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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Orecchiette de couve-flor com azeitonas pretas e o vôngole que não foi


Se existe um hábito que meus filhos estão pegando de mim é o de folhear livros de culinária. Aliás, tudo o que Madame Bochechas não curte assistir a desenhos com o irmão, ela gosta de ver programas de culinária comigo. Gordice corre no sangue.

Noutro dia, estou folheando um dos lindos livros da Rachel Khoo, com os dois pimpolhos olhando e me perguntando o que é cada item das fotos, meu Matador de Dragões enfia o dedo assertivo sobre uma fotografia de um prato de vôngole e ervilhas.

"Que é esse?"
"Vôngole. Von-go-le."
"Côncole?"
"É um bichinho, que vive dentro da concha, no fundo do mar. A gente cozinha e come o bichinho de dentro da concha. Essa parte aqui, ó."

Naquele momento eu me preparei para o famoso "eeeeeeeeeeca".
Mas não.

"Hmmm! Delí-shia!", exclamou.
"Você quer comer vôngole, Thomas?"
"Hm-rum!"
"Jura? Quer que a mamãe compre e prepare?"
"Sim!"

Eu tinha ervilhas-tortas. Tinha spaghetti. Tinha creme de leite e até um resto de Calvados eu tinha. Todos os ingredientes menos o vôngole. E eu não ia deixar escapar a oportunidade de fazer os pimpolhos experimentarem algo novo e que eu imaginava tão difícil de fazer uma criança apreciar.

Dois dias depois, dia de feira. Demorei anos para encontrar bons lugares para comprar peixe, e na época em que morava nos Jardins, havia já estabelecido uma boa relação com o peixeiro da feira de quinta, que, descobri depois, era também quem fornecia para o Alex Atala. Nunca tive problemas com ele, e foi ele quem me vendeu meus primeiros mariscos, fresquíssimos, com cheiro de maresia. (Dizem que ele pretendia abrir uma peixaria. Preciso ir atrás disso.)

Fiquei triste quando saí de São Paulo e perdi meu peixeiro. Não consigo confiar nas carnes e peixes dos mercados de onde moro. Nada parece super fresco. Dei um voto de confiança ao peixeiro da feira, muito simpático, apesar do salmão dele sempre parecer meio velho e os camarões sempre estarem com a cabeça caindo.  Eu usava do que conheço e escolhia o que havia de mais fresco, de preferência a partir do peixe inteiro, para que eu pudesse averiguar as escamas, os olhos, as guelras.

Aí um dia eu comprei uma bandeja de pescada. E quando fui empanar, ela se desmanchava nos meus dedos. Cheiro de mar sujo. Peixe estragado. Fiquei fula da vida, reclamei, acontece, ficou por isso mesmo.

Nesse dia de feira, resolvi dar outro voto de confiança. Afinal, vôngole é fácil de checar se está bom: se estiver aberto antes de cozinhar, está estragado. Se não abrir depois de cozinhar, também. Pedi um punhado generoso de vôngole e ainda especifiquei que pretendia dar aquilo aos meus dois filhos pequenos.

"Está bem fresquinho?"
"Sim, estão super vivos!", disse ele.

Ele embalou e levei para casa, feliz e contente. Havia dito ao pimpolho que prepararia o bichinho da conchinha, ele ficara bastante empolgado.

Em casa, abro o saquinho. Um odor pungente me atinge o nariz, como um vento num porto sujo em dia quente. Fico sem saber se aquilo é normal. Não preparava vôngole havia muitos anos, desde antes do Thomas nascer, e não me lembrava de como eles cheiravam.

Resolvi colocar de molho para tirar a areia. A água começou a ficar bem suja, e quando fui escorrê-los, percebi que metade estava aberta. Ao levar uma das conchas abertas ao nariz, ficou claro que aquilo era cheiro de bicho morto. Comecei a separar todos os abertos e jogar fora. Então deixei de molho de novo. E em dez minutos havia mais um punhado deles abertos, e o cheiro persistia.

Eventualmente, sobraram pouco mais de dez vongolezinhos, de 1kg que eu comprara. Mas eu já não queria mais comer aquilo, muito mais dar para meus filhos.

Fui buscar Thomas na escola e expliquei que o vôngole estava estragado e que não seria possível comê-los, mas que eu cozinharia um apenas para que ele visse como era por dentro.

Ele achou linda a conchinha fechada e ficou vidrado no bichinho aberto. Deixei que pegasse na mão e observasse. E, quando pensei que ele acharia tudo aquilo muito estranho, perguntou:

"Pode comer?"
"Não, meu amor, esse não está bom pra comer."
"Aaaaaaaaaah..."
"Mas mamãe vai comprar um que esteja bom pra você experimentar, ok?
"Aah... tá bom."

E lá fui eu improvisar almoço para uma criança que nunca deixa de me surpreender. E o almoço foram conchinhas que nunca me decepcionam. Ou orelhinhas. ;)

Esse prato de orecchiette é muito simples, mas muito, muito gostoso, leve e fresco. Usei a couve-flor no lugar do usual brócolis, e, ao invés de anchovas, pensei nos ingredientes de uma tapenade de azeitonas, pois couve-flor combina maravilhosamente bem com azeitonas pretas. Pimpolhada raspou o prato de qualquer forma (Madame Bochechas ADORA couve-flor), e lá vou eu agora começar a também comprar peixe em São Paulo e trazer na térmica, porque aquele peixeiro da feira eu não quero nunca mais olhar na cara.

ORECCHIETTE COM COUVE-FLOR E AZEITONAS PRETAS
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 320g orecchiette
  • 1 couve-flor pequena, cortada em floretes médios
  • 1/4 xic. azeite
  • 2 dentes de alho fatiado
  • alguns raminhos de tomilho fresco
  • pica umas 10 azeitonas pretas bem picadinhas
  • um punhado de salsinha bem picadinha
  • suco de meio limão (siciliano de preferência, mas pode ser tahiti)
  • parmesão ralado na hora (ralado fininho)


Preparo:

  1. Leve bastante água salgada à fervura, junte os floretes de couve-flor e cozinhe apenas até que estejam al dente. Retire com uma escumadeira e pique em pedacinhos pequenos (não maiores que o macarrão). Reserve. Cozinhe o macarrão na água da couve-flor.
  2. Numa frigideira grande, aqueça o azeite e junte o alho e o tomilho em fogo baixo. Quando o alho amaciar e começar a soltar perfume (sem dourar) junte a couve-flor picada. Misture bem e cozinhe mexendo de vez em quando. Você quer que a couve-flor termine de amaciar, mas não doure. 
  3. Junte à couve-flor as azeitonas, salsinha, suco de limão, misture e cozinhe por apenas 1 minuto.
  4. Escorra o macarrão, reservando 1/4 xic. da água do cozimento. Junte essa água e a massa à couve-flor, com mais 1/4 xic. de parmesão e 1 fio de azeite. Misture bem e acerte o tempero. Sirva imediatamente com mais parmesão por cima.


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Um "ratatouille" italiano com coucous marroquino de ervas para um novo jeito de me complicar


Existe sempre um jeito de estragar o que está funcionando. Certo?

No meu caso, a rotina que funcionava bem, de colocar Madame Bochechas para dormir às 9h da manhã (lembrando que ela acorda às 6h e se acaba de brincar) para poder trabalhar, foi atropelada pela decisão de transformar o berço da pequena em mini-cama no fim de semana. Pois, afinal, fizemos o mesmo com Thomas por volta dessa idade, e ela já vinha pedindo por isso.

Foi felicidade total ver a mini-cama montada, e, assim como o irmão, na primeira noite ela foi dormir sozinha, sem nem precisar mandar.

"Olha só", disse meu marido, orgulhoso. "Ela não vai dar trabalho nenhum. Até a soneca da tarde ela foi tirar sozinha."
"Você não lembra de como foi com o Thomas, né? Ele fez a mesma coisa, e na noite seguinte já não queria mais ir pra cama."
"Ah, não, mas ela não vai ser assim, porque ela vê o irmão, tem o exemplo do mais velho."
"Tô te falando..."

Deveria ter apostado dinheiro. ¬_¬

Dia seguinte, coloco a mocinha na cama para o cochilo da manhã. Eu com três aquarelas atrasadas para entregar, emails de cliente para resolver e um projeto pessoal pro dia 8 de novembro que eu nem comecei a esboçar. Ela esperneia e sai da cama. Eu boto na cama de novo. Ela esperneia e sai. Eu boto. Ela sai. E assim sucessivamente até que já era tão tarde, quase na hora de buscar o Thomas na escola, e eu já estava tão cansada, que desisti e não consegui fazer nada a não ser resolver três emails enquanto ela brincava no quarto.

À noite, mesma coisa. Bota na cama, sai. Bota na cama, sai. O que parecia uma infinidade de vezes, mas que eu contei e foram 23, até ela enfim cansar e dormir.

Sempre em mente todos os milhares de episódios da Super Nanny que eu vi antes de ter filhos. Fofa e carinhosa pedindo pra ir pra cama. Só carinhosa botando na cama. Botando na cama sem falar nada. Eventualmente eu só me colocava à sua frente de braços cruzados e ela voltava para a cama, vencida por alguns 15 segundos, até eu dar as costas e ela achar que estava livre novamente.

Exercício de paciência infinita.

Rotina simples complicada por uma decisão simples e inevitável. Porque criança é assim mesmo. Tudo bem até incorporar uma nova variável na equação. Aí... fué. Dá-lhe se adaptar tudo de novo. E de novo. E outra vez. Ad infinitum.

Aí você tem aquela pilha de legumes na gaveta. Resolve que quer um cozido de todos eles, abobrinha, berinjela e tomates. Mas não quer tudo maçarocado com gosto de coisa nenhuma. Quer textura, e quer sentir o gosto de tudo individualmente. Aí você pega algo simples e complica. Mas há complicações que valem a pena.

