segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Biscoitos de chocolate para depois de um dia de trabalho

Semana passada fui totalmente abduzida pelo trabalho. Um trabalho bom, daqueles que faz você suspirar aliviada por ter tomado a decisão certa a respeito de sua carreira – no meu caso, largar design gráfico e me concentrar em ilustração e pintura. O resultado do trabalho, três aquarelas imensas para um evento corporativo, podem ser vistas AQUI. Enquanto isso, lembro a quem quiser [pode fazer jabá no próprio blog? Acho que sim, certo? ;)] que reproduções e originais podem ser compradas na minha loja AQUI e que pinturas podem ser encomendadas a qualquer momento. :)

Em meio à correria, tendo inclusive recorrido a minha mãe para cuidar do pimpolho enquanto eu pintava loucamente, fiquei com uma vontade enlouquecida de comer biscoitos de chocolate. Desejo de grávida ou simples gordice, a verdade é que eu precisava de algo super fácil e rápido. Recorri ao livro de biscoitos de Alice Medrich, Chewy Gooey Crispy Crunchy, e, enquanto Thomas jantava – maravilha de criança que come sozinha, deixa as mãos da mamãe livres – coloquei todos os ingredientes no processador, enrolei a massa em papel alumínio e levei ao freezer. No tempo que demorou para dar um banho no pequeno (e tirar a tinta azul do meu tornozelo, que ainda não sei como foi parar lá)  e colocá-lo para dormir, a massa firmou. E assim que o moleque danado cessou suas incorridas de chupeta e travesseiro em mãos até a sala e resolveu dormir de vez, os biscoitos foram para o forno. Em pouco tempo eles esfriavam na bancada da cozinha, e quando me sentei para ver um episódio de No Reservations em Paris, eles já estavam crocantes e deliciosos em minha mão.

Estes biscoitos são intensos de cacau, e apenas doces o suficiente. Crocantes, leves, do tipo perigoso que você continua comendo se o pote estiver aberto na sua frente. Ótimos para rechear com algum creme ou ganache, perfeitos para esmigalhar em cima do sorvete e acho que devem ser uma delícia com uma cerveja bem escura.

No dia seguinte, Allex apanhou um dos vidros de biscoito para levar ao trabalho, e no meio do dia recebo o seguinte email: "Por favor, faça esse cookie pelo resto da sua vida".

Acho que foi um sucesso.

BISCOITOS DE CHOCOLATE DE PROCESSADOR
(do infalível Chewy Gooey Crispy Crunchy, de Alice Medrich)
Tempo de preparo: 10 minutos + 15 minutos de forno (1 hora de freezer ou geladeira)
Rendimento: 50-60 biscoitos

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo branca orgânica
  • 3/4 xic. cacau em pó não adoçado (usei Callebaut)
  • 1 xic. + 2 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 1/4 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 14 colh. (sopa) manteiga sem sal, ligeiramente amolecida (cerca de 210g)
  • 3 colh. (sopa) leite integral
  • 1 colh.(chá) extrato natural de baunilha

Preparo:
  1. Coloque a farinha, cacau, açúcar, sal e fermento no processador de alimentos e pulse algumas vezes para misturar bem. Junte a manteiga cortada em pedaços menores e pulse mais algumas vezes.
  2. Coloque o leite e a baunilha num copo. Com o processador ligado, derrame o leite pelo tubo devagar, e continue processando até que a mistura se agrupe junto à lâmina ou às laterais do pote. Sove uma ou duas vezes a massa, apenas para garantir que está tudo bem incorporado, e então forme um cilindro de cerca de 35cm. Embrulhe em papel alumínio ou papel-manteiga e leve à geladeira por no mínimo 1 hora e no máximo 3 dias. (Como fazia 30ºC na minha cozinha àquela noite, levei ao freezer.)
  3. Pré-aqueça o forno a 180ºC com as grades nos terços inferior e superior e forre duas assadeiras com papel-manteiga ou silpats. Corte fatias de 0,5cm do cilindro e distribua nas assadeiras, deixando uns 3cm entre os biscoitos. Leve ao forno por 12-15 minutos, ou até que tenham inflado um pouco e desinflado novamente e pareçam secos.
  4. Retire do forno, e transfira os silpats ou papéis para uma grade para que esfriem. Se depois de frios, não estiverem crocantes, volte ao forno por mais um minutinho ou dois. Depois de frios, podem ser guardados em potes fechados por até 2 semanas ou até 2 meses no freezer.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Eu adoro pão velho

Parece ridículo publicar uma receita para french-toast, ou rabanada, considerando que 90% das famílias brasileiras têm sua própria receita da mesma, que por algum motivo que desconheço, virou comida de Natal. Mas a danada está aqui porque eu mesma reneguei essa delícia simples por muito tempo.

Na mesa de Natal de meus tios sempre havia rabanada. Mas meu cérebro infantil sempre confundiu as coisas, e quando me perguntava se queria rabanada, torcia o nariz, fugia correndo, achando que me ofereciam algo feito de rabo. Vai entender. Se alguém sabe por que diabos o pobre pãozinho ganhou nome tão infeliz, por favor me dê uma luz.

Quando mais velha, ouvia em filmes e seriados sobre a tal French Toast, mas nunca me interessei muito. Foi apenas quando casei e comecei a cozinhar e produzir pães em casa que a possibilidade de transformar pão amanhecido em coisas deliciosas me trouxe essa gostosura. Afinal, tanto trabalho e bons ingredientes haviam sido colocados naquele pãozinho, que parecia sacrilégio jogá-lo no lixo só por ter ficado duro. Parecia, não: é. [Agora pense naquele pão bizarro de supermercado, que não amanhece, não resseca, não estraga, tem para sempre aquela textura gelatinosa e não se presta a mais nada a não ser grudar na parte detrás dos seus incisivos quando você os morde.]

Toda semana alguém me escreve a respeito de pães caseiros e comenta algo como "pena que fica duro de um dia para o outro" ou "pena que não dura como o de supermercado". Isso sempre me surpreende um bocado, por vários motivos. Primeiro, que meus pães duram bem uma semana, frescos, ressecando muito devagarinho, e raramente eles de fato endurecem antes de terem sido completamente consumidos. (No fim da semana, já não tão macios, mas pouco ressecados, vão para a torradeira logo de uma vez.)

Se você deixar um pão caseiro, que não tem nenhum conservante, estabilizante, anti-umectante ou qualquer "ante" nojento, descoberto na bandeja da cozinha, como se fosse decoração, de fato ele estará uma pedra no dia seguinte. Para que isso não aconteça, assim que seu pão (qualquer pão: rústico, de forma, brioche, o que for, salvo aqueles bem doces, com coberturas e caldinhas) estiver completamente frio, embrulhe-o muito bem em um pano de prato grande e limpo, sem deixar nenhuma frestinha à vista, e deixe-o assim na sua cesta de pão, num canto da bancada que não tome sol e seja fresquinho. O pano de prato deixa o pão respirar o bastante para que sua umidade não condense e ele não mofe (ao contrário de plástico) e retém suficiente umidade para que ele não resseque de um dia para o outro (ao contrário de sacos de papel). Sempre que cortar um pedacinho, embrulhe o pão muito bem novamente. E pronto. Pãozinho perfeitamente macio por dias.

