sexta-feira, 28 de março de 2008

Galettes de trigo sarraceno

Desde o post do pizzoccheri, quando expliquei muito rapidinho num comentário outros usos do trigo sarraceno que estava maluca para tentar os crêpes.

Passei toda a minha vida vendo minha mãe preparar crêpes muito finos, empilhá-los num prato, recheá-los e levá-los ao forno. Lembro-me até hoje do dia em que ela me deixou ajudá-la, e foi me orientando enquanto eu espalhava a pequena quantidade de massa na frigideira, movia o pulso em círculos para deixá-la uniforme, e virava o disco delicado com a ajuda de uma espátula, para tostar dos dois lados.

Claro, naquela época ninguém que eu conhecesse chamava aquilo de crêpes; eram panquecas. E confesso só tê-las começado a chamar pelo nome em francês quando preparei minha primeira panqueca de verdade, a americana, da que se come com mapple syrup. Chamar tudo de panqueca então parecia-me confuso. Crêpes são crêpes. Panquecas são panquecas.

Ou assim pensava minha mente simplória. Tudo mudou novamente, quando assisti a um Menu Confiança filmado na Bretagne (região no norte da França), em que uma francesa dona de uma crêperie preparava crêpes doces e salgados. Fiquei extasiada ao ver que as massas diferiam em mais coisas além do detalhe do açúcar, e que seus nomes eram diferentes: crêpes e galettes.

Saí em busca de mais informações e descobri que galettes são crêpes servidos como prato principal, e cuja massa leva trigo sarraceno. E crêpes são as versões doces, feitas apenas de farinha de trigo.

Graças a essa pequena pesquisa, acabei encontrando outras informações sobre o trigo sarraceno. Aparentemente ele é a semente de uma fruta, não um cereal, e é relacionado ao ruibarbo. Não tem glúten (como eu já havia mencionado), é abarrotado de ômega-3 (aquela mesma substância contida no azeite e no salmão), vitaminas B1 e B2, fibras, minerais e aminoácidos essenciais. [Normalmente eu não ligo para nada disso, mas acabo sempre indo atrás de informações como essa para comprovar a algumas pessoas que não, eu não sou anêmica por não comer carne. Tive um treinador que me enchia a paciência com isso.]

Fiquei um pouco apreensiva ao começar os crêpes — ops! galettes! — depois de ler Julie & Julia. Três anos morando nesse apartamento e, apesar da profusão de panquecas, nunca preparara um crêpe sequer. E se grudassem na minha panela? E se rasgassem? O que eu faria com aquela tigela enorme de recheio? No entanto, ao contrário da protagonista do livro, as galettes foram ficando prontas, uma a uma, fininhas, douradas, perfeitas (com exceção de uma, pobrezinha, que rasgou ao meio). Fiquei muito orgulhosa. Lembrei-me imediatamente de um amigo que trouxera certa vez de uma viagem uma francesa a tiracolo, e que nos convidara para jantar. Sentamo-nos na cozinha e ela foi preparando galette por galette, muito delicadas, virando-as e dobrando-as com tanta facilidade que, na época, senti-me uma cozinheira bruta e truculenta.

Bom, acredito que aquela sensação tenha desaparecido para nunca mais voltar.

GALETTES
(traduzido e ligeiramente adaptado do La Tartine Gourmande)
Tempo de preparo: 5min + 2h de descanso + 20 min.
Rendimento: 9-12 galettes, dependendo do tamanho da frigideira


Ingredientes:
  • 100g de farinha de trigo sarraceno
  • 60g de farinha de trigo comum
  • 1/4 colh. (chá) de sal
  • 2 ovos
  • 300ml de água fria
  • 100ml de leite integral
  • 2 colh. (sopa) de azeite extra-virgem

Preparo:
  1. Misture as farinhas e o sal.
  2. Bata ligeiramente os ovos e junte-os à farinha.
  3. Acrescente a água, o leite e o azeite e misture bem com um fouet, para aerar bem a mistura. Deixe descansar em temperatura ambiente por 2 horas.
  4. Aqueça uma frigideira anti-aderente e derreta um naco de manteiga. Despeje massa suficiente para apenas recobrir o fundo da frigideira e deixe dourar em fogo médio-baixo.
  5. Com a ajuda de uma espátula, deslize a galette e vire-a, deixando-a dourar do outro lado.
  6. Você pode apenas transferir a galette para um prato e mantê-la aquecida para recheá-la depois, ou pode já recheá-la direto na frigideira. Imagine o círculo de massa divido em 4 partes iguais, como uma pizza. Coloque uma ou duas colheres do recheio de sua escolha em um desses quartos. Não exagere. Dobre a galette ao meio, seguindo a divisão de quartos que você imaginara, e depois dobre-a novamente, formando um triângulo. Pressione-a muito suavemente com a espátula, retire e disponha em um prato aquecido. Sirva quente.
A quem interessar possa: o recheio que usei foi ricotta, parmesão e talos de espinafre refogados com alho e cebola vermelha. Reaqueci no forno com uns nacos de manteiga e polvilhado de queijo pecorino.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Achou o ovo!

Precisava fotografar o que restou da torta de Páscoa, simplesmente pela diversão que é ver esse ovo assim no meio dela. A receita foi uma das poucas que segui sem nenhuma adaptação nos últimos tempos, e por isso, infelizmente, não a colocarei aqui. Por isso, na verdade, e pela chatice que foi abrir a massa. Quatro vezes. Afe!

Se quiser fazer algo parecido, é mais fácil usar sua massa de torta favorita (ou massa folhada comprada pronta), e rechear com um maço inteiro de espinafre aferventado, escorrido e refogado com alho, misturado a ricotta fresca, um punhado de queijo pecorino ralado e um tantinho de creme de leite, só para dar cremosidade. Faça quatro buracos redondinhos no recheio e quebre os ovos lá dentro, polvilhando com queijo por cima. E cubra com a massa com muuuuuuuuito cuidado para não estourar as gemas! hehehe...

