sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

UMA SEXTA FEIRA FRUGAL 8: Picles de casca de melancia

Quando eu disse que a meta do ano era desperdício zero, não estava brincando. Cortei a melancia, coloquei-a numa tigela e fiquei seriamente incomodada com aquele monte de cascas. Deve existir algo a se fazer com elas! Meio minuto de pesquisa na internet me levou a uma série de receitas de picles de casca de melancia, uma conserva típica do sul dos Estados Unidos. Parando para pensar, picles de casca de melancia faz todo o sentido, uma vez que aquela parte esbranquiçada entre a carne rosada e a casca verde tem textura (e um pouco do gosto) de pepinos.

Acabei misturando duas receitas diferentes, uma de Martha Stewart e outra do site All Recipes, pois a primeira era vaga ao definir os temperos como "pickling spice" e a segunda tinha passos demais. Muitas receitas que encontrei eram longas e mandavam deixar a melancia de molho e tralalá. A receita de Martha era mais rápida. Fiquei na dúvida se eu poderia levar a conserva a cabo e de fato transformá-la numa conserva de prateleira, e não de geladeira. Mas como a proporção de vinagre das receitas era parecida, achei que a de Martha teria acidez suficiente para se manter em temperatura ambiente.

Bom... eu vou descobrir, não vou?

Então, se você não quiser arriscar como eu, deixe na geladeira e sirva junto com camarões, peixes, frangos, salada ou apenas queijo e pãozinho. Se quiser arriscar, basta ficar de olho: se o líquido começar a ficar fosco, enevoado, a conserva estragou. Claro, dependendo do recipiente usado, pode sobrar uma bela quantidade de líquido. Segundo o blog Food in Jars, você pode guardar o líquido na geladeira, fervê-lo novamente e cobrir algum outro vegetal. No entanto, essa conserva vai para a geladeira, pois não é aconselhável usar para conservas de prateleira um líquido fervido duas vezes (aparentemente parte da característica "conservante" do vinagre vai embora).

Se ficou gostoso?? Não faço a menor ideia. A melancia apenas cozida em sal ficou uma delícia. Tive vontade de apenas cobrir com um fio de azeite e comer daquele jeito mesmo. Logo, só posso acreditar que os picles devem ter ficado bons também. É o problema das conservas, imagino: só vamos saber o resultado final muito tempo depois. É sempre uma surpresa. :)

PICLES DE CASCA DE MELANCIA
(Pouco adaptado daqui e daqui.)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 8 porções (os 2 vidros da foto, que são vidros de picles de uns 300ml)


Ingredientes:
  • 450-500g casca de melancia (de aproximadamente 1,5kg de melancia)
  • 3 colh. (sopa) + 1 colh. (chá) sal
  • 1 1/2 xic. vinagre de sidra
  • 1 1/2 xic. açúcar
  • 1 pau de canela médio quabrado em pedaços menores
  • 2 colh. (sopa) de cravos inteiros
  • 1/2 colh. (chá) de sementes de mostarda

Preparo:
  1. Com um descascador de legumes ou uma faca, retire a parte verde das cascas, deixando apenas a parte esbranquiçada. Corte em tiras de 1x5cm.
  2. Coloque 5 xic. de água com 3 colh. (sopa) do sal para ferver numa panela média. Quando estiver fervendo, junte a melancia e cozinhe por cerca de 5 minutos, até que esteja macia, mas ainda al dente. Escorra e reserve.
  3. Na mesma panela, misture os temperos, o açúcar, o vinagre, a colh. (chá) sal e 1 xic. de água. Leve à fervura, mexendo de vez em quando com uma colher para dissolver o açúcar.
  4. Distribua a melancia nos vidros esterilizados (ou num pote com tampa, se for à geladeira). Preencha o vidro com o vinagre fervente, com cuidado, deixando 1cm de distância da borda. Tente colocar uma boa quantidade dos temperos nos vidros também. Tenha certeza de que a melancia está completamente submersa.
  5. Limpe qualquer resíduo nas bordas e feche bem com as tampas esterilizadas. Coloque numa panela com água fervendo que comporte os vidros em pé com água até as tampas e ferva durante 10 minutos. (Se for para a geladeira, basta fechar, deixar esfriar e colocar na geladeira por no mínimo 2 horas e no máximo 2 semanas.)
  6. Retire os vidros, coloque na bancada sobre panos de prato e deixe que esfriem de um dia para o outro, sem mexer neles. Verifique se está bem selado pressionando a tampa com o dedo: se ela não se mover, está bem fechado. Se não estiver, leve à geladeira e consuma em 2 semanas. 
[UPDATE:  Não rolou deixá-los na prateleira. Eles estragaram. Refiz a receita depois, apenas seguindo a dona Martha Stewart e pesquisando o que seriam os "pickling spices" e ficou muito gostoso. O estranho apenas é que eu esperava algo diferente, e o picles é tão docinho que parece fruta em calda. Minha mãe gostou tanto que ganhou quase todos os potes de presente.]

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Salada de vagem com ervas e tofu frito

Aaaaah... a lambança de Dezembro... Panettone... sorvete... torta... biscoito... cerveja... vinho... caipirinha... caipirinha... vinho... cerveja... O interessante é que a memória da diversão do último mês do ano sempre fica. Fica na barriga, nas coxas, naquela parte do seu braço que balança (mas não deveria) quando você dá tchauzinho. Eita, tristeza.

Lá fui eu tirar da gaveta a dieta da nutri e colar na porta da geladeira. De novo. Mas a verdade é que o total descaso que é Dezembro me deixou com crise de abstinência de legumes. Fui à feira hoje e me senti como uma criancinha numa loja de doces. Me dá pimentão! Um não, quatro! E abobrinha! E rúcula! E alface romana! E... e... quiabo! Vagem! Beterraba! Ah, meu deus, beterraba!

Sinto-me mais leve apenas de olhar para minha geladeira. Tão colorida. Tão saudável. Escondendo na parte de trás ainda punhados de castanhas, frutas secas, queijos e afins. Mas tenho sido uma boa menina. Desde o dia 1º, voltei para uma alimentação mais leve. Menos macarrão. Menos pizza. Nada de álcool. Pelo menos durante a semana. ;)

Consigo sentir meu corpo suspirando aliviado. "Graças a Deus, essa louca tomou juízo... Afe!", ele reclama. Calma, querido. Calma, que logo logo você vai estar como novo.