Agora, e se não der tempo de comer e o pão de fato ficar duro? Ai, que desperdício de pão? Não, de jeito nenhum. Não foi uma só vez que fiz dois pães com o intuito de deixar que um deles amanhecesse, ou que apanhei uma metade de um pão, cortei em pedaços e deixei exposto numa bandeja, especificamente para que ressecasse mais rápido. Já vi sites de culinária com gente perguntando o que fazer com ponta de baguette, que o transeunte simplesmente jogava fora. Hein?? Não, pelamor!

Se está sem criatividade, pode terminar de secar o pão no forno e moer no processador (ou no moedor de carne, de manivela, como fazia minha mãe, pacientemente) para transformar em farinha de rosca, que deixo num pote fechado na geladeira e dura horrores (e fica uma delícia, assim com vários tipos de pães misturados). Num próximo nível, o pão duro pode ser cortado em cubos menores e passado no azeite na frigiedeira, para virar croûtons na salada do almoço. Se estiver se sentindo italiano, pode deixar os nacos do pão duro macerando com tomates, azeite e vinagre até ficarem macios, e misturá-los a várias outras coisas gostosas, produzindo uma panzanella. Ou, deixe os nacos macerando em leite até que absorvam o líquido, exprema com as mãos para tirar o excesso e misture à carne das almôndegas. Ou faça as deliciosas almôndegas de pão e queijo, os canederli italianos. Ou ainda use em sopas de pão como pappa al pomodoro, ou outras versões que a cozinha mediterrânea (portuguesa, espanhola, francesa) tem de monte. O pão duro, em nacos ou fatias, pode também virar bread pudding, versão doce ou salgada, com variações infinitas, ajudando a usar toda a sorte de restos de queijos e legumes que houver na geladeira. Ou, enfim, rabanadas, french toast, ou, meu nome favorito, francês, Pain Perdu.

Sempre faço meio no olho, de acordo com a secura do pão e a quantidade dele. E nunca fiz no Natal. Pain Perdu, French Toast ou Rabanada, aqui em casa é comida de café da manhã, quando o pão ficou duro e ninguém lembrou de fazer pão ou ir à padaria. Bato com um garfo 1 ovo e 1 xic. ou mais de leite integral e tempero com uma pitada de sal e uma colherinha de açúcar, comum ou baunilhado. Às vezes junto um splashezinho de extrato de baunilha, às vezes não. Cubro as fatias grossas de pão duro (pense numa quantidade como 2 pães franceses em fatias de 1,5cm) com a mistura e deixo que absorvam rapidamente o líquido enquanto derreto uma colher generosa de manteiga numa frigideira grande, em fogo baixo, para que a manteiga não queime. Retiro as fatias de pão da tigela com um garfo, escorro o excesso de líquido e douro as fatias dos dois lados. No prato, ainda quentes, polvilho com açúcar baunilhado, ou açúcar e canela, ou açúcar e noz moscada. Ou deixo sem o açúcar e rego com um pouco de mapple syrup e sirvo com ovos mexidos, quando a fome é grande.

Adoro o exterior douradinho, quase crocante, bem adocicado, e o interior das fatias grossas ainda úmidas do leite, com textura de pudim. Tem coisa melhor para começar o dia do que pain perdu e uma xícara de café?

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Um novo vício: Lassi

Demorei para voltar a produzir iogurte depois de me mudar, porque iogurte era meu lanche pós-corrida, com frutas ou granola caseira, e, sem correr há já muitos meses, não me via consumindo tanto iogurte desvinculado do exercício. Mas o livro Milk me trouxe essa vontade de volta, antes mesmo de lê-lo, e fui atrás de leite e um iogurte industrial (na falta do envelope de pó por aqui) para prepará-lo. Contei aqui como a primeira leva nunca virou nada que parecesse iogurte (aliás, deixei algumas horinhas a mais para ver se firmava ou azedava mais, e o que aconteceu foi o leite estragar, coisa que nunca me havia ocorrido antes), e que a segunda leva, feita com um iogurte que ainda continha alguma bactéria produtora de fermentação lática, ficou pobrinho, com textura de cola branca. O gosto estava ok, feito com leite bom, mas a textura estava muito pouco apetitosa para ser comido a colheradas com frutas frescas.

Comecei, então, a buscar o que fazer com aquele iogurte. E daí saíram o bolo de laranja e chocolate, um pãozinho de iogurte e mel delicioso e macio (foto abaixo), cuja receita original está aqui no Serious Eats, um cozido de lentilhas e espinafre com especiarias, do Bill Granger que além de muito bom, revelou-me que agora meu filho não só come, como adora grão-de-bico (ele sempre rejeitava o pobre legume), e mais um bom punhado de outras coisinhas gostosas.

E eu fiquei me perguntando por que diabos não usava mais iogurte para cozinhar.

Daí que voltei a produzir iogurte semanalmente, usando o Leitíssimo, que voltou a aparecer no meu mercado ou o Timbaúba, um leite orgânico de Alagoas que gostei um bocado. Ambos produziram bons iogurtes, só com o método de aquecer a 46ºC (por serem UHT, não há necessidade de ferver e deixar esfriar), inocular com uma ou duas colheres do iogurte anterior, ainda fresco, e deixar numa bolsa térmica por umas 8 horas. Aliás, para quem de vez em quando faz iogurte com cara de cola branca e não entende por quê, descobri no livro mais um motivo: presença de outras bactérias além das da fermentação lática; não tem problema se isso acontecer, o iogurte pode ser consumido, mas da próxima vez limpe muito bem todos os utensílios que serão usados na fabricação do iogurte e, se o leite for pasteurizado ou cru, ferva por um minutinho ou dois antes de deixar esfriar a 46ºC, para matar possíveis "bactérias erradas".

Minha produção de iogurte, no fim das contas, tem sido prolífica e constante, principalmente depois de ter começado a preparar quase que diariamente um grande copo de Lassi para meu lanchinho – a pequena futura arrasadora de corações me chuta horrores, reclamando de falta de comida, e fico com uma fome de leão no meio da manhã.

