas, inchadas de fertilizantes e sem sabor não farão nada por essa sopa. Devem ser frescas, tenras, do tipo que se sente doce na ponta da língua e amarga ao ser mastigada. E caldos de cubos, ainda que práticos, são excessivamente salgados e de uma nota só: carecem da complexidade de sabor do mais simples dos caldos caseiros.

A receita é, como acontece com muitos de meus pratos favoritos, de Marcella Hazan, primeira dama da cozinha italiana. Certa vez, fuçando na Amazon, vi uma crítica de um consumidor xingado horrores os livros de Marcella, dizendo "onde diabos se têm tempo hoje em dia de se fazer seus próprios filés de anchova?" ou "é um absurdo que se diga que sem Parmiggiano-Reggiano ou caldo caseiro uma receita não funcionará!". Bem... Eu boto minha mão no fogo por Marcella Hazan. Ela nunca quis ensinar atalhos, mas sim como se faz BOA comida italiana, DIREITO. E não vejo como pressa, atalhos e ingredientes industrializados se encaixem nesse conceito.

Então, mais uma vez: se você ainda não fez seu próprio caldo, FAÇA. Demora meia hora, você usa todas as aparas que iriam para o lixo, e fica congelado e pronto para usar durante meses a fio. E o melhor de tudo é poder fazer caldos com gosto de primavera ou com sabores de inverno, mais leves ou mais robustos. Coisa que caldo de cubo simplesmente não tem, e faz com que todos os seus pratos tenham exatamente o mesmo gosto de sopinha de pacote.

Use as folhas mais externas da escarola para essa sopa, e faça um favor ao seu palato e guarde aquele miolinho claro e delicado para saladas. :)

E a novidade?

Para tentar interagir mais rapidamente com vocês, e porque eu sempre acabo perdendo emails seus na minha bagunça de trabalho e spams, estou testando um novo widget na lateral do blog: Formspring. É só fazer sua pergunta, que eu responderei, e todas as perguntas e respostas estarão disponíveis em http://www.formspring.me/LaCucinetta. É um teste. Porque como muitas vezes a mesma pergunta é repetida em vários posts pelos comentários ou via e-mail, quero ver se fica mais fácil para todo mundo ter acesso às perguntas e respostas de todos. Vamos ver se funciona... :)

SOPA DE ESCAROLA COM ARROZ
(do livro Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica, de Marcella Hazan - um livro obrigatório, se me permite dizer)
Tempo de preparo: 30-45 minutos
Rendimento: 4-6 porções


Ingredientes:
  • 1 pé de escarola
  • sal a gosto
  • 4 colh. (sopa) manteiga
  • 2 colh. (sopa) cebola picada
  • 3 1/2 xic. de caldo de carne (usei legumes) caseiro
  • 1/3 xic. arroz
  • 3 colh. (sopa) parmesão ralado na hora

Preparo:
  1. Lave, seque e corte em tirar de 1cm de largura a escarola. Não use folhas murchas, machucadas ou descoloridas.
  2. Em fogo alto, derreta a manteiga e refogue a cebola picada até começar a dourar. Acrescente a escarola e coloque uma pitada de sal para manter a cor. Mexa duas ou três vezes.
  3. Junte 1/2 xic. do caldo, abaixe o fogo e tampe a panela. Cozinhe por 20-40 minutos, até que murche bem. Atenção: se a escarola estiver novinha e macia ou se você estiver fazendo porções menores, o tempo é bem menor. Dez minutos podem bastar. Fique sempre de olho na panela para não queimar.
  4. Junte o restante do caldo, cubra novamente e deixe levantar fervura. Acrescente o arroz, mexa duas ou três vezes, tampe e cozinhe em fogo baixo por cerca de vinte minutos ou até que o arroz esteja cozido. Ele deve ficar firme, porém macio, mas sem se desmanchar. A sopa deve ficar densa mas fluida. Se o arroz absorver água demais e a sopa começar a ficar muito grossa, acrescente uma concha de água ou caldo. Só não deixe a sopa rala demais.
  5. Quando o arroz estiver pronto, desligue, acrescente o parmesão ralado e acerte o sal. Sirva imediatamente. (Se precisar preparar a sopa com antecedência, pare quando a escarola estiver junto de todo o caldo, e só acrescente o arroz e termine perto da hora de servir, ou o arroz ficará empapado. Não coloque a sopa na geladeira.)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Abobrinha Fast Food

Fui para o Carnaval abarrotada de trabalho e voltei dele igualmente atolada. Nesses momentos corridos, quando não é possível folhear livros e revistas em busca de receitas elaboradas, lanço mão de meu próprio Fast Food. Pois definitivamente falta de tempo não quer dizer comida ruim.