Um pouco de paz, sossego e comida em boa companhia na Páscoa






Confesso ter me exaltado no último post. Às vezes falho em controlar meus impulsos de atear fogo no circo. Quem me conhece sabe que não hesito em iniciar uma discussão, principalmente quando encontro pelo caminho alguém que não apenas tenha boa disposição para argumentar, mas também — e mais importante — tenha inteligência para não levar para o lado pessoal e, depois de ninguém ter convencido ninguém de coisa nenhuma, após horas de discussão acalorada, que consiga sorrir e combinar a próxima cerveja. Adoro quando encontro gente assim. Houve mesmo uma vez que fiquei num bar discutindo política com uma amiga de um amigo que tinha uma visão diametralmente oposta à minha, e mesmo depois de alguns pontos delicados muito bem esmiuçados, terminamos a noite com um "Ótima conversa! Quando vai ser a próxima?".

No entanto, família não funciona assim. Não sei por quê; em algum momento os cientistas vão descobrir porque parecemos absolutamente incapazes de manter uma conversação de base lógica com pessoas com quem compartilhamos o mesmo sangue. Por isso mesmo, pendurei as armas atrás da porta e me preparei para uma tarde inteira de paz. Ainda que muito do meu autocontrole tenha sido fruto do cansaço, confesso, pois autocontrole não é, normalmente, uma de minhas virtudes.

Esse almoço de Páscoa foi especial, pois pela primeira vez conseguimos unir os dois lados da família. Claro que só foi uma possibilidade porque havia pouca gente. Nosso pequeno "apertamento" não comporta uma grande festa de família com todos os avós, tios e apêndices de cada lado. Convidamos então os pais dele, minha mãe e minha irmã, pois a cunhada voltou para a Itália e meu pai continua em Fortaleza. Éramos seis [não resisti...]. Recusamos qualquer ajuda, e minha mãe ficou logo preocupada, pedindo para que não fosse louca como minha avó, que começava a preparar o almoço de domingo na sexta-feira, ao que eu respondi: "E não é essa a graça??"

No sábado de manhã comecei a maratona. Primeiro de tudo, o prato mais arriscado: uma torta siciliana de Páscoa, do livro Sabores da Sicília, do SENAC. Recomendo o livro: receitas deliciosas. Foi arriscado porque havia muita coisa que poderia dar errada, e era o único prato que eu jamais fizera. Eram quatro bolinhas minúsculas de massa que deveriam ser abertas em círculos finos como papel, translúcidos, e intercalados com azeite, duas camadas embaixo, duas em cima, recheio no meio. Este, de ricotta fresca, espinafre e queijo pecorino, deveria comportar em buracos muito bem estruturados quatro ovos inteiros, assim crus, para cozinharem como pequenos ovos pochés dentro do recheio verde enquanto a torta assava. Ainda bem, apesar do ligeiro stress para abrir a massa do tamanho certo sem rasgá-la, tudo deu certo e a torta ficou excelente. Não fosse o fato de a camada de cima ter-se descolado, inflado e entortado, a torta teria ficado perfeita.

Depois da torta, a massa. A receita é ipsis literis do livro Jamie´s Italy, de orecchiete al forno. Eu já preparara a receita usando conchiglie (na falta de orecchiete) e tomates frescos. Desta vez, encontrei um pacote de orecchiete de semolina da marca Granarolo, a mesma da farinha italiana que costumo comprar, e tomates em lata Raiola, meus favoritos. Intercala-se camadas de massa com molho, punhados generosos de parmesão ralado na hora e mozzarella de búfala em pedaços, e leva-se tudo ao forno. Ao contrário da torta, entretanto, deixei o prato apenas pré-montado. Para evitar que o macarrão continuasse cozinhando em seu próprio calor e ficasse empapado e sem textura (scotto, come dicono gli italiani), deixei que o molho esfriasse completamente antes de utilizá-lo, e cozinhei a massa por 1 minuto menos que o indicado no pacote, escorrendo-o e passando-o pela água fria, até que não restasse mais qualquer calor emanando dele. Montei o prato na minha panelona vermelha, que comportou confortavelmente os 500g de orecchiette, e foi, no dia seguinte, do forno para a mesa combinando bonitinho com minha toalha-cliché de trattoria.

Afe. Feito isso, hora do sorvete de creme. Depois de preparar a mistura e deixá-la na geladeira, saí para almoçar na Osteria del Petirosso, um lugar que adorei, apesar de ser meio salgado, e que me deu muita dó, por estar vazio, vazio. Melhor tiramisù de São Paulo, e único tortelli di zucca que comi fora da Itália em que se podia sentir o tempero sutil mas marcante da Mostarda di Cremona. No fim de tudo, depois do cafézinho, foi-nos servido um licor de amêndoas por conta da casa; uma delicadeza por parte dos donos que é difícil de se encontrar nos restaurantes por aqui, mesmo os mais caros.

Voltando do almoço, retorno à maratona. Asso os pimentões sob o grill, retiro-lhes a pele, fatio, refogo na cebola, com uma colherinha do molho de tomates reservado da massa. Vinagre. Sal. Pimenta. Pepperonata pronta.

Enquanto isso, cozinho as ervilhas com menta seca, escorro-as, tempero-as e misturo-as a azeite extra-virgem. Cubro-as e deixo marinando na geladeira.

Hora do único toque de chocolate do almoço: um bolo cremoso muito fácil que eu já fizera diversas vezes na casa de minha mãe, mas nunca aqui. Derrete chocolate com manteiga, mistura gemas, açúcar, sal e baunilha. Bate as claras em neve com o resto do açúcar, incorpora as claras na meleca de chocolate, coloca na forma forrada e untada e leva ao forno MÉDIO por 40 minutos. Até onde eu sei, forno médio é 180ºC. Pelo menos é o que diz na Dona Benta e em um monte de outros livros clássicos e imprecisos. Olho o meu termômetro e ele está marcando 180ºC exatamente, nem um milímetro para lá ou para cá. Lembro-me de que na casa de minha mãe o bolo sempre dava certinho, então coloco o timer para 40 minutos e vou descansar a coluna deitando no sofá um pouco, pois depois de 8 horas de pé, picando, cortando e misturando, eu mereço. Trinta minutos depois, aquele cheiro. É, aquele que eu detesto: queimado.

Corro para a cozinha, testo com o palito e, apesar de continuar a 180ºC, o bolo ficou pronto antes da hora. Tinha as beiradinhas das placas quebradas por cima chamuscadas e, ao desenformá-lo, via-se claramente o fundo enegrecido.

Insira imprecações aqui.