Lassi é uma bebida indiana a base de iogurte, que vai maravilhosamente bem com os pratos mais fortes e apimentados. Também existe em versões salgadas ou, uma das mais famosas, batida com manga. Mas é delicioso sozinho. Para um copão grande, estilo milk-shake, coloco 3/4 xic. de iogurte no fundo do copo, 2-3 colh. (chá) açúcar orgânico, um pouco de gelo picado, um splash de água de rosas (a gosto, mas muito pode deixar com jeito de perfume), e hortelã fresca bem picadinha. Misturo bem com uma colher comprida, e, enquanto misturo, vou completando o resto do copo com leite gelado, até ficar naquela textura de milk-shake ralinho, do tipo que você consegue beber de goles. Deve-se misturar muito bem, ou o iogurte adoçado fica no fundo e o leite por cima. Puxe a colher para a superfície enquanto mistura, para ter certeza de que ficará homogêneo. Nham! Vício, vício.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Pão integral de aveia e como apreciar um pão

Gosto de silêncio talvez mais do que uma pessoa normal (e que não é um monge tibetano) deveria. Antes do Thomas nascer, trabalhava o dia todo quieta, sem nem mesmo uma música de fundo, num ponto em que, quando me telefonavam, era estranho abrir a boca pela primeira vez no dia e ouvir minha voz. No silêncio, meus pensamentos se organizam numa linha coerente e fico muito mais calma e produtiva. Quando Thomas cochila, e a casa se aquieta, há os passarinhos, os passos do cão mudando de lugar de descanso e a ocasional conversa da faxineira da vizinha, sempre um entretenimento à parte. Quando nem isso, um som constante zune no meu ouvido, um som universal. 

Nessa quietude sem música, sem televisão, sem telefone, joguinhos ou qualquer modernidade criada para distraí-lo de você mesmo, você de repente consegue ouvir sua mente funcionando. Talvez para algumas pessoas os pensamentos gritem alto demais coisas que elas não querem ouvir, daí a incapacidade de ficarem em pé numa fila de correio por seis minutos sem sacar imediatamente o smartphone para um joguinho, um sms desnecessário, uma checagem rápida no facebook.

É bom, num momento de pausa, apenas colocar a cadeira no quintal, virada para lugar nenhum, sentar e ouvir coisa alguma. Deixar mesmo os pensamentos indesejados virem, para que matem sua vontade de me incomodar e então se aquietem eles também, esvaziando minha mente e meu peito daquilo que não importa.

Demorei anos para entender o que meu guru falava sobre não haver felicidade sem disciplina, e hoje também acredito que não haja paz sem silêncio. Externo e interno, ambos interdependentes.

Só no silêncio se houve o craquelar do pão quente recém-saído do forno, e só no silêncio se pode apreciar a beleza suprema que isso representa. Não existe apreciação distraída.

Este é um pão a ser apreciado, tão bom na torradeira, com manteiga, delicioso num sanduíche. Cortei uma única fatia dele em quartos e montei dois mini-sanduichinhos com requeijão caseiro para meu pequeno cavaleiro esfomeado, e seus dedinhos puderam segurá-los com perfeição, naquela propoção, e ele pôde comê-los sem derrubar uma migalha. Pãozinho que com certeza aparecerá ano que vem novamente, nos lanchinhos da escola. Ao invés de simplesmente levar aveia em flocos na massa, ele leva o próprio mingau da aveia, além de farinha integral. Era de se esperar que ficasse pesado, mas ele é incrivelmente macio, e provavelmente o melhor pão de aveia que já fiz.

PÃO DE MINGAU DE AVEIA
(Do livro Gourmet Today, de Ruth Reichl)
Tempo de preparo: 30 minutos de preparo, tempo total 5h
Rendimento: 2 pães de forma

Ingredientes:
  • 2 xic. leite integral
  • 1 xic. aveia em flocos, mais um punhado para polvilhar por cima
  • 1/2 xic. água morna
  • 2 colh. (sopa) fermento ativo seco
  • 1/2 xic. mel
  • 4 colh.(sopa) manteiga, derretida e fria
  • 3 xic. farinha de trigo integral orgânica
  • cerca de 2 xic. farinha de trigo branca orgânica
  • 1 colh. (sopa) sal
  • 1 ovo, ligeiramente batido com 1 colh. (sopa) água, para pincelar

Preparo:
  1. Aqueça o leite em uma panela média em fogo baixo até que esteja quente, mas não fervendo. Desligue o fogo, junte a aveia e deixe cozinhar, tampado, mexendo de vez em quando, até que esteja morno. 
  2. Numa tigela, misture a água morna, o fermento e o mel e deixe por cinco minutos, até que espume. Junte essa mistura de fermento ao mingau de aveia.
  3. Numa tigela grande, misture a farinha integral, 1 1/2 xic. da farinha branca e o sal. Junte o mingau de aveia e a manteiga derretida e misture com uma colher de pau até formar uma massa macia.
  4. Transfira para uma superfície enfarinhada e sove com mãos enfarinhadas, acrescentando apenas farinha bastante para prevenir que a massa grude nas suas mãos. Continue sovando até que a massa esteja elástica e uniforme, cerca de 10 minutos.
  5. Forme uma bola e transfira para uma tigela grande, untada com óleo, girando a massa dentro dela para recobri-la com uma película de óleo. Cubra com um filme plástico e deixe fermentar por 1 hora a 1 hora e meia, até que dobre de tamanho.
  6. Unte duas formas de pão com manteiga. Transfira a massa fermentada para uma superfície ligeiramente enfarinhada e sove um pouco para acabar com bolhas de ar. Divida ao meio e molde os pães para caber nas formas. Cubra com um pano de prato e deixe fermentar por mais uma hora, até que dobrem de tamanho.
  7. Coloque a grade no meio do forno e pré-aqueça a 190ºC. Pincele o topo dos pães com o ovo batido e polvilhe com a aveia. Leve ao forno até que estejam bem dourados e com um som oco ao bater os nós dos dedos na parte debaixo dos pães, cerca de 35-40 minutos (Solte as laterais com a ajuda de uma faca e retire das formas para testar – se não estiverem bons, retorne às formas e ao forno). Remova os pães das formas e deixe que esfriem completamente sobre uma grade.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Sorvete de limão e dica de livro

Ainda a propósito do leite, gostaria de agradecer a todos que comentaram, dividiram experiências ou fizeram sugestões naquele meu post-desabafo. Acabei largando mão da minha vontade de fazer compras mais localmente e, numa visita a São Paulo, estoquei o armário de leite bom – no caso, o Leitíssimo, que até agora é o campeão da espuma do cappuccino. Nesse meio tempo, o supermercado aqui do lado de casa apareceu com o creme de leite da Ati-Latte, que muitos de vocês recomendaram, e eu comprei uma garrafinha para experimentar, e também com um leite orgânico (Timbaúba) que ainda não experimentei, a um preço mais justo do que o que era vendido nos Jardins. Vamos ver. Só pena que as opções venham de tão longe de casa.