Fico inquieta em casa se não tiver certeza absoluta de que há pelo menos uma lata de tomates italianos pelados na despensa. Preguiça? Vira sopa. Pouco tempo? Vira molho. Posso não ter um único legume na geladeira naquele fim de mês em que o orçamento já estourou faz tempo e me proíbo de voltar ao supermercado, mas fico tranquila sabendo que aquela latinha de tomate pode se transformar na Pappa al Pomodoro que salvará uma semana baseada em omeletes simples e spaghetti cacio e peppe [pois o que sempre sobra no fim do mês é ovo e macarrão].

Quando o tempo é ainda mais curto e é preciso comer em frente ao computador (às vezes acontece), apelo para o soba, tão rápido quanto miojo mas infinitamente mais saudável e saboroso. Adoro aquela "receita" de Nigella, de soba com shoyu, mirin, óleo de gergelim, cebolinha, mel e gergelim torrado. Tão rápido e tão bom.

Mas se há um legume Fast Food para mim, é a abobrinha. Se estiver muito calor, vira salada, fatiada muito fino com o descascador de legumes e servida crua. Se eu só tiver alho na despensa, corto em pedaços finos e refogo com alho, pimenta vermelha e menta seca. Feita assim, pode ser coberta por ovos e virar uma fritatta [quase sempre o caso], ou ir direto por cima de fusilli cozido, um fio de azeite e parmesão ralado.

Hoje, cheia de pressa, minha abobrinha pequena foi fatiada em rodelas muito muito finas. Derreti uma colherinha de manteiga e um fio de azeite na frigideira e coloquei meia cebola pequena fatiada muito fino e uma pitada de sal. Cozinhei em fogo médio-alto, mexendo um pouco, até a cebola amaciar e começar a dourar, e juntei a abobrinha, mais uma pitada de sal e pimenta-do-reino, e continuei cozinhando até que a abobrinha estivesse dourada e macia e a cebola caramelizada. Juntei 1/2 colh. (chá) de vinagre de sidra, deixei evaporar e comi com pãozinho de milho feito ontem.

Muito rápido, não demora nem 5 minutos, por conta da espessura das fatias de abobrinha, que, finas assim, douram e cozinham rapidamente, sem soltar água, que evapora rápido. A abobrinha assim fica ótima com manjericão, sobre macarrão, numa fritatta, com arroz, pãozinho e queijo, o que for. Abobrinha Fast Food e multiuso.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Tiger cake: bolo mármore dos apressadinhos

Eu vivo jogando bolos fora por conta de minha pressa. Largo o computador de repente, sabendo que tenho pouco tempo livre e munida de uma vontade impetuosa de fazer bolo. Mas as receitas exigem manteiga e ovos em temperatura ambiente, e simplesmente não tenho paciência para isso. Para os ovos há conserto: basta colocá-los em água morninha por alguns minutos. Mas a manteiga... nada que se faça para apressar seu amolecimento traz benefícios. Quando muito, prejudica a receita. Bater a manteiga até que ela amoleça incorpora ar demais, e amolecer no forno ou no microondas parece um atalho que destrói a textura principalmente de biscoitos. E lá vão bolos e quitutes ao lixo.

Este bolo mármore de Alice Medrich [definitivamente minha chef pâtissier favorita] é perfeito para os apressadinhos como eu, ou para um daqueles dias "meu-deus-do-céu-minha-sogra-está-vindo-em-casa-e-não-tenho-nada-para-servir-com-café". Primeiro, o bolo não leva manteiga alguma, mas apenas azeite de oliva. Segundo, os ovos e o leite devem estar gelados. É o bolo perfeito para preparar no fim de um dia chato e exaustivo, para ter algo de doce para beliscar no café-da-manhã e começar um dia melhor.

Uma das coisas que mais gosto nos livros de Alice é o fato de ela incorporar ingredientes às vezes estranhos à confeitaria, transformando o que poderia ser trivial em um doce com personalidade. No caso desse bolo, o algo mais é azeite de oliva e pimenta-do-reino branca. Ao contrário do que parece, os sabores não são escancarados, mas sutis. Você percebe que há algo diferente, mas não sabe identificar exatamente o quê. Ao fim da última garfada, você sente uma suave e agradável picância da pimenta, que, junto do azeite, faz com que se pense, talvez, em amêndoas, segundo a própria autora.

