segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Huevos rancheros, ou gororoba de café que virou jantar

Quando estive na Califórnia, minha parte preferida do dia era o café-da-manhã, como sempre é quando estou viajando, não importa onde. A oportunidade de mergulhar em hábitos que não são os meus e experimentar novas guloseimas matutinas sempre me empolga. No entanto, é preciso impor um limite em algum ponto. E, quando minha tia propôs que eu experimentasse huevos rancheros, encontrei o meu limite: feijão no café-da-manhã não rola.

A verdade é que quando já era tarde demais, com meus pezinhos de volta ao Brasil, arrependi-me de não tê-los provado. A perspectiva de ovos fritos sobre tortillas quentes e quebradiças, acompanhados de feijões, salsa de tomate e sour cream logo tornou-se uma das minhas inúmeras, pequenas e irritantes obcessões.

A idéia insistente então terminou de eclodir em meu cérebro e dominar meus pensamentos quando vi os huevos de Deb. Era o empurrãozinho de que eu precisava para apanhar os ingredientes na geladeira e colocar as mãos na massa. Metida como sou, no entanto, resolvi que, ainda que minha salsa não fosse autêntica, meus feijões não fossem refritos e eu estivesse sem queijo Cheddar ou sour cream, ao menos as tortillas de milho eu faria do zero.

As tortillas são tão fáceis que podem acabar virando a desculpa de que eu precisava para nunca mais gastar dinheiro em restaurantes mexicanos. A única diferença desta salsa para a que costumo fazer foi o fato de ter colocado meio pimentão verde picado no meio dela. Para os huevos rancheros, basta fritar os ovos em pouco azeite, temperá-los, cobri-los com um pouquinho de queijo, colocá-los sobre as tortillas quentes e servi-los com os feijões e a salsa de tomate.

TORTILLAS DE MILHO
(Adaptado do livro O Livro Essencial da Cozinha Vegetariana)
Tempo de preparo: 20 minutos

Rendimento: 4 tortillas grandes (20cm)


Ingredientes:
  • 45g de farinha de milho fina
  • 85g de farinha de trigo
  • 1/3 xíc. de água
  • 1 pitada de sal
Preparo:
  1. Misture as duas farinhas em uma tigela. Faça um buraco no meio e despeje a água devagar, mexendo com um garfo, trazendo mais farinha para dentro da água. Forme uma massa e sove por alguns minutos.
  2. Divida em quatro pedaços, forme bolas, achate-as e abra com o rolo de massa cada uma delas até que formem discos finos, de 20cm de diâmetro. Vá empilhando os discos, separando-os com filme plástico.
  3. Aqueça uma frigideira grande de fundo grosso. Quando estiver bem quente, abaixe o fogo para médio e coloque a primeira tortilla. Quando ela tiver muitas bolhas de um lado, vire-a e cozinhe-a do outro lado. Deixe-a num prato e prossiga com as outras.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

E ela desapareceu em meio a uma cortina de pó... *puft!*

Temos piso novamente.

Como posso explicar resumidamente minha semana? Hmmm...

Comecemos pelo atraso do pedreiro, que marcara comigo às 10h da manhã, chegando de fato às 13h, largando suas tranqueiras e saindo para o almoço, para começar a trabalhar apenas às 15h30...

Passemos pela encantadora constatação de que apenas as lajotas que eu já arrancara estavam soltas, e o restante teve de ser arrebentado com marreta, fazendo surgir uma inesperada névoa de sujeira por toda a casa. Detalhe: para melhorar a circulação, minha cozinha não tem porta.
No primeiro dia foi tranqüilo manter o cão longe da cozinha, apenas bloqueando sua passagem com alguns banquinhos. Ele continuou passeando pela sala e eu pude trabalhar "tranqüilamente", sempre de olho no pedreiro, a despeito das marretadas que pareciam ser aplicadas diretamente em minhas têmporas.

Concentrada no que fazia, não notei o pó chegando até ser tarde demais. Quando o pedreiro foi embora às 18h em ponto, apanhei aspirador de pó, pano e rodo e saí limpando por aí. "Amanhã é só assentar o piso", disse ele. Ótimo, pensei, vou limpar tudo hoje e amanhã vai ser sossegado.

Naquela segunda-feira de geladeira na sala e fogão no banheiro, dei sorte de receber um convite para jantar de meu pai.

No dia seguinte, surge o primeiro desespero da vida sem fogão: eram 6 horas da manhã, eu estava a caminho da corrida, e eu precisava — PRECISAVA — de café. Meti a roupa de ginastica o mais rápido que pude, aprontei minha mochila apressadamente, tudo para ter tempo suficiente para caçar na gaveta o fogareirozinho de acampamento, montar no micro-butijãozinho de gás e [*suspiro*] fazer meu café.

Corre, corre, corre, pega o cachorro, passeia, passeia, passeia, volta prá casa, espera o pedreiro e tudo começa de novo com o homem atrás de uma tomada 220v para ligar a serra circular que ele usaria para cortar o porcelanato.

"Vai fazer sujeira?", perguntei, sabendo já a resposta.
"Vixe, mais do que ontem!", respondeu.
"Então peraí, que eu vou pegar o que ficou na cozinha."

Logo percebi que fora uma péssima idéia não retirar a comida e as frigideiras no dia anterior, ao sentir pó sobre minhas cebolas e meus potes de farinha. Pobre de mim, só pensara em tirar o que ficava de fato SOBRE o chão.

Suspirei, apanhei uns lençóis velhos e cobri o que seria mais difícil de limpar (televisão, sofá, etc), e usei o último para, munida de muita fita crepe, aprisionar o pedreiro e sua sujeirada em minha cozinha sem porta.

Quando ele ligou a serra apoiada em meu balde (que ele eventualmente serraria ao meio sem querer), achei que havia sido transportada para uma consulta com o dentista dos infernos. A serra zuniu agudo, o cão começou a latir, e eu comecei a duvidar que conseguisse manter um pensamento não-suicida na cabeça e de fato terminar meu trabalho.

E o pó começou a surgir, atravessando sorrateiro as fendas entre os batentes e o lençol, grudando em meus braços, minha roupa, meu cabelo, e, para meu desespero, meu computador, que não podia cobrir porque, bem, eu tinha um prazo.

Mandei o pedreiro almoçar, passeei o cão novamente, e almocei o último pedaço de pizza gelada e dura que restara na geladeira, com muita preguiça para sequer requentar o desgraçado.

