quarta-feira, 10 de agosto de 2011

7grãos com pesto e verduras e meu fornecedor de orgânicos

Foi na semana em que Thomas nasceu que mudei muita coisa a respeito da minha cozinha e minha forma de comprar comida. Primeiro, porque imediatamente após a primeira mamada do bebê, dei-me conta de que tudo o que pusesse na boca viraria o corpo do meu filho. Segundo, porque a mudança em minha rotina me forçou a buscar soluções mais práticas, que não me tirassem de casa o tempo todo. E terceiro, porque só pensar nas fraldas descartáveis que ele usaria já me fazia tremer e querer compensar a natureza de alguma forma: trazer menos embalagens para casa e gerar menos lix, por exemplo.

Foi no blog Fogão Azul que encontrei a indicação para o website do Fernando, antes Cesta Orgânica, e agora renomeado Alimento Sustentável, que faz a distribuição de produtos de pequenos produtores de orgânicos, pescadores que trabalham com espécies sustentáveis e pesca não-predatória e produtores de queijos artesanais, como o queijo Serrano e o Canastra. Receber pela primeira vez aquela cesta de vime cheia de frutas e verduras soltas me deixou emocionada: finalmente aquilo me parecia coerente. Na semana seguinte, quando mais uma cesta foi entregue, a primeira foi devolvida, junto com o saquinho de pano onde vieram os cogumelos e a caixa onde vieram os ovos, para que tudo fosse reutilizado.

Ao longo desses meses, todas as minhas frutas e verduras têm vindo dele. Peço sempre uma grande quantidade de produtos, o que me força a preparar uma boa variedade nas refeições e a economizar as viagens ao mercado, onde acabo comprando apenas alguns poucos itens de mercearia e confeitaria que ainda não constam de sua lista.

O fato de ser tudo muito fresco ajuda um bocado (quase tudo é produzido em até 150km de São Paulo, e colhido praticamente no dia anterior à entrega). As verduras, depois de lavadas, secas e acondicionadas em potes fechados na minha geladeira, chegam a durar duas semanas ou mais, e as frutas têm vindo especialmente saborosas. Fazia anos que não comia kiwis tão doces. Aliás, escrevi esses dias um email ao Fernando, perguntando sobre a espécie de maçã que vinha na cesta (Gala, por sinal, pequenas, mas muito doces), e lhe contando algo bizarro que me acontecera: durante a semana em que ele não entregou os produtos, reorganizando o novo site, acabei comprando maçãs comuns no supermercado. Maçãs enormes, lindíssimas, Oregon, muito vermelhas, e Granny Smith, verdinhas. Foi fatiar a maçã Oregon para ter uma estranha surpresa: o movimento da faca estava manchando de vermelho a carne clara da fruta. Pensei que tivesse cortado o dedo. Olhei novamente e fiquei em choque: a casca vermelha era puro corante. Também a maçã verde, quando cortada, revelou-se tão verde-radioativa no interior quanto no exterior, como se lhe tivessem injetado aquela cor. "Isso não é normal", pensei. De volta às maçãs orgânicas, para sempre. :)

Desde então tenho me comprometido a consumir a maior quantidade possível de orgânicos em detrimento dos produtos "comuns", uma vez apresentada a devida qualidade. Até minha nêmesis aqui em casa, os "flocos de milho açucarados" daquele tigre maldito foram enfim abolidos, substituídos por sua excelente versão orgânica. O marido aprovou de boca cheia e o tigre não entra mais aqui.

Ironicamente, desde que comecei a comprar mais orgânicos, tenho gasto menos em supermercado. Justamente por limitar minha escolha de ingredientes ao que há disponível, muita compra por impulso foi impedida nesse processo. E, de quebra, sinto que, podendo fazer isso, estou, como diz Michael Pollan, "votando três vezes ao dia", estimulando a produção de algo em que acredito, na esperança de que um dia um tomate orgânico seja um tomate comum e não precise mais de predicado.

Esse almoço supimpa foi feito com as verduras da cesta e arroz 7 grãos orgânico. Aliás, a única coisa não-orgânica aqui era o extrato de tomate italiano (justo quem, mas fazer o quê? eu disse que estou tentando, e não que consegui). Tudo delicioso, adaptado novamente do livro Nature, de Alain Ducasse. Thomas olhava maravilhado para o prato colorido e esticava os bracinhos, tentando alcançar meu garfo. Não resisti. Mergulhei meu dedinho no arroz para lambuzá-lo bem e levei-o à boca do pequeno. Ele cheirou, esticou a linguinha para fora e experimentou. Primeiro o choque. Sabor novo. O que é isso? Então se refestelou, puxando meu dedo inteiro para dentro. Bom saber que gostou, filhão; isso um dia vai virar papinha para você. ;)