Um alerta: cacau em pó deve ser do tipo natural, pois o alcalinizado reage com o azeite e provoca um gosto desagradável. Mas uma vez que no Brasil parece que ninguém informa nada a respeito de chocolate e cacau nas embalagens, como saber se o cacau que você tem na despensa é natural ou alcalinizado? Pela cor. O cacau natural é mais pálido, com carinha de Nescau, muitas vezes avermelhado, e tem um gosto mais ácido e amargo (que eu saiba todos os nacionais são naturais, como o da Garoto, por exemplo), enquanto o alcalinizado (como o da Callebaut, por exemplo) é marrom escuro como chocolate meio-amargo, e seu sabor é mais neutro. Por causa do tratamento, doces e bolos feitos com cacau em pó alcalinizado (Dutch-process cocoa) ficam mais escuros, marrons e têm sabor mais forte de chocolate. Eu uso o alcalinizado para quase tudo o que faço, a não ser quando a receita pede especificamente pelo cacau natural (que raramente tenho na despensa, para falar a verdade). Pois nesses casos, é a acidez do cacau natural que é benéfica para a receita, uma vez que ela reage com os outros ingredientes e ajuda a massa a fermentar.

Agora, o que eu vou fazer com dois bolos? Um deles vai para o café-da-manhã da corrida, amanhã. Então, Bia e Mana, se vocês estiverem lendo, NÃO FALTEM. ;)

TIGER CAKE
(do livro Bittersweet, de Alice Medrich)
Tempo de preparo: 1h30
Rendimento: 1 bolo grande ou 2 bolos ingleses


Ingredientes:
(1a parte)
  • 1/2 xic. de cacau em pó natural
  • 1/2 xic. açúcar
  • 1/3 xic. água
(2a parte)
  • 3 xic. farinha de trigo
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 2 xic. açúcar
  • 1 xic. azeite de oliva extra-virgem
  • 1 colh. (chá) essência de baunilha
  • 1/2 colh. (chá) pimenta-do-reino branca em pó
  • 5 ovos grandes, gelados
  • 1 xic. leite integral, gelado

Preparo:
  1. Posicione a grade do forno no terço inferior e pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte e enfarinhe uma forma grande de furo no meio com capacidade para 10-12 xícaras ou duas formas de bolo inglês com capacidade de 6 xícaras cada.
  2. Em uma tigela pequena, misture o cacau, o açúcar e a água até que fique homogêneo e reserve.
  3. E uma tigela grande, peneire juntos a farinha, o fermento e o sal.
  4. Na tigela da batedeira, bata (com o batedor de arame da batedeira, se houver) o azeite, o açúcar, a baunilha e a pimenta até que fique tudo bem incorporado.
  5. Junte um ovo de cada vez, batendo bem a cada adição. Ao quinto ovo, bata por 3 a 5 minutos, até que a mistura fique fofa e pálida.
  6. Pare a batedeira e junte 1/3 da farinha. Bata em velocidade baixa apenas até que esteja incorporada. Pare novamente e junte metade do leite. Bata apenas até que esteja incorporado. Repita, com 1/3 de farinha, a outra metade do leite e o outro 1/3 de farinha.
  7. Separe 3 xícaras da massa em uma tigela e misture bem ao creme de cacau.
  8. Coloque 1/3 da massa branca na forma redonda, ou 1/6 em cada forma de bolo inglês. Coloque 1/3 da massa escura por cima, ou 1/6 em cada forma de bolo inglês. Não se preocupe em cobrir ou misturar: a massa é bem líquida e fará o efeito mármore sozinha. Repita as camadas de massa branca e escura, até acabar com elas.
  9. Leve ao forno por 1h-1h10, ou até que um palito inserido no centro saia limpo. Retire do forno e deixe que esfrie na forma por 15 minutos. Então passe uma faquinha ou palito em torno e desenforme, deixando que termine de esfriar sobre uma grade. O bolo fica melhor de um dia para o outro.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Cozido rápido de milho e abobrinha em leite de coco

Um dia vou conseguir tratar minha personalidade obsessiva. Pois não importa que as anotações ao meu lado me indiquem que já comprei comida para o mês inteiro e que estou prestes a estourar meu orçamento novamente. Ia até a cozinha, olhava para a geladeira repleta, e não conseguia pensar em outra coisa senão esse cozido. Nada mais parecia tão perfeito para aquela noite. Outra parte de mim reclamava, argumentando que havia bastantes ingredientes para que eu pudesse inventar qualquer outra coisa; você não precisa sair para comprar tofu, leite de coco e coentro; faça milho cozido, refogue a abobrinha em alho e pronto. Neh. Não é isso que quero comer. Quero um cozido apimentado, adocicado, colorido, sobre arroz basmati. Diga-me se não tem cara de verão, esse caldo perfumado, de pedaços verde-e-amarelos, pontilhado de vermelho! Faça com arroz comum! Tem arroz agulhinha na prateleira! Não, mas não fica a mesma coisa. O basmati é mais fininho, ele absorve esses cozidos caudalosos de um jeito diferente. Mas... mas... mas... Ah, fique quieta. Você bem sabe que se eu fizer qualquer outra coisa, ela será feita de má vontade. E ninguém quer comer comida feita com má vontade. Desculpa esfarrapada, hein? Quando você provar o cozido, vai parar de reclamar. Hunf! Duvido.