Ao fim do dia, eu desistira de trabalhar e passara a última hora olhando para a serra e contando mentalmente quantas peças de porcelanato faltavam ser assentadas. O cão, atrás de mim, fora impedido de sair do quarto por uma barricada de cadeiras, para que não resolvesse enfiar patas e focinho no cimento ou (pior) na serra. E agora ele latia e grunhia, inconformado com sua prisão temporária. Eu respirava devagar, tentando acalmar meus nervos, que queriam me convencer a pegar aquela maldita serra e enfiá-la na cabeça do pedreiro, definitivamente. Assim eu teria silêncio e paz de espírito, mas provavelmente não teria o piso da minha cozinha.

Paciência. Mantenha o pedreiro vivo. Por enquanto.

"Pronto", disse ele, "amanhã é só rejuntar."
"Não vai ter mais poeira?"
"Não, acabou. Pode limpar tudo hoje. Só não pode pisar na cozinha, senão entorta tudo."
"Ok, sem problemas!"

Assim que ele recolheu suas coisas e foi embora, comecei a juntar novamente panos mil, rodo e vassouras para começar a faxina novamente. Então me dei conta de que esquecera o item mais urgente na área de serviço, além da cozinha intransponível: o aspirador de pó.

Depois de passar panos úmidos pela terceira vez em toda a casa e em todos os cacarecos visíveis, queria sentar e chorar, achando que minha casa fora para sempre engolida por uma camada indelével de pó branco, fino e pegajoso. Continuei limpando, tentando não deixar que aquilo arrebentasse de vez meu espírito, e decidi que, apenas para fingir a mim mesma que as coisas não eram tão ruins, eu faria o jantar. Mas não sem passar no mercado antes e apanhar uma merecida garrafa de vinho. Para os nervos.

Voltei para casa, coloquei a garrafa de Chardonnay argentino na geladeira e coloquei a panelinha cheia de água sobre o fogareiro. Tomei um loooooooooongo banho, tentando esfregar fora aquela camada de sujeira que se fixara em minha pele. Relaxada, de pijamas, liguei a tv, apanhei tomates cereja vermelhos e amarelos, azeitonas kalamata e alcaparras e misturei numa tigela, com azeite, pimenta-do-reino e orégano, e deixei aquele molho improvisado ali, aguardando pela massa pelando. Resolvi que abriria o vinho enquanto esperava a água ferver. Estava sozinha àquela noite. Allex trabalharia até tarde.

Coloquei a garrafa sobre a mesa e fui pegar o saca-rolhas... Vi-me inerte, paralizada, etupidificada à porta da cozinha, com um olhar fixo e imbecil para a gaveta fechada onde estava meu saca-rolhas: a um metro e meio de distância e completamente inalcançável.

Sentar e chorar?

Voltei à sala, arranquei o lacre da garrafa e olhei para a rolha. Pensei em cortá-la em mil pedacinhos e coar o vinho; pensei em afundar a rolha na garrafa. Muitas idéias cretinas e perigosas passaram por minha mente enevoada pela exaustão até que decidisse pedir um saca-rolhas emprestado ao vizinho... que não estava em casa.

Andei de um lado para o outro, inquieta, sem saber o que fazer. Se meu amigo já tivesse se mudado para a casa nova, ele seria a solução mais viável, a um quarteirão de distância. Não conhecia nem simpatizava suficientemente com ninguém mais do prédio para pedir um favor. "Oi, eu não sei seu nome nem nunca perguntei. Você não me dá bom dia nem gosta do meu cachorro. Poderia me emprestar um saca-rolhas para que eu beba meu vinho sem te convidar? Obrigada."

Respirei fundo e violei o manual das pessoas que já saíram da casa dos pais há 3 anos: liguei para minha mãe. Que, ufa!, me emprestou o saca-rolhas.

Tenho plena consciência de quão alcoólatra todo esse episódio parece, mas dada a situação, me vejo no completo direito de PRECISAR DESESPERADAMENTE de uma taça de vinho. Isso só me ensina a, da próxima vez, comprar cerveja. O abridor de garrafas, afinal, estava ali, em cima da mesa.

No dia seguinte, mesma correria. Despedi-me rapidamente do marido que viajaria a trabalho aquele dia, saí para meu treino, passei o cão e esperei pelo pedreiro. Ao meio dia, estava tudo pronto. Sem mais sujeira, como prometido. No fim do dia poderia passar um pano seco na cozinha e, no dia seguinte, lavá-la.

Passei o resto da tarde trabalhando e, assim que vi que o rejunte secara, limpando a cozinha. Terminei uma primeira faxina sem água às nove da noite, quando o acesso de tosse por conta da poeira realmente se intensificou. Sentia-me absolutamente exaurida, razão pela qual, sem dinheiro na carteira e sem uma folha de cheque para uma pizza, resolvi jantar um dos miojos do marido. Fazer o quê? O acesso de tosse foi tão violento até o fim da noite (devo ter inalado muita poeira, ao contrário do pedreiro, que usava máscara), que acabei passando muito mal, e, digamos, foi como se eu nunca tivesse comido miojo àquela noite.

Fui dormir me sentindo um caco, e acordei me sentindo ainda pior. Mas, boa menina, fui correr mesmo assim, lembrando do que meu treinador me dissera uma vez: "Tá doente? Corre que passa!"

Onze horas da manhã, roupa de ginástica suada, esfregando chão, telefona um cliente querendo confirmar uma reunião ao meio-dia. Culpa de um e-mail que eu nunca recebera. Milagrosamente, consegui largar tudo, tomar banho, passar no banco para tirar dinheiro, pegar o metrô até o cliente e chegar razoavelmente apresentável e em ponto na reunião.

Quando voltei para casa, decidi que não agüentava mais. Dissera que esperaria o marido voltar na sexta para ele me ajudasse a voltar tudo para o lugar, mas nunca fui mulher de depender de homem. Ok, o móvel e a geladeira são pesados demais para uma pessoa só. Mas botei meu fogão no lugar e viva! guardei o fogareiro.

Agora, pela primeira vez de fato na semana, tenho cinco minutos para escrever esse texto. Apenas porque a cozinha está limpa, comida e temperos nas prateleiras, fogão funcionando, o cão está dormindo, a última reunião da semana acabou há 2 horas atrás e estou aguardando o parecer dos clientes a respeito de trabalho entregue.

Neste fim de semana quero dormir.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Sorvete de morango e a decrescente fé em fornecedores e fabricantes de qualquer coisa

(Já nem me lembro se a placa é do café chique ou do meleta.)