"Vai assim mesmo", pensei. Já estava cansada, e como o objetivo era comer o bolo com sorvete, mandei um "dane-se, todo mundo vai comer bolo queimado". Eu que não ia jogar tudo fora e começar de novo. Então me lembrei de que o forno de minha mãe é também desregulado como o meu, e a razão pela qual o bolo demorava 40 minut0s para ficar pronto era que a temperatura era 30ºC mais baixa.

Hunf.

No dia seguinte, todos chegaram ao mesmo tempo, exatamente na hora marcada, o que é sempre uma bênção para qualquer anfitrião: isso quer dizer que todos terão o mesmo tempo para se entupir de aperitivos, e que não é preciso esperar mais tempo para servir o almoço. Quando eles entraram, já estavam distribuídos pela "imensa" sala potinhos com castanhas de caju, azeitonas Kalamata (menos amargas que as comuns Azapa, e por isso ótimas para serem comidas puras), queijo Feta marinado em azeite e orégano (como me ensinou uma amiga grega de minha irmã), pepperonata e uma pasta de grão-de-bico que acabei aprontando no pilão cerca de 5 minutos antes de os convidados entrarem pela porta, com medo de que não houvesse comida suficiente. Para acompanhar a pasta e a pepperonata, fatias de pão ciabatta.

Reaqueci a torta, aqueci e gratinei a massa, e servi ambos acompanhados das ervilhas com menta e da salada Cole Slaw, feita no dia, com repolho branco, cenouras e cebolas roxas, maionese e mostarda de Dijon.

Tudo correu muito mais suavemente do que eu esperava. Todos os pratos deram certo e agradaram, até mesmo o pobre bolo queimado que, no fim, por milagre talvez, não pegara gosto de queimado. O único erro foi ter calculado mal a quantidade de bebidas, razão pela qual Allex teve de sair de fininho para comprar mais.

Quem mais gostou da festança foi o cachorro, que não sabia no colo de quem pular. O fato de ter feito muito mais comida do que seis pessoas poderiam comer (e repetir e repetir de novo), prova de uma vez por todas que carrego em mim os genes da fartura de minha avó Lydia. Espero tê-la deixado orgulhosa, onde quer que a véia tenha reencarnado.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Sexta-Feira Santa: Santa Paciência!



A despeito do fato de não sermos exatamente católicos, é impossível para mim não querer sentar à mesa posta, tomar um bom vinho e comer algo especial em uma Sexta-Feira Santa. No primeiro ano em que nos mudamos, lembro-me vagamente de algum pai (o meu ou o do Allex, já não sei mais) nos perguntando se comeríamos peixe na sexta-feira.

"É claro que não!", respondemos, exasperados. "Não comemos carne o ano todo, porque comeríamos justamente no dia em que não devemos???"

E, respondendo ainda ao olhar confuso e perplexo do interlocutor oculto pelo véu de minha parca memória: "Para quem não come carne, Sexta-Feira Santa não tem nada de especial: é só sexta-feira."

De fato, fico sempre boquiaberta com a falta de disciplina dos assim chamados católicos. Ninguém está pedindo para que eles sejam perpetuamente vegans. São 364 dias de balbúrdia e descontrole e apenas um — unzinho só — sem carne. E pensar que antigamente eram dias e dias de jejum, diminuídos posteriormente para apenas sexta-feira, então atenuados para uma dieta restrita, que, finalmente, foi deturpada por um monte de gente sem o menor senso de autocontrole, para "um peixinho pode". Daqui a uns tempos vão dizer que franguinho também está ok. Ah, vá, povo, ninguém consegue ficar 24 horas sem comer um bicho???

De qualquer forma, sou sempre invadida por sentimentos paradoxais em feriados religiosos. Por um lado, há o saudosismo incontrolável, as lembranças das Páscoas da infância, de quando bacalhau era item raro e caro, e por isso, preparado apenas uma vez ao ano, razão pela qual eu já começava a salivar de ansiedade assim que terminava o Carnaval. Por outro lado, minha parte cínica pulula e grita, irritada pela comemoração em nome da comemoração, sem conhecimento, sem tradição, rendida e vendida às fábricas de chocolate e brinquedos, inundando mentes maleáveis de noções consumistas e fúteis que contrapõem justamente a mensagem que o feriado deveria difundir. Páscoa não é mais um momento de reflexão. Nem Natal. Nem coisa nenhuma. O importante é pagar 40 reais num ovo de 300g de chocolate de qualidade inferior e abarrotado de gordura hidrogenada. Tudo porque é mais fácil agradar a criançada com uma dose colossal de açúcar do que de fato ensinar-lhes algo que preste para suas vidas.

Veja bem, fui criada como católica. Fiz primeira-comunhão. Quando me revoltei contra tudo e todos, em meus anos aborrecentes, costumava desejar "Feliz Solstício!" e "Bom Equinócio!" a meus pais, apenas para enfurecê-los. Sim, porque me parecia ridícula toda a comemoração em torno de datas arbitrárias, escolhidas pela igreja medieval em função de festas pagãs e judaicas, apenas com o intuito de minar o espírito comemorativo de indivíduos de outra fé, e, aos poucos, substituir uma festa pela outra. Isso não é segredo para ninguém. Mas acredito que se for para tomar com desinteresse uma data como esta, que pelo menos seja com essa consciência, e não por ter sido dominado pelo desejo por chocolate. Fiquei em choque ao assistir a um programa de TV em que, perguntado sobre o significado da Páscoa, um transeunte de quociente intelectual questionável respondeu que era uma data relacionada ao descobrimento do Brasil, algo a ver com o monte Pascoal.


Hmmmmmmmmmf...


Esse tipo de coisa me dá dor no estômago. Sério.


Mas, como meu lado cínico e meu lado saudosista são duas partes que há muito tempo aprenderam a conviver em paz e ceder um ao outro em nome da boa vizinhança, tento nessas datas criar minhas próprias tradições. Afinal, algo terá de ser ensinado aos filhos quando eles um dia vierem. Os pimpolhos decerto saberão o significado da Páscoa, pois, apesar de não-católica, tenho grande respeito e admiração por esse homem que tentou desesperadamente botar a humanidade nos trilhos e que (dizem os padres) morreu hoje. Mas também saberão que as datas são apenas simbólicas, e que houve e há muita politicagem no meio. Assim como também terão consciência de que Páscoa não é o Dia Oficial do Chocolate.