Enquanto isso, ando lendo um livro que recomendo muitíssimo àqueles que lêem em inglês sem problemas: Milk - The Surprising Story of Milk Through the Ages. Onde descobri, para minha surpresa, que o maior problema do nosso leite não é nem tanto os parcos 3% de gordura, mas o fato de ele passar por tantos processos bizarros até chegar a nossa mesa, desde a pasteurização além da conta, até o desnatamento total, reincorporação de gordura e a homogeiniziação, que aparentemente é a pior coisa que se pode fazer num leite e o motivo da minha mozzarella caseira não ter funcionado. A solução não seria nem o leite cru, mas simplesmente um leite pasteurizado (não UHT) que não fosse homogeinizado.

Fica a dica do livro. Não vejo a hora de testar algumas das receitas, pelo menos aquelas que posso fazer com o leite disponível.

Enquanto isso, eu tinha uma garrafa de bom creme de leite que eu comprara no meu antigo supermercado, na ocasião do estoque de leite, e que precisava colocar em uso. Estava doida por um docinho, mas meus bolinhos de aniversário haviam acabado – até marido "não gosto de bolos" comeu deles. Queria um sorvete fácil e refrescante e havia limões em casa. Acabei adaptando uma receita muito simples de sorvete de limão siciliano com sálvia de Tessa Kiros, do sempre ótimo livro Falling Cloudberries. A receita rende meio litro de sorvete, mas assim que experimentei me arrependi por não ter feito o dobro. Meu marido, que normalmente avalia a qualidade do meu sorvete pela facilidade com que retira uma colherada do pote recém-saído do freezer, ficou surpreso com a maciez do sorvete. Tão poucos ingredientes, e uma sobremesa deliciosa e refrescante. Use o creme de leite fresco mais espesso que tiver à disposição, e açúcar e limão tahiti orgânicos (cítricos orgânicos são prioridade em casa, desde o dia em que espremi uma casca de limão convencional para sentir o cheiro de seu óleo essencial e o que saiu de seus poros foi uma cera amarelada e incrivelmente fedida, que estava ali dando brilho à casca da fruta e provavelmente agindo como conservante de alguma espécie).

[UPDATE: o Timbaúba é bem docinho e saboroso, e fez uma boa espuma de cappuccino. O Leitíssimo continua campeão da espuma, mas agora considero os dois uma boa opção. Quero testar iogurte e ricotta caseira com ambos.]

SORVETE DE LIMÃO
(Adaptado do livro Falling Cloudberries, de Tessa Kiros)
Rendimento: meio litro

Ingredientes:
  • 2 xic. creme de leite fresco
  • casca ralada e suco de 2 limões tahiti orgânicos, bem suculentos
  • 2/3 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1/8 colh. (chá) sal

Preparo:
  1. Coloque o creme, a casca ralada e o açúcar numa panela e leve à fervura branda, em fogo baixo, mexendo com uma colher de pau para ajudar a dissolver o açúcar. Desligue o fogo e deixe em infusão, até esfriar.
  2. Coe numa peneira, junte o suco de limão e o sal, misture bem com um fouet e leve à geladeira durante toda a noite antes de colocar na sorveteira – isso garante que o creme terá gelado devagarinho e bastante antes de ser colocado na sorveteira, o que, na minha experiência, garante um sorvete mais cremoso e com menos cristais de gelo.  (No original, Tessa sugere fazer o sorvete apenas com a técnica de deixar no freezer e bater de hora em hora umas três ou quatro vezes, até chegar na consistência, deixando a sorveteira como alternativa. Como o teor de gordura do sorvete é alto, deve ficar bem macio assim também.)

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Bolinho de aniversário

Esse ano não teve bolo. Como não fiz festa, achei por bem das minhas ancas pular o bolo de três camadas que eu não teria a quem distribuir. Depois de quase duas semanas de sono ruim, por conta de birras na hora de dormir e durante a madrugada, também não me sentia disposta a tanto. Thomas, que desde os oito meses dormia 12 horas por noite ininterruptas, e que sempre foi deixado acordado no berço para dormir sozinho, sem precisar ser ninado ou convencido, agora parecia ter mudado de ideia: era colocar no berço para abrir um berreiro escandaloso, como se o colchão fosse feito de espinhos. E isso valia também para a soneca durante o dia.

Pode imaginar meu cansaço diante da situação.

Então, já chegando num ponto insuportável, meu marido teve uma epifania: "E se transformássemos o berço em mini-cama?"

Pensei.

"Hmmm... talvez ele esteja ficando aflito de ser colocado ali dentro e saber que só vai sair quando quisermos tirá-lo?"
"É, não custa tentar", disse ele.

E lá foi o homem de parafusadeira em punho desmontar o berço e remontá-lo como mini-cama, enquanto Thomas saracoteava em volta, encantado com a movimentação. Foi um momento de orgulho e aperto no coração ver aquela caminha pequena e baixa ali, encostada à parede, com lençoizinhos arrumados e travesseirinho. Como uma das camas dos setes anões. E tendo matriculado meu filho na escola naquele mesmo dia, e sendo meu aniversário de 33 anos no dia seguinte, senti-me incrivelmente velha. Meu filho estava crescendo rápido e o tempo estava passando. Mas era um aperto bom. Pois tem sido melhor a cada dia.

Claro que foi um parto colocá-lo para dormir. Há crianças que não entendem logo de cara que podem sair sozinhas da cama, acostumadas ao confinamento do berço, mas Thomas, que é cabrito de montanha, escalou minha mesa de desenho com 6 meses, e preza por sua liberdade, imediatamente desceu chorando e correndo para a sala, no melhor estilo criança histérica do Supper Nanny.

Bota de volta na cama. Sai da cama. Bota de volta. Sai. Segura um pouco. Tenta acalmar. Trinta e cinco minutos depois, relaxa e dorme. A noite toda.

Na manhã seguinte, sou acordada por um chorinho de 0.3 segundos, que pára de repente, e é seguido de sons de passinhos no assoalho: tomp, tomp, tomp, tomp. Os passos se afastam, em direção à sala, e depois retornam, fazendo surgir ao pé da minha cama um rostinho redondo e amassado de travesseiro, de chupeta e cabelos loiros desgrenhados. Uma risada, e ele volta ao seu quarto, subindo novamente na cama para fazer manha de preguicinha.

Naquela noite, para minha alegria e surpresa, dei-lhe banho, botei-lhe o pijama, e, ao invés de niná-lo no colo até o berço, coloquei-o no chão: e eis que ele caminha rápido até a caminha, sobe sozinho e deita-se. Sento-me ao seu lado, canto um pouco, ele faz uma graça, e quando saio do quarto para atender ao telefone, ao contrário das minhas expectativas, ele não corre chorando atrás de mim. Ele adormece sozinho.

