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quinta-feira, 2 de março de 2017

Um mês de Dorie Greenspan, a bizarrice do Hygge, livros e coisas que se vão

 

Daí que num dia desses caí num artigo bizarro sobre um livro dinamarquês sobre HYGGE. O artigo dizia que o tal livro seria tão influenciador de comportamento quanto o livro da japonesa que ensina a dobrar roupa havia sido no ano passado. Curiosa que sou com relação a comportamento de massa e estilo de vida de outros povos, fui atrás para saber do que se tratava, e... fiquei preocupada com a humanidade.

O livro fala sobre o estilo de vida dinamarquês, e como esse povo cercado de inverno por todos os lados faz para ser (segundo aqueles pseudo-estudos que surgem do nada), o povo mais feliz do mundo. O livro vende que o segredo para a felicidade eterna é uma vida caseira, cercada de gente da qual você gosta, em momentos gostosos em que você de fato está com essas pessoas e não com seus celulares, e, principalmente, o habito de chegar em casa, colocar uma roupa confortável, fazer um chá, acender umas velas e ficar aconchegadinho num canto gostoso do sofá, à meia luz, lendo um bom livro.

Oi.

Prazer.

Meu nome é Obviedade.

Fiquei em choque ao ver quanta gente está escrevendo a respeito, fazendo videos a respeito, como se o ato de ficar gostoso no sofá, com uma calça de moletom, um chá, um livro e uma luz aconchegante fosse uma grande novidade no reino do bem-estar.

Brinquei com o marido que eu sou a pessoa mais Hygge do mundo. Porque eu faço isso toda santa noite desde que me conheço por gente. Que mundo bizarro é esse, em que você precisa de um livro pra ensiná-lo a simplesmente relaxar a bisteca e curtir um momento em paz num cantinho aconchegante? O povo está assim TÃO alucinado que não sabe mais relaxar?  o_O

Bom.

Ainda bem, eu ainda sei relaxar, então não devo estar tão louca assim. Naquela foto ali em cima, eu tinha acendido uma velinha perfumada que minha mãe me deu de Natal, e estava aconchegadinha em uma de suas mantas. Acho que aprendi a arte do aconchego com ela. Ela que continua produzindo mantas de sofá e xales de bebê, feitos à mão, cheias de amor, de uma tal forma que eu não conheço uma pessoa que, tendo uma de suas mantas, não sinta ciúmes da mesma quando outra pessoa resolve usá-la. O exemplo mais próximo que tenho é meu marido: morre de ciúmes da manta verde que ganhou da sogra há quinze anos, quando ela a tricoutou para que ele se enrolasse para jogar video-game no inverno. Tá vendo? Hygge. Minha mãe é dinamarquesa e nem sabe. ;)

Quem tiver curiosidade, pode fuçar no Instagram da mamãe, cheia de mantas uma mais linda que a outra, todas à venda (ela envia pelo correio!): @ceciliagaiarsa

E foi num dia destes, aconchegadinha no sofá, que resolvi fuçar nos livros parados na estante. 

Depois das semanas de janeiro em que consegui alimentar a família (muito bem) por quase meio mês usando só o freezer e a despensa, sem ter que ir à feira ou ao mercado, resolvi unir o útil ao agradável e testar um livro do qual cozinhara pouco, E AO MESMO TEMPO, testar um outro jeito de planejar as refeições. Eu sempre fui de fuçar nos livros, escolher algumas receitas para fazer e meio que girar em torno delas durante a semana, mas sempre depois de ir à feira e comprar o que eu bem quisesse. Daí que sempre apareciam receitas interessantes às quais faltavam dois ou três ingredientes, e eu saía para comprar os tais itens, o que acabava estourando meu orçamento no fim do mês.

E manter-se no orçamento tem sido uma coisa muito importante aqui em casa.