Aprendi com o livro de Suzanne Goin, um que usava loucamente antes de ter filhos, que às vezes é bom cozinhar os elementos separadamente e juntá-los depois. Você respeita o tempo de cozimento de cada um e eles mantém sua textura e sabor individuais mesmo misturados. Pensei primeiro num ratatouille, mas quis usar manjericão no lugar do tomilho. Engraçado isso de perfil de sabor, como são exatamente os mesmos ingredientes e mesmo processo: com tomilho é francês, com manjericão, italiano. Depois que o cozido estava pronto, descobri, num livro da Rachel Khoo recentemente comprado (parte da leva de aniversário), que se você mistura as fatias desses legumes artisticamente numa travessa e assa tudo de uma vez, é tian de legumes; se você cozinha todos separadamente e junta tudo no final, num cozido, é ratatouille. Eu achando que ratatouille se cozinhava tudo junto e descubro que antes de mim os franceses já complicavam as coisas.

Para absorver o caldinho do cozido, preparei um couscous marroquino. Mas queria que ele tivesse alguma personalidade também, então juntei a ele ervas e castanhas, para textura. O conjunto da obra fez sucesso, especialmente com Madame Bochechas, que bem sabe quando convém complicar minha vida ou deixar mamãe feliz.

RATATOUILLE ITALIANO COM COUSCOUS MARROQUINO DE ERVAS
Rendimento: 4 porções adultas

Ingredientes:

  • azeite
  • 1 cebola grande, picada
  • 3 dentes de alho, picados
  • 2 abobrinhas grandes ou 4 bem pequenas
  • 2 berinjelas grandes ou 4 bem pequenas
  • 4 tomates grandes, pelados (ou 1 lata de tomates pelados)
  • 1 punhado de salsinha, talos separados das folhas e reservados
  • 1 punhado generoso de folhas de manjericão
  • 1 1/2 xic. couscous marroquino
  • 1/3 xic. castanha de caju torrada, picada
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Corte a berinjela em cubos de cerca de 2cm, com a casca. Coloque em um escorredor, polvilhe com sal e deixe sorar por meia hora. Enquanto isso, corte a abobrinha em quartos no sentido do comprimento e então em triângulos de 1cm de espessura. Se estiver usando abobrinhas menores, corte apenas ao meio e então meias-luas. Pique os talos da salsinha bem miudinho para usar no cozido. Pique os tomates (se estiverem na lata, pode apenas cortá-los com uma tesoura, sem precisar retirar da lata). Quando terminada a meia hora, passe a berinjela sob um pouco de água corrente para retirar o excesso de sal e esprema bem entre os dedos. 
  2. Numa frigideira grande,  aqueça um fio de azeite e 1/3 do alho picado. Junte a abobrinha antes do alho dourar, tempere com sal e pimenta e cozinhe em fogo médio-alto, mexendo de vez em quando, até que a abobrinha esteja dourada e macia. Retire da frigideira e reserve em uma tigela.
  3. Na mesma frigideira, coloque um pouco mais de azeite (umas três colheres) e junte a berinjela e mais 1/3 do alho. Tempere com pimenta e pouco sal (experimente para ver se a berinjela já não estava salgada o bastante) e cozinhe em fogo médio-alto, mexendo com certa frequência, até dourar e ficar macia. Coloque na tigela junto com a abobrinha.
  4. Ainda na mesma frigideira, aqueça mais um fiozinho de azeite e junte a cebola e o restante do alho. Cozinhe em fogo BAIXO, mexendo de vez em quando, para que a cebola e o alho amaciem bem devagar, cerca de 10 minutos.
  5. Quando começarem a dourar, junte os talos de salsinha e o tomate picado. Misture bem, cozinhe por dois minutos, e então junte os legumes reservados e 1/2 xic. água. Leve à fervura, então abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 10 minutos, ou até que o caldo engrosse um pouco. Corrija o sal e pimenta. Rasgue metade das folhas de manjericão e junte ao cozido. Desligue o fogo.
  6. Coloque o couscous numa tigela resistente ao calor. Ferva 1 1/2 xic. de água. e derrame sobre o couscous. Tampe com um prato e deixe descansar 5 minutos.
  7. Pique a salsinha e o restante do manjericão e junte numa tigelinha com as castanhas, sal, pimenta e 2 colh. (sopa) azeite. Junte ao couscous já inflado, misturando com um garfo para não empelotar. Corrija o sal e a pimenta. 
  8. Sirva o cozido sobre o couscous, com mais um generoso fio de azeite por cima. 






segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Spaghetti con pomodorini scoppiati, à minha maneira


Ainda bem que é apenas na cozinha que sou influenciável. Não consigo imaginar o tipo de apuro em que já teria me metido, se fosse tão mosca-morta na vida quanto sou no jeito de cozinhar. :P

Daí que, fazendo a minha lista anual de livros de aniversário... Sim, eu faço uma lista anual. Parei de comprar livros o tempo todo. Ao invés disso, vou juntando todos os que me interessam na Wish List, e quando chega perto do meu aniversário (3 de outubro, pros curiosos), faço uma seleção do que mais me apetece e compro de uma vez. Isso evita aquelas compras por impulso de livros que você nunca vai usar na vida e dá tempo de fuçar no que o povo anda preparando dos livros depois do lançamento, vendo se vale mesmo a pena. [Para os ainda mais curiosos, estão chegando em casa: Recipes and Dreams from an Italian Life, da Tessa Kiros, Marcella's Italian Kitchen, da Marcella Hazan, My Paris Kitchen, do David Lebovitz, My Calabria, da Rosetta Costantino, Flavor Flours, da Alice Medrich e Baking Chez Moi, da Dorie Greenspan. Dá pra ver uma tendência.]

Então. Fazendo minha lista anual de livros de aniversário, li uma avaliação do livro Cooking With Italian Grandmothers, que mencionava um molho de tomates-cereja que atiçou minhas lombrigas. Busco, procuro, fuço, não encontro o tal molho em lugar nenhum, mas sim, diversas versões diferentes.

Tendo aquela tigela imensa de tomates cereja explodindo de maduros, metade do quintal, metade da feira, resolvi fazer minha própria versão de spaghetti con pomodorini scoppiati, segundo o resultado que eu queria.

Se você, como eu, achava que não existia um molho de tomates mais preguiçoso do que aquele famoso da Marcella Hazan, de cebola inteira, lata de tomate e manteiga, enganou-se. Esse é para aquele dia em que nem pegar na faca você quer. Você não precisa picar nada, nem abrir lata nenhuma. Você precisa de um garfo para amassar os tomates, e, veja só, o mesmo garfo para comer o spaghetti. ;)

No fim, foi um dos molhos de tomate mais gostosos que comi nos últimos anos, ainda que o de cebola e manteiga da Marcella continue sendo hors concours.

Claro, depende completamente dos tomates. Eles precisam estar tão maduros, que alguns até estejam começando a soltar líquido, querendo explodir. À beira de estragar. Daquele que você pega na mão e sente que já está meio mole por dentro. Tomates durinhos ou esverdeados não se prestam a isso. Compre os tomates-cereja e deixe-os numa tigela em temperatura ambiente, até que estejam ridiculamente vermelhos e macios. Deixe ao lado de bananas ou cebolas, e seus gases ajudarão os tomates a amadurecerem infinitamente mais rápido.

O molho pode ser feito com antecedência e reaquecido na hora de servir com o spaghetti. Apenas não misture o parmesão enquanto não for momento de servir, e reserve algumas folhas de manjericão fresco para incorporar no último minuto.

SPAGHETTI CON POMODORINI SCOPPIATI
Rendimento: 4 porções (400g de spaghetti)

Ingredientes:
  • 1/4 xic. azeite e mais para finalizar
  • 1kg tomate cereja (se tiver lavado os tomates antes de usar, lembre-se de secá-los muito bem, para que o azeite não espirre)
  • 2 dentes de alho descascados, inteiros
  • um punhado de manjericão fresco, só as folhas
  • vinagre balsâmico
  • sal e pimenta-do-reino
  • queijo parmesão

Preparo:

  1. Aqueça o azeite em fogo médio-alto numa frigideira grande, que possa acomodar todos os tomates numa frigideira única. Quando o azeite estiver quente, junte os tomates-cereja INTEIROS, com cuidado. Cozinhe, por alguns minutos, virando-os uma vez com uma colher para que o azeite quente recubra toda a casca.
  2. Quando os tomates começarem a arrebentar, junte os dentes de alho inteiros. Abaixe o fogo e cozinhe por uns 15 minutos, amassando os tomates com um garfo, cuidadosamente para que eles não espirrem. O molho deve ficar grosso, mas pedaçudo, com alguns tomates ainda reconhecíveis. 
  3. Quando você vir pocinhas de azeite sobre o molho, desligue, rasgue as folhas de manjericão com as mãos, e junte-as ao molho. Tempere com sal e pimenta e uma colherinha de vinagre balsâmico ou a gosto, dependendo da acidez ou doçura do seu vinagre.
  4. Na hora de servir, junte ao spaghetti cozido e recém-escorrido numa travessa, e misture com um punhado de parmesão ralado fino e mais um fio generoso de azeite. Disponha parmesão extra para polvilhar por cima, se quiser. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Pesto de folha de cenoura e novidades


Dia desses estava conversando com a Pat a respeito de eu não acreditar ter um "prato meu", como era o lombo com batatas da minha avó materna, ou o Apfelstrudel da avó do Allex [que eu juro, juro que vou postar a receita da próxima vez que preparar o danado]. Esses pratos que, toda vez que é preciso preparar comida, os outros pedem que você faça a tal da gororoba, e que eventualmente ganham uma assinatura só sua.

Acho que eu vario tanto o cardápio, que não dá tempo de repetir uma receita o bastante para torná-la minha.

Aí me lembrei do bolinho de folha de cenoura. Esse bolinho que venho fazendo há já alguns anos, desde que descobri a receita por aí, internet afora, e anotei no caderno, sem a fonte para dar os devidos créditos. Toda vez que os ramos das cenouras vêm bonitos, invariavelmente acabo preparando os danados, pois todas as outras alternativas de uso das folhas que testei não chegam aos pés dos bolinhos.

E ao longo dos anos, fui parando de pegar o caderno na prateleira, e fui fazendo de memória, inventando em cima, acrescentando quinua cozida (delícia), trocando farinha de trigo por outra qualquer disponível, usando mais queijo, menos queijo, queijo nenhum, ervas diferentes... até que ele virou MEU bolinho de folha de cenoura. Mesmo preparado cada vez de um jeito.