Noutro dia precisei da ajuda de um fornecedor meu. Coisa simples. Fazia parte do escopo do trabalho dele, não ia tomar nada de seu tempo e só manteria seu cliente (eu) feliz. Ao invés de simplesmente realizar a tarefa, ele enrolou, desconversou, engambelou e, quando finalmente deu o braço a torcer, ainda me enviou um e-mail recheado do mais puro sarcasmo.

Se eu tratasse meus clientes assim, estaria morrendo de fome.

Estou trocando de fornecedor.

Noutro dia ainda, fui ao banco tentar trocar minha cesta de serviços por uma mais barata, depois de aumento abusivo (e autorizado pelo gorverno) efetuado nos últimos meses. Sem problemas, uma vez que não uso quase nada daquilo que eles me oferecem. Sou cliente do mesmo banco há dez anos, e eles também têm a conta da minha empresa. Depois de cerca de 45 minutos de engambelação, não consegui mudar minha cesta, porque o gerente disse que eu deixaria de ter o benefício X. Dias depois, olhando a tabela de serviços na internet, descubro que o gerente mentira.

Estou trocando de banco.

Desde o começo do ano, já tive tantos problemas com meu provedor de banda larga, que acho que conheço nome e sobrenome de todo funcionário de atendimento ao consumidor da empresa. Vou trocar de provedor? Não, porque a alternativa é ainda pior.

Notamos também, aqui em casa, uma diminuição vertiginosa e contínua da qualidade da imagem da TV a cabo, e concluímos que, nessa onda de HDTV, a empresa só pode estar fazendo de propósito para incentivar a compra do pacote "digital", com imagem melhor. Sem nem entrar no mérito da cobrança por ponto extra (agora ilegal) que as empresas conseguiram distorcer, codificando o sinal e cobrando pelo "aluguel" de um aparelho extra, quando antes o cabo podia ser ligado diretamente na tv.

Houve um mês, neste ano, em que passei todos os dias ao telefone reclamando cada dia com um pobre coitado diferente, que só sabe ler apostilas e não daria uma informação de fato relevante se sua vida dependesse disso. Eita mês lascado.

E me pergunto: sou apenas eu que me sinto constantemente passada para trás?

Sinto às vezes que não há uma única empresa nesse país (ou no mundo) que tenha como missão REAL atender seu consumidor ou usuário da melhor forma possível, já que, afinal, ele está pagando por isso. Não parece justo que você receba por aquilo que pagou? Levante a mão quem puder citar uma empresa pela qual você nunca tenha sido ludibriado. Eu não consigo. Em um momento ou outro, todas me decepcionaram.

Eu pago por serviços e sou tratada pelas empresas como se elas estivessem me fazendo um favor, e não o contrário.

Compro produtos, e descubro que eles não têm a qualidade prometida por sua propaganda, por seu preço, ou mesmo pela brochura que acompanha o produto.

Pago caro em restaurantes por pratos requentados e ingredientes de terceira.

Compro bandejas de frutas na feira para descobrir que as frutas de baixo estão podres.

Minha fé na humanidade está por um fio. Queria uma vez na vida sentar numa mesa com os amigos e, ao invés de reclamar do golpe da empresa X, poder contar a respeito do brinde inesperado que a empresa Y me enviou, simplesmente por eu ser uma cliente antiga. Ah, e eles também vão me dar desconto, e eu nem pedi! Não é ótimo?

Por essa falta de fé em empresas de qualquer tamanho é que me pego tão surpresa quando descubro que o produto ou o serviço não é apenas tão bom quanto o que estou pagando, mas melhor. Se existe um tipo de situação em que qualquer um se sente enganado e muita gente já sabe evitar, são as armadilhas pega-turista. Em especial restaurantes e similares.

Sutter Creek é uma cidadezinha histórica da época da corrida do ouro na Califórnia. Ela é recheada de lojinhas de antigüidades; metade delas, interessante, a outra metade, pega-turista. Numa tarde agradável, depois de um longo passeio à pé pelas ruas laterais, observando os jardins floridos e incrivelmente bem cuidados das casas da cidade, resolvemos, minha tia e eu, tomar um sorvete. Nossa primeira opção, um pequeno e charmoso café espremido entre um restaurante e uma loja, estava fechado.

Acabamos entrando então em um outro café com cara de boteco velho, parte loja de souvenirs, parte sorveteria, parte lanchonete, mal iluminado mesmo às cinco da tarde num fim de primavera. Fomos atendidas por um casal de adolescentes franzinos e desinteressados, que prosseguiam rindo de piadas internas e olhando de soslaio para seus amigos do outro lado da loja. Não me lembro quanto foi o sorvete, mas me lembro que foi muito barato. Desestimulada pela cor verde-incandescente do sorvete de pistache, acabei pedindo o de morangos, rosa pálido e simples.

Frustrei-me novamente ao ver o moleque empilhando uma bola de sorvete do tamanho de minha cabeça em uma casquinha fina e quebradiça, e pensei: "pronto, esse sorvete deve ser uma m*rda. Nada tão grande e tão barato pode ser remotamente bom."

No entanto, após a primeira mordida, decidi que aquele sorvete gigantesco precisava ser fotografado e mencionado no blog. O melhor sorvete de morango do mundo. Talvez fosse o fato de os morangos estarem na estação e serem tão doces. Aquele sorvete tinha gosto de morangos com chantilly, e não duvidei que fossem apenas esses seus ingredientes: fruta, creme de leite e açúcar. Ele se tornou meu ideal no quesito sorvetes de morango, e mesmo o que produzi essa semana, de David Lebovitz, não chega a seus pés. Apesar de sua linda cor rosa-choque, seu "excesso" de fruta conferiu-lhe textura e gosto de sorbet, o que não era o objetivo, e nada tinha a ver com aquela sensacional massa gelada e rosa-parede-de-vó, com dulcíssimos e generosos pedaços de morango fresco surgindo mordida-sim, mordida-não.

Senti-me envergonhada por meu preconceito (coisa que aconteceu vezes demais durante a viagem), e fiquei preocupada por estar já tão programada para esperar o pior, uma vez que coisas boas a preços justos são tão raras. Ai, ai, ai, Ana. Má menina.

Vamos lá, alguém me conte uma história de empresas legais que fazem com que vocês mantenham sua fé na humanidade.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Buraco na cozinha, geladeira na sala, eu sem fazer bolos

Sim, senhores. Minha geladeira está na sala. Hoje, se tudo der certo, o piso da minha cozinha será trocado [insira suspiros aliviados e pulinhos de alegria aqui]. Tudo indica que a bagunça durará 3 dias. Mas, com irmã arquiteta e pai engenheiro, estou já para lá de escolada nesses prazos milagrosos de pedreiros, e estou prevendo uma semana de fogão desligado e batedeira do lado da televisão. Enquanto isso, pelo menos fica fácil sentar a busanfa no sofá e, no melhor estilo república de faculdade, abrir a geladeira e pegar uma cervejinha sem sair do lugar. Não, não, a quem estou enganando? Tenho é que trabalhar e passear o cão enquanto fico de olho no trabalho dos pedreiros e inventar o que fazer de janta usando uma panela só e o fogareiro de acampamento.