Eu já tinha decidido vender os livros da Dorie Greenspan sobre comida francesa e mais outros aqui de casa, mas resolvi que antes eu queria cozinhar deles algumas coisas que nunca tinha preparado, para desencargo de consciência. Abri o danado e selecionei umas doze receitas com ingredientes mais ou menos em comum e que não envolvessem nada exorbitantemente caro, fiz a lista de compras, e prometi a mim mesma tentar não fugir daquilo até o fim do mês, e ver o que eu conseguiria produzir na cozinha com as sobras daquelas receitas feitas inteiras e se isso me faria economizar algumas patacas.

A lista das receitas selecionadas do livro, em princípio, foi essa:
- Tourteau de Chèvre (que eu não fiz)
- Gougères (que eu não fiz ainda)
- Pissaladière
- Corn soup
- Côte d´Azur Cure All Soup (que não fiz)
- Orange Scented Lentil Soup
- Chuncky Beats and Icy Red Onions
- Couscous Salad
- Eggplant "Tartine"
- Roast Chicken for the Paresseux (que eu não fiz)
- Fresh Orange Pork Tenderloin
- Boeuf à la Mode
- Roasted Salmon and Lentils
- Swiss Chard Pancakes (Farçous)
- Salted Butter Breakups
- Honey Spiced Madeleines

E a lista de compras de ingredientes, esta aqui, considerando alguns poucos itens que eu já tinha em casa, como grão de bico no freezer, por exemplo:
- Queijo Gruyère (um nacional qualquer)
- Cebolas (um monte, por causa da Pissaladière)
- Cenouras
- Salsão
- Batatas
- Pepinos
- Berinjelas
- Beterrabas
- Tomates Cereja
- Pimentões coloridos
- Azeitonas Pretas
- Azeitonas Verdes
- Anchovas
- Laranjas
- Extrato de tomate (que eu fiz ao invés de comprar)
- Lentilhas
- Couscous marroquino
- Farinha de trigo
- Tomilho (o meu morreu)
- Milho verde
- Coentro
- Lombo de porco
- Frango (acabei não comprando)
- Salmão
- Acém (acabei comprando músculo de novilho orgânico)
- Folhas de salada

Fui às compras, então, e resisti bravamente à tentação de comprar qualquer item fora da lista que não fossem os básicos leite, manteiga, ovos e farinha. Confesso que senti dificuldade na banca de orgânicos da feira. Como resistir a lindos chuchus e abobrinhas? Só que não estavam na lista e eu não escolhera fazer nada do livro que levasse chuchu ou abobrinha. Mordi o dedo, contive a tremedeira e consegui me ater à lista. Ufa.

Ter a lista das receitas colada ali na geladeira e todos os itens necessários já comprados tornou minha rotina de cozinha muito mais fácil. Escolhia já no dia anterior o que fazer de almoço e jantar de acordo com o tempo que eu teria para cozinhar, e já pensava se as sobras poderiam ser congeladas ou reaproveitadas de outra forma já no dia seguinte. Nisso, o livro ajudou bastante, tendo pequenas notas sobre a conservação do prato ou quais partes poderiam ser feitas com antecedência. Todos os ingredientes estavam ali, dos principais aos temperinhos, e não ter de ir outra vez ao supermercado já foi grande fator de economia.

No dia das compras me planejei para "processar" tudo o que podia e que sabia que estragaria mais rápido, ou mesmo preparar pratos inteiros para ir direto ao freezer, como foi o caso da sopa de milho. Fiz a sopa no momento que as espigas estavam mais frescas e ela foi inteira direto para o freezer, em porções suficientes para dois diferentes jantares para dois adultos e duas crianças. A sopa só foi consumida no meio e no fim do mês, e foi muito prático ter aquilo ali já pronto. Ela era deliciosa, cremosa, adocicada, e a farofinha de bacon por cima ficou muito boa. Super diferente de outras sopas de milho? De fato não, mas muito boa.

CORN SOUP
Rendimento: diz 4 porções, mas somos em 4 e comemos duas vezes. Nossas porções de sopa são pequenas, no entanto, nunca comemos mais que 2 conchas cada um.