Ok. Comparar bolinho de folha de cenoura com Apfelstrudel e lombo com batatas é piada. Difícil imaginar os pimpolhos já adultos suspirando de saudades do meu bolinho verde. ¬_¬

Mas daí que nessa semana os ramos de cenoura vieram numa fartura tal, que apenas os bolinhos não deram conta. E eu que tenho uma nóia gigante com desperdício, saí matutando sobre o quê poderiam virar aquelas folhas.

Apanhei o copinho de bater tempero do liquidificador e meti as folhas ali. Fui no quintal, apanhei um pouco de manjericão e meti junto. Alho. Pensei em pesto. Mas pensei em pesto diferente. Apanhei sementes de girassol. E um punhado de parmesão, e azeite, e sal e pimenta. E bati. E as dez folhinhas de manjericão que eu usei transformaram aquelas duas xícaras de folha de cenoura em outra coisa. Ninguém diria que aquele não era um pesto exclusivamente de manjericão. Verde intenso, perfumadíssimo, delicioso. E barato, e cheio de coisas boas, e evitando despedício. Tão, mas tão bom, que decidi que a primeira coisa a se fazer com as folhas de cenoura a partir de agora não é mais bolinho: é pesto.

Enquanto o macarrão cozinhava, fatiei fino duas abobrinhas bem pequeninas, e refoguei num pouco de azeite e alho picado, até dourar. Misturei ao macarrão cozido e a metade daquele pesto, diluído com umas colheres da água do cozimento do macarrão, para ajudar o molho a aderir à massa.

De lamber o prato. Acredito que minha filha tenha de fato feito isso. Maravilha, que ela cata salsinha do prato, com nojinho,  e se recusa a comer espinafre, mas não se incomoda com um molho de macarrão inteiramente verde. ;)

Agora, as novidades.

Além, claro, do fato da Laura ter entrado oficialmente na fase chata de não comer.

Nesses tempos em que as crianças andam numa fase... ahn... que requerem um monte de atenção da minha parte, vejo posts e mais posts se acumulando, ficando apenas na intenção e nunca sendo escritos. Ou, mais comum, preparo algo digno de um belo de um post, mas estou tão atrapalhada, que desencano de pegar a câmera boa e ao menos tentar uma foto não-mequetrefe. E, sem foto, não há post.

Daí que, para resolver minha preguiça e falta de tempo, e para me manter mais próxima de vocês, queridíssimos leitores, enfim, FINALMENTE, La Cucinetta tem uma página no Facebook.

Aêeeeee!

ENTRA AQUI. Quero ver quem vai ser o primeiro a "curtir". ;)

É com certeza mais fácil atualizar o Facebook do blog via celular, com a criançada do lado, do que tentar mantê-los fora do meu escritório enquanto estou no computador.

Outras novidades são a reformulação da MINHA LOJA no Iluria, agora com uma área inteira La Cucinetta, apenas com temas culinários, e que em breve terá um bocado de pôsteres da Nonna e produtinhos diversos. E para quem tem cartão internacional, tem a MINHA LOJA do Society 6, com reproduções em diversos formatos de alguns trabalhos meus, e até produtos como caneca da Nonna, relógio de parede da Nonna, almofada da Nonna.

(UPDATE: a página do facebook não existe mais, nem a loja do Society 6, que cobrava muito caro pelo frete para o Brasil).

Vão lá. Fuça aê.
Façam pesto de folha de cenoura.

MOLHO PESTO DE FOLHAS DE CENOURA
Rendimento: cerca de 1 1/2 xic, o bastante para 6-8 porções de massa. 

Ingredientes:

  • 2 xic. folhas de cenoura bem verdes, sem os talos mais grossos (as folhas bem apertadas na xícara medidora)
  • 10 folhas de manjericão fresco
  • 2 colh. (sopa) sementes de girassol
  • 1/3 xic. parmesão ralado
  • 1 dente de alho pequeno
  • sal e pimenta-do-reino a gosto
  • azeite de oliva o quanto baste para dar consistência ao molho


Preparo:

  1. Aqueça uma frigideira pequena, coloque as sementes de girassol e toste, mexendo de vez em quando, apenas até que fiquem perfumadas. Coloque-as no copo do liquidificador ou processador. 
  2. Junte as folhas de cenoura, manjericão, alho, queijo, sal e pimenta, e bata até obter uma pasta. 
  3. Junte o azeite aos poucos, batendo, até obter um molho grosso e razoavelmente homogêneo. Experimente e acerte sal e pimenta, coloque mais queijo ou mais azeite, de acordo com seu gosto. 
  4. Se não for usar na hora, guarde num pote bem fechado, na geladeira, de preferência com um filme plástico aderindo à superfície do molho, pois ele escurece rapidamente em contato com o ar. 

terça-feira, 13 de maio de 2014

Caldo de abóbora japonesa, inhame e cogumelos com macarrão

Foto de improviso de um prato de improviso que ficou melhor que o planejado.
Você viu? Você viu como eu me safei no título? Não vou chamar de "sopa japonesa", porque sei que o original não é assim e não quero irritar ninguém hoje. O caso é que de vez em quando eu me empolgo na feira orgânica e levo para casa mais vegetais do que consigo consumir na semana, e então fico à procura, internet afora (incluindo o site que procura nos meus livros), algo que use a maior quantidade de qualquer coisa que eu tenha de uma vez só.

Quando caí nessa sopa, no site da Dona Martha, fui lendo os ingredientes e pirei. Tenho abóbora japonesa? Tenho. Tenho inhame? Tenho. Tenho cebolinha? Tenho. Tenho shoyu? E mirin? E kombu? E cogumelo shiitake seco? E cenoura? Tenho! Tenho! Tenho! Mas... nada de udon. O que eu tenho é um pacotão imenso de somen. E nada de nabo japonês. Ou acelga. Ou esse temperinho que mandam botar no final que não faço a mais tenra ideia do que seja. O mercado aqui do lado também não tinha. Aliás, fiquei triste de ouvir da funcionária que eles pararam de comprar nabo, porque não vendia. E eu sei que o inhame que eu tinha não era o japonês. Ou a cebolinha.

Resolvi trabalhar com o que tinha, pois era melhor meia sopa de um monte de coisa do que um monte de coisa estragando porque eu não quis usar em meia sopa. Principalmente os cogumelos, aliás, cujo sacão imenso comprei há muito tempo, para usar em várias receitas vegetarianas do livro do Mark Bittman, só para meu marido decidir, dois dias depois, que não gosta mais de cogumelos. Então, qualquer prato onde eu possa usá-los, mas que ele possa separar e não comer, está bom para mim. Preciso dar fim àquele sacolão.

Deixei os cogumelos de molho em água quente assim que voltei de deixar o Thomas na escola, e preparei todo o resto cerca de meia hora antes de buscá-lo. Como era muito caldo, resolvi cozinhar o macarrão em água separada. Assim, poderia requentar o caldo no dia seguinte ou congelá-lo, e só cozinhar mais macarrão na hora, direitinho, sem ter de catar fiozinho de macarrão desmanchando na panela.

Confesso que dessa vez olhei para o panelão e pensei: esses moleques não vão comer isso. O cheiro estava uma delícia, mas eu sei que forço a barra de vez em quando, que quando falo "macarrão", Thomas sempre espera molho de tomate por cima.

Para minha surpresa os dois atacaram seus potinhos sem pestanejarem. Laura, como sempre, usando as patinhas para catar tudo e levar à boca, o garfo às vezes numa das mãos como mero objeto de decoração. Thomas, pedindo ajuda com o somen escorregadio. Os dois comeram todos os legumes menos os cogumelos shiitake. E o menino pirou com a colher da sopa, principalmente quando disse que ele podia sorver o líquido fazendo barulhinho. Tomou tudo e pediu mais caldo.

O que eu achei? É tão gostoso, tão gostoso, que parei de comer e catei a câmera para tirar uma foto e postar aqui. Se essa meia sopa com macarrão errado ficou desse jeito, imagina com o udon e os legumes que faltaram? ^_^

Então, espero que os filhos e netos de japoneses por aqui não se ofendam com a adaptação. Aliás, até mesmo deixo aqui uma pergunta, pois, fora a espessura e textura das duas massas que são claramente diferentes, nunca entendi exatamente quando se usa o somen. Pois há pacotes de somen que mostram o macarrão sendo comido frio e outros que mostram dentro de uma sopinha quente. Se alguém souber, agradeço o esclarecimento. Pois no fim, eu uso quando a receita pede (não necessariamente uma receita japonesa), mas queria poder inventar em cima sem sentir as avós dos meus amigos japoneses revirando no túmulo.

Bom caldinho para vocês. A receita abaixo está completa e correta, apenas traduzida do site da Dona Martha, que por sua vez tirou do livro Japanese Hot Pots. Minha versão omitiu o nabo, a acelga, o shimeji fresco e usou inhame brasileiro (o pequeno) e somen no lugar de udon.

CALDO DE ABÓBORA JAPONESA, INHAME E COGUMELOS COM MACARRÃO
(Original aqui.)
Rendimento: 4 porções generosas

Ingredientes:

  • 8 cogumelos shiitake secos
  • 1/2 xic. shoyu
  • 1/2 xic. mirin
  • 2 pedaços de 13cm de kombu
  • 1/2 abóbora japonesa (kabocha) pequena (cerca de 500g), descascada, sem sementes, e cortada em pedaços pequenos
  • 115g nabo japonês, descascado, cortado ao meio no sentido do comprimento e cortado em fatias de 1cm
  • 3 inhames japoneses pequenos (cerca de 250g), descascados, cortados em quartos e em pedaços menores se forem mais longos que 5cm
  • 1 cenoura média (cerca de 115g), descascada, cortada ao meio no sentido do comprimento e cortada em fatias de 1cm
  • 1 cebolinha japonesa, fatiada na diagonal, em pedaços de 1cm
  • 115g acelga, fatiada
  • 100g cogumelos shimeji, separados
  • 225g udon
  • Shichimi togarashi, para guarnecer


Preparo:

  1. Coloque os cogumelos shiitake secos em uma tigela, cubra com 5 xic. de água (quente ou fervendo, se não tiver tanto tempo) e deixe por 5 horas em temperatura ambiente. 
  2. Retire os cogumelos, reservando o caldo. Ao caldo, acrescente o shoyu e o mirin. Os cogumelos, apare os talos, se houver, descartando, e corte os chapéus na metade ou em quartos se forem grandes.
  3. Em uma panela grande (de preferência barro ou ferro esmaltado), coloque o kombu, e então cubra com a abóbora, o nabo, o inhame, a cenoura, a cebolinha, a acelga e os cogumelos frescos e os secos hidratados e cortados.
  4. Cubra com o caldo reservado, tampe a panela e leve à fervura. Abaixe para fogo médio e cozinhe por 10 minutos. Destampe, junte o macarrão e cozinhe até que o macarrão esteja cozido. (No meu caso, cozinhei os legumes por vinte minutos, e o macarrão sozinho, para que tudo estivesse no ponto certo, já que somen cozinha mais rápido.) Sirva imediatamente, guarnecido de shichimi togarashi.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Pici e resoluções


A perspectiva de meu filho entrar em férias por dois meses inteiros fazia os cabelos atrás de minha nuca se arrepiarem. Dois meses com duas crianças em casa e trabalho para fazer. Tinha planos para "delargar" a criançada o maior tempo possível nas casas das avós. Com Thomas saracoteando pela casa loucamente e Laura engatinhando como quem tem uma missão, não parecia que teria sossego o bastante para pintar coisa alguma.