Presente de aniversário como esses eu nunca tive. ^_^

Nos minutinhos restantes do meu dia, que começara bem, com passeio para catar amoras no vizinho e continuara com um almoço gostoso com minha mãe, em São Paulo, resolvo me preparar cupcakes de chocolate. Rapidíssimos e deliciosos. Preparei meia receita, pois seis cupcakes de chocolate com cobertura de chocolate para uma aniversariante, um marido que não come bolo e uma criança que ainda está proibida de comer doces que sejam apenas doces pelo doce, estão mais do que bons.

Caso você não tenha acesso a unsweetened chocolate (chocolate a 99 ou 100% de cacau - já comprei no Sta Luzia várias vezes) use sua cobertura favorita. Os bolinhos em si ainda valem a pena, deliciosos e macios. 

CUPCAKES DE CHOCOLATE
(do livro Sinfully Easy Delicious  Desserts, da Alice Medrich)
Rendimento: 12 cupcakes (mas pode ser feita meia receita, como eu fiz)

Ingredientes:
(bolinhos)
  • 1 xic. farinha de trigo orgânica
  • 1/3 xic. + 1colh (sopa) cacau em pó
  • 1 xic. + 2 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/4 colh. (chá) cheia de sal
  • 8 colh. (sopa) manteiga sem sal, derretida
  • 2 ovos grandes, orgânicos
  • 1/2 xic. água quente
  • 1/2 colh.(chá) extrato natural de baunilha
(cobertura)
  • 115g chocolate 99% ou 100% de cacau, picado grosseiramente
  • 5 1/2 colh. (sopa) manteiga sem sal, cortada em pedaços pequenos
  • 1 xic. creme de leite fresco
  • 1 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1/4 colh (chá) sal

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e posicione a grade no terço inferior do forno. Forre a forma de muffins com forminhas de papel. 
  2. Numa tigela, misture com o fouet a farinha, cacau, açúcar, bicarbonato e sal.
  3. Junte a manteiga derretida e os ovos e misture com cuidado até formar uma pasta espessa. Então bata com o fouet umas 30-40 vezes, vigorosamente.
  4. Usando uma espátula, misture a água quente e a baunilha, até que a massa esteja homogênea. Distribua nas forminhas e asse por 18-22 minutos, até que um palito saia limpo quando inserido no meio dos bolinhos. Deixe esfriar por 5 minutos ainda na forma, então desenforme e  deixe esfriar completamente numa grade antes de decorar. 
  5. Enquanto os bolinhos estão no forno, faça a cobertura. Coloque o chocolate picado e a manteiga numa tigela resistente a calor.
  6. Numa panela, leve à fervura branda o creme de leite, o açúcar e o sal e cozinhe em fogo baixo por 4 minutos, mexendo sempre.
  7. Derrame a mistura sobre o chocolate e misture com o um fouet até que o chocolate tenha derretido e a mistura esteja homogênea e brilhante. Leve à geladeira, descoberto, por uns 40 minutos, tempo em que os bolinhos também estarão esfriando. Quando a cobertura estiver fria, mas não dura demais, coloque num saco de confeitar e decore os bolinhos.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Frascatula di polenta e verdure e criança que não fala

"Frascatula" não é uma palavra linda? Esse prato de polenta e legumes da província siciliana de Enna me chamou a atenção pelo nome e pelo colorido. Mas enquanto eu repetia "Frascatula" e "Polenta" para Thomas, escandindo as sílabas, ele me devolvia meia dúzia de sons guturais, alguns "hmmmmm" enquanto devorava os quadradinhos amarelos de polenta (e ignorava o brócolis), e uns "ah!", "bu!", e "dá!" ocasionais.

Thomas andou cedo, é grande e forte, esperto e bem humorado, mas tem uma preguiça fenomenal de falar, não importa o quanto estimulemos. "Po-len-ta", eu digo. "Ah-uá!", ele responde. ¬_¬

Fazer o quê?

Cada criança tem seu ritmo, e se você já ficou aterrorizada por pediatras e amigos dizendo que seu filho tem problema porque ainda não anda, ainda não fala, ainda não dorme a noite inteira, ainda não tem todos os dentes, ainda não atingiu a desgraçada da média burra de peso e altura (Thomas esteve abaixo no seu primeiro ano inteiro, e hoje ultrapassou de longe ambas, então isso não quer dizer joça nenhuma) ou qualquer outra medida-padrão de criança que trata seres humanos como se fossem maquininhas todas iguais, mande lamber sabão, relaxe e curta seu filho do jeito que ele é.

Eventualmente ele vai andar, falar, ter dente, crescer, o que for. O pediatra fazia terrorismo por Thomas ser magro, sem levar em consideração que o menino estava sempre feliz e de bochechas rosadas, e que nunca havia pego uma gripe sequer (a única febre até hoje foi no nascimento dos dentes). Vou ficar encucada? Claro que não. Dava de ombros, e não dava vitaminas coisa nenhuma. Nem fórmula, essa coisa bizarra.

Hoje lá vai ele, maior que as crianças da idade dele que conhecemos (salvo os primos de segundo grau, que puxaram ainda mais a alemãozisse da família, e são imensos), mas magrelo como só ele, sorridente, saudável, voluntarioso e teimoso.

Teimoso com brocolis, que sempre gostou, e agora empurra para o lado. "Nein, nein", diz ele, balançando a cabeça, e não sei se é uma sílaba aleatória, ou se ele está me imitando quando digo "não" ao cachorro em alemão. Nada de brócolis, mãe, por mais gostoso que esteja. Mas a abóbora pequena, que entrou no lugar da abobrinha na receita, os tomates e, principalmente a polenta... ah, a polenta sim. Um pouco d'água para ajudar a descer... e mais polenta.

"Hmmmmm", diz ele, sorridente, espetando a polenta com o garfo e levando à boca, acertando uma das nove tentativas. Então faz cara de safado, ergue e balança o garfo, como quem diz "olha só o que eu estou fazendo agora..." E ri. E eu sei que ele está satisfeito quando começa a brincar de esmagar a polenta entre os dedos e reorganizar o brocolis no prato. Fora do prato. No prato. Fora do prato.

Esta "Frascatula", quase nada adaptada do lindo e enorme livro Culinaria Itália, é um prato perfeito para famílias como a minha, e algo que pretendo repetir quando a pequena futura guerreira de cabelos cacheados estiver na fase das papinhas. Porque os adultos comem como adultos, os pequenos escavadores de sementes recém-plantadas em vasos comem com as mãos e conseguem mastigar bem todos os elementos do prato, e os menorezinhos ainda comem a polenta molinha com os legumes transformados em purê. Se achar que falta uma proteína, pode-se fazer a polenta veneziana (com leite no lugar de parte da água) ou misturar queijo a ela (ou por cima do prato). Também acredito que vários outros legumes ficariam bem aqui, apesar de ter gostado da combinação como ela é. Substituí a abobrinha pela abóbora pequena, apenas descascada e ligeiramente aferventada junto com o brócolis para garantir que ficaria molinha o bastante para o Thomas, e omiti as batatas, que não tinha.