Agora é esperar para que tudo seja resolvido rapidamente. E se alguma receita esdrúxula aparecer aqui no meio do caminho, não terá sido mera coincidência.

domingo, 3 de agosto de 2008

PADARIA DE DOMINGO 16: repeteco do pan de mie

Sim, sim, a falta de inspiração bateu, o pedido do marido foi mais forte, e essa é, portanto, uma semana de repeteco. Pão de forma de novo. Pan de mie, de Bertinet, para ser mais precisa. A receita eu já dei por aqui, mas a diferença crucial desta vez foi ter acrescentado à mistura 10g de sal marinho, omitido na receita do livro por algum inexplicável motivo (eu culpo o estagiário de direção de arte a quem incumbiram de revisar as provas da gráfica).

Este pãozinho de forma de casca mais firme entrou na lista dos "faça sempre" que meu marido mantém na cabeça sempre que pergunto que tipo de pão ele gostaria de comer. Como eles são pequenos, faço dois, e mantenho-os muito bem fechados em sacos plásticos durante a semana em que são consumidos.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O bolo de chocolate e tangerina que nunca mais comerei

No meio da bagunça que são os recortes e anotações dos cadernos de minha avó, encontrara um pequeno pedaço de jornal ensinando a preparar um "doce de casca de tangerina", coisa comum nos "cadernos femininos" dos jornais antigos, pois me parece que as gerações passadas eram muito mais inclinadas a se preocuparem em aproveitar cada pedacinho de comida do que hoje.

Conforme fui comendo as tangerinas da minha cesta orgânica, no começo do mês passado, fui guardando as cascas, em um pote hermético, dentro da geladeira, interessadíssima em tentar o doce (que pelo preparo, parecia uma geléia), apesar das instruções e medidas vagas da receita. Pois, enquanto as medidas de açúcar e de água estavam ali, o jornal falhava em informar quantas mexericas, afinal, deveriam ser usadas. Eu guardara quatro cascas, e para mim era o suficiente.

Entre trocar a água de molho das cascas para tirar o amargor da parte branca e o cozimento propriamente dito, a empreitada do doce de casca durou sete dias. Ao fim do sexto dia, eu tinha uma espessa e perfumadíssima geléia laranja-escura esfriando na panela. Pensei em guardá-la naquele momento, mas decidi seguir o conselho da receita, esperar um dia inteiro e cozinhar mais uma vez. Quem me dera não tê-lo feito, pois ao ver como o preparado endurecera na panela, resolvi enfiar-lhe a colher de pau para tentar mexê-lo, temendo que o fundo queimasse antes que o restante amolecesse. Entristecida, observei enquanto a geléia cristalizava, como caramelo feito errado. E minha geléia translúcida ficou opaca.

Dei de ombros e resolvi prosseguir. Esterelizei um vidro grande com tampa, despejei-lhe o doce, fechei e fervi o pote. Quando ele esfriou, no entanto, fiquei na dúvida. O dia estava quente e tive medo de deixar aquela, que era minha primeira conserva, na despensa. Erroneamente, meti-a na geladeira.

Assim que vi o fim da torta de maçã, corri para descobrir qual seria o próximo doce. Queria alguma coisa com chocolate, uma vez que dos meus cookies comera apenas um [exatamente o tipo de coisa que tento explicar para as pessoas, quando elas se perguntam como diabos não estou gigantesca e diabética; saio distribuindo por aí e como muito pouco do que eu preparo]. Lembrei-me imediatamente de uma receita de Nigella que levava geléia e que há muito eu queria fazer. E, claro, pensei imediatamente no meu potinho de doce de casca, imaginando o perfume da tangerina no bolo de chocolate, uma vez que só o preparo da geléia fizera meu marido esticar a cabeça para dentro da cozinha umas cinco vezes, perguntando que cheiro bom era aquele.

No entanto, ao tirar o pote da geladeira, a primeira infeliz constatação: o doce não apenas estava cristalizado, mas estava completamente aprisionado dentro do vidro, duro e ressecado. Como faria com mel, coloquei o pote numa panela com água e fervi-o por um looooooooooongo tempo, até que o conteúdo estivesse mole o suficiente para ser retirado a duras colheradas de dentro do recipiente.

O bolo é o mais fácil que já produzi. E ele de fato ficou incrivelmente perfumado. As cascas, muito grandes, acabaram endurecendo um pouco mais do que eu previra, mas de modo nenhum estragaram a experiência. Se sua forma for antiaderente como a minha (quero jogar todas fora e comprar de alumínio), forre o fundo com papel vegetal, para evitar que queime. Como não pretendo fazer o doce novamente (pelo menos não tão cedo), acredito que uma boa geléia de tangerina, com ou sem pedaços, o substitua lindamente. A receita original usava geléia de laranja, mas a tangerina ficou excepcional, e me deu vontade de sempre usar a fruta e chocolate juntos. Suplico para que você use uma geléia de tangerina de qualidade, porém, sem conservantes, sem xarope de milho. E, antes que os comentários se encham de pedidos pela receita do doce de casca, aviso desde já: preciso ainda acertar a mão na receita e criar uma versão mais precisa e confiável.

Mas é engraçado pensar que, a não ser que faça o doce de novo, exatamente como esse o bolo jamais ficará novamente. De modo que nunca mais comerei especificamente esse bolo de chocolate.

BOLO DE CHOCOLATE E TANGERINA
(ligeiramente adaptado do livro How to be a Domestic Goddess)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 1 bolo de 21cm


Ingredientes:
  • 100g de manteiga sem sal
  • 120g de chocolate amargo, cortado em pedaços
  • 1 xíc. cheia de geléia de tangerina
  • 1/2 xíc. de açúcar cristal orgânico
  • 1 pitada de sal
  • 2 ovos extra-grandes orgânicos
  • 1 xíc. de farinha de trigo
  • 1 colh. (chá) de fermento químico em pó
  • 1/8 de colh. (chá) de bicarbonato de sódio
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte e enfarinhe uma forma de mola de 21cm. Forre o fundo com papel manteiga, se a forma for antiaderente.
  2. Coloque a manteiga em uma panela de fundo grosso e leve ao fogo baixo até derreter. Junte o chocolate e deixe amolecer por alguns instantes. Apague o fogo e mexa com uma colher de pau até que esteja homogêneo.
  3. Junte a geléia, o açúcar, o sal e os ovos e mexa até que tudo esteja bem incorporado.
  4. Peneire a farinha, o fermento e o bicarbonato. Junte aos poucos à mistura de chocolate, mexendo bem. Despeje na forma e asse por 40-50 minutos, até que um palito inserido no bolo saia limpo.