E minha sogra foi viajar e deixou a cadelinha conosco. Já com 7 anos (acho) e não muito costume de ficar com crianças ou ter um gramado, foi aquele deus-nos-acuda na primeira semana, de recolher "presentinho" do gramado antes que o bebê chegasse perto e vigiar constantemente para que o bichinho não avançasse na Laura-puxa-rabo ou no Thomas-corre-atrás-latindo-com-espada-na-mão.

Acrescido a isso o montante de compromissos de fim de ano e pequenos-grandes contratempos de cunho pessoal, a primeira semana de férias não teve nada de relaxante. Daí que nada -NADA- saiu como eu queria, e minha longa lista de quitutes de natal ficou restrita a:

  • Spekulatius: ficaram bons, feitos pré-crise-de-férias; acabaram antes de preparar qualquer outra coisa;
  • Torrone: ficaram uma droga; as claras desinflaram quando a calda de mel estava na temperatura certa, e tive de reaquecer tudo enquanto batia mais claras, e o mel cristalizou, e o torrone ficou pastoso;
  • Panforte nero: ficou ótimo, e foi o maior orgulho ver o Pequeno-Devorador-de-Frutas-Secas comendo aquele doce tão "adulto" como se fosse chocolate. Mas foi feito em novembro e deixado "maturar" até o Natal, então não conta. Pré-crise;
  • Panettone: esqueci de macerar as frutas na noite anterior e na hora de incorporar as cascas de laranja... descobri que haviam acabado e não tinha mais no supermercado, assim como nenhuma outra fruta cristalizada. Tive de substituir com o que tinha e não ficou nem de perto saboroso como o do ano passado. Queimou na base e ficou com o miolo ressecado. Crise se instalando;

  • Bûche de Nöel: de última hora, decidi preparar o bolo, com medo de que o torrone tivesse ficado ruim (check!), o panforte tivesse mofado embrulhado nesse calorão por um mês (nope!), o Panettone estivesse sem graça (check!) e todo mundo ficasse sem sobremesa, única coisa da qual eu havia ficado encarregada esse ano. Aí... o bolo do rocambole foi fácil de fazer mas ressecou. A mousse do recheio não firmou. Na hora de enrolar, o bolo quebrou todo e a mousse vazou toda pra fora. A ganache, maravilhosa (mesma desse bolo aqui), salvou tudo e deixou com cara de alguma coisa que valia a pena ser comida. Os cogumelos da decoração... era pra ser aquela coisa linda, com farinha de castanha, o que em inglês produziriam... "chestnut mushrooms"! Nhóin. *_* Bom, eu li a receita com pressa e coloquei no forno por 2 horas a 200 graus. Acontece que eu coloquei a 200 graus Celsius, e a receita era em Farenheit. Em meia hora, só faltavam os bombeiros aparecerem para ver que fumaça preta era aquela que invadira toda a cozinha. No meio do caos pré-Natal, resolvi tentar de novo. Desta vez, resolvi que o passo de incorporar o açúcar e a farinha de castanha com uma espátula no final obviamente era uma frescura, e meti tudo na batedeira. Lixo. As claras desinflaram e eu quis quebrar minha própria cabeça idiota com a batedeira. Determinada, tentei pela última vez, com a última clara descongelada que eu tinha e sem a farinha de castanha. Enquanto estava no forno, conformada com a terceira derrota, cortei alguns damascos ao meio. Já que eu não teria cogumelos, faria outro tipo de fungo de madeira no meu bolo-tronco. Mas, milagre dos milagres, os cogumelinhos deram certo e ficaram ótimos, e compuseram, junto com a "neve" de coco ralado, a coisa mais bonita que já saiu da minha cozinha. Só que o gosto do bolo ficou sem graça. #Fail. Crise no ápice.
Passado o Natal, conforme as crianças foram se acostumando ao novo cãozinho e eu me acostumando à bagunça, dei-me conta de que não era apenas meu filho que estava de férias. Meus clientes também. E, deixando as crianças na avó, primeiro Thomas, depois Laura, percebi que os dois já haviam de tal forma criado entre si uma espécie de Liga-Épica-de-Destruição-e-Risada, uma Unidade de Caos, que era estranho estar com um e não com outro. A interação dos dois trazia alegria para a casa.

Então eu relaxei.

Decidi que ao invés de me culpar por não estar pintando joça nenhuma, aproveitaria essa fase fofa dos filhotes que não volta mais, integralmente. Ligo o computador só pra ter certeza de que não há trabalho a ser feito e então corro atrás deles, divirto-me com suas idiossincrasias, a lógica bizarra de criança, a correria, a barulheira, a cachorrada latindo, a Pequena Unidade de Caos. E percebi que conquanto não criasse uma expectativa com relação a meu dia e minhas atividades particulares, tudo correria bem e o único stress seria fazer Thomas comer seu brócolis.

Decidi que acabaria com essa ideia idiota de preparar trocentos doces natalinos e me ateria, a partir de então, a panforte (que eu de fato adoro e é muito fácil de fazer, além de poder ser feito com imensa antecedência) e talvez panettone, mas que agora a diversão seria preparar coisas que nunca fiz antes, sem a pressão de uma lista tão grande de afazeres numa época já tão atribulada.

Decidi que está na hora de voltar correr. Como der, quando der, o quanto der. Mas botar as pernas em movimento é prioridade, uma vez que não quero que meu visto temporário no País das Pelancas Pós-Bebês vire cidadania.

Decidi que, depois de um ano de Facebook, eu não estava perdendo nada. Voltei a entrar em contato com dois ou três amigos que andavam distantes, mas a verdade é que se eu (ou eles) quiser manter esse contato, nossos telefones estão devidamente atualizados. Nesse um ano, saí menos com meus amigos do que em anos anteriores. Não por estar longe, não por ter dois filhos. Mas porque ficar comentando bobagens via internet me trazia a ilusão de que estávamos conversando, e me destituía da necessidade de de fato chamá-los para sair tanto quanto eu costumava. Além disso, o Facebook me mostrou que muitas das pessoas que eu admirava pensam cocô boa parte do dia. Facebook me deprime. Facebook me lembra constantemente que o mundo é um lugar nojento, enquanto eu faço uma força brutal para tentar me convencer de que há beleza nele. Então, depois de um ano desperdiçando meu tempo com essa viciante rede de solidão e narcisismo, decido que não quero mais fazer parte dela. Vou transformar minha página pessoal numa página exclusivamente de trabalho e boa noite. Amigos, vocês têm meu telefone.

Decidi terminar de me desapegar de algumas tralhas que só fazem peso a cada mudança de casa, como aqueles livros que a gente continua guardando, não porque você usa de referência ou pretende ler outra vez, mas porque ficam bem na estante, contam para os outros um pouco sobre você (ou o que você gostaria que os outros acreditassem sobre você). Hmmm... acho que ninguém precisa ficar olhando para aquele imenso dicionário de verbetes de filosofia para saber quem eu sou, e eu nunca – NUNCA – abri aquele dicionário em 17 anos. Estou à procura de bibliotecas que aceitem doações de livros diversos (por incrível que pareça, há muitas que não querem) ou boas redes de troca de livros (sugestões?) para começar a manter a leitura em dia sem gastar mais dinheiro ou entulhar mais a casa.

Aliás, decidi colocar a leitura em dia.

Decidi que de vez em quando faz bem para a cabeça me dar férias. Não exatamente férias para não fazer nada, mas férias da obrigação e pressão pessoal de fazer coisas.

Decidi que o fim de semana é um bom momento para preparar massas caseiras e que quero fazê-las mais vezes. A máquina de macarrão já estava acumulando poeira dentro do armário, e, unido ao fato de que meu filho em seus quase 3 anos nunca comera massa caseira, tudo me pareceu muito errado. Comecei já há algum tempo a voltar a fazer macarrão de fim de semana, primeiro um fettuccine básico na máquina, depois um com farinha de castanha (e molho de porcini, uma delícia), então de beterraba, então ravioli de berinjela e ricotta...

E me ocorreu que eu não necessariamente precisava usar a máquina, e poderia preparar outros tipos de massa, daqueles de velhinhas italianas em mesinhas de madeira em ruelas de vilarejos medievais.

Quão divertido é isso???

[Quão louca eu sou???]

MUITO divertido.

[Louca de pedra.]

A primeira massa sem máquina que fiz foi Pici, uma massa longa típica de Siena, na Toscana. Comi Pici na minha primeira viagem à Itália, há 9 anos, com um molho simples de alho, azeite e pimenta fresca, e era uma delícia. Era um restaurante pequeno que só servia comida tradicional e não tinha cardápio em inglês, razão pela qual o casal de americanos na mesa ao lado entrou em pânico e pediu minha ajuda para escolher um prato. Lembro-me de que a mulher não arriscou nenhuma outra indicação minha e acabou pedindo o mesmo que eu, apesar de ter avisado a respeito do "pepperoncino". Calhou que ela não era tão fã de pimenta quanto eu e passou o jantar todo de rosto vermelho e olhos lacrimejando, enquanto eu me deliciava com aquela massa fresca, de textura macia e resistente à mordida e o molho apimentado. De sobremesa, uma fatia de panforte, e talvez tenha sido justamente a presença do panforte na minha cozinha que tenha me levado a essa receita para o almoço de domingo.