FRASCATULA DI POLENTA E VERDURE
(ligeiramente adaptada do lindo livro Culinaria Italia)
Rendimento: 3 pessoas

Ingredientes:
  • 300g sêmola de milho ou polenta bramata
  • 300g ramos de brócolis
  • azeite de oliva
  • 1 cebolas em rodelas
  • 400g de abobrinhas cortadas em pedaços pequenos (ou abóbora pequena, descascada)
  • 1 lata de tomate pelado
  • sal e pimenta do reino

Preparo:
  1. Leve à fervura água na proporção indicada na embalagem da sêmola ou polenta que você tem em casa. Salgue, junte a sêmola aos poucos, e cozinhe em fogo brando, mechendo com frequência, até que a polenta esteja cozida (de 30-40 minutos). Despeje numa assadeira média, alisando a superfície com uma colher, e deixe esfriar e firmar. Corte-a em pedaços pequenos, no formato que quiser.
  2. Cozinhe o brócolis em água fervente salgada por alguns minutos, apenas até que estejam al dente, e retire. Se estiver usando a abóbora, cozinhe-a na mesma água por um minuto, apenas para acelerar seu cozimento depois. 
  3. Aqueça o azeite numa frigideira grande e junte a cebola, a abóbora ou abobrinha e cozinhe em fogo médio até que estejam tenras e começando a dourar. Junte a lata de tomate, tempere com sal e pimenta e abaixe o fogo para que cozinhem mais devagar, mexendo de vez em quando.
  4. Quando a abóbrinha ou abóbora estiver macia, junte o brócolis. 
  5. Distribua a polenta (reaquecida ou em temperatura ambiente, para que se aqueça com o vapor dos legumes) nos pratos e cubra com os legumes. Sirva imediatamente. (A quantidade de polenta pode ser demais, mas as sobras são ótimas fritas em azeite quente no dia seguinte.)


sábado, 29 de setembro de 2012

Bolo de laranja e chocolate, para deixar as coisas mais leves (e nossas barrigas, mais pesadas)

Despois de desopilar o fígado no outro post, melhor um bolo para adoçar a vida, já que o leite não colabora para tanto.

Ando preparando muito menos doces desde que me mudei. Em parte porque meu apetite anda mais para frutas, em parte porque agora, sem ter para quem ficar distribuindo, é um perigo deixar um bolo inteiro desacompanhado na minha cozinha. Curtindo essa fase em que a futura pequena justiceira ítalo-germânica (falei que era menina?) anda me consumindo e me fazendo emagrecer, estou tentando não abusar daquilo de que minha cintura não precisa. E mais: o pequeno reorganizador de pedrinhas de vasos de jardim já sabe onde bolos, muffins e biscoitos jazem depois de prontos, e, uma vez encontrados, é tudo o que ele quer. Logo, menos bolos, muffins e biscoitos em casa é igual a um pimpolho de 1 ano e meio comendo fruta de lanche ao invés de brownie.

Mas fora um dia frustrante. O vento forte e gelado é constante desde que a chuva começou a ameaçar chegar. E por vento forte, refiro-me àqueles que derrubam regadores e samambaias, daqueles que esvoaçam o cabelo além de qualquer presilha, que zunem nos ouvidos e queimam a ponta do nariz. E, no meu caso específico ainda, transformam minha pele (particularmente minhas mãos) em couro curtido e rachado, seco e dolorido, não importa quanta água eu beba ou quanto creme ultra-forte gaste.

Já ouvi falar de ventos europeus que enlouquecem as pessoas numa estação. Este está me tirando do sério. Ele não pára. Nunca. Zunindo nas janelas, arrancando fora o capuz do Thomas, fazendo entrar poeira no olho, batendo portas violentamente e trazendo toda sorte de folhas e lixo para o quintal e através de qualquer porta que tenha ficado aberta.

Vento idiota.

E quando, junto dele, chove, o pequeno maratonista inquieto fica com formiga na cueca, e eventualmente começa a demonstrar com birra o tédio de estar trancado em casa olhando para a cara da mãe o dia todo. E o cão choraminga que quer sair. E eu, já um tanto barriguda, sentindo a futura pequena lançadora de olhares significativos me chutando loucamente, só queria sentar um pouco. Um pouquinho. Um minutinho. Mas Thomas não deixa. Gnocchi não deixa. E eu penso no trabalho atrasado a entregar, que terei de começar a fazer apenas às sete da noite, quando o pimpolho for dormir.

Cansaço. Frustração. Principalmente cansaço.

Bolo.

É interessante quando a gente percebe nosso padrão de funcionamento. Bolo é definitivamente minha cura número um para dias frustrantes. Bolo e goró, mas do segundo eu não posso. E ando com uma vontade louca de beber margaritas, o que só pode significar que minha filha terá tendências bagaceiras, uma vez que durante a gravidez do Thomas, minha vontade era de martinis, bem mais sofisticados.

Mas bolo. Bolo é o que interessa.

Queria um bolo de laranja. Bolinho simples. Queria que fosse fácil. Vontade nenhuma de amolecer manteiga ou usar a batedeira. Queria que usasse o iogurte viscoso da geladeira. Mas também queria algo mais. Que não fosse... simples demais. Algo que de fato aplacasse minha frustração do modo como apenas chocolate faz.

E, numa busca rápida pela internet, encontrei um bolo de limão e iogurte com mirtilos, no Smitten Kitchen, seguida de uma dezena de sugestões para variações. E dentre elas, lá estava: laranjas no lugar dos limões e gotas de chocolate no lugar dos mirtilos. Bingo!

O bolo foi facílimo de fazer. As laranjas, orgânicas, estavam perfumadas e suculentas, mesmo depois de semanas na geladeira. Usei meia xícara a menos de chocolate do que a medida de mirtilos, com medo de que afundassem na massa, e porque julguei que era já o bastante. O bolo já pronto e frio ficou com aroma e sabor tão intenso de laranja, que me lembrou algum bom licor. Macio e denso, com esse parco pontilhado de chocolate que foi mais do que o bastante para trazer algo de diferente ao bolo, um quê de bombom recheado de infância.

Delícia, delícia. Adoçando dias frustrantes. Devidamente escondido no fundo da bancada, para que Thomas coma seu mamão e deixe todo o bolo para as ancas da mamãe.