Ingredientes: 
  • 3 espigas de milho, debulhadas (reserve a espiga)
  • 3 xic. leite
  • 2 colh (sopa) manteiga
  • 1 cebola grande, picada
  • 1 talo médio de salsão, fatiado fino
  • 1 cenoura média, descascada e fatiada fino
  • 1 dente de alho, picado
  • 2 xic. água
  • 2 ramos de tomilho
  • 2 ramos de alecrim
  • 1 folha de louro
  • Pimenta-do-reino branca moída na hora
(guarnição)
  • cebolinha picada
  • 1 pitada de pimenta caiena 
  • 2 tiras de bacon cozido até ficar crocante e picadinho

Preparo:
  1. Coloque as espigas reservadas no leite e leve à fervura. Desligue, cubra a panela e deixe em infusão enquanto prepara o resto da sopa. 
  2. Em outra panela grande, derreta a manteiga. Junte a cebola, uma pitada de sal e cozinhe em fogo baixo, por 5 minutos, até que a cebola amacie bem mas não doure. Junte o salsão, a cenouta, grãos de milho, alho e sal e cozinhe até que os legumes estejam macios. 
  3. Junte a água, o leite com as espigas, as ervas, e 1 colh (chá) de sal. Leve à fervura, abaixe o fogo e e cozinhe por 20 minutos. 
  4. Retire as espigas, o louro e quaisquer ervas que você consiga pescar fora e descarte. Bata a sopa no liquidificador com cuidado. Acerte o tempero e sirva com a guarnição. Sem a guarnição, a sopa congela maravilhosamente.

Em seguida, apanhei os tomates ultra-maduros que eu comprara mais baratos na banquinha de orgânicos e pelei, tirei as sementes, cortei e joguei na panela com sal na proporção de 1 colh.(sopa) de sal para cada 1kg de tomate. É muito? Claro que é. Mas o objetivo é conservar meu extrato de tomate por 1 ano. Cozinhei até os tomates desmancharem, até o molho reduzir a um terço de seu volume, e então bati no liquidificador para ficar bem liso. Espalhei numa assadeira o mais uniformemente possível e levei ao forno bem baixo por meia hora. Nesse tempo, espalhei novamente, juntando o molho reduzido un pouco mais pro canto, limpando a parte exposta da assadeira com um papel-toalha, e voltando ao forno. E assim, de meia em meia hora, juntando, limpando, juntando limpando, até aqueles 4kg de tomates iniciais virarem um potinho de 3/4xic. Espesso, brilhante, de um impressionante vermelho escuro. Coloquei num pote esterilizado, cobri de azeite e levei à geladeira, onde meu extratinho vai durar um ano, desde que eu cubra de azeite sempre que pegar umas colheres.

Essa receita não era da Dorie, mas de um livro de cozinha calabresa que eu já vendi. Mas como a carne assada dela pedia extrato de tomate, achei que valia a pena fazer o meu, delicioso, orgânico, sem porcarias, antes da carne.

E a carne ficou muito boa. Usei músculo de novilho, orgânico, que estava num preço muito bom, e essa foi a carne braseada que fiz que ficou mais saborosa e macia. Não era quase em nada diferente das outras receitas básicas de carne braseada no vinho, a não ser pelo fato de ela marinar no vinho e com todos os legumes durante a noite e depois ser cozida por umas 2-3 horas no forno nesse caldo. Também as anchovas e o extrato de tomate contribuem bem para o umami do prato. Muito bom. Muito mesmo. Mas dado que o resto do processo é o mesmo das receitas mais clássicas francesas e italianas, apenas pensei que da próxima vez que fizer qualquer uma delas, vou mariná-la no vinho antes de cortá-la em pedaços e incluir na refoga dos legumes as tais anchovinhas. As fotos que achei internet afora, procurando um link para a receita, mostram uma linda carne fatiada. A minha se desmanchou inteira ao tentar cortá-la, o que eu não considero de modo algum um defeito. :)

Achei besta ficar usando uma frigideira para fazer tudo e transferir para o panelão, coisa que eu só faria se minha caçarola não pudesse ir direto no fogo. Como podia, selei tudo na caçarola mesmo. Não usei conhaque, pois n~~ao tinha (deglacei com água mesmo) e não usei caldo de carne, pois acho um pleonasmo usar caldo de carne numa carne que já vai cozinhar com os legumes e ervas que dariam sabor ao caldo. 