Pici é uma excelente massa para quem nunca fez macarrão ou não tem máquina em casa. Ela é naturalmente rústica na aparência, então você não precisa se preocupar em criar uniformidade, e o processo é fácil até para uma criança. Você já brincou de fazer cobrinhas de massinha de modelar quando criança? Então você tem a habilidade necessária para fazer Pici.

O segredo, para mim, é a textura da massa: você deve senti-la úmida e macia, mas não pode grudar nos dedos. Se estiver craquelada ou esfarelada, está muito seca. Pense em argila macia. Isso vale para a massa de ovos também.

O molho é improvisação minha, no entanto, já que não havia pimenta fresca. A quantidade de pimenta-calabresa torna o molho um bocado picante, mas as crianças rasparam o prato com gosto. Se achar mais apropriado, diminua a quantidade. (A massa deve ficar ótima com ragù, aliás.) 
 


PICI
(do ótimo Twelve: A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros)
Rendimento: 6 porções (quando preparei, fiz 4 porções, apenas reduzindo a receita para 2/3 dela. O molho sobra um pouco, nesse caso, mas nada que um pãozinho não resolva... :)

Ingredientes:
  • 600g farinha de trigo
  • 300ml água
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1/2 colh. (chá) sal

Preparo:
  1. Coloque a farinha numa tigela grande e faça um "fosso" no meio. Coloque ali o azeite, o sal e uma parte da água e comece a mexer com os dedos ou um garfo, para incorporar a farinha gradualmente. Vá juntando mais água conforme a farinha for absorvendo e quando formar uma massa, derrube na bancada e comece a sovar. A massa deve absorver toda a farinha e eventualmente parar de grudar nos dedos ou na bancada, mas não pode ficar craquelada ou esfarelada. Sove por uns dez minutos. A massa é mais pesada que massa de pão; use o peso do seu corpo para sovar, para não cansar os braços. Quando a massa estiver macia e uniforme, embrulhe em filme plástico e deixe descansar por 20-30 minutos, período durante o qual a farinha termina de absorver a água, o glúten relaxa e a massa fica mais suave e maleável – não pule esse descanso.
  2. Desembrulhe a massa e numa banca ligeiramente enfarinhada (se precisar) abra com um rolo em forma de retângulo estreito, com 1cm de altura. Corte tirinhas finas, de não mais de 1cm de largura. Uma a uma, abra rolando as palmas das mãos para frente e para trás, como quem faz cobrinhas de massinha, até obter fios bem compridos (corte ao meio se achar difícil manipulá-los quando muito longos) e quase tão finos quanto spaghetti grosso. Não se incomode se não ficar uniforme. O importante na hora de abrir é não enfarinhar sua bancada, ou você terá dificuldade de abrir os fios. Teoricamente a massa só estará grudando o bastante para criar atrito na bancada e alongar-se. 
  3. Conforme os fios forem ficando prontos, deixe-os numa assadeira grande e polvilhe bem com farinha, misturando-os com os dedos em garfo, para que não grudem uns nos outros. (Você pode deixá-los nas costas da cadeira, como fiz, mas tem que trabalhar rápido, pois conforme secam, podem romper-se com o peso pendurado). 
  4. Cozinhe em abundante água fervente com sal, misturando com um garfo assim que colocar os fios na água, para que não grudem. O Pici, por ser mais espesso, não vai cozinhar tão rápido quando fettuccine fresco, mas não vai demorar tanto quanto massa seca. Vá experimentando a cada minuto. Ele deve ter gosto de cozido, ter inchado um pouco e ter uma textura resistente à mordida. Cerca de 3-4 minutos. Escorra, misture imediatamente ao molho e sirva.

MOLHO COM PIMENTA CALABRESA
(improvisação minha)

Numa frigideira grande, aqueça em fogo médio uma colher (sopa) de azeite, 3 dentes de alho fatiados e 1 colh. (chá) pimenta calabresa seca (para um molho bem apimentado; você pode diminuir essa quantidade a gosto). Quando o alho soltar o aroma, junte duas latas de tomate italiano (ou 8 tomates frescos sem pele, picados), mexa bem com uma colher de pau,  quebrando os tomates em pedaços menores, abaixe o fogo e deixe apurar por cerca de 20 minutos, mexendo de vez em quando para não queimar, até que fique mais espesso. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto, uma colher (chá) vinagre de vinho branco, e, antes de escorrer a massa, junte 1/3 xic. da água do cozimento da massa, agora cheia de amido. Junte a massa escorrida, um fio de azeite e misture bem. Sirva polvilhado de parmesão

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Soba com berinjela e manga e picolé para arrematar (natal, pra quê?)

 O fim de ano do freelancer. Você entra naquela fantasia infantil, conforme dezembro se aproxima, de que sua falta de chefe propiciará controle sobre a própria agenda, e que, este ano – ah! este ano! – você conseguirá encerrar atividades no meio do mês e curtir duas semanas pré-natal descansando, lendo, cozinhando toda sorte de doces e biscoitos natalinos usando especiarias e frutas completamente em desacordo com a estação do ano do hemisfério Sul. Doce fantasia.

Aí aquele trabalho programado para a segunda-feira se arrasta em alterações até a semana seguinte, transformando aquele prazo mágico do cliente em mera sugestão descartada. Você se curva diante do computador até altas horas da noite, olhos ardendo de olhar para a tela, com a certeza de estar ganhando um atraente bico de papagaio nas costas, e uma tristezinha lenta por ter delegado seus filhos à sua mãe o dia todo, pelo décimo dia seguido. Queria ter preparado coisa melhor para o almoço, queria ter brincado lá fora com seu filho em meio às borboletas habitantes do pé de maracujá que cresce junto ao muro, queria ter construído aquele canteiro alto para a horta com as toras apanhadas de um terreno baldio há mais de um mês. Queria ter preparado torrone.

Mas respira fundo e agradece por ter trabalho para pagar a escola ano que vem, e continua no batente.

Último dia previsto de trabalho. O prazo não é mais mágico. Gráfica. Hoje. Acorda às dez pras seis com o choro da mais nova, depois de ter trabalhado até às duas da manhã na noite anterior. Faz um balde de café. Leva o mais velho pra escola, passeia o cachorro, arruma as camas, lava louça, pendura roupa que lavou durante a noite, prepara a massa na focaccia que o filhote vai levar pro piquenique da escola no dia seguinte. Faz outro balde de café. Liga pro cliente. Mais alterações de última hora. Bota a pequena pra cochilar e senta no computador. Trabalha, trabalha. Chove lá fora. Acaba a luz. O no-break permite que eu trabalhe mais vinte minutos e puft. Sem computador, sem internet. Gráfica. Hoje. Liga pro cliente. Explica a situação. Sente uma úlcera formando na boca do estômago. Arruma as coisas da casa que estão fora do lugar. Pega a pequena que acordou no berço, troca fralda, bota no cadeirão pra comer uma banana. Faz mais um balde de café. Liga pro cliente pra dizer que nada mudou, tudo ficou no lugar. Sem previsão da luz voltar. Gráfica. Hoje. Sente um aneurisma estourando atrás da orelha esquerda. Pensa em catar a pequena, o mais velho na escola e ir pra São Paulo trabalhar na mãe, que lá tem luz, tem internet e mais café. Mas lembra que o arquivo incompleto está dentro do computador desligado. Pensa em arrancar o arquivo de lá de dentro à la Zoolander. Melhor não. Pensa no almoço. Restô dontê. Tira da geladeira escura e desligada um grande pote com soba de manga e berinjela, um pedaço de fritatta de feijão branco e dente de leão colhido do jardim, pepinos fatiados finos e tomates cereja bem doces e deixa sobre a mesa. Pensa em deixar os pratos postos, mas lembra que talvez o pequeno queira fazer isso.

Pega a pimpolha, bota na cadeirinha do carro, dirige até a escola, tira a pimpolha da cadeirinha, anda na chuva fina até a porta da escola. Espera. "Você também está sem luz?" "Estou." "Tem previsão pra voltar?" "Não tem não." Entra na escola, anda até a sala, veste a mochila nas costas, enfia a alça da térmica no braço que segura a pimpolha, pega o outro pimpolho no outro braço, subindo-o no colo com uma mão só. Sente uma hérnia estourando em algum lugar perto dos rins. Leva as duas crianças na chuva até o carro. Pimpolho número 1 na cadeira. Pimpolha número 2 na cadeira. Mochila jogada no banco. Dirige de volta com a esperança vã de entrar em casa e ver ligadas as luzinhas de natal. Neh. Tira pimpolha da cadeira e bota no cadeirão. Pega pimpolho, leva pro quarto, tira o uniforme, bota roupa de brincar, leva pra fazer xixi e lavar a mão. Chama pra comer. Drama. Chama pra ajudar a pegar os pratos. Drama. Pega os pratos. Mexe na massa da focaccia e liga o forno no máximo. Pimpolho vem ver o que tem pra comer. Drama. Não quer soba. Gosta de soba, mas não quer soba. Os molares estão nascendo e rasgando as gengivas e o vinagre do molho faz arder. E a manga, queria manga doce, não manga salgada. A pequena come tudo. O pequeno come pepinos e tomates cereja e um pedaço minúsculo de fritatta.

Pega a picolé pros dois. Picolé de banana, iogurte caseiro, mel e canela. A pequena se refestela. O pequeno come sem fazer sujeira. Pede mais. Não. Biscoito. Não. Biscoooooito. NÃO. Drama.  
Manda brincar. Não quer brincar, quer biscoito. Não. Biscoito. Não. Quer desenho. Não tem desenho, não tem luz. Drama. Dente maldito, nasce logo, que você está deixando meu filho um chato. Manda mensagem pro cliente. Dá um jeito aí, usa a última versão, não sei quando entrego isso não. Lava a pimpolha imunda de picolé. Bota na sala com uma caixa de peças grandes de montar. O pequeno esquece o biscoito e vai brincar junto. Alívio. Lava louça. Limpa o chão da cozinha, imundo de soba, manga, berinjela, picolé, fritatta. Faz um balde de café e promete que esse é o último. Bota pequena pra cochilar.