BOLO DE IOGURTE COM LARANJA E CHOCOLATE
(Receita original de Ina Garten, adaptada no Smitten Kitchen)
Tempo de preparo: 1h30
Rendimento: 1 bolo

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 1 xic. iogurte integral caseiro
  • 1 xic. açúcar cristal orgânico
  • 3 ovos grandes, orgânicos
  • casca ralada de 2 laranjas orgânicas
  • 1/2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 1/2 xic. óleo vegetal
  • 1 xic. gotas de chocolate amargo (usei 53%)
  • (calda)
  • 1 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 1/3 xic. suco das laranjas

Preparo:
  1. Unte uma forma de bolo inglês com manteiga. Forre o fundo com papel-manteiga, unte o papel e polvilhe farinha em toda a forma, batendo o excesso. Pré-aqueça o forno a 180ºC. A massa fica pronta muito rápido, então só comece a prepará-la quando o forno estiver na temperatura certa.
  2. Numa tigela, misture a farinha, o fermento e o sal.
  3. Em outra, misture bem o iogurte, o açúcar, os ovos, a casca de laranja, a baunilha e o óleo.
  4. Junte os ingredientes líquidos aos secos e misture com uma espátula até que fique homogêneo. Incorpore as gotas de chocolate.
  5. Espalhe a massa na forma e leve ao forno por 50 minutos, ou até que um palito inserido no centro saia limpo.
  6. Retire do forno e deixe esfriar sobre uma grade, dentro da forma, por 10 minutos. Enquanto isso, junte o suco de laranja reservado e o açúcar restante numa panela pequena e aqueça até que o açúcar dissolva.
  7. Solte as laterais com uma faca e desenforme. Retire o papel da base. Faça furos com um palito na parte de cima do bolo. Regue com a calda (ou pincele, que é mais fácil), deixando que o bolo absorva bem toda ela. Deixe esfriar completamente sobre a grade antes de servir.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A tristeza do cappuccino

Se existe uma coisa que me deixa profundamente frustrada com esse país (além da corrupção, do "jeitinho brasileiro", e da indiferença do povo) é o leite. Porque vamos e venhamos, esse é um blog de culinária, e se é para reclamar de alguma coisa, que reclamemos de leite.

A frustração se expande, na verdade, não apenas pelo leite puro, mas por toda a gama de laticínios produzida aqui. E não há nada que exponha de forma mais grandiosa a porcaria que aceitamos consumir todos os dias como viajar para um país que respeita seus laticínios (e seus consumidores). Um exemplo "high end" é a burrata, essa espécie de mozzarella cremosa por dentro que agora entrou na modinha em restaurantes e pizzarias brasileiras, e pela qual o povo paga o dobro do preço, sem saber que estão comprando gato por lebre. Ainda estou para provar aqui algo que sequer tenha condições de se comparar com a burrata pugliese que comemos em Roma. Aquele queijo com sabor de leite fresco, dissolvendo na língua, um dos alimentos mais gostosos que já comi na vida. Allex e eu não conseguíamos comer cada pedacinho sem suspirar de alegria. Comprei algumas marcas de mozzarella de búfala disponíveis por aqui, a preço de ouro, diga-se de passagem, e elas eram ácidas e sem gosto. Não vou nem arriscar experimentar o que vendem como burrata.

O mesmo com a ricotta. Segundo Allex, o que constituiu a melhor refeição de sua vida foi um mero ravioli de ricotta com espinafre. E estava, de fato, absolutamente fantástico. A ricotta não era um mero "preenchedor de espaço"; ela era extremamente fresca, cremosa e saborosa por si só, sem precisar de muitos temperos, e mesmo se sobressaindo ao espinafre. Nunca na vida provei ou preparei algo parecido. Porque não há ricotta aqui que se compare. Também sem ter disponível uma ou outra marca mais premium, mais fresquinha e cremosa, que eu costumava comprar a granel, experimentei já duas marcas disponíveis aqui (inclusive a Balkis, que se vende como coisa premium), ambas ressecadas e com gosto de soro azedo.

E o iogurte? Quão difícil é encontrar um iogurte industrial que tenha suficientes bactérias para transformar um litro de leite em iogurte? Desde que me mudei, experimentei três marcas diferentes, e as três falharam. O da Batavo foi o único que conseguiu transformar o leite em iogurte, mas ainda assim, as bactérias eram tão poucas, que o iogurte, apesar de firme, ficou viscoso, com textura de cola branca. E quando se consegue o iogurte, ele é ralo, porque o leite não se sustenta, tem pouca gordura, e é preciso reduzí-lo, acrescentar creme, e torcer para dar certo.

E o cappuccino, o delicioso e simplíssimo cappuccino, café espresso bem tirado e espuma cremosa de leite, até esse recentemente sumiu daqui de casa. Porque, como já havia sido discutido em post e comentários por aqui, a maior parte dos leites brasileiros têm uma porcentagem mínima de gordura, e apenas alguns se salvavam para o cappuccino. Dos frescos, pasteurizados (daquilo disponível em São Paulo e imediações), só o Xandô. Dos UHT que eu experimentei, só o Leitíssimo, que apesar de ser UHT se salva por não ser homogenizado (o leite é engarrafado com a mesma gordura que sai da vaca, como deveria ser).

Então noutro dia Allex veio me dizer, horrorizado como normalmente só eu fico com notícias sobre comida, que havia prestado atenção às embalagens dos leites na gôndola do supermercado e que agora todos estavam anunciando em letras grandes que o leite continha 3% de gordura. "Mas isso parece muito pouco", rebati. "Era light?" "Não", respondeu ele, "leite integral mesmo, falando de 3% de gordura como se fosse benefício." E fomos conferir. E de fato, leites que costumavam ter na tabela nutricional 6 ou 7% de gordura, tinham cortado a quantidade pela metade. (Lembrei-me depois de post publicado que era 6-7g de gordura saturada por porção, e não porcentagem.) Que tristeza.

Então chegou o dia em que ele abriu uma garrafa de leite pasteurizado para preparar seu cappuccino de manhã cedo. Estranhamente, o leite ferveu, mas não espumou. "Devo ter feito algo errado", balbuciou ele, guardando o leite fervido na geladeira para que Thomas bebesse depois e colocando mais uma porção na leiteirinha de inox. Lá foi ele no vapor da máquina de espresso de novo, com toda a atenção do mundo. De novo, ferveu, não espumou. Imprecações. Apanhei a garrafa e lá estava o selinho: 3%.

E eu fico pensando, quão difícil é vender para outro ser humano algo de qualidade e não apenas algo que encha seu bolso de dinheiro mais rápido. Pois estamos pagando cada vez mais caro por um litro de leite que é constituído, na verdade, de cada vez mais água, apesar de ser descrito como "integral". Desculpem-me o palavreado, mas integral o caralho. Até quando o governo vai continuar criando uma legislação que proteja as empresas de modo que elas possam nos enganar dessa forma e sairem impunes? Ah, desculpem-me, esqueci que a maioria dos deputados tem fazenda de gado. Erro meu.

Se não tenho uma mozzarella que preste ou uma ricotta que seja comestível, resta fazer meu próprio quejo, mas como isso é possível, se nossos leites mais premium não passam de mijo de vaca? Minhas tentativas de produzir mozzarella foram todas infrutíferas, pois o leite é ralo demais.