Por isso, e por detestar ovos de Páscoa, nessa Sexta-Feira Santa fiz um almoço simples, Risi e Bisi, que, no dialeto de Veneza, quer dizer apenas "Arroz e Ervilhas". Um risotto quase sopa (pois os venezianos bem gostam de seu risotto com mais água), de ervilhas frescas e salsinha, muito leve, ideal para um dia de calor e de restrição. É claro que omiti (como sempre omito) as fatias de pancetta. O risotto combinou à perfeição com a garrafa de Pinot Grigio do Friuli, D.O.C.

E, para iniciar uma tradição muito inglesa e pouco italiana, preparei esses brioches de Páscoa, Hot Cross Buns, que devem ser comidos na Sexta-Feira. Adoro esse tipo de pão semidoce, perfumado de especiarias e pontilhado de frutas secas. Como dez desses em lugar de um pedaço de ovo de chocolate. O aroma que se espalha pela casa quando eles estão no forno vale decerto uma lembrança daqui a 20 anos, dos pãezinhos de Páscoa preparados toda Sexta-Feira Santa.



HOT CROSS BUNS (Brioches Ingleses de Páscoa)

(Ligeiramente adaptado do livro Biscuits et Petits Gâteaux)
Tempo de preparo: 20 min. + 2h30 fermentando + 25min forno
Rendimento: 8 pães do tamanho de um punho


Ingredientes:
  • 1/2 colh. (sopa) de fermento ativo seco instantâneo
  • 40g de açúcar cristal orgânico
  • 315g de farinha de trigo para pães
  • 1/4 colh. (chá) de pimenta-do-reino branca moída
  • 1/4 colh. (chá) de gengibre em pó
  • 1/4 colh. (chá) de cravo moído
  • 1/2 colh. (chá) de canela em pó
  • 1/2 colh. (chá) de noz moscada ralada na hora
  • 1/4 colh. (chá) de sal
  • 125ml de leite morno
  • 50g de manteiga sem sal derretida
  • 1 ovo extra-grande batido
  • 120g de passas sem sementes
  • 50g de cascas de laranja cristalizadas cortadas em pedaços

Preparo:
  1. Junte o fermento, uma pitada de açúcar e 60ml de água morna e deixe descansar por 10 minutos, até que espume.
  2. Em uma outra tigela, misture a farinha, os temperos e o sal.
  3. Na tigela de uma batedeira planetária, bata com o gancho para massas o leite, a manteiga, o açúcar, o ovo e cerca de 4 colh. (sopa) da mistura de farinha, até que fique liso. Junte o fermento, as passas e as cascas de laranja e misture.
  4. Vá juntando a farinha aos poucos (4 colh. por vez), misturando bem entre cada adição, até que tudo tenha sido incorporado. A massa ficará muito mole e grudenta, como massa de panettone. Bata com o gancho na velocidade 2 por 5 minutos.
  5. Passe a mistura para uma tigela untada com óleo, cubra com filme plástico e deixe descansar por 1h30-2h, até que dobre de volume.
  6. Afunde a massa com o punho enfarinhado, e, em uma superfície igualmente enfarinhada, divida a massa em 8 porções iguais. Forme bolas com elas e disponha-as em uma assadeira grande, untada com óleo, com cerca de 4cm de distância entre elas. Cubra com um pano úmido e deixe descansar por 30 minutos.
  7. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Leve ao fogo alto 1 colh. (sopa) de açúcar com a mesma quantidade de água, e desligue assim que ferver. Reserve.
  8. Misture 30g de farinha a um pouco de água, até formar uma massa. Abra-a com 2mm de espessura, e corte 16 tiras de 5mm de largura, formando cruzes sobre os pães crus. Leve ao forno por 20 minutos ou até que dourem.
  9. Pincele os pães com o xarope de açúcar frio e deixe que os pães esfriem sobre uma grade.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Pizzoccheri e o fim do trauma com trigo sarraceno



A primeira vez que experimentei trigo sarraceno foi em uma polenta nera muito mal feita, e não sabia onde cuspir o pedaço que colocara na boca. Eca... No entanto, vivo segundo aquilo que digo para amolar os outros: é impossível dizer que você não gosta de algo até que prove esse algo de todas as maneiras possíveis (diria que fui muito influenciada pelo modo de pensar de Hume, ainda que não conheça nenhuma experiência culinária do filósofo).

Foi toda uma confluência de coincidências que fez com que eu tivesse na geladeira todos os itens necessários para esse prato típico da Lombardia, região no norte da Itália. Pizzoccheri é um tipo de massa feita de trigo sarraceno, com um sabor bastante peculiar, terroso, que, ao menos a mim, lembra a quinua. Quando vi que o prato levava repolho, não tive dúvidas, pois já não sabia o que mais fazer com o coitado.

Meu único erro, no entanto, foi resolver abrir a massa no braço, como fazia minha avó. Mas logo dei-me conta de que um dos motivos pelos quais a velhinha de um metro e meio conseguia abrir massa de macarrão com o rolo em poucos minutos era o fato de seu rolo ser muito mais pesado do que meu pobre rolo de 1,99. Pior, o trigo sarraceno não possui glúten, razão pela qual a massa, mesmo misturada ao trigo comum, é bastante farelenta, dura e seca. Na próxima, máquina de macarrão nela.

O resultado da investida de meu ego inflado foi uma espécie de fettuccine muito mais espesso do que deveria, pesado e massudo, ao invés de leve como toda massa caseira. Entretanto, isso não influenciou o sabor do prato. Nunca pensei que a mistura de batatas, trigo sarraceno e repolho branco ficaria tão incrivelmente saborosa. O repolho mesmo, que pode ter um sabor pouco atraente depois de cozido a não-descendentes de alemães, combinou tão bem com o gosto forte do trigo, que sou obrigada a recomendar o prato a pessoas que dizem detestar o coitado do vegetal.

Claro, é preciso dar crédito ao queijo deliciosamente derretido em camadas em meio à massa e vegetais, e ao abuso de manteiga pontilhada de sálvia fresca e alho, escorrendo por todos os lados. A receita original pedia queijo Fontina, mas convenhamos: os queijos "tipo Fontina" encontrados por aqui são o olho da cara e têm gosto de... bem... queijo prato. Fui prática e econômica e usei o que tinha em casa, obtendo absoluto sucesso.