A luz volta. Aleluia, aleluia, milagre de natal! Bota desenho pro pequeno ver e corre pro computador. Espera o arquivo imenso abrir. Espera. Espera. Faz as alterações. Manda achatar a imagem. Trava. Faz de novo. Trava. Volta. Achata a p*rra da imagem. Foi. Salva. Espera o arquivo imenso salvar. Manda mensagem feliz e reconfortante para o cliente. Vai subir o arquivo. Sua conta do xyz upload qualquer expirou. Faz o cadastro de novo. Um script não deixa seu arquivo subir. GRÁFICA. HOJE. O pequeno, que tinha dormido vendo desenho, acorda chorando. A pequena, que estava cochilando no berço, acorda chorando. O timer toca avisando que é pra colocar a focaccia no forno. Vai colocar a focaccia no forno e descobre que o gás acabou. Isso te vem à mente:


Pega a pimpolha aos berros no berço, bota no cadeirão e dá uma banana. Pega o pimpolho aos berros e dá um biscoito. Maldito biscoito. Desliga o gás, tira o botijão velho, bota o botijão novo, liga o gás, liga o forno no máximo, checa a focaccia. Corre para o computador, para o upload travado, procura outro site, faz outro cadastro, sim aceito os termos e condições, clica no link recebido no email, não, não quero promover minha conta gratuita para uma muito melhor só que paga, sobe o arquivo. Arquivo "subido". Liga pro cliente. Tudo certo. Tira pimpolha do cadeirão, lava a cara de banana, bota pra brincar de andar pela casa, segurando as mãozinhas. Pimpolho te chama na cozinha. Biscoito. Não. Biscoito. Não. BISCOITO. NÃO, P•RRA, ESPERA O JANTAR. Bota desenho. Bota pimpolha no cercadinho. Corre pra atender celular. Gráfica. Imprime assim. É. Esse tamanho. Responde email. Dobra roupa limpa. Separa. Guarda nas gavetas. Bota focaccia no forno. Parou de chover, bota o cachorro no quintal pra fazer xixi. Dá biscoito pro cachorro. Criança vem pedir biscoito. FOME. Quer macarrão? Quer. Jantar mais cedo. Bota nenê no cadeirão. Faz molho de alho, tomate cereja, e alcaparras. Rala parmesão. Pimpolho vem pedir queijo. Dá queijo. Cozinha macarrão. Tira focaccia do forno. Grudou nas laterais. Cata espátula para desgrudar. Queima o dedo. Queima o dedo de novo. Pimpolho está impaciente com o macarrão. Cadê o macarrão? Fome. Bate embaixo da focaccia. Não está pronta. Volta pro forno. Escorre o macarrão. Serve.

Observa tranquilamente enquanto as crianças comem. Respira.
Retira focaccia do forno. Bota na grade pra esfriar.

Bota as crianças no banho. Laura, senta. Senta, Laura, não pode ficar de pé na banheira. Thomas, para de jogar água no rosto da sua irmã! Tira a pequena, bota roupa, bota no chão do quarto. Vai pegar o outro. Pequena prende o dedo na gaveta enquanto isso. Volta correndo pra soltar o dedo e dar bronca. Dá um brinquedo na mão pra se distrair e não prender o dedo na gaveta de novo e vai pegar o outro. Bota pijama e manda ir brincar e esperar o papai chegar. Bota pequena no cercadinho na sala. Lava louça. Bota o cachorro pra fazer xixi de novo. Papai chega. Pega email. Deu tudo certo. Vai tomar banho. Nina a pequena, bota no berço. Pega o mais velho. Escova os dentes. Faz xixi. Vai pra cama. Conta história. Vai pra sala. Abre a geladeira. Apanha o pote do que sobrou de soba com berinjela e manga e leva pra sala. Volta pra geladeira, apanha uma Guinness. Senta no sofá. Respira.

É por isso que não tem uma série de natal esse ano aqui no blog.

SOBA DE MANGA E BERINJELA
(do lindo Plenty, de Yotam Ottolenghi)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 1/2 xic. vinagre de arroz
  • 3 colh. (sopa) açúcar
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 2 dentes de alho, amassados
  • 1/2 pimenta vermelha fresca, picada finamente
  • 1 colh. (chá) óleo de gergelim
  • casca ralada e suco de 1 limão tahiti
  • 1 xic. óleo de girassol
  • 2 berinjelas médias, cortadas em cubos de 1,5cm ou tiras de 0,5cm de espessura
  • 220-250g soba
  • 1 manga grande e madura, cortada em cubos pequenos ou fatias finas
  • 1 2/3 xic. manjericão fresco, picado
  • 2 1/2 xic. coentro fresco, picado
  • 1/2 cebola vermelha, fatiada finamente

Preparo:
  1. Numa panela pequena, aqueça gentilmente o vinagre, açúcar e sal por um minuto, apenas para dissolver o açúcar. Remova do fogo e junte o alho, pimenta e óleo de gergelim. Deixe esfriar e junte as raspas de limão e o suco. 
  2. Numa frigideira grande, aqueça o óleo e frite a berinjela em três ou quatro levas. Uma vez douradas, remova para um escorredor e polvilhe com sal, deixando escorrer.
  3. Cozinhe o soba em abundante água fervente, mexendo ocasionalmente. Escorra enquanto estiver ainda al dente e passe sob água fria. Tente tirar todo o excesso de água. Reserve.
  4. Numa tigela grande, misture o soba, o molho, a manga e a berinjela, mais metade das ervas e metade da cebola. Você pode deixar o prato assim, em temperatura ambiente, por 1 ou 2 horas, se quiser. Quando quiser servir, junte o resto das ervas e cebola e misture bem.

Obs1: Fritei as berinjelas em apenas um fio de óleo e ficou muito bom também. Não tinha coentro e usei bem menos manjericão, e ficou igualmente gostoso. Fica tudo bem bom mesmo depois de um dia de geladeira e a vantagem é que não precisa requentar. ;)

Obs2: Os picolés, fiz no olho, misturando mais ou menos 1 1/2 xic. de iogurte caseiro, 4 bananas, uma ou duas colheres de sopa de mel e uma pitada de canela. Bati tudo no liquidificador e coloquei em forminhas de picolé por uma noite toda antes de servir.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Pesto de couve para comer coisas verdes

Para quem torcia contra e estava ansiosamente esperando o momento em que meu devorador de tudo o que parece comida (e outras coisas que não parecem) entrasse na fase do não gosto e não quero, saiba que esse momento chegou. Na verdade há já algum tempo, bem uns dois meses, quando começou a recusar todos os seus pratos favoritos (menos macarrão com molho de tomate) e desenvolveu uma cisma com tudo o que é verde. Se ele visse qualquer pedacinho maior de salsinha grudada no seu arroz, lá iam seus dedinhos cuidadosos separar a erva ofensiva do seu jantar, jogando-a para fora do prato com muito alarde.

Mesmo o truque de picar muito bem coisas como espinafre não estava dando certo. Foram muitos almoços frustrantes, muita birra e muita comida jogada fora (ou para o cachorro, que adorou a fase sem apetite do pequeno).

Qual não foi minha surpresa então quando, depois de recusar arroz com tomate e ervilha (super kid friendly), ele raspou seu prato de crepe de beterraba com recheio de espinafre e mozzarella! Eu tinha certeza de que, no máximo, ele comeria os cubinhos de queijo e a massinha cor-de-rosa, e nunca imaginei que chegaria perto daquele emaranhado de enormes e inteiras folhas de espinafre refogado, aquele recheio verde-escuro e totalmente vegetal para o qual mesmo alguns adultos estragados olhariam torto.

Mas comeu. Com gosto.

Ele anda recusando o pãozinho com manteiga de manhã. Não quer saber de banana. Detesta batata cozida. Mas chamei-o para ligar o botão do processador enquanto fazia pesto de couve, o que sempre o deixa contente, e, de farra, dei-lhe a espátula cheia de pesto para lamber, como se fosse massa de bolo. Para meu espanto, ele lambeu, roubou a espátula de minha mão e ficou emitinho "hummmms" e "nham-nhams" enquanto devorava o resto. No macarrão, ele raspou o prato. E essa foi a primeira vez em que ele comeu couve, sempre recusada por sua aparência e textura.

É preciso lembrar de que se por um lado os pimpolhos decidem não gostar mais de algo que adoravam, nos deixando loucas, por outro, podem começar a gostar de algo que detestavam, o que é ótimo e me faz acreditar que realmente é bom continuar colocando no prato deles mesmo os itens que eles nunca comem. Um dia, quem sabe, eles decidem comer o espinafre e gostar de couve. Também me dei conta de que só porque ele não gosta da aparência ou da textura de algo, não quer dizer que não vá apreciar o sabor. E, por fim, que criança é movida à novidade (e quem não?), e ele provavelmente estava mais do que entediado pela miríade de fritattas e stir-fries que eu andava servido a ele. Tanto, que a quiche de milho e alho-poró foi devorada, assim como o soufflé de cenoura e cominho. E a manga e a uva no lugar da banana de sempre.

E eis que tenho de volta meu cavaleiro devorador, mas agora devorador de coisas verdes. ^_^

Ainda falta o alface, no entanto. :P

Este pesto de couve encontrei num blog lindo que sempre me dá vontade de correr para a cozinha: A Cozy Kitchen. Ele é fácil e delicioso; o gosto da couve não fica mascarado pelos outros ingredientes, mas tenho certeza de que se pode substituir o pistache, tão caro por essas bandas, por outra castanha mais em conta, sem grandes prejuízos.