Esta salada me chamou a atenção no momento em que a vi na falecida Gourmet. Mas, na minha (ainda) convicção de respeitar a sazonalidade da comida, claro que tive de deixar a revista de lado e esperar até que chegasse o verão. Aliás, foi divertido apanhar todas as revistas antigas e sair marcando todas as gostosuras de verão que ainda não havia podido preparar. Fiz uma lista imensa, e duvido que consiga preparar tudo esse mês. Será ótimo tentar, no entanto.

Para preparar a salada, cozinhe 1 ovo, descasque, corte ao meio e separe a gema da clara. Fatie a clara e coloque em uma tigela grande. Cozinhe 100g de vagens em água fervente até ficar al dente, escorra e junte à clara, com mais um belo punhado de rúcula e algumas folhas de estragão.
Coloque a gema cozida em outra tigelinha e bata com um garfo ou fouet até desmanchá-la. Junte 1 colh. (chá) de suco de limão, 1 colh. (chá) água, 1/2 colh. (chá) de mostarda de Dijon e misture bem. Vá juntando 1 1/2 colh. (sopa) de azeite num fio, batendo sempre, até ficar homogêneo. Tempere com sal e pimenta. Junte um punhado de salsinha picada, 1 colh. (sopa) de cebola picada e 1 colh. (chá) de alcaparras, drenadas e picadas. Derrame isso sobre a salada e misture bem.
Quebre um ovo cru em outra tigela e bata ligeiramente. Corte uma fatia de tofu (100g no total) e divida em duas, se quiser. Seque com papel-toalha. Polvilhe com sal dos dois lados e passe no ovo batido. Frite em um fio de azeite, dos dois lados, até que fique bem dourado. Sirva com a salada.
Delícia!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

PADARIA DE DOMINGO 34: Pão de nozes numa quarta-feira

[Um zilhão de anos depois, tentando resolver por que diabos eu não conseguia acessar o Blogger, finalmente um post...]

Neste Natal, como nos anteriores, fiz panettone e sorvete de nozes com calda quente de chocolate. Definitivamente preciso desta tríade no dia de Natal. Uma lembrança de infância que surrupiei para o presente e transformei em minha própria tradição. Todos os anos, a receita produz o sorvete de nozes mais gostoso que já comi, mas também produz sobras com as quais não sabia lidar. O processo de deixar as nozes tostadas em infusão no leite, batê-los em purê e coá-los sempre me deixava com mais leite aromatizado do que a receita pedia e com um belo punhado de nozes moídas e já secas sobre a peneira. Nos outros anos, esses restos foram para o lixo. Neste, eu os guardei.

Minha primeira ideia fora fazer biscoitos com as nozes moídas, mas como ainda tinha Speculatius e ganhara um pacote inteiro de Amaretti de minha cunhada, achei que biscoitos não eram uma boa ideia. Principalmente lembrando que meu marido não é nem um pouco fã de nozes. E eu ainda não sabia o que fazer com o leite aromatizado.

Tive uma epifania quando vi uma receita de pão em um dos livros de Deborah Madison. A receita original usava leite em pó e óleo de nozes. Adaptei substituindo a medida do leite em pó pelo leite de nozes, subtraindo a mesma medida da quantidade de água, e usando óleo de canola. E, claro, as nozes picadas estavam lá, também esperando para serem usadas.

O pão ficou fantástico! De casca grossa, miolo denso mas muito macio, um sabor complexo que não grita "nozes" logo de cara, e absolutamente perfeito com uma colherada de queijo cottage. Nham!

Fiquei muito contente com ele, pois não apenas consegui reutilizar as sobras do sorvete, como finalmente eliminei a uruca dos pães que tive ano passado, quando nenhum deles dava certo. Estão reabertas as Padarias de Domingo, e estou absolutamente empolgada para cozinhar muito esse ano, de forma mais natural, mais nutritiva, mais sustentável e mais divertida! Espero que todos vocês tenham tido um lindo Natal e uma excelente virada de ano. Agora, mãos à obra.

PÃO DE NOZES
(Adaptado do livro Vegetarian Cooking for Everyone, de Deborah Madison)
Tempo de preparo: 4 horas
Rendimento: 2-3 pães médios


Ingredientes:
  • 2 xíc. água morna
  • 2 colh. (chá) fermento biológico seco instantâneo
  • 1/4 xic. de óleo de canola
  • 1 colh. (sopa) xarope de malte ou mel
  • 1/2 xic. leite aromatizado com nozes
  • 2 colh. (chá) sal
  • 4 xic. farinha de trigo integral (da mais grossa, com bastante fibras, não aquela fininha e clara)
  • 2 xic. (aproximadamente) farinha de trigo para pães ou comum
  • 1 1/2 xic. de nozes moídas usadas para aromatizar o leite
  • Manteiga derretida

Obs: Se não fez o sorvete, você pode assar as nozes por 5 minutos em forno médio, misturá-las ao leite e levar à fervura. Desligue, tampe e deixe em infusão por uns 20 minutos. Bata no liquidificador (não precisa transformar em purê, pode deixar grosseiro) e coe em uma peneira forrada com pano limpo. Deixe por uns 30 minutos, para que as nozes realmente sequem bem.


Preparo:
  1. Misture o fermento e 1/4 xic. de água em uma tigela e deixe fermentar enquanto você separa o restante dos ingredientes.
  2. Junte o restante da água, o óleo, o xarope ou mel, o leite de nozes e o sal. Misture bem. Junte toda a farinha integral e bata com a colher de pau até ficar homogêneo.
  3. Junte suficiente farinha de trigo para formar uma massa pesada que descole das laterais da tigela. Adicione as nozes.
  4. Vire a massa numa superfície e sove até que fique macia e elástica, adicionando um pouco de farinha para impedir que grude (o método do Bertinet funciona maravilhosamente, sem que se tenha de juntar tanta farinha e mantendo a massa úmida).
  5. Coloque a massa em uma tigela grande untada com óleo, cubra com um pano úmido e deixe dobrar de tamanho, por aproximadamente 1h30.
  6. Divida a massa em 2 ou 3 pedaços iguais e forme bolas, colocando-as em uma assadeira untada com óleo. Cubra novamente com pano e deixe dobrar de tamanho, por cerca de 45 minutos. Nos últimos 15 minutos, pré-aqueça o forno a 190ºC.
  7. Faça 3 cortes paralelos na superfície de cada pão e pincele com manteiga derretida. Asse até que a casca esteja marrom e o bater dos nós dos dedos na parte de baixo dos pães produza um som oco, cerca de 40-60 minutos.

Como a receita produz 3 pães médios, bastante coisa para duas pessoas, coloquei um dos pães num saco plástico, fechei bem e coloquei no freezer, para ser descongelado durante a noite e reaquecido no forno ou na torradeira, em um outro momento. Não sei se esse pão congela bem. É um teste. Mas esse ano minha meta é desperdício zero... ;)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Barras de doce-de-leite, chocolate e amendoins caramelizados, porque o que são calorias, afinal?

A definição de fim de ano deveria ser algo como "período durante o qual o indivíduo passa metade de seu dia em confraternizações, comendo e bebendo tudo aquilo que não pôde comer durante os meses anteriores, apenas para que no mês seguinte, também chamado 'início de ano', ou 'alto verão', possa resmungar a respeito de sua falta de restrição e de auto-controle, enquanto aperta e aponta os pontos excessivamente curvilíneos de seu corpo para os amigos."

Porque é verdade. Fim de ano é isso mesmo. A gente enfia o pé na jaca com muito gosto, e nem lembra que janeiro é aquele mês, aquele fatídico mês em que sua pança redonda finalmente verá a luz do sol (e será vista por muita gente, também).

No espírito do "quem se importa??", então, eis o doce mais gordo que fiz nos últimos tempos: Uma base de biscoito, doce e amanteigada, uma camada cremosa de doce-de-leite, salpicada de amendoins salgados inteiros, caramelizados, uma cobertura de chocolate meio-amargo e aqueles mesmos amendoins caramelizados transformados quase em uma farofa por cima de tudo. Praticamente um ataque cardíaco.

Quem se importa?

A receita é de Dorie Greenspan, e se chama "Snickery Squares", pois eles são uma versão... MELHOR? ... é, com certeza uma versão melhor do "chocolate" Snickers. [Pelo menos nos EUA eles têm alguma noção e chamam isso de "candy bar", ao invés de "chocolate". Já no Brasil, chama-se qualquer pedaço de porcaria de chocolate e a galera acredita...] Aqui acho que poderíamos chamá-los de "Quadrados Charge", mas eu nem sei se esse "chocolate" ainda existe. Existe? Assim que servi as barrinhas a amigos, sem mencionar nada sobre seus ingredientes ou seu nome, veio o primeiro comentário: " Pô, é que nem Charge!"

As barras ficaram muito boas mas bastante doces. Na verdade, tão doces quanto os tais "candy bars". Pessoalmente, prefiro uma doçura mais sutil. Para quem tem uma predileção por doce-doce, no entanto, esse é um prato cheio.

SNICKERY SQUARES
(do livro Baking – From My Home to Yours, de Dorie Greenspan)
Tempo de preparo: 1h30
Rendimento: 16 quadrados


Ingredientes:
(massa)
  • 1 xic. farinha de trigo
  • 1/4 xic. açúcar
  • 2 colh. (sopa) açúcar de confeiteiro
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 8 colh. (sopa) manteiga sem sal gelada, cortada em pedaços pequenos
  • 1 gema de ovo grande, ligeiramente batida
(recheio)
  • 1/3 xic. açúcar
  • 3 colh. (sopa) água
  • 1 1/2 xic. amendoins salgados, sem pele
  • 1 1/2 xic. doce-de-leite cremoso
(cobertura)
  • 200g chocolate meio-amargo cortado em pedaços
  • 4 colh. (sopa) manteiga sem sal em temperatura ambiente

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC e unte com manteiga uma forma quadrada de 20cm.
  2. Coloque a farinha, os açúcares e o sal no processador e pulse algumas vezes para misturar. Junte os pedaços de manteiga gelada e pulse até formar uma farofa grossa. Junte a gema de ovo e pulse apenas até que se formem pelotas úmidas e amarelas, sem deixar a massa se transformar numa bola.
  3. Coloque a massa na forma e pressione-a até que preencha todo o fundo da forma. Espete com um garfo toda a superfície e leve ao forno por 15-20 minutos, ou até que esteja ligeiramente dourada nas bordas. Sem tirar da forma, deixe esfriar sobre uma grade.
  4. Forre uma assadeira com um tapete de silicone ou papel-manteiga e deixe ao seu lado. Coloque o açúcar e a água numa panela média e leve a fogo médio-alto, mexendo até dissolver o açúcar. Então pare de mexer e deixe em fogo médio até que comece a tomar cor.
  5. Junte os amendoins e mexa com uma colher de pau (abaixe o fogo se começar a queimar), para recobrir os amendoins com o caramelo. Continue mexendo por alguns minutos, até que o caramelo comece a derreter novamente em torno dos amendoins e fique cor de âmbar.
  6. Despeje os amendoins sobre a assadeira forrada e espalhe com a colher de pau. Deixe esfriar completamente.
  7. Quando estiverem frios, quebre em pedaços menores e divida a porção ao meio, deixando metade inteiros e metade picando fino.
  8. Espalhe o doce de leite sobre a base de biscoito e espalhe os amendoins inteiros sobre o doce-de-leite.
  9. Derreta o chocolate em uma tigela em banho-maria. Retire do fogo e junte a manteiga, mexendo bem até que esteja homogêneo. Espalhe o chocolate sobre o doce-de-leite, alisando com uma espátula. Polvilhe com o amendoim picado e leve à geladeira para firmar por no mínimo 20 minutos. Sirva em temperatura ambiente ou, se quiser servi-los gelados, refrigere por pelo menos 3 horas antes de cortá-los. Corte 16 barras de 5cm de lado.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Geleia de amoras com gostinho de obsessão

Depois que a conserva de ameixas deu certo [está bem vedada, e até agora não mostrou nenhum sinal de estar estragando], fiquei bastante empolgada com a ideia de conservar comida, e saí fuçando e marcando em meus livros todas as receitas de geleias, compotas, chutneys, molhos, picles e afins. Quero fazer tudo! Ainda mais agora que percebi que não preciso fazer quantidades imensas. Posso fazer um vidrinho só de cada coisa, sem o risco de estragar um monte de comida.

Comprara na feira uma bandejinha de amoras grandes e bonitas, mas elas não estavam tão doces quanto eu esperava, e não estavam gostosas para serem comidas ao natural. Enquanto esmiuçava meus livros, deparei-me com uma das dezenas de receitas de geleia de amora, e resolvi testar aquela específica com as amoras que eu abandonara em minha geladeira.

Eu gosto de receitas precisas, e fico passada quando me vejo numa situação de dúvida, ingredientes nas mãos, panela no fogo, sem saber como prosseguir. Dividira a receita em três, uma vez que só tinha 2 xícaras de amoras, 1/3 da quantidade de frutas requeridas. Coloquei-as na panela com a maçã, separei o açúcar e o suco de limão... e fiquei na dúvida. A receita pedia para COBRIR as amoras com até 1cm de água. Hmmm... isso quer dizer colocar só 1cm de água na panela, ou cobrir as amoras e ultrapassar 1cm?

Erroneamente, escolhi a segunda opção. Em seguida, a receita indicava para medir o suco obtido das amoras e acrescentar uma quantidade X de açúcar para cada Y de suco. É claro que eu obtivera mais suco do que deveria, uma vez que colocara mais água também do que deveria. Prossegui, e no que a autora indicava que aos 220ºF a geleia estaria pronta, entornei-a no vidro esterelizado, fervi-o e guardei-o.

No dia seguinte, descobri que minha geleia estava mais para um xarope: completamente líquida.

Sem nada em meus livros que indicasse o que fazer nesse caso, pensei haver perdido minhas preciosas frutas e meu tempo. Mas não, depois de alguma pesquisa na internet, descobri que se a geleia não deu ponto, você pode sim retirá-la do vidro e consertá-la. Provavelmente havia pouca acidez na minha geleia, uma vez que a autora pedia suco de limão siciliano e eu usara um limão tahiti, com muito menos suco, e também deveria ter deixado ferver um pouco mais. Coloquei um pouco mais de suco de limão e açúcar, e deixer chegar novamente aos 220ºF, no que a geleia reduziu e, ao testá-la também de forma tradicional (no pratinho gelado), ela indicou que estava no ponto certinho.

No entanto, ao entornar a geleia no vidro, ainda borbulhante, ela transbordou, como leite fervendo, e ainda que eu tenha limpado bem a borda antes de fechar o vidro, ele provavelmente não ficou bem vedado, e mesmo depois de fervê-lo, a tampa continuava fazendo "pop" e se movendo à pressão do meu dedo.

Desisto.

Cortei uma fatia de pão, passei-lhe um pouco de manteiga, abri o pote da geleia e retirei dela uma bela colherada. O vidro foi para a geladeira ao invés da despensa. Tudo bem. Vou ter de fazer o esforço de comer a geleia de amoras agora ao invés de daqui a um ano. Hmmm... Difícil... ;)

Deixo a receita original, uma vez que saí adaptando e consertando e não anotei nada...

GELEIA DE AMORAS
(do livro Chez Panisse Fruit)
Tempo de preparo: 30 minutos
Rendimento: 3 1/2 xícaras


Ingredientes:
  • 6 xíc. amoras maduras
  • 1 maçã cortada em cubos de 0,5 cm (com sementes, casca e cabo)
  • 2 xíc. açúcar
  • suco de 1 limão siciliano

Preparo:
  1. Lave as amoras, descartando qualquer uma que esteja mofada e coloque-as numa panela grande e de fundo grosso, com a maçã. Coloque 1cm de água na panela e leve ao fogo médio por 10 minutos, amassando as amoras com as costas de uma colher.
  2. Passe as frutas por uma peneira, recolhendo os sucos em uma tigela de vidro. Esprema as frutas até retirar todo o seu suco. Descarte a polpa e meça o suco. Deve haver cerca de 4 xíc.
  3. Volte esse suco para a panela e acrescente 1/2 xic. de açúcar para cada xíc. de suco. Junte o suco de limão.
  4. Em fogo alto, ferva o líquido, retirando com uma escumadeira a espuma que se formará na superfície. Quando marcar 220ºF no termômetro para doces, estará pronto. Ou coloque um pires no freezer; coloque 1 colh. (chá) da geleia no pires e volte-o ao freezer por 1 minuto; a textura deve ser de xarope bem grosso.
  5. Despeje nos vidros esterelizados, deixando 1cm de borda. Feche os vidros e ferva-os por 10-15 minutos. Deixe esfriar por 24 horas, sem mexer, antes de guardar por até 1 ano. (A receita original manda apenas "processar os vidros como manda o fabricante", pois nos EUA se compra vidros de conserva com aros para selar as tampas, e com instruções precisas de quanto tempo se deve ferver os vidros e como.)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

UMA SEXTA FEIRA FRUGAL 7: conserva de ameixas em xarope de mel

Conservas em geral são coisas com as quais sempre flertei mas jamais me comprometi. O conceito é fantástico: compre o que você gosta quando está na estação e faça conservas das sobras, para ter o ano inteiro. A imagem dos vidrinhos de geleia, das compotas, dos picles e chutneys enfileirados na minha prateleira é linda em minha mente. Mas o medo de me comprometer com o processo e acabar com vidros e vidros de comida mofada era grande. Durante os últimos anos, não saí do cercadinho seguro da geleia de maçã que fica na geladeira e não precisa de esterilização nem nada disso. Apenas uma vez me aventurei a fazer uma conserva de pimentões com base em um livro emprestado. Mas o livro pulava várias partes importantes sobre o processo e não dizia se a conserva deveria ficar ou não na geladeira. Resolvi testar. Dois dias depois, meus pimentões espumavam para fora do vidro. Frustração total.

Então encontrei um blog. Um blog lindo, fantástico, sobre tudo aquilo de se comer que se guarda e conserva. Fiquei fascinada pelas receitas e pelas fotografias, e marquei nos meus favoritos. Um dia. Ah, um dia eu faço alguma receita.

Na quarta-feira, eu comprara uma Food & Wine para ler na hora do almoço, uma vez que a tv a cabo (que normalmente me faz companhia enquanto como) estava com problemas, e eu passaria o dia justamente esperando pelo técnico. Na revista havia um texto de Eugenia Bone, autora de um livro sobre conservas, contando sobre suas aventuras na cozinha no último mês do ano. O relato de todas as gostosuras saídas de sua despensa e feitas por ela, muitas vezes um ano antes, me deixou completamente encantada. E, enquanto o técnico me deixava plantada já por cinco horas, resolvi que era chegada a hora de tentar. Entrei no Food in Jars e procurei por uma receita que levasse ameixas, qualquer coisa, geleia, compota, chutney, o que fosse. Pois eu tinha uma grande tigela de ameixas orgânicas na geladeira que estavam mais azedinhas do que eu gostaria. E encontrei uma receita muito promissora de conserva de ameixas em xarope de mel.

Para não correr o risco de estragar muita comida, adaptei a receita para um vidrinho só, do tamanho de um vidro médio de palmito. E comecei a receita, na verdade muito fácil, com aquele medo absurdo do marinheiro de primeira viagem, tremendo enquanto a pinça de metal puxava para fora o vidro escorregadio e pesado de dentro da panela com água fervente. Assim que coloquei o vidro quente na tábua de corte, ele começou a soltar um barulhinho suave, quase um assobio. Aparentemente era um bom sinal, segundo o blog. Vinte e quatro horas depois, dei alguns tapinhas com a ponta do dedo na tampa. Ela estava côncava e o som era seco, ao invés de oco. Iêeeei! Isso queria dizer que o vidro estava de fato muito bem vedado.

O medo se dissipou imediatamente, e fiquei com uma vontade louca de fazer muitas outras conservas como essa. Agora fica aquele comichão... quero abrir e comer e ver como ficou... não. Tem que esperar, dar um mês, para ficar mais forte e para ver se dura, se de fato deu certo. Mas eu quero comer agora! Com iogurte! Com sorvete! Não, mas para que diabos serve uma conserva de um dia só?

Dilema cruel...
;)

PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR: Vocês fazem conservas? Do quê? Têm algum livro específico a respeito ou aprenderam com pai, mãe, avós?

CONSERVA DE AMEIXAS EM XAROPE DE MEL E CANELA
(adaptado daqui)
Tempo de preparo: 35 minutos
Rendimento: 1 vidro de uns 500ml de capacidade
Ingredientes:
  • ameixas suficientes para caber no vidro (depende do tamanho delas)
  • 1/4 xic. + 2 colh. (sopa) mel
  • 1 xic. água
  • 1 pedaço pequeno de canela em pau
  • 1 vidro de conserva de uns 500ml
Preparo:
  1. Coloque uma panela grande cheia de água para ferver. Limpe bem o vidro e as ameixas.
  2. Em uma panelinha menor, ferva a tampa do vidro. Em outra, misture a água e o mel e leve à fervura, até que o mel esteja dissolvido.
  3. Coloque as frutas inteiras dentro do vidro, o mais apertadinhas possível. Insira a canela em pau e despeje o xarope de mel dentro do vidro, deixando 1cm da borda. Limpe qualquer respingo da borda e com a ajuda de um pegador de metal, retire a tampa da fervura e feche bem o vidro.
  4. Coloque o vidro fechado dentro da água fervendo na panela grande. Deixe ferver por 25 minutos contando a partir do momento em que a água volta a ferver.
  5. Retire com a ajuda um pegador, com muito cuidado, e coloque na bancada, sobre um pano de prato. Deixe que esfrie completamente e não mexa nele por 24 horas. Passado esse tempo, limpe qualquer resíduo que possa ter vazado para fora (segundo a autora, às vezes acontece). A tampa deve estar côncava e firme quando pressionada. Se se movimentar ou estiver estufada, há ar dentro do pote. Ao bater com o dedo, na tampa, o som não deve ser oco, o que também indicaria ar dentro do vidro e uma vedação falha. Coloque a data e guarde a conserva num local fresco e escuro por até 1 ano.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Salada de manga com molho de iogurte e camarões empanados em coco


Não é fantástico que o idioma permita que chamemos camarão empanado de salada? Resta a suave ilusão de que nada daquilo vai de fato para os seus quadris. Mas bem... o que há de se fazer? Todo mundo merece um pouco de camarão empanado de vez em quando...

Assim que vi a salada na revista francesa Saveurs, corri à feira para comprar um punhadinho de camarões e uma manga bem madura. E não me arrependo nada da decisão. A salada é muito refrescante e, estranhamente, apesar de não levar sal nenhum, não tem gosto de sobremesa. E os camarões... tem coisa melhor do que camarão empanado em coco ralado? Hmmmm...

SALADA DE MANGA COM MOLHO DE IOGURTE E CAMARÕES EMPANADOS EM COCO
(da revista Saveurs)
Tempo de preparo: 25 minutos
Rendimento: 4 porções


Ingredientes:
  • 16 camarões crus, limpos, apenas com o rabo
  • 1 ovo
  • 2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 100g coco ralado
  • 1 colh. (sopa) farinha de rosca
  • 2 mangas maduras
  • 1/2 xíc. de iogurte integral natural
  • 1/2 colh. (chá) pimenta Caiena
  • 2 colh. (sopa) suco de limão
  • 2 colh. (sopa) coentro fresco picado
  • 1 colh. (sopa) óleo de gergelim (na falta dele, usei azeite de oliva)
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Numa tigela, misture o iogurte, a pimenta caiena, o suco de limão, óleo de gergelim e coentro. Misture bem e deixe na geladeira.
  2. Corte a manga em cubos e coloque em uma tigela.
  3. Tempere o camarão com sal e pimenta a gosto. Passe os camarões na farinha, depois no ovo batido e por fim na mistura de farinha de rosca e coco ralado. Frite-os em óleo bem quente, até que fiquem dourados e cozidos. Seque em papel absorvente.
  4. Despeje o molho de iogurte por cima da manga cortada e disponha os camarões por cima. Decore com cebolinha picada, se quiser.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Tralha nova, bolo novo

Na sexta-feira passada, Allex entrou em casa com uma mochila grande, cheia e deformada nas costas. Em tempo: ele vai e volta de moto para o trabalho, o que nesses dias em que os céus vem caindo é quase uma piada, e o pobrezinho chega em casa com cara de cachorro molhado. Bem, como ele mesmo diz, de moto ele chega molhado e de carro ele não chega.

"Feliz Natal", disse ele, abrindo a mochila no chão e retirando peças brancas e azuis embaladas individualmente em plástico.
"What the f...?!"
"Ah, comprei seu processador, mais a caixa não cabia na mochila, então ela foi para a reciclagem e o brinquedo veio em pedaços."
"E eu já posso usar? Ou é só no Natal?"
"Você vai querer fazer coisas com ele agora, não vai?"
"Vou."
"Então... e eu não vou embalar tudo isso de novo em outra caixa. Feliz Natal adiantado."

No fim das contas, baseado nos comentários de vocês e alguma pesquisa, acabei escolhendo um dos modelos mais simples dentre os nacionais mesmo. Achei tentador comprar um processador maior e cheio de tralha, mas a verdade é que eu não preciso de um processador-juicer-batedeira-corta-unha-do-pé-traz-café-na-cama. Já tenho uma bela de uma batedeira, e não sou muito de fazer sucos de frutas (prefiro comê-las), e quando os faço, uso aquele espremedorzinho manual que parece um espremedor de alho, que acho muito prático e funciona muito bem. Ah, mas aqueles cortam fatias de várias espessuras... Argh. Não, não preciso disso. Para falar a verdade, corto os meus legumes com a faca mais rápido do que o tempo que me leva para montar o processador. Para quê então eu realmente precisava de um? Para fazer todos os bolos e massas do tipo "joga tudo dentro e pulsa 30 segundos", e para emergências como o dia em que fiz uma pissaladière para 8 pessoas, e passei 45 minutos cortando quase 2kg de cebolas em meias-luas finas. Acreditem: eu nunca mais quero passar por isso

A dúvida cruel era que o cheio de tralha era de fato bem maior do que o com menos tralha. A psicopata metódica em mim apanhou todos os livros de receita da estante, procurou uma por uma as receitas que usavam processador e, baseado no manual de instruções online dos modelos de processadores e o limite de peso de farinha e número de ovos, calculou se o volume de massa de todas aquelas receitas era suportado pelo tamanho da tigela do modelo menor.

Cu-cooo! Cu-cooo! Louca de pedra.

Bem, o modelo menor era bastante.

Resolvi testar o brinquedo novo na segunda-feira, com uma receita muito, muito simples, mas que sempre foi um verdadeiro desastre aqui em casa: o bolo de cenouras de minha mãe. Ele é um bolo dummy-proof, como já escrevi aqui. É muito difícil ele dar errado, e mesmo quem nunca acertava bolo de cenoura tem ótimos resultados com ele. Por isso me considero muito talentosa: só na minha mão ele dava errado.

Primeiro, era o liquidificador maldito, que não batia direito. Ele não tinha potência e não puxava os ingredientes de cima para a parte debaixo, batendo em falso; e o que teoricamente seria uma atividade muito simples (colocar tudo no liquidificador e apertar o botão "Ligar") virava uma epopeia de abre, mexe com a colher, tira a bolota de farinha presa embaixo da inalcançável lâmina, mistura o ovo que nesse meio tempo foi absorvido pelo açúcar e virou uma papa dura... Muitas vezes tudo isso alterava a textura do produto final, e o bolo não saía como deveria, com o miolo irregular, assado num ponto, cru em outro, com buracos no meio. [É visível a diferença de textura do miolo dos dois bolos, da foto do post antigo e desta foto atual.]

Então tentei a batedeira. Mas também não dava certo. Ela demorava mais do que devia para misturar os ingredientes, incorporava ar demais à massa e o bolo crescia, crescia, transbordava e ia parar no chão do forno, espalhando pela casa um horrível cheiro de queimado e soltando fumaça escura em toda a minha cozinha.

Precisava ser essa receita. Se havia um momento de redenção do bolo de cenoura, seria aquele. Montei o bichinho na bancada, ainda pouco familiarizada e resolvi que, primeiro, claro, ralaria as cenouras nele. Eu fatio e pico coisas numa boa, mas eu detesto ter de ralar cenouras, beterrabas, e principalmente grandes quantidades de queijo, uma vez que, invariavelmente, eu vou acabar ralando os nós dos dedos.

Liguei o menino. E imediatamente comecei a rir. Talvez por ele ser de plástico, ele não tenha o peso necessário para mantê-lo tão estável quanto, por exemplo, minha batedeira, que pesa 10kg e não sai do lugar mesmo batendo as massas mais pesadas. O bichinho me lembrou o movimento daqueles bonecos de vento de postos de gasolina. Iúuuuuuuuhuuuuuu!, imaginei ele gritando, enquanto rebolava loucamente. Coloquei minha mão em cima, para mantê-lo firme e prossegui. No final, apesar do centro de gravidade deslocado, ele é menos barulhento que meu antigo liquidificador (que apesar de pouco potente parecia um ar-condicinado industrial quando ligado), e fez muito bem seu trabalho, ralando as cenouras rapidinho sem ralar meus dedos junto. ;)

O bolo.

Quando terminei de colocar todos os ingredientes na tigela que anunciava ter 2,5l (e tem), mas que na verdade sugere um limite de 1,5l, achei que tinha feito bobagem, que teria sido melhor comprar um modelo maior, mesmo com toda a tralha que viria junto. Os ingredientes ultrapassavam em 1cm o tal do limite proposto. Isso vai explodir para todo lado, pensei, imaginando ovos, farinha e cenouras pelas paredes. Arrisquei. E, para minha felicidade, em 30 segundos o bolo estava batido. E pela primeira vez em quatro anos, o bolo assou maravilhosamente bem, e finalmente ficou com a textura fofa e uniforme dos bolos de minha infância.

Felicidade total.

Levei o bolo para o café da manhã da corrida, na manhã seguinte, e fiquei o tempo todo torcendo para que meus amigos acabassem com ele. Se não houver mais bolo, vou "ser obrigada" a fazer outro. Puxa... ;)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Voltando...

Devagar vou voltando à normalidade, se é que essa palavra alguma vez foi aplicável. Dizer que esse ano foi um ano ruim é ofensivo ao Universo, que colocou sim bons momentos e boas pessoas em meu caminho. Este ano evoluí como profissional graças a excelentes ilustradores e artistas que conheci e que tiveram a bondade de serem meus professores. Este ano reavivei dentro de mim a paixão pelo desenho, que andava moribunda. Este ano foi muito bom para meu casamento, e pudemos pensar muito no futuro e ansiar por ele. Este ano meu cãozinho cruzou pela primeira vez e seus filhotes, agora com dois meses, são a prova de que há beleza e doçura no mundo. Este ano fiz muitos novos – e bons – amigos. Este ano atingi duas metas que eram importantes para mim: emagrecer 10kg e correr minha primeira meia maratona (21km). E vou terminar o ano fazendo algo que sempre quis fazer: correr a São Silvestre.

Foram poucas, pouquíssimas as coisas que me fazem pensar nesse ano como um ano ruim, apesar de todos os pontos positivos que pude citar. Primeiro, este foi o pior ano desde que abri minha empresa. E quem trabalha por conta própria sabe o quanto dói analisar planilhas e gráficos e perceber que seu faturamento não está seguindo a tendência que você previra. É extenuante a expectativa pelo trabalho que colocará seu fluxo de caixa de volta nos eixos. A assim chamada crise foi a desculpa perfeita para que muitas empresas eliminassem sua verba de comunicação por boa parte do ano. E isso afetou a todos os profissionais da área de criação, principalmente os da ponta da cadeia, como ilustradores e fotógrafos.

Segundo, minha avó faleceu em meados do primeiro semestre. Era esperado, mas o processo foi mais longo e doloroso do que o necessário. É interessante como a quebra de um elo, como os avós normalmente são, nunca deixam os laços familiares que restam como eram; eles se estreitam ou desfazem definitivamente. Neste caso, o laço foi desfeito de forma irreversível, deixando em mim uma marca indelével, um gosto amargo na boca, que para sempre me lembrará dos limites da mesquinharia humana. Foi um corte brusco e profundo, de cicatrização muito lenta, que ainda pulsa devagar, me lembrando da ferida. E eu fico aqui, inconformada, sem entender o mundo.

Eu não era muito próxima de minha avó. De nenhuma das duas. Não me lembro de nenhuma conversa significativa. Mas nossos pratos favoritos estavam sempre ali nos esperando, e eu sabia que havia amor ali, disfarçado de alimento. Ela se prontificou, já muito idosa, a me ensinar a fazer macarrão, quando lhe pedi. E gnocchi. E manjar branco. E então me deu todos os seus cadernos de receita para que eu desse continuidade à cozinha que ela já não mais praticava. No meio daquele mês ácido, no entanto, os cadernos me foram tomados, e tudo o que me resta dela é seu bolo de laranja decifrado e os bolinhos de banana, favoritos de meu pai.

É sempre a mesma agonia para mim, quando alguém morre. A sensação egoísta de que perdi minha chance de fazer qualquer coisa boa por aquele ser que passou por aqui. Todas as boas intenções de nada mais servem. Salada de catalogna e abóbora. Era o que eu estava almoçando quando minha mãe me telefonou, e a fotografia está até hoje alojada numa pasta em meu computador, e eu simplesmente não consigo publicá-la aqui, ainda que o gosto doce, amargo e salgado ainda estale em minha boca.

Sinto falta da ideia de ela estar lá. E apesar de ela ser co-responsável, junto com minha avó materna, pelo meu amor à cozinha, não consegui me fazer escrever sobre ela durante todos esses meses. Por todo esse tempo, minha vontade de cozinhar ficou dormente, fingindo que despertava vez ou outra, apenas para manter vivo esse espaço e aquela centelha dentro de mim que ainda acreditava em amar através da comida. Era difícil acreditar em amor após testemunhar tanta ausência dele.

Mas acho que finalmente a ferida parou de latejar. Pode ser a aproximação do Natal. Os piores Natais ainda são bons, de alguma forma. Pode ser que eu tenha encontrado suficiente amor durante os últimos meses para aniquilar meu cinismo de uma vez por todas. Talvez seja simplesmente um processo natural. Talvez o fato de o trabalho ter voltado ao normal no final do ano tenha me tirado da espiral descendente em que eu me encontrava.

De repente, minha vontade de cozinhar parece restaurada. Quero fazer biscoitos, cannoli, pães, quero gente jantando em casa, quero preparar o almoço do dia 25! Principalmente, sinto vontade de compartilhar outra vez. Como se minha visão tivesse sido restaurada, consigo ver beleza novamente nos pratos que saem da minha cozinha, e agora é fácil escrever a respeito deles. Não é mais um fardo, como fora nos últimos meses. Voltou a ser um prazer. Prazer em fazer, em alimentar, em fotografar, em contar, em dividir, em debater.

Eu andara querendo fechar o blog, pensara por que diabos acumulara tantos livros de culinária, e estava cozinhando mecanicamente. Então eu quis fazer massa folhada. Massa folhada! E eu fiz pão, um lindo pão de centeio, pela primeira vez em meses. E fiz biscoitos para decorar a árvore de Natal.

Curada. Enfim.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Biscoitos na árvore de Natal, ou um voto de confiança para meu cachorro

É engraçado como as coisas funcionam... Quando nos mudamos da casa de nossos pais, um surto de independência nos fez querer distância de qualquer coisa que nos lembrasse família e tradição. Mas conforme os anos vão passando, a nostalgia vai crescendo, e a vontade de retomar cada costume de nossas infâncias nos domina. Essa é nossa primeira árvore de Natal. Nos anos anteriores, a falta de espaço ou a falta de vontade fez com que nos conformássemos com um alecrim de Natal: minha mudinha de alecrim (a coisa mais parecida com um pinheiro em casa) com uma única bolinha vermelha pendurada, que parecia mais um nariz de palhaço do que um enfeite natalino. Este ano, após uma arrumação da mobília da sala, finalmente conseguimos um canto para a árvore. E lá fui eu, toda empolgada.