MILHO E ABOBRINHA COZIDOS EM LEITE DE COCO
(ligeiramente adaptado do livro Local Flavors - Cooking and Eating from America's Farmers' Markets, de Deborah Madison)
Tempo de preparo: 20 minutos
Rendimento: 4 porções


Ingredientes:
  • 1 colh. (sopa) óleo de amendoim
  • 300g tofu orgânico firme seco em papel toalha e cortado em cubos de 1cm
  • 2 abobrinhas médias cortadas em cubos de 1cm
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 2 espigas de milho grandes
  • 1 pimenta vermelha
  • 1 colh. (sopa) cheia de coentro fresco picado
  • 1 colh. (sopa) cheia de manjericão picado (o original pedia manjericão tailandês)
  • 1 maço de cebolinhas (partes verdes e brancas) cortadas em pedaços de 0,5cm
  • 400ml leite de coco
  • 1 colh. (chá) shoyu
  • arroz basmati cozido
  • coentro e manjericão fresco para guarnecer

Preparo:
  1. Aqueça o óleo em uma frigideira bem grande em fogo médio-alto. Junte o tofu e a abobrinha e polvilhe 1/4 colh (chá) sal. Cozinhe por 8-10 minutos, mexendo de vez em quando para não grudar, dourando o tofu (esqueci de secar o tofu no papel, então ele não dourou, pois ainda tinha muita água).
  2. Enquanto o tofu está cozinhando, retire os grãos de milho das espigas com uma faca. Pique o coentro, manjericão e a pimenta.
  3. Junte à panela o milho, o centro, manjericão pimenta e cebolinha e mexa. Junte o leite de coco, dê uma passada de água no vidro para recolher o restinho do leite de coco e junte também à panela.
  4. Misture o shoyu e mais 1/2 colh. (chá) sal e um pouco de pimenta-do-reino. Misture bem e deixe em fervura branda por 3-5 minutos, até que o milho esteja cozido. Acerte o sal e sirva sobre arroz basmati cozido e com mais ervas salpicadas por cima.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Sopa japonesa de cogumelos e a redenção do kombu

Estou aqui para provar minha própria teoria, e confirmar que realmente não há nada de se comer de que eu não goste. A teoria: não é do ingrediente que você não gosta, mas do jeito como ele foi preparado. A confirmação: kombu.

Minha única experiência com o kombu, essa alga grande, estranha, cuja manipulação apenas me traz em mente aqueles enormes aquários de três andares com colunas inteiras de algas se movimentando devagar ao passar dos peixes, foi totalmente traumática. Ao ponto de decretar com todas as letras que finalmente encontrara algo de que não gostava no mundo. No entanto, sempre parto do princípio de que, considerando que outras pessoas apreciam muito o ingrediente X, é mais provável que eu não o tenha preparado direito do que o ingrediente ser simplesmente ruim.

Eu ando completamente fascinada por receitas orientais. Sei que é horrível dizer "oriental", como se fosse tudo farinha do mesmo saco. Mas considerando que meu livro de referência faz um apanhado dos clássicos de toda a Ásia exceto Índia, minha pequena obsessão tem sido sim bastante genérica: post-its coloridos enfeitam meu livro marcando receitas tailandesas, japonesas, chinesas, coreanas, filipinas, entre outras.

Ainda que cogumelos me pareçam um sabor totalmente outonal, foi difícil não notar que eles andaram sumidos das prateleiras nos meses mais frios mas andam abarrotando o meu mercado esse mês. [O que me lembra de que preciso correr atrás de mais informações sobre a sazonalidade dos cogumelos no Brasil.] Querendo algo leve, no carbs, para o jantar, a obsessão não permitiu que eu deixasse passar essa sopa japonesa, mesmo o título dela sendo "sopa de cogumelos frescos de Outono". Hmmm... Finge que ninguém viu.

Primeiro ingrediente da lista: kombu dashi. What the hell? Kombu dashi é o caldo de kombu. Puro, assim, kombu deixado na água por horas a fio até liberar seu sabor e cor à água. Droga. Kombu. Justamente kombu.