PIZZOCCHERI (Ligeiramente adaptado do livro Culinária Itália) Tempo de preparo: 1h Rendimento: 4 porções Ingredientes:
  • 200g de farinha de trigo sarraceno
  • 100g de farinha de trigo comum
  • 3 colh. (sopa) de leite
  • 3 colh. (sopa) de água
  • 1 ovo
  • 1/4 de repolho branco
  • 200g de batatas
  • 100g de manteiga
  • 1 dente de alho
  • algumas folhas de sálvia fresca
  • 100g de queijo prato fatiado
  • 100g de parmesão ralado
Preparo:
  1. Misture as duas farinhas, a água, o leite, o ovo e sal a gosto, até formar uma massa uniforme e maleável. Sove um pouco e, com a ajuda de uma máquina de macarrão (a não ser que você tenha força, paciência e um rolo pesado), abra a massa até que fique bastante fina (1mm). Corte em tiras da espessura de um dedo, cubra com um pano e reserve.
  2. Corte as batatas em rodelas de 1cm de espessura, descascando antes, se preferir (eu gosto da textura da casca ecoando a textura da massa). Coloque em uma panela grande com muita água e leve ao fogo alto até levantar fervura.
  3. Enquanto isso, fatie o repolho em tiras de 0,5cm. Quando a água das batatas ferver, junte 1 colher muito cheia de sal e o repolho, misturando bem e cozinhando por cerca de 15 minutos.
  4. Junte a massa às batatas e ao repolho, misturando cuidadosamente com um garfo, e cozinhe até que a massa esteja cozida mas al dente. Escorra bem.
  5. Em uma panela menor, derreta toda a manteiga com o alho picado e a sálvia em tiras finas, desligando o fogo quando o aroma ficar forte.
  6. Pegue uma travessa grande e funda e coloque uma camada de batatas, repolho e massa. Derrame um pouco da manteiga derretida e cubra com fatias de queijo. Repita a operação até que acabem os ingredientes. Mas ao invés de terminar com queijo prato, polvilhe todo o parmesão e sirva imediatamente.

Muffins de café e tâmaras

Às vezes parece que sou a cozinheira mais cabeça-oca do mundo, pois já estou cansada de começar meus textos dizendo há quanto tempo o ingrediente X andava abandonado na despensa. Desta vez não é exceção: essas tâmaras estavam encostadas desde o Natal (assim como uvas passas, abacaxis cristalizados e castanhas). Como minha ânsia de esvaziar a despensa nunca termina (até que eu possa ver a luz no fim do túnel... ahn... geladeira), decidi que hoje eu daria uma serventia às benditas, ou não me chamo Ana. Procurei um bocado por meus livros e pela internet até encontrar esses muffins, que não me obrigavam a comprar nenhum ingrediente extra.

O resultado foi muito melhor do que eu esperava. Usei café espresso de boa qualidade e, ao invés de apenas 1/4 de xícara de tâmaras em cubos, 1 xícara inteira delas fatiadas bem fino. Mas deveria tê-las usado todas, as 150g de tâmaras que possuía.

Os muffins ficaram muito leves e macios, com um sabor muito pronunciado de café, e as tâmaras praticamente derreteram-se, tornando-se pontos caramelados em meio à massa pouco doce, quase neutra. Imaginei imediatamente uma boa passada de manteiga sobre eles. Gostei tanto, que pretendo levar alguns amanhã a meu treinador (se não chover canivetes), como oferenda de paz por ter faltado ao treino de sábado na maior cara dura, mesmo depois de ter prometido aos quatro ventos que iria.

quinta-feira, 13 de março de 2008

A torta mais bonita que já fiz

Finalmente encontrei uma massa de tortas dummy-proof para passar a vocês. Ainda que a tradicional continue sendo minha favorita em sabor e leveza por sua quantidade abissal de manteiga, essa é com certeza uma que pretendo repetir nas próximas vezes que quiser uma torta fechada para impressionar. Havia muito tempo que não me deparava com uma massa tão fácil de abrir e modelar. Uma promessa de um jantar sem stress, sem manteiga derretendo na bancada, sem desespero ao ver a massa em pedaços afundando no recheio de ovos. Tanto que, tendo separado menos massa do que deveria para o tampo da torta, consegui abri-la numa espessura fina o bastante para que ficasse ligeiramente transparente contra a luz, e mesmo assim a danada não rasgou.

Novatos no reino das tortas, tentem, por favor.

MASSA SEMI-INTEGRAL DUMMY-PROOF PARA TORTAS COBERTAS
Tempo de preparo: 20 minutos
Rendimento: 4 porções


Ingredientes:
  • 125g de farinha de trigo
  • 35g de farinha integral
  • 65g de manteiga sem sal gelada
  • 40ml de água gelada
  • 1/2 colh. (chá) de sal
  • 1 ovo

Preparo:
Como o dessa massa. Sove apenas o suficiente para que a massa fique homogênea. Separe 1/3 dela, embrulhe em filme plástico e leve à geladeira por meia hora. O restante, abra com o rolo em uma superfície ligeiramente enfarinhada, até que fique com cerca de 1-2cm maior do que a forma (a da foto é de 20cm). Forre a forma e leve-a à geladeira. Faça o recheio, preencha a forma e abra o restante da massa, também com diâmetro um pouco maior, cobrindo a torta. Aperte bem com os dedos as duas massas, para uni-las e tire o excesso com uma faca. Com um garfo, pressione a beirada da forma, para marcar a massa. Amasse os pedaços e abra o resto de massa novamente, cortando-o da forma que quiser para fazer enfeites, dispondo-o sobre a massa. Bata o ovo e pincele com ele a torta, antes de levá-la ao forno a 180ºC por 45 minutos.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Crème Caramel Incompetent

Todo cozinheiro tem seu calcanhar de Aquiles. Ao menos acredito nisso. O meu é, invariavelmente, crème caramel, ou pudim de leite. Eu sei, eu sei, qualquer mãe ou avó sabe fazer pudim de leite. Por algum inexplicável motivo, eu nunca consegui produzir um pudim que me parecesse remotamente perfeito. Uns cozinham demais, outros cozinham de menos, uns ficam com o caramelo muito claro, outros ficam doces demais.