L´Aperô, bistrot de verdade

Fazia tempo que não falava de nenhum restaurante por aqui. Talvez por não ter conhecido nada que valesse a menção de fato, ou porque a noite fora tão ruim que não queria reviver os pratos requentados e risotti cozidos além da conta.

Ontem, no entanto, foi exceção.

Foi graças a um post do Pobre Também Come que coloquei meus pés no L´Aperô. Só tenho a agradecer pela indicação. O L´Aperô é um pequeno bistrot da Vila Madalena; chamá-lo de "charmoso" é um eufemismo para sua rusticidade, quando comparado a outros lugares de São Paulo que se dão o mesmo nome. Como nunca fui à França [*suspiro*], não tenho como saber o que seria mais autêntico, um bistrot simples ou um bistrot chiquérrimo. Só tenho cardápios como referência.

O menu é enxuto, ainda que não tanto quanto de outros restaurantes da mesma categoria: meia dúzia de saladas com a mesma base e que se diferenciam nos detalhes, meia dúzia de aperitivos e meia dúzia de carnes, com acompanhamentos à escolha do freguês.

Pára tudo.

Essa mania de restaurante de fazer o cliente escolher se quer vagens, batatas de diferentes formas ou o raio que o parta com seu franguinho grelhado me irrita sobremaneira. Se estou pagando pelo prato, nada me parece mais justo que esperar que o chef tenha o discernimento (não eu) de escolher o que combina melhor com minha proteína. Costumo sair decepcionada desse tipo de lugar, uma vez que, dentro desse esquema, os acompanhamentos são sempre insossos e neutros, sem tempero, de modo a combinar com a omelette de roquefort, o quiche de alho-poró, o franguinho grelhado, o salmão com alcaparras e o filé mignon do cardápio.

Suspirei, esperando mais um desastre culinário e, dentre todos os outros pratos nada vegetarianos, escolhi a lula do Chef, com batatas no alho e tomates à provençal, apenas porque não estava com vontade de comer salada. Meu amigo ficou com as coxas de pato confit e batatas no alho.

Em oposição a todos os outros bistrots em que estive até hoje, o prato chegou farto e rústico, sem frescuras, sem apresentações minimalistas e pretenciosas. As batatas eram fatiadas fino, douradas e sequinhas, crocantes por fora e macias por dentro, salgadas na medida certa e com aroma forte e delicioso de alho. As duas grandes metades de tomate recheados estavam incrivelmente bem temperadas. Já comi muito tomate à provençal com gosto de água. Esses eram excelentes, e a doçura da fruta e a refrescância das ervas casava bem com o sabor mais potente das batatas. A lula era macia, tenra, envolta num molho espesso e escuro de tomates, alcaparras e muitas outras coisas, e fui comendo tudo com gosto, um pouquinho de cada porção, na mesma ordem, para que nenhuma acabasse antes da outra, e tudo durasse mais tempo. Meu amigo também parecia bastante feliz com seu prato.

Ao contrário dos acompanhamentos insossos que esperava, esses pareciam ter sido feitos especialmente para aquela lula, uma vez que todos os temperos se completavam maravilhosamente. Foi, com certeza, a mais agradável surpresa dos últimos tempos, em termos de restaurante.

Pedi um bolo ópera de sobremesa, visualmente bem executado, mas um pouco doce demais para mim. Senti falta de um chocolate mais amargo, 70%, mas acho que é uma questão de paladar.

Único ponto negativo: o couvert é apenas um pratinho pequeno de amendoins. Senti falta (justo quem) de um cesto de pão enquanto esperava e, principalmente, para chuchar no molho da lula, no fim da refeição (nem um restaurante 5 estrelas e a presença do Papa me impediriam de chuchar pão em qualquer molho residual no meu prato, não importa o que digam os especialistas em etiqueta).

Durante todo o excelente jantar, dois homens mais velhos conversavam (e discutiam) animadamente em francês, falando sobre o melhor molho bérnaise que já haviam comido, e como suas mães faziam determinado prato em sua infância na França, etc e tal. De ouvidos atentos a qualquer oportunidade de treinar meu francês abandonado há anos, eu absorvia aquelas palavras, reconhecia algumas frases, me deixava levar pelos sons.

"Acho que eles são contratados para passar a noite aqui, conversando em francês, prá criar o ambiente", brinquei, enquanto pagávamos a conta.
"É que nem o cara de acordeon no La Tartine", emendou.

O melhor de tudo? Uma conta justa.

Vá lá:
L´Aperô
Rua Mourato Coelho, 1343, Vila Madalena

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Torta de maçã e muffins de milho, segundo requisições...

Depois das requisições, não podia deixar de colocar as receitas da torta de maçãs e dos muffins de milho.

MUFFINS DE MILHO
(ligeiramente adaptado do livro Baking - From My Home To Yours, de Dorie Greenspan)
Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento: 12 muffins médios


Ingredientes:
  • 1 xíc. de farinha de trigo
  • 1 xíc. de farinha de milho fina orgânica
  • 6 colh. (sopa) de açúcar cristal orgânico claro
  • 2 1/2 colh. (chá) de fermento químico em pó
  • 1/4 colh. (chá) de bicarbonato de sódio
  • 1/2 colh. (chá) de sal
  • 1 pitada de noz moscada ralada na hora
  • 2/3 xíc. de iogurte integral (de preferência caseiro)
  • 1/3 xíc. de leite integral
  • 3 colh. (sopa) de manteiga sem sal, derretida
  • 3 colh. (sopa) de azeite de oliva extra-virgem, frutado
  • 1 ovo extra-grande (orgânico)
  • 1 gema grande (de ovo orgânico)
  • 250-290g de milho em conserva (peso drenado)