BOEUF À LA MODE
Rendimento: de novo, diz que serve 6 pessoas, mas aqui em casa deu 1 refeição para os 4 e mais dois almoços só eu e as crianças. Pratos pequenos. Segredo da vida longa e da cintura estreita. ;)

Ingredientes:
  • 1 pedaço inteiro de acém com 1,7-2kg, limpo mas não totalmente sem gordura
  • sal e pimenta-do-reino
  • 1 cebola, em meias-luas finas
  • 1 cenoura. descascada e em pedaços
  • 1 talo de salsão, em pedaços
  • um bouquet garni com 1 folha de louro, as folhas do salsão, 2 ramos de salsinha, 1 ramo de alecrim, 2 ramos de tomilho, amarrados
  • 1 garrafa de vinho tinto (750ml)
  • 1 colh (sopa) azeite
  • 4 xic de caldo de carne (usei água e o caldo ficou muito saboroso assim)
  • 3 colh (sopa) óleo (usei azeite de novo)
  • 3 colh (sopa) conhaque (omiti)
  • 4 anchovas
  • 2 colh (sopa) extrato de tomate

Preparo: 


  1. Massageie a carne com sal e pimenta e coloque numa tigela bem grande ou ziploc bem grande. Junte os legumes, as ervas e o vinho, o azeite, misture e feche bem o ziploc ou cubra a tigela com filme. Leve à geladeira por toda a noite. 
  2. No dia seguinte, remova a carne da marinada e seque com papel-toalha. Deixe voltar à temperatura ambiente.
  3. Coe a marinada, reservando os legumes e ervas e colocando o líquido numa panela. Leve essa panela ao fogo alto e reduza pela metade, cerca de 10 minutos. Junte o caldo (ou água), leve à fervura novamente, desligue e reserve.
  4. Aqueça o forno a 180oC. Coloque a caçarola de ferro em fogo alto com 2 colh (sopa) de óleo. Sele bem a carne, dourando de todos os lados. Retire para um prato grande e tempere com sal e pimenta. 
  5. Coloque mais uma colher de óleo na e junte os legumes coados. Cozinhe por uns 10 minutos. Como eles estão úmidos, não vão pegar muita cor, mas vão pegar gosto. Tempere com sal e pimenta, junte o conhaque se estiver usando, raspando o fundo com uma colher de pau, e junte o conteúdo da panela à carne. 
  6. Volte o panelão para o fogo e misture 1/2 xic. do caldo reservado ao extrato de tomate e anchovas, amassando para dissolver tudo muito bem. Junte o restante do caldo, as ervas, sal e pimenta, coloque de volta a carne e os legumes e leve à fervura. 
  7. Desligue, cubra com papel alumínio, coloque a tampa por cima e leve ao forno por 1 hora. Você pode ou não abrir tudo pra ver como estão as coisas e virar a carne de quiser. Mas não precisa. Cozinhe por mais 1h30 ou 2h, (tempo total 2h30-3h) ou até que a carne esteja macia. 
  8. Experimente o molho. Retire a carne e reduza mais, se preferir. Descarte o bouquet-garni. Sirva a carne fatiada com purê de batatas.



A salada de beterrabas com cebolas era simples e não tinha nada de muito diferente a não ser o mel no vinaigrette de mostarda. Confesso que o mel de fato arredondou os sabores, trazendo a mostarda e a cebola mais para o universo adocicado da beterraba assada. Fez muito sucesso com as crianças, e prometi a mim mesma lembrar sempre do mel nas próximas vezes. Mas é só isso. Um vinaigrete de mostarda que leva uma colherinha de mel, em cima de beterrabas assadas e cebolas fatiadas e geladas. Outra que fez sucesso foram essas panquecas de espinafre, Farçous. Meramente uma panqueca de espinafre, feita nas mesmas proporções de uma panqueca americana, mas batida com algumas ervas, cebola e alho, e um pouco de espinafre (já que não havia swiss chard), que você meio que frita ao invés de fazer de só dourar. Apesar de não ter ficado convencida pela fritura, as panquecas ficam saborosas e de fato congelam fantasicamente bem. A receita inteira faz umas 40 unidades, e vão do freezer para uma assadeira e em menos de 5 minutos estão quentinhas para o almoço. MUITO práticas e renderam 3 refeições diferentes, com salada verde, com a tal salada de beterraba e com salada de tomates. Mas não acredito que vá usar de novo a receita do livro (porque faço panquecas assim sem receita) ou mesmo fritá-las, que achei que deu mais trabalho que o necessário.