A receita que uso, do chef Luís Cintra, é bastante simples. Convenhamos, quem faz sorvete de creme e creme de confeiteiro, deveria conseguir preparar um pudim. Mas por misteriosos motivos, os meus nunca ficam bons. A receita é das clássicas, sem leite condensado. Não gosto da textura e do excesso de doçura de pudins feitos com leite condensado; prefiro os mais tradicionais. É preciso aquecer leite com uma fava de baunilha, deixando em infusão por algum tempo. Batem-se ovos e gemas, mistura-se ao leite e ao açúcar, e derrama-se o creme na forma, sobre o caramelo frio. Tudo ao forno mínimo em banho-maria. Em 50 minutos, o pudim está pronto e vai para a geladeira para terminar de assentar.

Na primeira vez em que fiz o pudim, acreditava que ele deveria sair firme já do forno. Razão pela qual ao invés dos 50 minutos, tive de deixá-lo 4 horas assando, produzindo um pudim ok, mas cozido demais. Na segunda vez, fiz o caramelo em uma frigideira escura, e não consegui enxergar sua cor, de modo que, ao desenformar o pudim (igualmente cozido demais), o caramelo não era um caramelo, mas um xarope claro. Então foi a vez de tentar respeitar o tempo da receita, e o resultado foi um pudim em colapso, com um lado inteiro ainda líquido, que se espalhou por todos os lados. Para Allex, está tudo sempre bom: pudim de leite é pudim de leite, não importa a forma, desde que seja "lisinho". Ainda mais feito com fava de baunilha: o perfume é intoxicante, e vê-se as sementinhas negras por todo o creme. No entanto, não consigo comer uma porção inteira: o pudim ficou muito doce para meu paladar "panna cotta lover".

O que fazer? O que fazer? Como poderei ser um dia uma mãe que não sabe fazer pudim de leite???

terça-feira, 11 de março de 2008

As coisas mais simples são as mais gostosas: sorvete de banana e chocolate

Foi um erro tático. Quando deixei que Allex escolhesse o pão de banana com açaí, havia esquecido que as bananas da cesta orgânica já estavam mais para lá do para cá. Meu plano de fazer um apetitoso bolo de bananas de Nigella para o café da manhã fora por água abaixo.

Sorvete de bananas não era exatamente o que eu queria, mas com certeza era uma boa solução para não desperdiçar as frutas e usar o que havia na despensa, sem necessidade de correr ao mercado.

Sou obrigada a dizer que o resultado foi tão bom, que a colherada da foto é já da metade do pote. Usei mais ou menos uma receita de Lebovitz como base, mas a verdade é que esse sorvete nada mais é do que uma vitamina de banana com leite batida no liqüidificador e levada à sorveteira. Juro: bananas, leite integral, açúcar, baunilha para perfumar, limão para evitar que escureça. Só. Como o leite já estava gelado, foi do liqüidificador direto para a sorveteira, e da sorveteira, direto para um pote cheio de chocolate amargo picado.

Sobraram ainda três bananas, mas acho que elas terão o mesmo destino. Não deixo receita pois foi tudo no olho, mas repito: qualquer um que saiba fazer uma vitamina de banana faz esse sorvete.

domingo, 9 de março de 2008

PADARIA DE DOMINGO 9: pão de açaí com banana (o teste da mistura pronta)


Estou muito mal acostumada a receitas precisas, em que tudo é medido na balança e jogado em uma tigela, ingredientes se combinando à perfeição, e resultando um pão lindo e maravilhoso. Por isso, fui displicente ao ler as instruções da embalagem da mistura e saí juntando tudo sem me dar conta de que talvez nem toda água fosse necessária para que a massa desse liga.

Sim, resolvi testar o primeiro pacote da mistura BioBread, cujas embalagens ilustrei. Escolher entre as quatro foi fácil: perguntei ao marido, e a eleita foi a de Pão de Açaí com Banana. O perfume que a mistura exalava através da embalagem era tentador. Apesar de sempre ter olhado com muita desconfiança (e um nojinho que me é natural nesses casos) para qualquer espécie de mistura pronta para bolos, muffins, pães e afins, essa me deixou muito mais sossegada por ser orgânica. Sua lista de ingredientes é bastante natural, e não há nada ali que eu não poderia ter na despensa. O que me leva a crer que esse é um tipo de praticidade para quem tem preguiça de procurar, comprar, separar e medir ingredientes. De fato, para principiantes é um stress a menos. Evita-se usar "a farinha errada", por exemplo.

De qualquer forma, ao menos me parece um produto um pouco mais honesto do que outras misturas prontas que já vi por aí: elas se propõem a serem complexas, com diversos ingredientes que talvez o consumidor não soubesse como incorporar numa receita básica de pão. Então acrescentar água e fermento soa mais justo do que em misturas de pão simples, que não têm nada além de farinha no saco, o que me faz ficar olhando para a gôndola do supermercado com cara de dãh. Isso sem falar nas misturas "prontas" para bolo que pedem que você acrescente "apenas" ovos e leite. Na boa, quem é o cabeça de pudim que não consegue juntar farinha, açúcar e fermento na mesma tigela??? Até onde eu sei, "pronto" quer dizer "junte água e coloque na forma". Que é meio o que essa mistura orgânica faz: nada de incorporar óleo ou manteiga e ficar com a bancada melada, nada de tentar espalhar harmonicamente temperos e pedaços de fruta. Está tudo ali. Junte água e bote na forma.

No quesito pessoinha-moderna-faz-tudo-em-15-minutos, contudo, a mistura não facilita muito além do mis-en-place. É preciso que haja fermento na despensa, e é preciso... tchanans! ...sovar e deixar fermentar por 1h15min, como qualquer outro pão. Claro.

Nenhum problema para mim, porém.

Abri todo o pacote em uma tigela; o cheiro da banana era intoxicante, e eu podia ver grandes pedaços de banana-passa no meio da farinha de pontos azulados, que só pude imaginar ser por conta do açaí. Diluí o fermento na água e, apressadinha, juntei toda ela à mistura. Graaaaaaaande, imeeeeeeeenso, colossaaaaaaaal engano. Lá estava, escrito claramente: junte a água aos poucos. Claro, nada mais óbvio, considerando que as instruções são as mesmas para os quatro tipos de pães: se a composição de cada um difere, também é particular a absorção de água. Daí entra um pouco a experiência: você deve adicionar água até dar um bom ponto para sovar. Acredito que eu teria conseguido isso com metade da quantidade total de água indicada na embalagem. Então dá para imaginar a meleca que eu tinha nas mãos.