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Unte e enfarinhe 12 formas de muffins, ou forre com forminhas de papel.
  2. Misture em uma tigela as duas farinhas, o açúcar, o fermento, bicarbonato, sal e noz-moscada. Em outra tigela, misture o ovo, a gema, o iogurte, o leite, azeite e manteiga derretida.
  3. Junte a segunda mistura à primeira, mexendo com um uma colher de pau apenas até que fique uniforme, sem se preocupar com pelotas.
  4. Incorpore o milho drenado, cuidadosamente, e divida a massa entre as formas, preenchendo 3/4 da capacidade.
  5. Leve ao forno por 15-18 minutos, até que estejam dourados, fofos e um palito saia limpo quando inserido em um deles. Deixe que esfriem por 5 minutos na forma antes de retirá-los.
Quanto à torta, convém observar alguns detalhes:
  1. a massa é exatamente a mesma de sempre, mas com acréscimo de açúcar, ainda que ele não seja totalmente necessário;
  2. sempre que faço massas para tortas cobertas, tendo a trabalhar com uma quantidade maiorde massa do que o necessário; isso porque é mais fácil fechar a torta se as partes de baixo e de cima têm sobras maiores nas laterais, e porque você não precisa abrir a massa tão fina caso o dia esteja muito quente e a manteiga comece a derreter na sua bancada; amasse novamente as aparas, envolva a bola de massa em filme plástico e use para sua próxima torta (suficiente para uma tarte pequena).
  3. se resolver usar maçãs mais ácidas, é interessante aumentar um pouco a quantidade de açúcar do recheio.
APPLE PIE MY WAY
(recheio livremente adaptado do livro Professional Baking)
Tempo de preparo: 2 horas

Rendimento: 1 torta de 23cm


Ingredientes:
(massa)
  • 300g de farinha de trigo
  • 200g de manteiga sem sal gelada em pedaços pequenos
  • 100g de água gelada
  • 1/2 colh. (chá) de sal
  • 1 colh. (sopa) de açúcar cristal orgânico claro
(recheio)
  • 5-6 maçãs Fuji grandes, fatiadas fino, com casca
  • 40g de manteiga sem sal
  • 190g de açúcar cristal orgânico claro
  • 4 colh. (sopa) de água fria
  • 30g de amido de milho
  • 2 colh. (chá) de suco de limão
  • 1 colh. (sopa) de pimenta-da-Jamaica em grãos
  • 1 gema de ovo (para pincelar)

Preparo:
  1. Misture a farinha e a manteiga gelada, esfregando com as pontas dos dedos até obter uma textura de farofa bem grossa. Dilua o sal e o açúcar na água gelada e junte à farofa, misturando com um garfo até que comece a formar uma massa. Sove ligeiramente, apenas o suficiente para que a massa forme uma bola. Embrulhe em filme plástico e leve à geladeira por pelo menos 30 minutos.
  2. Enquanto isso, prepare o recheio. Coloque as maçãs fatiadas e 2/3 da manteiga em uma panela grande, e mexa em fogo médio até que a manteiga esteja derretida e recobrindo ligeiramente as maçãs. Junte metade do açúcar e mexa, até que as maçãs comecem a soltar seu suco. Cozinhe até que elas amaciem ligeiramente, 5-10 minutos.
  3. Dilua o amido de milho na água fria e junte às maçãs. Deixe levantar fervura e misture até que o líquido engrosse e fique brilhante.
  4. Retire do fogo. Junte o suco de limão, o restante da manteiga e do açúcar. Em um pilão, esmague os grãos de pimenta-da-jamaica até que virem pó. Junte às maçãs e misture bem. Deixe que o recheio esfrie completamente antes de prosseguir.
  5. Pré-aqueça o forno a 220ºC. Divida a massa em duas partes. Abra a primeira parte com a ajuda de um rolo, sobre uma bancada enfarinhada. Forre o prato ou forma de torta, deixando uma boa sobra de massa pender nas laterais (uns 5cm). Faça furos com um garfo no fundo da massa.
  6. Despeje o recheio, espalhando-o de forma uniforme. Não deixe que o recheio pingue nas bordas da massa, ou será difícil selá-la. Abra a outra parte de massa e cubra a torta. Com os dedos, aperte bem as laterais das massas, para uni-las e não ocorrer vazamentos. Apare as bordas com uma faca ou pressionando as mãos contra a forma. Com uma faca afiada, faça furos pequenos na massa, para que o vapor escape.
  7. Bata a gema com um pouquinho de água em uma tigelinha e pincele a mistura sobre a torta. Leve ao forno por 30 minutos ou até que a torta esteja dourada. Sirva quente, com sorvete, ou fria, sem acompanhamento.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Cookies, muffins e torta de maçã... Talvez eu não tenha paciência para ser mãe um dia...


Eu não sei lidar com crianças. Mesmo. Não faço idéia do que fazer com elas. E elas não fazem idéia do que fazer comigo. Não consigo me lembrar do modo como os adultos conversavam comigo quando tinha 5 anos, e talvez por isso seja incapaz de interagir com qualquer um que precise dar a mão para atravessar a rua. Colocar um bebê no meu colo [coisa que mães parecem gostar de fazer, principalmente se eu digo "não, por favor, vou derrubar o bebê de cabeça no chão!"] é pedir para a criança abrir o berreiro: ela com certeza consegue sentir que estou prestes a derrubá-la de cabeça no chão, exatamente como avisara à mãe que faria. Costumo brincar sempre com meu marido, dizendo que não quero ser mãe, quero ser avó. Engraçadinho, ele chegou a sugerir que adotássemos um casal já de seus 25 anos. Seria uma excelente solução.


No entanto, isso de ter filhos está em minha mente o tempo todo. Não porque os queira agora, mas porque fico pensando se seria minimamente boa no assunto. Pego-me assistindo a Super Nanny (no GNT) vez ou outra, fazendo anotações mentais do que fazer ou não fazer quando minha hora chegar. Pergunto-me se conseguirei impor alguma disciplina aos moleques, ou se serei uma dessas mães que trata a criança como um rei, ajudando a inserir na sociedade mais um adulto sociopata. Principalmente, imagino se serei capaz de ensinar um filho meu a comer direito [considerando que ensinar marido a comer direito já é um parto...]. Tenho um milhão de dúvidas a respeito, a começar por toda a coisa de não comer carne. Até que ponto é saudável e até que ponto é simplesmente uma tirania não permitir que seu filho coma carne (pelo menos até ele poder ir sozinho a algum lugar e pedir um hambúrguer por sua conta e risco)? Ou mesmo açúcar? Vi um estudo certa vez que dizia que crianças não expostas a açúcar (leia-se açúcar adicionado, não frutose) até os dois primeiros anos de vida não apresentam o mesmo "vício" em doces que crianças normais; elas tendem a escolher frutas em lugar de bolos. Isso é ótimo, não? Mas você conseguiria convencer sua mãe ou sua sogra a não dar aquele biscoitinho de chocolate para seu filho? E se ele fica numa creche? Como impedir que dêem de lanche ao seu filho alimentos industrializados de baixa qualidade?