FUSILLI COM PESTO DE COUVE-MANTEIGA
(daqui: http://acozykitchen.com/kale-pesto/)
Tempo de preparo: 20 minutos
Rendimento: cerca de 1 xícara (suficiente para 4-6 porções)

Ingredientes:
  • 250-300g couve manteiga, sem os talos, picada
  • 1 dente de alho
  • 1/3 xic. pistache sem sal, sem a casca e ligeiramente tostado na frigideira
  • suco de 1 limão pequeno (tahiti ou siciliano)
  • 1/3 xic. queijo parmesão ralado
  • 1 pitada de pimenta calabreza seca
  • 1/4 xic. azeite de oliva
  • sal
  • 1/2 xic. água do cozimento do macarrão
  • Fusilli (100g por pessoa)

Preparo:
  1. Cozinhe a couve em água salgada fervente por alguns minutos, até que esteja macia. Escorra, deixe esfriar um pouco e seque em panos de prato ou num secador de saladas, para retirar bem o excesso de água. 
  2. No processador (ou no pilão), bata o alho e o pistache até formar uma farofa fina. Junte o suco de limão e a couve, e processe novamente até que a couve esteja moída bem miudinha. Junte o queijo e a pimenta e processe mais uma vez. 
  3. Acrescente o azeite aos poucos, processando até formar uma pasta mais ou menos homogênea. Tempere com sal a gosto, se necessário.
  4. Cozinhe o macarrão (preferencialmente fusilli), que aderem melhor ao molho pesto). Reserve 1/2 xic. da água com o amido da massa e junte ao pesto, diluindo-o.  Escorra a massa e junte ao molho, misturando bem. Sirva imediatamente.


terça-feira, 7 de junho de 2011

Somen, acelga e tofu para um almoço tranquilo

O bebê segue meus movimentos com seus olhinhos alertas e azul-acinzentados. Ele parece gostar dos sons da cozinha, e apesar do tilintar de louças, da batida ritmada da faca contra a tábua de madeira e do burburinho da água da torneira sobre a pia de inox, ele adormece.

Abro a geladeira para apanhar meus ingredientes: molho de ostra, shoyu (ambos sem glutamato monossódico), mirin, um toco de tofu orgânico e uma linda e enorme acelga orgânica. Da despensa, apanho uma porção de somen. Tenho consciência de que somen costuma ser comido frio, mas em minha tentativa de trabalhar com o que tenho em mãos, o somen hoje será servido quente.

Coloco água para ferver numa panela pequena e aqueço um fio de óleo em uma frigideira. Corto o toco de tofu em pedaços menores e atiro-os ao óleo quente, dourando-os dos dois lados. Enquanto isso, misturo numa tigela um pouco de mirin, shoyu e cebolinhas picadas. No olho, a gosto. Aqueço outra frigideirinha pequena, onde tosto sementes de gergelim e junto-as ao molho. Assim que o tofu está pronto, ele vai para a tigela, para absorver os sabores. A frigideira grande continua no fogo enquanto mergulho algumas folhas de acelga fatiadas fino na água fervente. Um minutinho apenas. Então, com a ajuda de um pegador de metal, retiro as folhas amolecidas e verde-vivo da água e jogo-as na frigideira ainda com um pouco de óleo pelando. Muito barulho e uma nuvem de vapor branco. Junto uma colherada de molho de ostra e mexo bem, desligando o fogo. Na água ainda fervente vai o somen, por poucos minutos. Escorro-o e junto à acelga e ao molho com tofu, misturando tudo muito bem.

Levo minha tigela fumegante para a sala e vou buscar o bebê adormecido. Sento-me no sofá ao lado do cão peludo, quentinho e ligeiramente carente. Ele repousa sua cabeça em meu colo quando cruzo as pernas. O bebê dorme profundamente em sua cadeirinha, enrolado no xale de lã, e sei que ainda poderei cochilar por meia hora antes que ele acorde para mamar novamente.

terça-feira, 15 de março de 2011

Soba de chá verde com pepinos apimentados e cogumelos

Dizem que comida apimentada faz você entrar em trabalho de parto. Considerando a quantidade de vezes que comi esse prato nos últimos meses, mais toda a comida mexicana e asiática que andei preparando e comendo fora desde o início da gravidez, vou precisar engolir uma Scotch-Bonnet inteira para o expulsar o menino da barriga. O bebê já vai nascer pedindo pra botar Tabasco no leite.

A primeira vez em que preparei esse soba muito rápido e fácil, usei a quantidade inteira de pimenta calabresa pedida na receita (2 colheres de chá!). O marido, que come molho de pimenta brava de colher, lacrimejava a cada garfada. Então resolvi substituir as "colheres" de pimenta em flocos por "pitadas". E, mesmo assim, dependendo do tamanho da sua pitada, os pepinos absorvem o fogo da pimenta como uns loucos e você pode acabar exagerando na picância do prato.

Mas... vai do gosto do freguês. Gosto do apimentado que não mascara o sabor dos outros ingredientes. E você não vai querer mascarar os cogumelos no molho de ostra, a refrescância dos pepinos e o sabor interessantíssimo desse soba aromatizado com chá verde. O soba – que é uma massa feita de trigo sarraceno – pode ser encontrado na gôndola de produtos asiáticos dos bons mercados e empórios ou nos mercados da Liberdade, assim como essa variação com chá verde, que torna os fios esverdeados e seu sabor ligeiramente amargo. Mas, caso só encontre o soba comum, acho que o prato deve ficar igualmente bom.

Também troquei o caldo de legumes por água, não me importei em descascar ou retirar as sementes do pepino e já variei um bocado o tipo de cogumelos usado (shiitake, shimeji, enoki, às vezes misturado, às vezes um tipo só...), e sempre fica bom.

Fiquei feliz por ter encontrado no mercado um molho de ostra sem glutamato monossódico, um negócio que eu abomino e que me dá dor de cabeça. Na primeira vez em que fiz o prato, fiquei com preguiça de comprar o molho, pois estava de mudança e achei bobagem levar de um apartamento para o outro uma garrafa de molho de ostra recém-aberto. E preparei o soba com shoyu no lugar. Bem, o molho fez falta. Ele tem um sabor interessante e diferente e é bastante salgado, então nem se incomode em salgar o prato.

Aliás, se você gosta de pratos com um toque asiático, ter esses ingredientes em casa (mirin, molho de ostra, shoyu, nam pla, óleo de gergelim, soba e outras massas) é uma mão na roda para as noites sem tempo, pois há uma infinidade de receitas deliciosas que podem ser feitas em vinte minutos ou menos. :)


[A porção da foto é praticamente para duas pessoas; porção de mulher grávida de 38 semanas, urrando de fome...]

SOBA DE CHÁ VERDE COM PEPINOS APIMENTADOS E COGUMELOS
(ligeiramente adaptado da revista Donna Hay)
Tempo de preparo: 10 minutos (com o mis-en-place)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 1/4 xic. mirin (sake culinário, vinagre de arroz)
  • 1 colh. (sopa) suco de limão
  • 1 pitada generosa de pimenta calabresa em flocos
  • 1 colh. (sopa) sementes de gergelim, tostadas
  • 2 pepinos fatiados fino
  • 1 colh. (sopa) óleo de gergelim
  • 400g cogumelos (shiitake, shimeji, enoki, nameko, pleurotus...), fatiados, se necessário
  • 1/2 xic. molho de ostra (o do Panda é uma boa marca)
  • 1/2 xic. água
  • 270g soba de chá verde
  • 1 xic. folhas de hortelã
  • 3 talos de cebolinha grandes, picadas

Preparo:
  1. Cozinhe o soba conforme as instruções na embalagem, escorra e reserve. 
  2. Numa tigela, misture os pepinos fatiados, a pimenta, as sementes de gergelim, o mirin e o suco de limão. Reserve.
  3. Aqueça o óleo de gergelim numa frigideira grande e junte os cogumelos, cozinhando por 1-2 minutos em fogo alto. 
  4. Junte o molho de ostra, a água e o soba cozido e mexa bem por 1 minuto, ou até que a massa esteja coberta de molho. Desligue o fogo e junte os pepinos e seu líquido, a hortelã e a cebolinha. Misture bem e sirva. 

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Um almoço colaborativo: pizzoccheri com folhas de rabanete

Espero que todos tenham tido um ótimo Natal e um excelente Reveillon. Eu tinha sim planos de escrever durante o fim do ano a respeito de todas as minhas desventuras culinárias, mas confesso que depois de passar tantos dias preparando comida, a única coisa que queria era sentar e comer, e não ficar fotografando ou falando a respeito. Passadas as festas, passei dois merecidos dias assistindo a uma temporada inteira de Mad Men, com meus delicados pés tamanho 40 para cima.

[Apenas para matar a curiosidade de qualquer transeunte, o almoço do dia 25 foi quase um repeteco de dois anos atrás: pasta de figo seco e avelã com pecorino, arroz selvagem com cramberries secas e castanhas, couve de bruxelas com parmesão, uma salada de aspargos, batatas e avelãs e uma torta de abóbora, tudo para acompanhar o peru, o tender e a farofa de minha mãe. De sobremesa, o velho e bom panettone, sorvete de nozes, sorvete de baunilha e calda quente de chocolate. Como alternativa, torta de limão com coco. No Reveillon, Saint Peter marinado em charmoula, com berinjelas e pimentões agridoces, rúcula e batatas assadas.]

De qualquer forma, confesso que ainda estou esperando a correria passar. No fim do ano, a correria do trabalho virou correria de compromissos familiares e com amigos que não via havia muito tempo e depois correria de cozinha. Quando essa maratona passou, me vi defronte a uma nova: a maratona do "faltam três meses para o bebê chegar e eu ainda não tenho nem onde colocar o moleque".

Vê-se logo que as experimentações culinárias andam em segundo plano.

Hoje, com pouco tempo e muita fome, resolvi colocar em uso dois deliciosos presentes: um maço de folhas de rabanete fresquinhas, colhidas da horta de meu primo, e um pacote de pizzoccheri que minha cunhada nos trouxe da Itália.

Enquanto os pizzoccheri cozinhavam, piquei grosseiramente as folhas de rabanete e fatiei um grande dente de alho. Refoguei o alho numa frigideira com um fio de azeite e um naco de manteiga. Quando começou a dourar, juntei as folhas, com uma generosa pitada de sal e pimenta-do-reino, e mexi com um garfo grande de bambu [acho os garfos mais práticos que as colheres para mover folhas numa frigideira sem jogá-las para fora da panela] até que estivessem murchas mas ainda de um verde bem vivo. Juntei um punhado de passas, mais um naco generoso de manteiga e acertei o tempero. Então bastou escorrer os pizzoccheri e juntá-los às folhas refogadas, servindo com um punhado de parmesão ralado grosso.

De barriga cheia e gordice satisfeita, posso voltar para minha correria.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Spaghetti integral com salmão e espinafre e uma despensa revigorada

Quem passa por aqui há tempos sabe que o blog, assim como eu, caminhou em evolução constante, desde seu primeiro post até hoje. Não sou quem eu era há alguns anos atrás. Minha comida não é a mesma. Bem, apenas o que eu queria que tivesse mudado é o que continua: minha cozinhazinha pequena. O primeiro prato que preparei depois de casada, e pela primeira vez morando fora da casa de meus pais e me vendo na missão de não apenas cozinhar de domingo, ocasião especial, mas todos os dias, duas, até três vezes por dia, foi uma sopa japonesa simples, com macarrão, acelga chinesa, cogumelos shiimeji e cebolinhas. Aquela sopa foi feita com Miojo (sem o saquinho de tempero) e caldo de legumes em cubos.