*Suspiro*

Lá vou eu, então, tentar o kombu de novo. Porque uma coisa que não combina comigo é o ditado "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço". "Viva pelo exemplo", como meu guru diz, faz mais sentido. :)

A receita pedia também cogumelos shiitake, "oyster" e "cloud year". Fui pesquisar. A Wikipedia parece ter informações conflitantes sobre o Oyster (Pleurotus ostreatus), mostrando fotos completamente diferentes em inglês e português. Um pouco mais de pesquisa me fez concluir que o Oyster é vendido no Brasil em bandejinhas simplesmente chamadas "Cogumelo Pleurotus". O Cloud Ear, por sua vez, não encontrei de jeito nenhum, então simplesmente substitui por quantidades iguais de shiitake e pleurotus. Para ver a carinha de todos os cogumelos e poder comparar e substituir com o que você encontra no seu mercado ou feira, veja aqui.

Fora a ausência do cogumelo Cloud Ear, segui a receita simples à risca. O caldo de kombu é realmente esquisito se experimentado sozinho. Tem gosto de... kombu. Mas misturado aos outros ingredientes, proveu uma base robusta e interessante para os cogumelos, a cebolinha e o gengibre. A sopa é muito leve, ótima para uma noite de verão um pouco mais fresca, e muito mais gostosa do que eu imaginava que seria. Não apenas eliminou minha birra com o kombu, como também me fez olhar de outra forma para o pleurotus. Eu o preparara como outros cogumelos em outra ocasião, e achara sua textura meio esquisita. Na sopa, no entanto, funcionou perfeitamente, e ele se desmanchava na boca. Nham.

É oficial. Não tem comida de que eu não goste. :D

SOPA JAPONESA DE COGUMELOS FRESCOS (se alguém souber o nome original em japonês, diga-me, por favor!)
(ligeiramente adaptado do livro Essentials of Asian Cuisine, de Corinne Trang)
Tempo de preparo: 12 horas (caldo) + 10 minutos (preparo)
Rendimento: 2-3 porções


Ingredientes:
  • 4 xic. kombu dashi*
  • 1/2 xic. mirin
  • 1/3 xic. shoyu
  • 150-200g cogumelos shiitake frescos
  • 150-200g cogumelos pleurotus frescos
  • 2 cebolinhas picadas
  • 1 pedaço de uns 3cm gengibre, descascado e ralado
  • 1 pedaço de uns 7cm nabo japonês (daikon), descascado e ralado

*Kombu Dashi: use uns 30g de kombu para cada litro de água. Não lave o kombu; limpe-o com um pano úmido, se necessário. Coloque o kombu seco na água fria e deixe marinando (na geladeira, se preferir) por no mínimo 12 horas ou durante a noite. Retire a alga e guarde o caldo. (O livro diz para não jogar a alga fora, mas fatiá-la e salteá-la em shoyu, uma pitada de açúcar e um pouquinho de mirin, e servir com arroz de sushi.)


Preparo:
  1. Coloque o kombu dashi numa panela grande e leve à fervura. Enquanto isso, retire os talos dos shiitake (guarde os talos num potinho na geladeira e use na próxima vez que for fazer caldo de legumes) e fatie os chapéus e corte os pleurotus ao meio ou em quartos no sentido do comprimento.
  2. Quando o caldo ferver, junte o mirin e o shoyu e diminua o fogo para médio-baixo. Junte os cogumelos e cozinhe por 3 minutos.
  3. Desligue o fogo, distribua em cumbucas e guarneça com as cebolinhas, o gengibre ralado e o nabo.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Cupcakes de chocolate MUITO bons e MUITO fáceis

Quando meu marido disse que os cupcakes haviam ficado ótimos e quis levá-los para o trabalho, soube imediatamente que tinha algo especial em mãos. Veja bem: ele não é fã de chocolate. E muito menos de bolos. Logo, sua aprovação nesse quesito significa sucesso absoluto.

Depois de uma semana incrivelmente corrida no trabalho [fui praticamente abduzida, razão pela qual os posts fizeram *puft!* e sumiram], resolvi que usaria minha meia hora de folga enquanto os clientes não retornavam os trabalhos para produzir algo doce. Mas precisava ser chocolate. Tinha de ser. Também precisava ser simples e rápido, pois a qualquer momento o trabalho poderia voltar. Esses cupcakes do livro da Ghirardelli foram amor à primeira vista. Ou amor ao meu tempo livre, vai saber. Pois eles são MUITO rápidos de se fazer, uma vez que são preparados como muffins. Enquanto os cupcakes esfriam, você prepara a cobertura. Larga a cobertura na geladeira por meia horinha e pronto: é só lambuzar os bolinhos.