Para preparar o arroz, refogue meia cebola picada em um pouco de azeite. Junte 1/2 xícara de arroz 7 grãos, mexa um pouco, tempere com sal e acrescente 1 1/2xic. de água quente (ou a proporção de água indicada no pacote). Deixe ferver, tampe e cozinhe por 15 minutos. Destampe, junte 1 colh. (sopa) extrato de tomate, tampe novamente e continue cozinhando por mais 15 minutos, até que o arroz esteja cozido. Enquanto isso, corte 1 cenoura, 4-6 rabanetes e meio bulbo pequeno de funcho em fatias o mais finas possível. Reserve. Num pilão, ou num processador, triture um punhado de coentro, um de manjericão e dois punhados de salsinha acompanhados de 1 dente de alho pequeno, 1 colher (sopa) de amendoins crus (ou pinoli, ou castanha de caju, ou castanha do Pará...), 1 colh. (sopa) azeite e 3 colh. (sopa) de leite. Tempere com sal e pimenta. Na hora de servir, misture o arroz pronto e quente aos legumes fatiados e tempere com o pesto de ervas.

Para quem mora na área de entrega do Alimento Sustentável, recomendo muitíssimo: www.alimentosustentavel.com.br

Para quem acha que eu recebi alguma coisa por esse post, saiba que não: eu é que entrei em contato com o Fernando perguntando se poderia escrever a respeito e recomendá-lo. É justamente por não fazer propaganda por aqui que eu espero que vocês levem a sério minhas recomendações. :)




segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Bolo de especiarias com maçãs carameladas e chantilly


Está sendo difícil conter minha ansiedade. O pequeno agora quer pegar tudo o que está a seu alcance, incluindo a rúcula do meu prato (que foi jogada no chão da sala), o chantilly do meu morango, o pãozinho com manteiga do meu café da manhã. Ok, talvez eu não devesse comer com ele no colo o tempo todo... ;) Mas a verdade é que ando apaixonada pelo fascínio nos olhinhos dele quando tenho alguma comida nas mãos. Provavelmente mais interessado nas cores e nos cheiros do que de fato no conceito "comida", ele segue ávido os movimentos da comida do prato à boca de quem come, curiosíssimo. Dá aquela vontade louca de mergulhar o dedinho na sopa de legumes e levá-lo à sua boca, para que comece não a comer mas a experimentar alguns sabores. Vamos ver... quem sabe... Enquanto isso, me pergunto se ele terá guardado no inconsciente dele o cheiro dessas maçãs carameladas, que cozinhei enquanto ele me fazia companhia na cozinha, prestando atenção a tudo.

BOLO DE ESPECIARIAS COM MAÇÃS CARAMELADAS E CHANTILLY
(do livro Gourmet Today)
Rendimento: 9 porções

Ingredientes:
(maçãs carameladas)
  • 8 maçãs Gala ou Fuji
  • 6 colh. (sopa) manteiga em temp. ambiente
  • 3/4 xic. açúcar demerara orgânico
(bolo)
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo
  • 1 1/2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh.(chá) bicarbonato de sódio
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 1/2 colh. (chá) pimenta da jamaica moída
  • 1/2 colh. (chá) noz moscada ralada
  • 1/8 colh. (chá) cravos moídos
  • 8 colh. (chá) manteiga sem sal em temperatura ambiente
  • 1/3 xic. açucar demerara orgânico
  • 1 ovo grande,em temperatura ambiente
  • 1/2 xic. maple syrup
  • 1/2 xic. sour cream
  • 1 colh. (chá) extrato de baunilha
(chantilly)
  • 1/2 xic. sour cream
  • 1 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 2 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e unte e enfarinhe ema forma quadrada de 20cm.
  2. Descasque e retire o centro das maçãs. Corte-as em fatias de 1cm de largura. Em uma frigideira grande e de fundo grosso, espalhe a manteiga uniformemente no fundo. Polvilhe o açúcar por cima e disponha as maçãs. Leve ao fogo médio até que o açúcar embaixo tenha dissolvido e as maçãs em cima comecem a soltar líquido, sem misturar, cerca de 10 minutos.
  3. Cozinhe, mexendo de vez em quando, até que o líquido comece a ficar xaroposo, cerca de 30 minutos. Escorra o xarope em uma tigela de metal e volte as maçãs ao fogo até que fiquem caramelizadas, cerca de 30 minutos, mexendo de vez em quando. Volte as maçãs ao xarope e reserve para reaquecer na hora de servir.
  4. Equanto as maçãs cozinham, faça o bolo. Com um fouet, misture numa tigela a farinha, fermento, bicarbonato, sal e especiarias. Reserve. Bata a manteiga e o açúcar em velocidade média até que fique fofo e claro.
    Junte o ovo e a baunilha e bata até que fique homogêneo. Junte o maple syrup e o sour cream e bata até que fique homogêneo novamente. Em velocidade baixa, junte a farinha, batendo apenas até incorporá-la. 
  5. Espalhe na forma e asse por 35-40 minutos, até que um palito saia limpo quando inserido no centro. Esfrie na forma por 10 minutos e então desenforme.
  6. Na hora de servir, corte o bolo em 9 porções e bata o creme, sour cream e açúcar em pobto de chantilly. Sirva com as maçãs aquecidas.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Trigo, bardana, correria, e esqueci o que mais...

Tenho cozinhado um bocado, é verdade, mas a volta ao trabalho tem sido prioridade total – quando Thomas não é. O bichinho voltou a dormir noites inteiras (benzadeus) mas passa o dia todo pedindo atenção, carinho, conversa, risada, brincadeira. Não se conforma em ficar deitado; seu negócio é sentar e ficar em pé. Mas como ainda não o faz sozinho (por mais de dois segundos, pelo menos), vale-se de meus braços para ajudá-lo, e fica enfurecido quando não estou disponível para a tarefa. Logo, qualquer sinal de sonolência que o leva a um rápido, muito rápido, cochilo, leva-me imediatamente ao computador para trabalhar. E não para atualizar o blog. Fué.

Hoje o dia está mais calmo, no entanto, e consegui sacar a máquina fotográfica na hora do almoço.

Tenho uma nóia muito específica com comida: fico obcecada quando descubro um ingrediente novo, e absolutamente frustrada se não posso experimentá-lo. Nem que seja uma vezinha só, mas eu PRECISO cozinhar aquele legume estranho, aquele doce interessante, aquela fruta difícil de achar que apareceu na revista. Como assim existe um troço que é favorito de alguém e eu não conheço o gosto?

Quando vi uma receita com raiz de bardana (gobo), fiquei louca. O que é isso? Que gosto tem? Como come? Com o quê combina? A receita original, do lindo livro francês Nature, de Alain Ducasse, serviu de inspiração, pois meu adaptômetro estava ligado no máximo.

Descasquei uns 4 talos de bardana rapidamente, colocando-os de molho em água com limão. O contato com as mãos deixa sua carne branca imediatamente escura. Cortei os talos em pedaços menores e reservei, ainda na água. Piquei uma cebola bem pequena e esmaguei um dente de alho inteiro, sem picá-lo. Refoguei ambos no azeite até começar a amolecer e juntei a bardana, tampando a panela e cozinhando por uns 5 minutos, até começar a dourar. Juntei cerca de meia xícara de trigo em grãos, uma colher de chá de casca de limão siciliano picada, um punhado de passas claras e misturei bem. Despejei 1/4 xic. de Vermute, deixando que o trigo absorvesse, e cobri com caldo de legumes caseiro, temperando com sal e tampando a panela. A mistura cozinhou por cerca de meia hora, até que os grãos estivessem macios e al dente, e a bardana, cozida. Escorri, acertei sal e pimenta e servi polvilhado de cebolinha picada.

O resultado ficou bem interessante. A bardana tem algo que lembra fundo de alcachofra, mas diferente. O marido, meio avesso a novidades, não virou fã, mas se essa raiz caísse no meu colo de novo, essa seria uma bom jeito de comê-la. Para compensar a naturebice do almoço, servi de sobremesa morangos orgânicos com chantilly fresquinho e suspiros de farinha de castanha e nozes, o que já deixou o homem mais feliz. De qualquer forma, pretendo preparar tudo isso de novo com alcachofras, que vão combinar lindamente com o prato.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Uma coisa leva à outra, e às vezes leva a Shortbread

Noutro dia contava à Pat sobre meu histórico de fracassos retumbantes com biscoitos: biscoitos queimados, crus, moles demais, esfarelentos demais, e o diabo a quatro. O que é estranho, pois eu me lembrava de assar bons biscoitos há anos atrás; mas algo aconteceu ao longo do tempo que me fez meio que "perder a mão".

Eu não desistia da ideia dos biscoitos, porém. A louca desvairada que me habita (e que se parece com a velha dos gatos dos Simpsons) continua comprando livros apenas de biscoitos, alimentando a fantasia de um dia ser uma fantástica cookie baker. Confesso, entretanto, que caí no mesmo pecado com os biscoitos que com os bolos: elegi meus tipos favoritos, caí na preguiça culinária e preparei sempre os mesmos ao longo dos anos. Chocolate Chip Cookies, Oatmeal cookies... e infinitas variações sobre o tema. Assim como aconteceu com brownies, quick breads e pound cakes.

Algo aconteceu no final da gravidez, no entanto, que me fez querer tentar novamente. E comecei com os biscotti, que havia anos não apareciam na minha cozinha. Pode ter sido desejo de grávida nos 44 do segundo tempo, mas o sucesso daqueles biscotti me incentivou a continuar. Parecia que a a mão para os biscoitos retornara. Após o nascimento do Thomas, NÃO sair para comprar ingredientes que faltavam me fez trabalhar com o que tinha e cozinhar o que dava, e acabei me aventurando nas barras. Foi com elas que caí nas bases de shortbread, que eu nunca preparara antes, e foi paixão à primeira mordida.

Shortbread é um tipo de biscoito cuja receita aparece em todos os livros americanos e ingleses que possuo, e que nunca me havia apetecido. Sua simplicidade passa por monotonia, erroneamente. Não me parecia interessante o suficiente. Não parecia algo que eu tivesse vontade de comer. No entanto, agora, estou apaixonada por sua textura leve e ligeiramente crocante, por seu sabor amanteigado. Adorei comê-lo com chá, café, ou com marmelos cozidos e iogurte. E agora que fui fisgada, pergunto-me o que mais andei perdendo, que outros biscoitos ignorei presunçosamente por tanto tempo. E não vejo a hora de prepará-los todos.

Esta receita de Alice Medrich não apenas é deliciosa, mas é à prova de idiotas. Se você se sente um desastre na cozinha e não tem coragem de assar biscoitos com medo de estragar ingredientes, essa é a porta de entrada para um caminho viciante e sem volta: a dos homemade cookies. Não apenas os ingredientes são simples, mas o processo não envolve bater manteiga, abrir com rolo, nem separar bolinhas. Apenas tenha certeza de usar uma manteiga bem saborosa e extrato de baunilha de verdade. Aliás, isso é regra para tudo e estou chovendo no molhado ao especificar esse tipo de coisa... ;)

Pat, esse shorbread é para você, que me fez ter vontade de retornar aos biscoitos. :)
SHORTBREAD ASSADO DUAS VEZES
(do livro Chewy Gooey Crispy Crunchy, de Alice Medrich)
Tempo de preparo: 5 min + 2 horas de descanso + 1h10min forno
Rendimento: cerca de 16 biscoitos

Ingredientes: 
  • 11 colh. (sopa) manteiga sem sal (cerca de 160g)
  • 1/4 xic + 1 colh. (sopa) de açúcar cristal orgânico
  • 1 colh. (chá) extrato de baunilha
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 1 1/2 xic. farinha de trigo branca orgânica
  • açúcar demerara para polvilhar

Preparo:
  1. Forre o fundo de uma forma quadrada de 20cm com papel-alumínio OU unte uma forma de quiche de 23cm com fundo removível. 
  2. Derreta a manteiga. Numa tigela média, misture a manteiga ainda quente ao açúcar, sal e baunilha. Junte a farinha e misture apenas até que esteja incorporada. Com as mãos, espalhe a massa no fundo da forma e deixe descansando em temperatura ambiente por 2 horas ou durante a noite. 
  3. Pré-aqueça o forno a 150ºC e posicione a grade na parte inferior do forno. Asse o shortbread por 45 minutos. Remova a forma do forno mas deixe-o ligado. Polvilhe o açúcar demerara sobre o biscoito e deixe esfriar por 10 minutos. 
  4. Remova o shortbread da forma cuidadosamente para que não quebre e corte-o em quadrados, fatias ou palitos. Coloque os biscoitos numa assadeira forrada com papel-manteiga, ligeiramente afastados entre si, e asse por mais 15 minutos. 
  5. Retire, remova os biscoitos da assadeira e deixe que esfriem sobre uma grade. Guarde em pote fechado por várias semanas.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sobre compromisso e educação

Existe uma arte que anda se perdendo: a de se receber pessoas. Não apenas porque menos gente cozinhe em casa e tenha prazer (ao invés de pânico) em receber os amigos e familiares para um jantar. Mas porque quem ainda gosta de fazê-lo tem se sentido cada vez menos estimulado pela falta de consideração de seus próprios convidados. Talvez seja culpa de ferramentas como SMS e Twitter, que tornam a comunicação entre seres humanos cada vez mais lacônica e seca. Talvez os pais de toda uma geração tenham falhado em ensinar o mais básico das boas maneiras, como dizer "bom dia", "com licença", "obrigada" e "desculpe-me". São pequenos mas importantes os rituais de civilidade que estão desaparecendo, e, com isso, um pouco da esperança que eu tinha em ver minha casa sempre cheia de gente amiga.

Quando alguém se propõe a realizar um evento em sua casa, seja ele uma reuniãozinha com os mais chegados ou uma comemoração para cinquenta pessoas, há mais envolvido do que o simples comichão de quem ama ser anfitrião. Quando se envia um convite para, digamos, quarenta pessoas, pedindo R.S.V.P., é esperado dessas pessoas que, no mínimo, elas respondam "vou" ou "não vou". Ao contrário do que se espera, "não vou" é uma resposta absolutamente válida e não fere os sentimentos de quem está convidando.

Digamos que, dessas quarenta, vinte tenham respondido "vou". Alguns entusiasmados ainda acrescentam um "com certeza!" ao final da frase. A partir daí, qualquer bom anfitrião começa a planejar comes e bebes em torno desse número. Um cardápio é criado, mesmo que seja salgadinho e pipoca, e bebida é comprada. O anfitrião cuidadoso ainda leva em consideração as sensibilidades e preferências dos convidados que confirmaram presença, comprando bebidas light, não alcoólicas, e alimentos para quem tem restrições, como vegetarianos ou intolerantes a lactose, por exemplo.

No dia da festa, o anfitrião limpa a casa e arruma a mesa com muito gosto. Coloca uma boa trilha sonora e dá os últimos toques aos comes, esperando o primeiro convidado.

E ele espera.

Há esse estranho hábito no Brasil de não se querer ser o primeiro a chegar numa festa. Então, apesar do convite ser para, digamos, 19h, as pessoas só começam a chegar às 20h30. Todo o planejamento em torno da comida quente já foi perdido quando isso acontece, e o anfitrião já começa sua festa ligeiramente estressado pela espera. PAREM com isso.

Passam-se três horas de festa, e, ao ver que dos vinte confirmados, apenas seis chegaram, o anfitrião fica com a pulga atrás da orelha. Será que os convidados se perderam? Erraram o dia? Esqueceram? O bom anfitrião aproveita a companhia de quem veio e deixa para xingar depois.

E quando a festa acaba, ele xinga. Muito. Vai checar email e celular em busca de algum pedido de desculpas pela ausência, alguma justificativa... e nada. NADA. Vai olhar a geladeira repleta de comida e bebida comprada especialmente, e se pergunta por que essas pessoas sequer se deram o trabalho de aparecer. Afinal, era uma boca-livre em boa companhia. Ou talvez eles não achem que a companhia é tão boa assim.

Não sei o que há com as pessoas hoje em dia. Elas não honram compromissos, sua palavra não vale nada, e não há absolutamente nenhuma empatia nelas, pois não se colocam no lugar do anfitrião. Não se lembram de que receber gente custa caro e dá trabalho. Quando você é convidado à casa de alguém, trata-se de um evento especial, e quer dizer que você é querido por essa pessoa. Talvez amizades hoje em dia estejam restritas ao Facebook. Talvez dê muito trabalho sair de casa e se relacionar ao vivo.

Àqueles que estão sempre conosco, tomando uma cerveja e dando risada... amo vocês.

Todos aqueles que deixam os amigos na mão... vão à m*rda.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Coisinhas doces: Turtle Bar e bebê Thomas

 

A piada que meu marido conta há anos em casa é a de que "Ana Elisa está sempre com as mãozinhas cheias de doce". Aparentemente isso é genético, pois desde que o pequeno cavaleiro matador de dragões descobriu suas mãos, ele as devora inteiras, o tempo todo, como se estivessem de fato cheias de doce. Imagino como será quando seus dedinhos tocarem brigadeiro ou cobertura de bolo pela primeira vez... Eita...


Enquanto o pequeno se esbalda em leite, sem sequer suspeitar dos planos gastronômicos que o aguardam, a mãe, sim, meleca os dedos de caramelo, chocolate e biscoito. Estas barras são bastante rápidas, se você não contar o tempo que o caramelo demora para esfriar e o chocolate firmar. Que são deliciosas, bem, isso é óbvio considerando os ingredientes. O que me surpreendeu nelas foi o fato de não serem enjoativas. Digo, são doces. Mas, no melhor estilo Alice Medrich, não são de doer as cáries.

Comi tudo sozinha. Pronto, falei.

(Um termômetro para doces é altamente recomendável nessa receita, para garantir que o caramelo não vá nem ficar mole, escorrendo, nem duro, puxa-puxa, mas sim macio e derretendo na boca.)

TURTLE BARS
(do livro Chewy Gooey Crispy Crunchy, de Alice Medrich)
Tempo de preparo: 1h30
Rendimento: 30-35 barrinhas

Ingredientes:
(shortbread)
14 colh. (sopa) manteiga sem sal, derretida e ainda morna
1/2 xic. açúcar
2 colh. (chá) extrato de baunilha
3/8 colh. (chá) sal
2 xic. farinha de trigo
(cobertura)
1 3/4 xic. açúcar demerara
1/4 xic. mel
3/8 colh. (chá) sal
1/4 xic. água
4 colh. (sopa) manteiga
1 lata (395g) leite condensado
1 colh. (sopa) extrato de baunilha
2 xic. metades inteiras de pecans ou nozes
170g chocolate ao leite ou meio amargo picado, ou 1 xic. de gotas de chocolate

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e posicione a grade na parte inferior do forno. Forre uma assadeira de cerca de 21x30cm com papel-alumínio.
  2. Numa tigela média, misture a manteiga derretida, o açúcar, a baunilha e o sal. Adicione a farinha e misture apenas até que esteja incorporada. Não se preocupe se a massa parecer muito mole ou oleosa. Pressione-a no fundo da assadeira forrada, espalhando de modo uniforme. Asse por 20-25 minutos, ou até que esteja dourada e acastanhada nas beiradas. Deixe esfriar na própria forma, sobre uma grade. 
  3. Equanto isso, faça a cobertura. Em uma panela de fundo grosso, com capacidade para 1-1,5l, junte o açúcar demerara, o mel, sal e água. Coloque em fogo médio e junte a manteiga. Mexa constantemente com uma espátula de silicone, raspando bem o fundo e as laterais da panela, até que a manteiga derreta. Se formar um grumo na ponta da espátula, raspe com uma colher de volta à panela e continue mexendo.
  4. Leve à fervura, mexendo sempre, por aproximadamente 3 minutos, para que todo o açúcar dissolva. 
  5. Junte o leite condensado e retorne à fervura, que tem que ser constante, mas não "furiosa", espirrando para todo lado. Continue mexendo e cozinhando até que um termômetro para doces acuse 112ºC (235ºF). O tempo total de cozimento deve ser aproximadamente 15 minutos.
  6. Remova a panela do fogo e junte a baunilha. Raspe todo o caramelo sobre a base de biscoito, na forma. Incline a forma (que estará imediatamente muito quente), para espalhar o caramelo de forma uniforme. 
  7. Espalhe as nozes tostadas e o chocolate picado e deixe que o caramelo esfrie e o chocolate volte a ficar duro, o que pode demorar algumas horas. 
  8. Puxe as abas de papel alumínio para ajudar a desenformar o doce. Com uma faca afiada, corte em quadrados pequenos e guarde em um pote hermético por 1 semana.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Sempre garantidos blinis de agrião com chantilly de cominho

Não esperava que meu pequeno matador de dragões fosse também um tão prodigioso produtor de xixi. Mamando feito um ogro esfomeado, tive de passá-lo para fraldas maiores, imensas, que fecham no melhor estilo "Saint-Tropeito", antes que seu tamanho estivesse adequado, uma vez que as fraldas "corretas" não aguentavam mais o tranco. Ainda assim fui pega de surpresa. Estava me acostumando às maravilhosas 6 a 8 horas de sono ininterrupto, quando Thomas voltou a acordar de madrugada, entre 2 e 4 da manhã, reclamando de fraldas cheias e, uma vez desperto, fome, provavelmente por conta do tempo frio.

Esse retorno ao sono interrompido tem me deixado capenga, e muito pouco ansiosa para voltar ao trabalho. Foi um retrocesso inesperado na minha rotina. Mas, como mãe agora, parece-me mais correto esperar pelo inesperado, conformar-me e não criar muito caso a respeito. Ver meu cavaleito ítalo-germânico crescendo e ficando forte compensa meu eu-zumbi, e saber que essa rotina não será para sempre me alivia.

O que é esperado, no entanto, é o destino do primeiro maço de agrião orgânico que aparece em minha casa. Há já alguns anos eles se transformam imediatamente em blinis, essas panquecas de fermento biológico, servidas com chantilly de cominho. A ideia de um chantilly salgado parece estranha, mas fica deliciosa com as panquecas de agrião.

BLINIS DE AGRIÃO COM CHANTILLY DE COMINHO
(da revista Saveurs)
Tempo de preparo: 1h20m
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 160g farinha de trigo
  • 2 ovos orgânicos
  • 200ml leite
  • 50ml creme de leite fresco
  • 20g fermento biológico fresco ou 7g fermento biológico seco
  • 5g sal
  • 1 maço de agrião
(chantilly)
  • 100ml creme de leite fresco
  • 1/2 colh. (sopa) cominho moído
  • 1 pitada de sal

Preparo:
  1. Lave e seque bem o agrião. Pique-o bem, descartando os talos mais grossos.
  2. Aqueça um pouco o leite (não deixe passar de 60ºC) e reserve. Numa tigela, esmigalhe o fermento junto à farinha.
  3. Separe os ovos e reserve as claras fora da geladeira. Bata as gemas com o creme e o leite morno. Incorpore aos poucos a farinha com o fermento, obtendo uma mistura homogênea. Salgue e deixe repousar em temperatura ambiente por 1 hora pelo menos. 
  4. Prepare o chantilly, batendo o creme com o cominho e o sal, e reserve na geladeira até a hora de servir. 
  5. Passado o tempo de fermentação, bata as claras em neve e incorpore-as delicadamente à massa. Junte o agrião picado. 
  6. Aqueça uma frigideira com um fio de óleo e despeje porções da massa, do tamanho que quiser. Cozinhe cerca de 2 minutos de cada lado e sirva os blinis quentes, com o chantilly à parte.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Salada de repolho e laranja para um dia de chuva

O frio e a chuva acabam com minha vontade de comer sorvete, mas o mesmo não ocorre com as saladas. Muito pelo contrário, adoro as saladas de outono e inverno, com folhas robustas, frutas e castanhas. A falta da refeição quente não me assusta, contanto que haja uma xícara de chá fumegante esperando por mim em seguida. O melhor de tudo é que saladas como essa podem esperar sem murchar enquanto você troca uma fralda e coloca um bebê para dormir.

Basta fatiar fino um pouco de repolho, ralar grosso uma cenoura pequena e cortar gomos de uma laranja doce, em cima da tigela, para recolher todo o suco que pingar. Junte a isso fatias fininhas e quebradiças de queijo Feta, nozes picadas e sementes de girassol tostadas, que acredito que sejam as sementes mais aromáticas que existem ao serem aquecidas. Para temperar, sal, pimenta, azeite e um pouco de óleo de nozes. A acidez fica por conta do suco da laranja.

Poderia comer dessa salada por todos os meses de frio. Adoro sua textura, o sabor da laranja e a cor viva da cenoura, mais calorosa que o céu cinza e chuvoso lá fora.

Receita adaptada do lindo Apples For Jam, da Tessa Kiros.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Somen, acelga e tofu para um almoço tranquilo

O bebê segue meus movimentos com seus olhinhos alertas e azul-acinzentados. Ele parece gostar dos sons da cozinha, e apesar do tilintar de louças, da batida ritmada da faca contra a tábua de madeira e do burburinho da água da torneira sobre a pia de inox, ele adormece.

Abro a geladeira para apanhar meus ingredientes: molho de ostra, shoyu (ambos sem glutamato monossódico), mirin, um toco de tofu orgânico e uma linda e enorme acelga orgânica. Da despensa, apanho uma porção de somen. Tenho consciência de que somen costuma ser comido frio, mas em minha tentativa de trabalhar com o que tenho em mãos, o somen hoje será servido quente.

Coloco água para ferver numa panela pequena e aqueço um fio de óleo em uma frigideira. Corto o toco de tofu em pedaços menores e atiro-os ao óleo quente, dourando-os dos dois lados. Enquanto isso, misturo numa tigela um pouco de mirin, shoyu e cebolinhas picadas. No olho, a gosto. Aqueço outra frigideirinha pequena, onde tosto sementes de gergelim e junto-as ao molho. Assim que o tofu está pronto, ele vai para a tigela, para absorver os sabores. A frigideira grande continua no fogo enquanto mergulho algumas folhas de acelga fatiadas fino na água fervente. Um minutinho apenas. Então, com a ajuda de um pegador de metal, retiro as folhas amolecidas e verde-vivo da água e jogo-as na frigideira ainda com um pouco de óleo pelando. Muito barulho e uma nuvem de vapor branco. Junto uma colherada de molho de ostra e mexo bem, desligando o fogo. Na água ainda fervente vai o somen, por poucos minutos. Escorro-o e junto à acelga e ao molho com tofu, misturando tudo muito bem.

Levo minha tigela fumegante para a sala e vou buscar o bebê adormecido. Sento-me no sofá ao lado do cão peludo, quentinho e ligeiramente carente. Ele repousa sua cabeça em meu colo quando cruzo as pernas. O bebê dorme profundamente em sua cadeirinha, enrolado no xale de lã, e sei que ainda poderei cochilar por meia hora antes que ele acorde para mamar novamente.

sábado, 4 de junho de 2011

Queijo cottage, de novo, mas diferente

O despertador toca às cinco da manhã. Conformada, ainda que contrariada, levanto-me da cama, devagar, esticando os braços, sentindo os ombros ainda doloridos pelo peso do bebê. Sinto que meu corpo não acompanha o desenvolvimento do pequeno, e quando ele começa a se acostumar, o bebê cresce, engorda, fica mais pesado, exigindo mais de músculos que antes apenas sovavam pão.

Saio da cama, pés no assoalho frio, perguntando-me, mais uma vez, por que ainda não comprei pantufas. Vou de passos arrastados até o banheiro, lavar o rosto e tirar os cabelos desgrenhados da frente dos olhos. Preguiçosa mas cheia de determinação, visto a roupa de ginástica, uma camiseta por cima da outra, mais o moletom e o cachecol, por conta do frio. Com o tênis de corrida produzindo ruídos de borracha contra a madeira, agora caminho cuidadosa até a cozinha, ligando a cafeteira.

Preparo uma dose dupla de café preto, fatio meu pãozinho francês e espalho sobre os nacos uma colherada generosa de queijo cottage caseiro. Minhas pálpebras ainda estão pesadas, quando ouço os primeiros sons vindos do quarto do bebê, como um brinquedo desses que se aperta a barriga: breves, compassados, agudos e insistentes.

Passo pelo meu quarto. Marido e cachorro roncando. Encosto a porta e levo meu café-da-madrugada para a cômoda ao lado do berço. O bebê abre os olhos assim que acendo o abajur. Ele volta seu rostinho alerta pra mim, e ensaia um bico retorcido para baixo com seus labiozinhos cor-de-rosa, que sempre me corta o coração. Aproximo-me, segurando suas mãozinhas e falando com ele. O bico se desfaz no momento em que ele me reconhece. Enquanto troco sua fralda, ele esperneia, tentando rolar, indeciso entre chorar, manhoso e com frio, ou admirar o reflexo do abajur na vidraça da janela.

Sento-me na poltrona, bebê no colo, café ao lado, apoiado no trocador. Enquanto ele mama, esganado, depois de seis milagrosas e ininterruptas horas de sono, como meu pãozinho, tentando não derrubar migalhas nos seus cabelinhos ralos. O queijo caseiro é mais doce e suave do que a versão comprada em potes de plástico. Tem gosto de leite fresco e uma textura cremosa, de grumos pequenos, que derrete na boca. A imensa xícara de espresso termina de erguer minhas pálpebras e me aprontar para o dia por vir. Um dia inteiro de bebê alerta, querendo interagir e não cochilando mais do que 1 hora inteira. Um dia inteiro de cão carente, querendo brincar e passear. Um dia inteiro de cuidar da casa e ter certeza de que tudo e todos estão limpos e alimentados.

Coloco o bebê no berço ainda acordado, dou-lhe um beijo estalado na testa e faço-lhe um carinho entre as sobrancelhas, o que sempre o faz sorrir. Enquanto termino de apanhar minhas coisas (bolsa, carteira, iPod), ouço os ruídos estranhíssimos que ele emite enquanto tenta libertar os bracinhos agitados das cobertas. Ele produzirá mais alguns deles até soltar uma das mãos, que ele imediatamente levará inteira à boca escancarada, dormindo sozinho em seguida.

Abro a porta do quarto, digo "tchau!" para o marido, fornecendo-lhe as últimas notícias sobre o bebê e um "status" de fralda e mamada, e corro porta afora em direção ao clube, para 45 minutos de corrida, já com saudades daquelas bochechas cada vez mais redondas e cor-de-rosa.

QUEIJO COTTAGE
(receita dividida ao meio, vinda do lindo livro "Forgotten Skills of Cooking", de Darina Allen)
Rendimento: 1 xíc. bem cheia

Ingredientes: 
  • 1,25 l leite integral (de garrafa; NÃO use UHT)
  • 1/4 colh. (chá) coalho líquido
  • 1 colh. (sopa) água

Preparo:
  1. Aqueça o leite apenas até ficar morno. Misture o coalho à água e salpique sobre a superfície do leite, mexendo bem com uma colher. Cubra com um pano de prato e a tampa da panela (o pano evita que o vapor do leite condense e pingue de volta) e deixe quieto por 2 a 4 horas. 
  2. Com uma faquinha de ponta arredondada, corte o coalho num padrão xadrez e volte a panela ao fogo mínimo, apenas para amornar, até que você comece a ver o soro brotar. Não aqueça muito, ou o coalho ficará muito duro.
  3. Forre uma peneira com um pano próprio para isso, e posicione sobre uma tigela grande. Apanhe o coalho com uma concha e derrame sobre o pano. Amarre as pontas e deixe pendurado em algum gancho, pingando sobre a tigela, durante toda a noite (fora da geladeira). 
  4. No dia seguinte, coloque o queijo num potinho, salgue a gosto e consuma em até umas 2 semanas. Guarde o soro na geladeira e use para cozinhar.  

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