Paranóia.

E eu nem tenho filhos ainda.

Por isso achei que o último domingo foi, no mínimo, educativo.



Chamamos alguns amigos com filhas pequenas para jogar video-game, bater papo e comer quitutes. Sabendo da vinda das crianças, tratei logo de pensar em guloseimas que atraíssem tanto adultos quanto a molecada. Para nós crescidinhos, preparei uma boa torta de maçãs aromatizada com pimenta-da-jamaica, muito fácil, muito saborosa, feita na mesma manhã e servida em temperatura ambiente. Para as meninas, todas abaixo de 5 anos, muffins de milho, que são mais salgadinhos, muito fofos, pontilhados de grãozinhos amarelos de milho cozido estalando na boca, e, claro, cookies de chocolate, crocantes por fora, derretendo por dentro.

Os dois últimos preparei no dia anterior e guardei em potes herméticos. Os muffins foram estupidamente fáceis, receita de Dorie Greenspan (de quem gosto cada vez mais), apenas susbtindo óleo de milho por azeite de oliva e buttermilk por iogurte e leite. Eles ficaram incrivelmente macios, salgados mas com um delicado adocicado no fundo, e os que sobraram tenho comido com manteiga, no café-da-manhã.


Os cookies, bem, eles são um feliz acidente. A intenção original era reproduzir os cookies de chocolate do livro da Ghirardelli. Eu já havia mexido nas medidas de açúcar, pois queria incorporar açúcar demerara para um toque suave de caramelo no sabor. Também acrescentara baunilha, a meu bel prazer. No entanto, a receita pedia por chocolate em pastilhas, que eu quase nunca tenho, e a medida era em volume ao invés de peso. Sem pensar muito a respeito, decidi que picaria uma quantidade X de chocolate e mediria seu volume como se fossem pastilhas. Ledo engano. Chocolate picado em tamanhos variados ocupa um volume diferente de chocolate em pastilhas uniformes e idênticas, de modo que acabei derretendo e incorporando à massa cerca de (acredito) duas vezes mais chocolate do que o necessário.

O livro avisava que a massa seria um pouco molenga, mas impossível ir para o próximo passo com aquela massa líquida. Era preciso então enrolar a massa em filme plástico, no formato de pequenas toras, e levá-la à geladeira para firmar. No entanto, a massa era tão mole que escorria para fora do plástico antes mesmo que eu pudesse colocar a quantidade necessária. Vi-me jogando tudo de volta na tigela e proferindo um enorme e sonoro "M*RDA!".

Não era possível que eu houvesse desperdiçado todos aqueles ingredientes.


Algumas imprecações e chutes na parede depois, resolvi que tentaria salvar a lambança. Analisei a receita. Pensei nas proporções de outros cookies que já fizera. E resolvi que duplicaria a quantidade de farinha, assim, sem mais nem menos. E, milagrosamente, assim que incorporei a farinha extra, a massa tomou corpo e sorriu para mim, de forma promissora. Ela tinha agora a mesma textura, talvez um pouco mais úmida, dos cookies colocados às colheradas na assadeira. Cobri a tigela com filme plástico e levei à geladeira enquanto o forno aquecia.

Quando tirei os cookies do forno, eles estavam lindos, cobertos com uma finíssima película craquelada e brilhante. Pressionando um deles suavemente com a ponta do dedo, podia sentir que eles ainda estavam incrivelmente moles por dentro. Era exatamente isso que eu queria. Deixei que esfriassem na assadeira, guardei-os cuidadosamente num pote e deixei que descansassem até o dia seguinte, quando então, por algum misterioso motivo, eles estavam mais saborosos do que na tarde anterior.

Fiquei orgulhosa da mesa posta, e achei que as crianças se esbaldariam com os quitutes. A primeira a provar os cookies foi a mais nova, e fiquei contente quando o pai me contou que ela não comia nada que não achasse de fato saboroso. Antes que pudesse, no entanto, cantar vitória, a mais velha me puxou de canto, perguntando o que mais havia para comer.

"Tem tudo aquilo, tem biscoito de chocolate, tem bolinho de milho e tem torta de maçã!", respondi.
"Ah, mas eu não gosto de nada disso", resmungou, fazendo bico.
"Você não gosta de biscoito de chocolate????", perguntei, incrédula.
"Desse, não."
"Por que não?"
"Porque não."
"Ah, mas se você não me explicar direito porque você não gosta, como é que eu vou poder fazer um que você goste na próxima vez que vier aqui?"
"Ele não é recheado. Eu gosto de biscoito recheado."
"Mas você já experimentou esse?"
"Não e eu não gosto."
"Mas não tem mais nada."
"Tem sim, você disse que o tio é que compra bolacha. Então tem sim."

E tem gente que diz que criança não presta atenção no que você sai falando por aí...


Arrasada, fui perguntar à mãe da menina o que diabos eu deveria fazer, uma vez que não sei como as meninas estão sendo educadas. Ela prontamente mandou a filha parar de ser cricri e comer o que tinha. Menos mal. Mas meus sonhos de crianças contentes comendo cookies de chocolate feitos em casa foi por água abaixo. Como explicar a uma criança de 5 anos que é melhor um biscoito feito de chocolate belga, ovos orgânicos e manteiga de verdade do que aquele que vem com uma carinha desenhada? Decepcionada, vi as crianças contentes comendo um pacote de bolachas industrializadas e danoninhos, que uma das mães trouxera de casa.

E fiquei quieta, imaginando o horror que serão as festas de aniversário dos meus filhos, com salgadinhos vegetarianos e doces caseiros. Meus filhos vão apanhar no colégio... Com certeza...