Leite orgânico não é opção para mim, infelizmente, porque ou é B (cadê o leite A???) ou o Santa Luzia cobra 7 reais o litro. Aparentemente, o único jeito de beber leite que seja de fato leite, e não "alimento similar a leite" é tendo minha própria vaca.

Enquanto isso a gente continua mosca-morta, sem ler rótulo do que compra como quem assina contrato sem ler, e pagando caro por uma pilha de merda, acreditando feito gente cor de rosa no reino do pirlimpimpim que as grandes empresas estão aqui para pensar na sua felicidade e no seu bem estar.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A melancia da mãe maluca, geleia, picles, suco, o que for

Minha mãe tem uma loucura bastante específica. No universo dela, não há comida na minha casa. Quando morávamos a 3 quarteirões de distância, ela não conseguia aparecer em casa de mãos vazias: trazia sempre alguma fruta, alguma torta, um sorvete favorito, um queijo que o Allex gosta. Mesmo estando cercados de padarias, quando me mudei para longínquos seis quarteirões de distância, ela era incapaz de vir tomar conta do Thomas sem trazer um saco de pão que poderia alimentar uma família de oito pessoas.

Imagine agora que estou em outra cidade.

Apesar de haver três supermercados ao lado do condomínio, uma padaria, e estarmos a dez minutos de carro de mais pelo menos três redes de hipermercados e atacados, ela acredita piamente que é difícil comprar comida aqui. De modo que, mesmo ela perguntando se eu queria algo, e eu atestando que não, que a geladeira estava abarrotada, a mulher trouxe comida.

Uma melancia inteira. Do tamanho da minha barriga quando estava de nove meses do Thomas.

E eu fiquei olhando para aquela mostruosidade, pensando no que fazer com aquilo, uma vez que não podia dividi-la com minha mãe, pois a metade não caberia na geladeira. Mas não podia deixá-la ali, também, fechada, perigando estragar.

Suco. Pronto. Vou fazer suco. Mas 1/4 da melancia encheu minhas duas jarras de suco fresquinho, e eu não sabia o que fazer com aqueles pedaços cortados, já sem casca, pois havia sequer tigelas o bastante para acomodá-las, quando mais espaço dentro da geladeira.

Fiquei olhando para as cascas e decidi que faria picles delas, senão de toda a casca, ao menos de uma parte. Para me redimir daqueles picles que eu havia feito e deixado estragar. Mas e a polpa? Havia tantas frutas já maduras na bancada, que eu não conseguia pensar em simplesmente comer toda aquela melancia.

Foi quando me lembrei de ter visto uma receita de geleia em algum lugar. E estava certa: no livro da Tessa Kiros, que eu adoro, Falling Cloudberries, havia uma receita de geleia de melancia com rosas que usava bem um quilo e pouco da fruta descascada, o que já me livraria de um bom bocado.

Mas não tinha pétalas de rosa. Bom, pensei, tudo bem, quando a geleia estiver pronta, acrescento umas gotinhas de água de rosas, e pronto. Confesso, no entanto, que me esqueci dela. A geleia estava pronta, gostosa, os vidros esterilizados, e foi só quando coloquei as tampas que me dei conta de que não havia colocado a tal da água. Bem, não fez falta.

A geleia é bem molinha, consistência e cor de geleias de pimenta, mas um sabor bastante peculiar. É doce, ligeiramente azedinha do limão, e vai bem no pãozinho com manteiga (e imagino que maravilhosamente com um queijinho de cabra ou um brie), apesar da sugestão do livro ser como molho de um pudim de buttermilk. O interessante é que se me dessem da geleia para provar, jamais diria que era de melancia. Por algum motivo há algo nela que me lembra tomates, e a textura dos pedaços me lembra ameixas firmes, mas é difícil identificar de bate-pronto de onde vem aquele sabor por trás do azedinho-doce. Recomendo, principalmente se você tiver uma melancia gigante ocupando espaço na sua cozinha. ;)

Quanto aos picles, me empolguei e fiz o dobro da receita. Da primeira vez que o fizera, tratava-se de uma conserva ao modo dos pepinos, como eu gosto, bem azedinhos e ácidos. Esta receita, no entanto, bem tradicional do sul dos Estados Unidos, produz picles bem adocicados, e vi americanos sugerindo mesmo comer com sorvete. Hmmm... não era bem o que eu esperava. Não se engane: ficaram ótimos. Mas realmente não era o que eu esperava. Agora tenho três vidros de picles de casca de melancia na geladeira e não sei muito bem o que fazer com eles.

O resto da melancia virou suco. Jarras e jarras e jarras. Quatro dias de suco de melancia. Delícia.

Mãe, tem comida em casa, viu? Relaxa a bisteca. Mas você vai ganhar um vidro de geleia e um de picles. Como "punição". ;)

GELEIA DE MELANCIA
(adaptado do lindo Falling Cloudberries, de Tessa Kiros)
Tempo de preparo: 1 hora mais 1 noite de geladeira
Rendimento: 2 1/2 xic.

Ingredientes:
  • 1,2kg de melancia, já sem a casca (cerca de 2kg dela com casca)
  • 1 3/4 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1 limão
  • 1/2 maçã

Preparo:
  1. Corte a polpa da melancia em pedaços pequenos. (Você pode já retirar as sementes, se quiser, mas elas se soltam sozinhas e sobem à superfície no cozimento, e achei mais fácil simplesmente pescá-las com uma colherinha.) Coloque em uma tigela grande e polvilhe com o açúcar. Corte o limão ao meio. Esprema uma metade, juntando o suco à melancia, e fatie fino a outra metade, cortando as fatias ao meio, também juntando à melancia. Misture, cubra com filme-plástico e leve à geladeira por uma noite. 
  2. Coloque a mistura numa panela grande não reativa (ou seja, que não seja de alumínio). Corte a metade da maçã em cubos pequenos, sem se importar em tirar a casca, e junte à panela. Leve ao fogo alto até que ferva, e então abaixe para o mínimo, cozinhando por cerca de 1 hora, mexendo de vez em quando.
  3. Quando a mistura estiver bem vermelha a melancia em pedaços menores, e você achar que faltam só uns 10 minutinhos para ficar no ponto, leve uns 3/4 da mistura ao liquidificador (tente pescar toda a maçã, mas deixar algumas fatias de limão na panela) e bata até que fique homogêneo.Volte para a panela e continue cozinhando, até que fique mais espesso. A geleia é mais líquida, pois melancia não tem pectina, mas, ao ser gotejada sobre um pires gelado, ela deve escorrer devegar, com certa resistência. 
  4. Distribua em potes esterilizados, preenchendo quase até a boca. Limpe as bordas, tampe e deixe que esfriem completamente. Se estiverem bem selados, guarde na despensa. Na dúvida, deixe na geladeira por tempo indefinido. Conserve em geladeira após aberto.

Cozinhe isso também!

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