Naquela época, eu já era um bocado frustrada com o desaparecimento de alguns gostos de infância, como o sorvete de morangos da Kibon, que costumava ter pedacinhos de morango e gosto... bem... de alguma coisa. A frustração do sorvete, aliada à viagem que eu acabara de fazer à Itália, onde pudera experimentar sorvete de verdade, com gosto dos da infância, fez com que eu começasse, muito devagar, a prestar atenção a ingredientes e buscar a relação qualidade/preço ao invés de quantidade/preço

Eu comprara minha primeira faca de chef [sem pretensões, o nome é esse mesmo], e passava um bom tempo prestando atenção aos movimentos das mãos de Jamie Oliver, num dos ainda pouco frequentes programas de culinária na TV. Não queria cortar cebolas como Nigella (ou minha mãe, meu deus!), devagar, com uma faquinha de frutas, quase cortando os dedos fora com a força desnecessária aplicada graças a um instrumento e técnica incorretos. Sabia que cozinhar me tomava mais tempo do que deveria, simplesmente porque algumas tarefas se arrastavam mais do o normal. Devagarinho, como quem aprende um instrumento musical, pratiquei. Adagio, para não cortar os dedos. E conforme acelerava o andamento, conforme a música se tornava familiar e eu já podia ler vários compassos à frente, o ato de preparar uma refeição foi se tornando mais prazeiroso, mais simples, mais fácil.

O tempo ganho na velocidade do mis-en-place diário me possibilitou, eventualmente, começar a abandonar alguns atalhos. Eu poderia preparar meus próprios quibes vegetarianos, ao invés de comprá-los prontos. Pois picar as cebolas, o alho, os cogumelos, a salsinha, não requereria de mim mais que poucos minutos. Mas preparar aqueles quibes todos os dias me parecia dar as costas a uma miríade de outros sabores apenas esperando para se revelarem a mim, e comecei a comprar e devorar livros de culinária como algumas mulheres compram sapatos. Era delicioso descobrir que mesmo alguns clássicos poderiam ser feitos de formas diferentes, e comecei a testá-los, um por um, buscando meus brownies favoritos, meus chocolate chip cookies favoritos, minha panna cotta, meu minestrone, minha polenta (a versão com leite, veneziana, é a favorita aqui em casa)...

Quanto mais lia e praticava, mais compreendia a ciência da cozinha e como as coisas funcionavam. Isso fez com que eu entendesse quais ingredientes devem ou não devem estar em um prato e por quê. E percebi que iogurte que não seja leite e fermento lácteo não é iogurte. Que queijos não devem ter corantes urucum e massas de sêmola de grano duro não devem ter mais absolutamente nenhum outro ingrediente a não ser... sêmolda de grano duro. A curiosidade que me levou aos livros, levou-me aos rótulos, e de repente minha frustração estava explicada, ao passo que me chocava ao me dar conta de que pagamos por comida mas não recebemos comida em troca.

Minha reação, ao contrário do que muitos pensam, não foi racional, mas visceral. Eu tinha verdadeiro nojo de determinados produtos vendidos como alimento, assim como deixara de comer nuggets de frango ainda na adolescência, quando eles começaram a apresentar pedaços de cartilagem não moída. Eu não escolhi parar de comer Bis. Eu não conseguia mais comer Bis. Não me parecia comida. Não era apetitoso.

Acostumada a acreditar que tudo na vida deve ser "super fácil" e "super rápido", porque todo mundo é "super ocupado", não foi fácil começar a encaixar em minha rotina alguns preparos que exigiam mais planejamento, como fazer meu próprio pão toda semana, ou lembrar de deixar os feijões de molho na noite anterior. Durante muito tempo, ainda apelava para produtos prontos, ainda que sem glutamato monossódico [que eventualmente descobri que me causava dores de cabeça], gomas e conservantes.

É difícil incorporar um novo hábito, mas uma vez instalado, ele se torna natural e parte de sua vida. E depois de quase cinco anos, num dia em que resolvi organizar minha despensa e rotular de caneta branca todos os potes de vidro, dei-me conta de que finalmente conseguira. Alcançara meu objetivo. Olhei para aquelas duas prateleiras de vidros rabiscados, e não pude deixar de sorrir orgulhosa. Na prateleira inferior, à esquerda, meu cesto de temperos, repleto de especiarias, ervas secas e pimentas. À direita, vidros com massas de sêmola de grano duro e algumas massas japonesas de que gosto, milho de pipoca orgânico, diferentes tipos de feijões, lentilhas, arroz basmati e arbóreo, cevada, aveia em grão, quinua, couscous marroquino, flocos de amaranto, mel, melaço de cana, tomates italianos em lata e açúcar orgânico. Na prateleira de cima, à esquerda, meu baú de confeitaria, com chocolate orgânico 60%, chocolate 99% de cacau, cacau em pó, bicarbonato de sódio, fermento químico e biológico seco, extrato natural de baunilha, matcha, lavanda, amido de milho, agar-agar, açúcar mascavo e tapioca. Ao lado, vidros com farinha de trigo orgânica, açúcar demerara e baunilhado, polenta, farinha de trigo sarraceno, farinha de farro, centeio e cevada.
Encantada com aquela despensa que jamais, durante toda a sua existência, fora tão absolutamente natural, abri a geladeira. Legumes e frutas frescas, leite, iogurte caseiro, queijos, anchovas, alcaparras, picles, mostarda de Dijon, pimentas variadas, shoyu, mirin, nam pla, maple syrup, óleo de nozes, manteiga de amendoim orgânica, geleia de laranja, gengibre em calda, farinha de castanha portuguesa, uvas passas, cramberries secas, castanha de cacau torrada e picada, ovos, manteiga, nozes, amêndoas, amendoim cru e castanhas de caju. Ali, escondido, meu pote de aparas, para o caldo de legumes da próxima semana. No freezer, caldo de legumes em porções de 500ml, gengibre, capim cidreira, alguns restos de vinho para usar em cozidos, sorvete de castanha portuguesa caseiro, biscoitos caseiros moídos esperando para virar base de torta, claras de ovos, caldo de kombu, framboesas e blueberries. Embaixo da pia, junto das panelas e protegidas da luz, garrafas de diversos vinagres, óleo de amendoim prensado a frio e gergelim, azeite extra-virgem, rum, conhaque e Marsala.

Olhei em volta. Para minha cozinha sem microondas, estranhamente silenciosa àquela hora do dia, o sol entrenuvens daquela tarde refletindo ligeiramente dourado. Pensei em minhas duas avós que já se foram. Que me inspiram tanto. Que me educaram tanto, sem saber, na arte de cozinhar com gosto, comida de verdade, para pessoas com quem me importo. Elas provavelmente ficariam curiosas ao dar de cara com quinua, nam pla ou masa harina. Mas saberiam preparar alguma boa gororoba com qualquer coisa que encontrassem aqui. A despeito do ketchup Heinz e do Toddy que meu marido não larga nem por decreto, estou orgulhosa e tenho certeza de que elas também ficariam.

É absolutamente possível viver sem depender dos produtos industrializados e de baixa qualidade de grandes multinacionais. Não só possível, como muito, muito melhor. O jantar de ontem foi uma coincidência, pois havia na despensa e na geladeira [e no vaso plantado na área de serviço, no caso do manjericão] todos os ingredientes para esta receita simplíssima de Giada di Laurentiis. E eu recomendo. Use spaghetti comum se não tiver o integral, e, se o espinafre estiver já muito adulto, de folhas grandes e espessas, como é no inverno [espinafre é melhor no outono e na primavera, quando é jovem e suas folhas são mais delicadas, melhores para serem comidas cruas], substitua por outra verdura crua semelhante, verde-escura e ligeiramente amarga. O spaghetti não é para ser comido como acompanhamento do salmão, mas sim, esse último deve ser gradualmente despedaçado durante a refeição e incorporado a cada garfada de massa e espinafre. Você pode mesmo despedaçar o salmão já grelhado e misturá-lo à massa antes de servir (nesse caso, retire a pele).

SPAGHETTI INTEGRAL COM SALMÃO E ESPINAFRE
(do livro Giada's Kitchen, de Giada di Laurentiis)
Tempo de preparo: 20 minutos
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 400g spaghetti integral
  • 1 dente de alho, picado fino
  • 3 colh. (sopa) azeite extra-virgem
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 1/2 colh. (chá) pimenta do reino moída na hora
  • 4 filés de salmão de cerca de 120g cada
  • 1/4 xíc. manjericão fresco, rasgado com as mãos
  • 3 colh. (sopa) alcaparras
  • raspas de 1 limão (tahiti ou siciliano)
  • 2 colh. (sopa) suco de limão
  • 2 xic. espinafre baby/precoce (ou as menores folhas do maço)

Preparo:
  1. Coloque bastante água para ferver em uma panela grande. Quando ferver, salgue e coloque o spaghetti para cozinhar durante o tempo indicado na embalagem. Enquanto isso, coloque o alho, 2 colh. (sopa) do azeite, sal e pimenta em uma tigela grande.
  2. Tempere o salmão com sal, pimenta-do-reino e esfregue a colher de azeite restante nos filés. Coloque os filés uma frigideira grande, bem quente (cozinhe dois por vez, se a frigideira não for grande, para que eles não fiquem amontoados), pele para baixo, e cozinhe em fogo médio-alto até que o salmão mude de cor até a metade da altura. Reduza o fogo se a pele estiver queimando. O tempo vai depender da espessura do salmão (2-4 minutos, mais ou menos, mas guie-se sempre pela cor e não pelo tempo). Vire e cozinhe o outro lado. Remova da frigideira.
  3. Escorra o spaghetti e misture-o ao conteúdo da tigela. Junte o manjericão, o espinafre, as alcaparras, raspa e suco de limão e misture bem com a ajuda de dois garfos. Distribua em quatro pratos e coloque os filés de salmão em cima. Sirva imediatamente.

Cozinhe isso também!

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