Antes de me desesperar, lembrei-me de uma reportagem na revista Gourmet desse mês, em que se ensina um método de sova manual de massas moles e grudentas (veja o vídeo da técnica, beeeeem melhor do que o meu). De memória, comecei a reproduzir o movimento de embrenhar os dedos por baixo da massa e puxá-la para cima, esticando-a e deixando-a desabar de volta à sua outra metade. Com muita paciência e um acréscimo de duas ou três colheres de farinha, na tentativa de consertar a enorme cag*da que eu cometera, a massa foi devagar mudando de consistência, e, depois de 15 minutos, apesar de ainda bastante grudenta, ela ao menos mantinha uma forma.

Deixei-a fermentar segundo as instruções e levei as duas bolotas grudentas e esparramadas de massa ao forno, por cerca de 10 minutos a mais do que o indicado, pois por motivos de grude maior, dividira a massa em duas partes ao invés de quatro.

Não vou mentir: é o pão mais feio que já produzi. Ele ficou baixo e sem forma definida, e, também pelo excesso de água, não dourou tanto quanto eu gostaria. Entretanto, seu interior ficou inacreditavelmente macio, e muito muito saboroso. Meu paladar não consegue encontrar as notas do açaí, mas talvez seja pelo fato de o sabor da banana ser tão pronunciado. O aroma que ele deixou na casa foi sensacional, e eu juro que não estou puxando a sardinha para o cliente. Gostei mesmo e recomendo. Passado na frigideira com manteiga e um polvilhar de sal grosso moído ficou delicioso. E tudo orgânico, para minha total felicidade.

Quero muito testar os outros pacotes. No entanto, é item para de vez em quando, ou para fazer porções menores e deixar o pacote render, pois seu preço me parece um pouco alto: 11 reais o pacote de 800g, que produz 4 pães de 300g. Mas isso, já aprendi, tem muito pouco a ver com o cliente, e muito a ver com o ponto-de-venda, que nem sempre (ou quase nunca) respeita a sugestão de preço indicada pelo produtor. Então é capaz que se encontre o produto por um preço mais em conta em outros mercados.

Produto aprovado.

quinta-feira, 6 de março de 2008

De ego inflado, dando pulinhos no supermercado

Eu sou a ÚLTIMA pessoa a comprar qualquer espécie de mistura pronta, não importa quanto tempo o produto prometa economizar. Neste caso, entretanto, tive de botar na cesta essas misturas prontas para pão orgânico por um simples e genuíno motivo: fui eu quem fez as ilustrações das embalagens!!!

Quem é ilustrador sabe que uma das coisas mais comuns é você passar dias e noites a fio trabalhando para, no fim, seu desenhos terminarem num projeto engavetado, sem nunca encontrarem os olhos dos consumidores. Quando, então, você vê um trabalho seu assim, exposto na gôndola do supermercado, é impossível resistir a dar pequenos pulinhos de alegria.

A embalagem da BioBread em si foi criada pela agência de um amigo, a Apis Design, que me contratou para fazer as ilustrações dos pães e ingredientes. Imagine meu prazer em produzir um trabalho gostoso desses, que não só tem a ver com comida, como ainda por cima é orgânico!!

Claro que, depois de tiradas as fotos, terei de experimentar os produtos. Mesmo porque não dá para guardar as embalagens cheias para sempre, ou elas encherão de bichos. A gente tira o recheio com cuidado e depois recheia de novo com algodão ou serragem, só para dar o efeito de embalagem novinha. Nessas horas é que eu queria ter um escritório-escritório de verdade, para ter uma estante envidraçada só para expor esses trabalhos de que mais gosto...

Aaaaah, tô cheia de orgulho! Desculpa aí.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Torta de maçã com caramelo


Não consegui resistir à tentação. Abri o restinho de massa de torta numa forma pequena, assei-a, espalhei sobre ela fatias de maçãs, cortei o resto de caramelo gelado em cubos, espalhei-os sobre a torta e cobri com mais uma camada de maçãs, polvilhando açúcar demerara e dois nacos de manteiga. Direto para o forno. As maçãs cozinharam sobre um tapete de caramelo derretido e uma crosta crocante, que, desta vez, não deixei passar do ponto.

Por que maçã e caramelo combinam tanto?

terça-feira, 4 de março de 2008

Chocolate Caramel Cookie Vanilla IceCream: um nome comprido para sorvete de sobras


Neste domingo participei da prova da Batavo, na USP. Como andara muito displicente nos últimos meses, achei melhor não me arriscar na prova de 12km, e ficar só com a de 5km. Sábia decisão, pois estava um calor dos infernos, e eu terminei meu dia toda desmilingüida no sofá, como se tivesse corrido a maratona.

Como o clube fornecera um ônibus à equipe, porém, achei que seria gostoso levar um quitute para o pessoal beliscar após a corrida, e passei cerca de 4 horas do meu sábado preparando esses biscoitos de chocolate recheados de caramelo. A receita é de uma revista Food & Wine, e a foto por si só já era motivo para que eu tentasse preparar os cookies. No entanto, como nada na vida é fácil, tive algumas pedras (verdadeiras avalanches) no meio do caminho.

Comecemos pelos ingredientes: estou eu sossegada a separar farinha, cacau e afins, quando me deparo com o item "1 stick of butter". Oooook. É muito tentador acreditar que há padrões industriais no mundo todo, mas a verdade é: qual era a chance de uma barra de manteiga americana ser exatamente 200g, ainda por cima com o sistema maluco de medidas que eles têm por lá?! Google nele. Pesquisa, pesquisa, e descobre que 1 barra de manteiga americana tem 125g, arredondados.

Resolvido o primeiro entrave, consegui navegar pro águas tranqüilas durante a confecção dos biscoitos. A massa é fácil de fazer, ainda mais na batedeira, e quando foi para a geladeira, senti uma imensa e confortável sensação de "tudo vai dar certo".

Tirei-a da geladeira para abri-la e cortá-la. Para minha surpresa, já que nada disso era dito na revista, a massa era muito mole, mesmo depois de 45 minutos de resfriamento, e retirar as rodelas cortadas do filme-plástico sem rasgá-las ou deformá-las era trabalho para um neurocirurgião. Um "biscoitero" de primeira viagem enlouqueceria e mataria a família toda com o rolo de macarrão. Mas eu sou zen, ou ao menos era o que continuava repetindo para mim mesma, como em um mantra, e consegui colocar na assadeira todos os biscoitos intactos.