COOKIES
CROCANTES E MACIOS DE DOIS CHOCOLATES E CASTANHAS DE CAJU
(livremente inspirado pelo livro The Ghirardelli Chocolate CookBook)

Tempo de preparo: 1h30

Rendimento: 24-30 cookies medianos


Ingredientes:
  • 150g de chocolate amargo (mínimo de 50% de cacau)
  • 90g de manteiga
  • 3 ovos orgânicos
  • 3/4 xíc. de açúcar cristal orgânico
  • 1/4 xíc. de açúcar demerara orgânico
  • 1/2 colh. (chá) de essência de baunilha
  • 1/2 colh. (chá) de fermento químico em pó
  • 2/3 xíc. de farinha de trigo
  • 100g de chocolate branco de qualidade
  • 3/4 xíc. de castanhas de caju torradas SEM sal
Preparo:
  1. Pique o chocolate amargo e coloque numa tigela com a manteiga, derretendo em banho-maria e misturando de vez em quando com uma colher de pau para que fique homogêneo.
  2. Na batedeira, bata os ovos até que fiquem homogêneos. Junte aos poucos os dois tipos de açúcar, e continue batendo em velocidade alta até que eles fiquem muito brancos e fofos (foto), o que deve levar cerca de 10 minutos. Não se preocupe se ainda conseguir enxergar pontos de açúcar demerara. Junte a baunillha e misture mais.
  3. Diminua a velocidade da batedeira e junte o chocolate derretido com a manteiga. Misture até ficar homogêneo.
  4. Desligue a batedeira. Peneire a farinha e o fermento e junte-os aos poucos à tigela da batedeira, misturando com uma colher de pau até que fique esteja tudo bem incorporado.
  5. Pique o chocolate branco e as castanhas de caju e junte à massa, misturando com cuidado. Cubra com filme plástico e leve à geladeira por cerca de 30 minutos. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 190ºC.
  6. Forre uma assadeira com papel vegetal ou silpat. Distribua bolotas altas de massa (cerca de 1 1/2 colher de sopa), deixando um espaço de pelo menos 4cm entre elas. (Alternativamente, você pode formar com a massa - que ainda é meio mole - dois rolos de 5cm de altura e 20cm de comprimento, embrulhar em filme plástico e levar à geladeira para firmar. Na hora de distribuir na assadeira, corte em fatias de 2cm de largura.) Volte a massa que sobrar à geladeira. Leve a assadeira ao forno e asse por 12-14 minutos, até que os biscoitos tenham se esparramado um pouco e estejam com uma película fina, quebradiça e brilhante por cima. Retire e deixe esfriar na própria assadeira. Repita o procedimento com o restante da massa. Guarde em pote hermético em temperatura ambiente por até 1 semana.
P.S.: eu sei que já postei aqui outra receita de cookie com chocolate e castanhas de caju, mas elas não tem nada a ver uma com a outra. Entretanto, ambas são deliciosas!

domingo, 27 de julho de 2008

PADARIA DE DOMINGO 15: pão de centeio


Há muito tempo olho para uma fotografia do livro Culinária Itália, mostrando um bonito e apetitoso pane nero, um pão de centeio do Val D´Aosta, região pequena e fronteiriça do noroeste da Itália. O pão escuro, denso, macio, com um lindo desenho xadrez em sua crosta, sempre me fascinou e decepcionou ao mesmo tempo, uma vez que não havia receita alguma relacionada. E adoro pães escuros de qualquer espécie, de um simples integral até um sauerbrot alemão, tão denso e nutritivo que uma fatia vale por um almoço. Produzir pães como esse em casa faz com que me sinta, por algum motivo, mais em contato com algo antigo, instintivo e secreto, do que fazendo qualquer variedade de massa branca. Principalmente se o resultado tiver uma aparência rústica, de pane di campagna, como se tivesse saído de um forno comunitário há 800 anos atrás.


Comprei minha farinha de centeio orgânica, de moagem fina, perfumada, e comecei a procurar uma receita. Professional Baking? Não. Bertinet? Neh. Livros aqui, revistas acolá, e não encontrei nada que me satisfizesse 100%. Por isso, saquei da memória tudo o que já aprendi, bem, lendo a respeito e fazendo pães em casa, e coloquei a cachola para funcionar, na tentativa de criar o meu próprio pão de centeio.


"Pode colocar esse na lista dos pães que você pode fazer toda semana", disse Allex, passando uma quantidade preocupante de manteiga em uma fatia do pão pronto. "Ficou animal."

Não é uma crítica gastronômica profissional ou ao menos publicável, mas basta para mim. Nos quesitos pães e sorvetes, meu marido é meu mais severo juiz.


Esse é, portanto, meu pão de centeio, e não pretendo abandoná-lo por outro jamais. Ele é denso, macio, saboroso, com uma casca fina e suficientemente resistente para gradar tanto aos fãs de pães rústicos quanto àqueles que só querem algo para colocar na torradeira.

Experimentem. Para este pão, usei mel de flor de macadâmia, mas acredito que qualquer outro mel escuro sirva.


PÃO DE CENTEIO

(minha receita! minha! só minha!!)
Tempo de preparo: 3 horas
Rendimento: 1 pão de 500g
Ingredientes:
  • 240g de farinha de trigo para pães
  • 160g de farinha de centeio orgânica
  • 240ml de água
  • 8g de fermento ativo fresco
  • 8g de sal
  • 1 colh. (sopa) de mel
Preparo:
  1. Pré-aqueça seu forno no máximo, ou a uns 240ºC.
  2. Junte as duas farinhas em uma tigela. Esmigalhe o fermento sobre as farinhas e misture com as pontas dos dedos, esfregando o fermento para transformá-lo em partículas menores. Dilua o sal e o mel na água e junte às farinhas, misturando bem até formar uma massa. Coloque a massa na bancada e sove por cerca de 10 minutos. (Se estiver usando batedeira planetária, bata na velocidade 2 com o gancho, por 8 minutos). A massa será densa e úmida, sem grudar demais nos dedos.
  3. Forme uma bola e coloque em uma tigela ligeiramente enfarinhada e deixe fermentar a 21ºC por 1h30, até que dobre de tamanho.
  4. Tire o ar da massa puxando suas laterais e afundando-as no centro. Forme uma bola novamente, e coloque em um banneton (foto), cesto redondo ou tigela, qualquer um deles ligeiramente enfarinhado com farinha branca. Deixe fermentando por 30-40 minutos a 21ºC, até que dobre de tamanho e a massa volte devagar quando levemente pressionada (se voltar muito rápido, deixe mais tempo).
  5. Polvilhe farinha de trigo ou farinha de milho numa assadeira. Cuidadosamente, vire o banneton sobre a assadeira, revelando o o lado do pão com os desenhos do cesto. Com uma faca muito afiada, faça 4 cortes superficiais na massa, formando um quadrado (os que fiz ficaram muito fundos, fazendo com que o desenho se abrisse demais).
  6. Rapidamente, abra o forno. Com a ajuda de um pulverizador, espirre água nas paredes e no piso do forno. Coloque a assadeira com o pão na grade central, feche o forno e diminua para 200ºC. Tudo tem que ser rápido, para que o forno não perca mais calor do que o devido. Asse por cerca de 25 minutos, ou até que o pão esteja dourado e emita um som oco ao bater-se com os nós dos dedos embaixo dele.

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails