
"O que que é isso?", perguntei, muito desconfiada.
"Chocolate", respondeu meu pai.
Não sei dizer exatamente por quanto tempo resisti a experimentar aquela coisa de aparência pouco apetitosa. Meu pai gostava de pregar peças em mim desde pequena, e por isso eu olhava para aquilo como algumas crianças olham para uma couve-de-bruxelas. Recusei.
Num outro momento, não sei nem se no mesmo dia ou no mesmo ano, pois a memória é boa mas não tanto, meu pai se aproveitou do fato de estar completamente hipnotizada pela televisão, e aproximou-se sorrateiramente, dizendo "abre a boca!". Obedeci sem pensar nem olhar o que ele tinha na mão, e quando mastiguei, senti todo um mundo de novos sabores se abrindo diante de mim. Imediatamente a televisão perdeu o encanto. "Hmmmm! Que é isso???" Chocolate. Foi paixão à primeira mordida.
Claro, em outra ocasião, só para provar que televisão não fazia bem para meu cérebro, meu pai aplicou a mesma técnica e colocou uma rolha de garrafa na minha boca, que cuspi imediatamente, revoltadíssima, em meus sei lá quantos poucos anos.

"Do que que é esse bolo?"
"Cenoura", disse minha mãe.
"Ah, vá? Cenoura é legume! Do que que é? Fala a verdade!"
"Cenoura, juro! Olha aqui os pedacinhos!"
A verdade é que já testei diversos bolos de cenoura; com farinha de amêndoas, com nozes, com laranja, com cobertura de cream-cheese, versões italianas, inglesas, receita de tia, de amiga... Mas nunca nenhum bateu a simplicidade, a doçura e a infalibilidade do bolo de minha mãe. Porque mesmo quando ele dá errado, ele dá certo. Desta vez mesmo, atrapalhada por ter esquecido de marcar o tempo de forno e ter ido trabalhar, fui confundida pelo aroma doce que invadia a sala e o princípio de casquinha dourada por sobre o bolo, e abri o forno para testá-lo com o palito, ao que o danado respondeu imediatamente desinflando como um soufflé fracassado. Feiúra solucionada virando-se o bolo de ponta-cabeça, escondendo-se a parte em colapso.
Este é o bolo de cenoura mais fácil, mais rápido e também o mais gostoso que já fiz ou comi em minha vida. Seu miolo é muito macio e úmido, contido por uma ligeira crosta quase caramelizada que nunca vi repetida em receitas mais sofisticadas. Deixo aqui, então, essa simples mas carinhosa "herança de família", que foi para o meu caderno, acompanhado de uma ilustração, para que eu ache a receita mais facilmente, dentre tantas outras.

BOLO DE CENOURA (Updated)
Tempo de preparo: aprox. 1 hora
Rendimento: 8-10 porções
Ingredientes:
- 2 cenouras médias raladas bem fino
- 3 ovos
- 1 xíc. de óleo (canola ou girassol)
- 2 xíc. de açúcar
- 2 1/2 xíc. de farinha de trigo
- 1 colh. (sopa) de fermento químico em pó
Preparo:
- Em um liqüidificador muito potente ou um processador, bata todos os ingredientes até que fique homogêneo.
- Coloque em uma forma de cerca de 20cm de diâmetro com furo no meio, untada e enfarinhada, e leve ao forno médio (180ºC) pré-aquecido por 45-50 minutos, até que fique dourado e um palito saia limpo quando inserido no bolo (insira o palito na rachadura central, em que se pode ver o miolo, pois muitas vezes ele está pronto nas laterais mas cru nesse meio, apesar da casquinha dourada em volta).
- Deixe esfriar completamente numa grade antes de desenformar. Se quiser, cubra com ganache, mas ele é perfeito assim, sem nada.