Ao invés de gastar comprando decoração de Natal, no entando, nos limitamos às lampadinhas, e decidi completar a árvore, que até então tinha apenas três ou quatro enfeites acumulados nos anos anteriores, com biscoitos. A ideia me pareceu genial: além de ser uma tradição gostosa, não preciso reservar espaço no meu minúsculo apartamento para guardar um monte de bolinhas vermelhas durante o ano todo.

Usei uma receita de biscoitos da Nigella específica para decoração de árvore. A receita, como quase tudo o que ela faz, era para ser feita no processador, que o Sr. Noel ainda não trouxe. Lá fui eu adaptar para a batedeira, e funcionou muito bem. Aliás, excelente receita, pois mesmo dando errado, ela dá certo. Era para misturar a manteiga e o açúcar juntos, e depois acrescentar o ovo batido com o mel, mas não tudo, apenas o suficiente para dar liga. Esqueci o açúcar, joguei todo o ovo com mel e tive que colocar o açúcar depois e acrescentar mais farinha para dar liga, pois a massa ficara molenga. Mesmo assim a massa abriu bem, manteve a forma e os biscoitos assaram lindamente, além de ficarem gostosos. Tive de ficar vigiando enquanto esfriavam para que meu marido não comesse toda a decoração da árvore.

"Ué, mas não é para comer?"
"Claro que não! Esses vão para a árvore!"
"Ah, então não são comestíveis?"
"São, você PODE comê-los, mas você NÃO VAI comê-los, porque eles são os enfeites da árvore."
"Você vai pendurar biscoito na árvore???"
"Vou."
"E o que é isso?"
"A cobertura de açúcar."
"Você vai pendurar açúcar na árvore???"
"Vou."
"E essa agora..."

Agora decorá-los é sempre uma desgraça. Deus sabe que antes de nascer eu entrei na fila do talento para desenho mas quando chegou minha vez na fila do talento para decoração em confeitaria, já tinha acabado tudo. Eita, dificuldade! Algumas coisas não fazem sentido. Como eu posso desenhar bem e ao mesmo tempo ter uma caligrafia tão horrorosa, por exemplo? O que prova que não é uma questão de coordenação das mãos... :P

O melhor foi poder usar meus cortadores de biscoitos, que ficam ali, sempre meio empoeirados, uma vez que, ao contrário da Patrícia, rainha dos cookies :) , biscoitos não são muito minha praia. Não sei por quê. Adoro fazê-los, mas a não ser que sejam cookies de aveia e passas (meus favoritos), eles acabam esquecidos no pote, e acabam virando complemento de sorvete [que, aliás, é a melhor coisa para fazer com cookies e bolo de chocolate que sobram: incorporar no sorvete de creme ainda molinho antes de colocar no freezer, para seu próprio Vanilla Chocolate Chip Cookie Ice Cream, e afins...].

No fim, metade da receita abaixo foi mais do que suficiente para decorar uma árvore de um metro e meio, e os biscoitos além de tudo deixaram a sala inteira com um cheirinho suave de açúcar e especiarias... Dó é ver o cachorro sentado do lado dos enfeites, pedindo com a patinha (porque ele nunca pega nada sem pedir com a patinha antes, todo cutchi-cutchi). "Não, Gnocchi, esses biscoitos, não!" É capaz de chegar em casa e encontrar a árvore como no cartão de natal do ano passado...

BISCOITOS PARA DECORAÇÃO DA ÁRVORE DE NATAL
(do livro Feast, de Nigella Lawson)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 30-45 biscoitos


Ingredientes:
  • 300g farinha de trigo
  • 1 pitada sal
  • 1 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1 colh. (chá) canela em pó
  • 1/4 colh. (chá) cravo moído (ou 3-4 cravos inteiros moídos no pilão)
  • 1-2 colh. (chá) pimenta-do-reino moída na hora (usei a quantidade menor)
  • 100g manteiga sem sal em temperatura ambiente
  • 100g açúcar mascavo
  • 2 ovos grandes, batidos com 4 colh. (sopa) de mel (mais líquido, não cristalizado)
(cobertura)
  • 300g açúcar de confeiteiro, peneirado
  • 3 colh. (sopa) água fervente
  • confeitos

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 170ºC e forre duas assadeiras grandes com papel-manteiga ou silpat.
  2. No processador, ou na batedeira planetária com a pá, combine a farinha, o sal, fermento, canela, cravo e pimenta.
  3. Com o aparelho ligado (batedeira na velocidade 2), junte a manteiga e o açúcar, misturando bem. Junte o ovo batido com mel devagar, apenas o suficiente para que a massa tome corpo. Ela deve ficar mais firme e sequinha.
  4. Divida em 2 discos, embrulhe um deles em filme plástico e leve à geladeira enquanto trabalha com o outro.
  5. Enfarinhe a bancada e o disco de massa e abra numa espessura de 5mm. Corte os biscoitos com os cortadores (os meus tinham de 4-7cm) e disponha-os na assadeira. Com um palito ou a ponta de um bico de confeitar pequeno, abra os furos por onde vai passar o cordão. O biscoito cresce muito pouco enquanto assa, então pode dispô-los mais juntinhos, com 1cm de espaço entre eles.
  6. Junte os restos de massa, abra de novo e corte de novo, até usar todo o disco. Leve ao forno por 20 minutos, ou até que a parte de baixo dos biscoitos esteja bem sequinha e firme (os meus douraram ligeiramente nas beiradas). Enquanto eles assam, abra e corte o segundo disco de massa.
  7. Retire os biscoitos da assadeira assim que saírem do forno e os disponha numa grade para esfriar. Prepare a cobertura misturando o açúcar peneirado à água até formar uma pasta lisa e brilhante. Decore os biscoitos como quiser, quando estiverem frios.

Cozinhe isso também!

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