No forno foi tudo muito bem, e 20 minutos depois, eles haviam inflado e se espalhado ligeiramente, ficando um pouco maiores ainda do que eu gostaria. A revista pedia um cortador de 4cm, mas o meu era de 5.

Hora do caramelo. Todas as vezes em que preparei caramelo, aquecia o açúcar e a água até que dourasse, e só então, fora do fogo, acrescentava creme de leite e manteiga. A receita, no entanto, dizia para colocar tudo na panela, leite e creme inclusos, e apenas a manteiga seria misturada no fim do processo. Alguém sabe me dizer o que acontece quando leite ferve? Alguém? Levante a mão! Você, no fundão. É, ele sobe. Ele sobe e se esparrama no fogão, razão pela qual você nunca deve desgrudar os olhos de uma panela com leite fervendo. Sabe o que acontece quando você faz caramelo com leite? A mesma coisa. Foi virar as costas para pegar a manteiga, e a panela explodiu como um vulcão açucarado, derramando caramelo pegajoso a 120ºC por todo o meu fogão.

Ninguém avisa isso na receita.

Respirei fundo, fiz uma força descomunal para ignorar a lambança, passei o caramelo para uma panela maior e continuei, controlando o fogo, até que ele atingisse a temperatura certa. Derramei-o na assadeira com filme plástico e deixei-o ali, por 40 minutos, como indicado. Ele desenformou maravilhosamente sobre minha tábua, e achei que tudo se resolveria uma vez que eu comesse meu primeiro biscoito recheado. Mas foi tentar cortar o caramelo para me dar conta de que o dia estava muito quente e o recheio não firmara o suficiente. Deixei mais uma hora na geladeira, até conseguir com que o caramelo cortado mantivesse sua forma, mas, cinco minutos após terminar de rechear o último biscoito, vi que os primeiros começavam a derreter, espalhando caramelo para todos os lados.

Levei-os à geladeira, mas não adiantou muita coisa. Foi tirar os benditos por 5 minutos para fotografá-los e pronto, tudo começou a escorrer novamente. Imaginei a meleca que seria levá-los num pote e deixá-los num ônibus debaixo de sol durante mais de 1 hora, e, infelizmente, tive de desistir de dá-los ao pessoal da corrida. O pior: achei-os enjoativos. Allex gostou, mas eu não conseguia comer mais da metade de um deles sem precisar de muita água. Esperava um caramelo um pouco mais sofisticado e menos promessa de diabetes.

Foi então que percebi que tinha cerca de 30 cookies do tamanho de minha mão e não sabia o que diabos fazer com eles. Não tive dúvidas: cortei os biscoitos em pedaços, preparei um sorvete de baunilha e misturei a ele os cookies, criando meu próprio Chocolate Caramel Cookie Vanilla IceCream, que, desculpem-me pela ausência de modéstia, ficou sensacional. Pelo bom tempo que fiz na corrida e pela trabalheira que esses cookies me deram, era o mínimo que eu merecia... Não pode haver melhor uso para sobras de biscoito do que esse, e eu recomendo. A receita dos cookies está AQUI.

sábado, 1 de março de 2008

PADARIA DE DOMINGO 8: ciabatta fajuta

Para me redimir da última "ciabatta de polvilho", resolvi recorrer a uma receita do primeiro livro de Jamie Oliver, que eu já fizera outra vez com sucesso. Na época, Jamie era minha única fonte de receitas de panificação, e foi muito estranho voltar a ele depois de mais de um ano com o Professional Baking. Primeiro, dei-me conta dessa solução salafrária de Jamie de simplesmente adicionar qualquer coisa a uma receita-base e mudar-lhe o nome. Ok, ok, isso facilita as coisas para quem está começando. Mas, ainda que o resultado seja um pão bom e fácil, com cara de ciabatta, ele nada tem de autêntico, e seu miolo e casca nem de longe lembram o original que lhe dá o nome. O tipo de coisa que passa batido quando somos inexperientes e nosso único objetivo é que o pão seja "comível", mas que hoje em dia é de irritar um bocado.

A primeira coisa que notei na receita, contudo, foi a quantidade de fermento. Quando comecei a fazer pães em casa, a resposta que mais obtinha de Allex era que o pão tinha um retrogosto azedo. Não era implicância: era verdade. Demorei muito tempo para me dar conta de que isso era resultado de fermento em excesso. Quando vi, então, as medidas em inglês (30g yeast or 21g dry yeast), dei-me conta do erro cometido: fermento ativo seco (dry yeast) é diferente de fermento ativo seco instantâneo (instant dry yeast). Sinceramente, a única vez que vi à venda fermento ativo seco foi no Santa Luzia, em pacotes de 1kg. Esses vendidos em envelopes, que uso o tempo todo, são os instantâneos, o que quer dizer que, teoricamente, eles não precisam ser ativados em água morna: podem ir direto na farinha. Mas qual a diferença entre usar o comum e o instantâneo? A quantidade. E isso é crucial. Sempre que se substitui fermento fresco por ativo seco instantâneo, o segundo deve ser 35% a quantidade do primeiro. Ou seja, ao fazer o pão de Jamie, eu não deveria usar 21g, mas 10-11g de fermento seco instantâneo. É uma diferença substancial. Nunca vi os livros de Jamie em português, mas, para aqueles que já produziram pães insatisfatórios a partir de suas receitas, vale a pena averiguar quantidade e tipo de fermento requisitados.

Outro assunto deste post é a danada da sova do pão. Houve muita gente que me escreveu a respeito de pães e de como diabos se sova um. Realmente, para quem cozinha há já certo tempo, parece bobagem ensinar sova de pão, pois é um movimento que, uma vez aprendido, parece brincadeira de criança. Mas quantas vezes já não mandei amigos sovarem uma massa de pizza ou mesmo a massa do macarrão, e os vi sem saber o que fazer, sendo excessivamente delicados e cuidadosos?

Então, seguindo algumas sugestões que recebi, produzi um videozinho muito tosco, com minha pobre câmera que, coitada, só grava 1 minuto por vez, na tentativa de explicar (mais ou menos) o processo básico de sova. Eu poderia ficar aqui descrevendo passo-a-passo, mas acho que é o tipo de coisa que se aprende olhando, e não lendo a respeito. Desculpem-me pela tosquice, e aqueles que já forem bons padeiros, tentem não rir... muito.

Cozinhe isso também!

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