Eu A-DO-REI esses cupcakes. Eles são bastante escuros, macios, leves, amargos e complexos, por conta do café espresso misturado ao cacau. E ficaram ótimos com a ganache mais doce, sem ficarem enjoativos. Acho que ficariam sensacionais com alguma cobertura de caramelo queimado, também. Hmmm... dá para imaginar?

Ontem, trabalho entregue, resolvi colocar em dia todas as tarefas pessoais que haviam sido adiadas por conta do excesso de trabalho das semanas anteriores. Mas quando tudo deu errado e saiu dos eixos, e apenas um cupcake de chocolate salvaria, não havia mais nenhum. Eles estavam tão bons que não ultrapassaram o fim de semana.

CUPCAKES DE CHOCOLATE
(do livro The Ghirardelli Chocolate CookBook)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 12 cupcakes médios


Ingredientes:
  • 1 xic. + 2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1/4 xic. cacau em pó
  • 1 1/4 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 1 ovo grande
  • 1/2 xic. açúcar mascavo compactado na xícara
  • 1/2 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1/2 xic. + 2 colh. (sopa) leite integral
  • 1/3 xic. café forte ou espresso
  • 1/2 xic. (100g) manteiga sem sal, derretida
(cobertura)
  • 170g chocolate meio-amargo (usei 56% de cacau)
  • 3/4 xic. creme de leite fresco
  • 3 colh. (sopa) manteiga sem sal
  • gotas de chocolate para decorar

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e forre a forma de muffins com forminhas de papel (as forminhas realmente facilitam para desenformar os bolinhos, que saem do forno MUITO frágeis e molinhos).
  2. Peneire a farinha, o cacau, o bicarbonato e o sal em uma tigela.
  3. Em outra tigela, misture o ovo e os açúcares até ficar homogêneo. Junte o leite, o café e a manteiga derretida. Junte os ingredientes secos e misture apenas até que fique homogêneo.
  4. Divida a massa entre as formas, enchendo-as até 3/4 da capacidade. Asse por 15 minutos, ou até que um palito inserido no meio saia limpo. Os bolinhos não vão crescer muito, e ficarão achatados no topo, o que facilita na hora de confeitá-los.
  5. Esfrie nas formas por 10 minutos. Com uma pequena espátula ou faca, desenforme-os com cuidado, deixando que terminem de esfriar sobre uma grade.
  6. Enquanto isso, faça a cobertura: pique o chocolate e derreta-o em banho-maria, mexendo de vez em quando. Tire do fogo. Aqueça o creme de leite e junte ao chocolate, mexendo bem com um fouet. Deixe que amorne um pouco e junte a manteiga, mexendo até que ela esteja bem incorporada. Deixe descansar até firmar o suficiente para espalhar a ganache sobre os bolinhos (1 hora em temperatura ambiente ou 20-30 minutos na geladeira).
  7. Espalhe a cobertura nos bolinhos e enfeite com as gotas de chocolate. Sirva no mesmo dia ou guarde-os num tupperware fechado na geladeira, onde eles se conservam bem por mais alguns dias: a cobertura firma mais um pouco, mas não deixa de ser deliciosa, e ela protege o bolinho do ressecamento.

UMA SEXTA FEIRA FRUGAL 10: caldo de peixe e risotto de robalo

Estava eu feliz e contente esperando o peixeiro terminar de embalar os dois belos filés de robalo que eu comprara, quando, de repente, ele se vira para mim e pergunta, casualmente:

"Vai querer levar a cabeça?"
Sem pensar muito a respeito, apenas ligeiramente atordoada pela pergunta, devolvi:
"E o que diabos eu vou fazer com isso?"
"Caldo, ué", respondeu ele, muito natural.

Imediatamente a senhora-joga-nada-fora dentro de mim despertou e aceitou o presente, estendendo as mãos para receber o pacote ensanguentado como uma criança pedindo doce.

Chegando em casa, abri o embrulho sobre a tábua de corte, deparando-me com aquela estranha cabeça prateada, de boca aberta, completamente desproporcional à fina fileira de ossos delicados ao longo de sua coluna até o rabo. Corri para meus livros, buscando uma receita de caldo de peixe confiável. E ao ler as instruções, encontrei meu primeiro obstáculo: o peixeiro retirara as guelras, que amargam o caldo, mas eu esquecera de lhe pedir para se livrar também dos olhos. E, para minha surpresa, todos os meus livros de técnicas ensinam como filetar maravilhosamente bem um peixe, mas nenhum deles ensina como diabos arrancar os olhos de um.

E fiquei ali. Olhando para aquela cabeça. A cabeça olhando de volta. A mesma estranheza que me causava quando minha avó preparava o peixe inteiro, assado: eu não gostava de olhar nos olhos ressecados do bicho. Ok, vamos lá. Para tudo tem uma primeira vez. Segurei a cabeça. Levantei. Olhei por fora. Olhei por dentro. Como eu vou fazer isso? Coloquei-a de volta na tábua. Apanhei uma faca. Aproximei meus dedos do olho esquerdo. Um calafrio percorreu minha espinha.

Larguei a faca e a cabeça e dei um pulinho aflito para trás.

Eu NÃO VOU ENCOSTAR NESSE OLHO!, pensei. A mera expectativa da sensação gelatinosa sob a ponta dos meus dedos me dava arrepios. E pensar em, de repente, sem querer, estourar aquela bola branca e sentir sabe deus lá o quê que tem lá dentro escorrendo em minha pele me deu vontade de desistir e jogar tudo fora. Ninguém vai ficar sabendo. Ninguém me viu trazendo essa cabeça para cá.

No entanto, a possibilidade da desistência me envergonhou. E esse misto de vergonha e decepção comigo mesma foi sempre o que me moveu a ultrapassar meus próprios limites. Foi assim com o medo de altura. Vai ser assim com o olho de peixe. Porque, afinal, isso DEVERIA SER NORMAL. Não é normal para mim, que cresci comprando filés sem rosto embalados em bandejinhas de isopor no supermercado. Lembrei-me imediatamente de minha avó materna e de seu alívio quando a primeira granja surgiu em seu bairro, livrando-a do desconforto de ter de torcer o pescoço e depenar as próprias galinhas. O que sempre me fez pensar que, sendo a opção mais óbvia simplesmente deixar de comê-las em lugar de se obrigar a passar por aquela situação todo domingo, concluo que minha avó deveria gostar muito, muito de frango.

Tendo isso em mente, apanhei, munida de toda a coragem do mundo, a cabeça novamente. Mas, espertinha, levei-a à pia. Pois se algum olho explodisse, era melhor que eu pudesse jogá-lo ralo abaixo do que ter de limpá-lo de minha preciosa bancada.

E de volta ao dilema. Como diabos eu faço isso?? Talvez eu possa empurrá-los para fora das órbitas. Enfiei meu dedo por dentro da cabeça do peixe, o que fez com que ela parecesse um fantoche macabro em minha mão, e empurrei. Tudo o que consegui foi um peixe de olhos esbugalhados. E os olhos olhavam para mim e diziam: "Ô, menina! Pare de brincar com meu cadáver, por favor. Que falta de respeito!"

No fim, respirei fundo e reuni o que havia de mais selvagem dentro de mim, explodi os coitados com a ponta da faca e retirei todos os resquícios com o dedo, embaixo da torneira aberta. Nada profissional. Mas funcionou.

Terminei de lavar muito bem o peixe, retirando qualquer vestígio de sangue, e acomodei-o na panela, cobrindo-o com água, vinho e temperos, de modo que uma hora depois, eu tinha um caldo leve, perfumado e saboroso, pronto para ser coado e congelado.

Seu primeiro destino foi esse risotto de robalo, muito leve e interessante. Eu nunca havia preparado risotto de peixe, e gostei do resultado, ainda que esteja mais acostumada a risotti de verduras. Senti um pouco a falta do queijo para engrossá-lo, e talvez da próxima vez eu o acrescente mesmo assim.

Enquanto isso, se alguém souber como tirar os olhos de um peixe, por favor, me ilumine (ainda que provavelmente vá deixar a tarefa para o peixeiro, da próxima vez).

CALDO DE PEIXE:
  • Você pode usar apenas os ossos. Use a cabeça e qualquer resto da carne apenas se o peixe estiver MUITO fresco. Retire as guelras e os olhos para que o caldo não amargue. Lave bem a carcaça, retirando quaisquer resquícios de entranhas ou sangue.
  • Coloque o peixe numa panela (corte-o em pedaços menores, se necessário). Coloque água suficiente para cobrir a carcaça, vinho branco seco e vegetais aromáticos, na seguinte proporção: para cada 1kg de peixe, cerca de 1l água fria, 1 xic. vinho branco seco, 2 xic. de vegetais aromáticos picados (cebola, alho-poró, salsão, cenoura, segundo o que você tiver) e um sachê com alguns talos de salsinha, tomilho, 1 folha de louro, 1 dente de alho e 1 colh. (chá) de grãos de pimenta-do-reino e sal a gosto.
  • Coloque em fogo médio-baixo, espere ferver, deixe o fogo no mínimo e cozinhe em fervura branda por 30-60 minutos, ou até que o caldo esteja com o sabor e intensidade desejados. Durante o cozimento, impurezas subirão para a superfície em forma de espuma: retire-a com uma espátula.
  • Assim que o caldo estiver pronto, passe por uma peneira bem fina ou por um pano, sem perturbar muito os pedaços sólidos, para que o caldo não fique muito opaco. Se não for usar imediatamente, leve à geladeira. Retire quaisquer partículas sólidas de gordura que subam à superfície. O caldo vai solidificar na geladeira, e você pode usá-lo em 3 ou 4 dias. Ou congele assim que estiver suficientemente frio, e você poderá usá-lo dentro de 4 a 6 meses.
  • Antes de consumir o caldo, avalie o cheiro e o gosto: ambos devem estar apetitosos, e não azedos ou amargos.

RISOTTO AL BRANZINO
(Do livro Gastronomy of Italy, de Anna del Conte)
Rendimento: 3 porções
Tempo de preparo: 30 minutos


Ingredientes:
  • 2 colh. (sopa) azeite de oliva extra-virgem
  • 1 dente de alho, ligeiramente amassado
  • 100g filé de robalo, sem pele, cortado em pedaços pequenos
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 1 colh. (chá) páprica doce
  • 5 colh. (sopa) xerez seco (usei Marsala seco)
  • 5 colh. (sopa) conhaque
  • 1 litro caldo de peixe
  • 4 colh. (chá) azeite
  • 50g manteiga sem sal
  • 1/2 cebola, fatiada
  • 250g arroz arbório ou carnaroli
  • 2 colh. (sopa) vinho branco seco
  • Salsinha picada

Preparo:
  1. Aqueça o azeite e o alho numa frigideira e junte os pedaços de peixe. Tempere com sal, pimenta e páprica. Junte o xerez ou Marsala e o conhaque, e junte umas duas colheres de caldo de peixe. Mexa algumas vezes, cozinhe por um minutinho e retire do fogo, removendo o alho. Reserve.
  2. Aqueça o caldo de peixe numa panela. Em outra, aqueça o azeite, metade da manteiga e refogue a cebola, até que fique macia mas não dourada. Junte o arroz em fogo méio-alto e mexa bem até que ele fique transparente e estale.
  3. Junte o vinho e mexa bem com uma colher de pau, até que o vinho tenha evaporado. Junte umas duas conchas de caldo quente e mexa, deixando que o arroz absorva quase todo o caldo, em fogo baixo.
  4. Continue adicionando o caldo e cozinhando, mexendo de vez em quando, por uns 12 minutos. Então junte o peixe e seu molho e continue cozinhando e adicionando tanto caldo quanto necessário, até completar uns 15-18 minutos de cozimento, até que o arroz esteja cozido e al dente.
  5. Desligue o fogo, junte a manteiga e a salsinha, acerte o sal e a piment, tampe e deixe descansar por 5 minutos. Sirva imediatamente.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Sorvete de melão

O melão Honey Dew que eu comprara estava para lá de maduro, e ainda havia tantas outras frutas para serem comidas puras, que não tive outra escolha a não ser transformá-lo em algo delicioso e adequado a essa fornalha onde estou morando: sorvete.

A missão inicial era fazer um Melona caseiro, pois toda vez que comia o sorvete verde e quadrado, pensava em melão e leite condensado. E foi o que fiz então. Descasquei e retirei as sementes do melão, cortei-o em pedaços e bati no liquidificador (deu mais ou menos 1,3l de suco de melão). Misturei a 1 lata de leite condensado, uma pitada de sal e 1/2 colh. (chá) de Absolut Vanilla. Por quê? Porque me deu na telha, e porque achei que um pouquinho de álcool deixaria o sorvete menos "gelinho". Deixei a mistura na geladeira por algumas horas, mas recomendo que se deixe de um dia para o outro, para ficar beeeeem gelado antes de ir à sorveteira. Como a quantidade era maior do que caberia na sorveteira, coloquei uma parte na máquina e a outra em copinhos pequenos com palitos, para transformá-los em picolés.

Os dois deram muito certo e ficaram bem gostosos. Pedi para o marido experimentar sem lhe dizer o que era, e seu veredito foi "Não sou muito fã de melão, mas isso ficou bem gostoso, bem verãozão."

Ficou igual ao Melona? Não. Falta muita coisa artificial (incluindo a cor) para deixar igual ao Melona. Talvez uma proporção maior de leite condensado em relação ao suco de melão ajude a deixar mais doce e menos refrescante. Mas ficou um sorvete de melão muito, muito gostoso (e impossível de fotografar nesse calor).

Cozinhe isso também!

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