A pissaladière foi uma receita que escolhi para criar base de comparação com outras que já fiz. E essa, acredito, foi a melhor de todas. Pequena, alimentou bem acompanhada de salada verde dois adultos e duas crianças numa única refeição. A massa é crocante e delicada, bem fina, e a cobertura de cebolas, ainda que clássica, estava bem temperada e numa boa proporção. Pode ser também que eu finalmente tenha aprendido a caramelizar cebolas, coisa que eu não tinha coragem de levar a cabo há dez anos atrás, quando morria de medo de queimá-las. ;) Fico sem saber, então. Thomas, que não é muito fã de cebolas, adorou e repetiu a pissaladière e decidiu que agora  não tem mais cisma com elas.

O lombo com laranja ficou delicioso, apesar de um prato feio, daí a não ter fotografia. Não sei se me convenceu aquele monte de casca e polpa de laranja no molho, mas o sabor estava muito bom e todos rasparam o prato. Talvez não Thomas, que achou a coisa toda meio esquisita. "Garçom, derrubaram suco no meu prato!", disse Allex, engraçadinho. Mas a verdade é o que sabor era muito bom e o prato é muito fácil e razoavelmente rápido. Ficou ótimo com arroz. Faria de novo? Acho que sim, mas talvez adaptando para aquele jeito que a Rita Lobo fez, na TV, só com o suco. A receita é bem parecida, a não ser pelas cascas e gomos que a Dorie usa e pelo fato de a Rita usar bacon e legumes.

Mas o que faria de novo mesmo é o curry basicão da página seguinte do livro, no qual usei a outra metade do lombo que sobrara. Esse sim ninguém estranhou e todo mundo lambeu a tigela. Mas curry é curry. É sempre bom e é sempre igual. O tipo de curry que faço a olho e com os pés nas costas, uma mão segurando a Laura e um olho no Thomas embaixo da mesa. O porco ficou muito bom mas confesso que sumiu um pouco ali: podia ser carne, podia ser frango, podia ser peixe, podia ser tofu, meio que o sabor continuaria o mesmo. Mas seria sempre delicioso. É curry, afinal. Acho que uma excelente receita-base para quem nunca faz curry.


E com o que sobrou de laranjas veio essa sopa de lentilhas, maravilhosa, diferente. Pimpolhada adorou o iogurte na sopa, e o desenho bonito do branco sobre o marrom austero dela. De novo, pense numa sopa de lentilhas com azeite, cebola, salsão, cenoura, caldo de legumes e lentilhas. Basicona. A única diferença foi colocar um pedaço de casca de laranja de 3x6cm, sem a parte branca, 6 grãos de pimenta-do-reino, 1 cravo e um pedaço de gengibre de uns 3cm, picado. (Isso para uma sopa usando 1 xic de lentilha). O pulo do gato é bater tudo no liquidificador junto, especiarias, casca e tudo. Ficou muito bom. O coentro para finalizar foi adição minha.



Para dar um tempo nas carnes, fiz a salada de couscous com pimentão, grão de bico e frutas secas, que ficou muito saborosa. Mas, novamente, tive a sensação de que não precisava de fato de uma receita de livro para executar aquele prato. Depois de tanto tempo cozinhando, aquela mistura de sabores era meio intuitiva. Ao menos Dorie não esconde isso e ela mesma menciona na nota o fato de a receita nunca ser feita da mesma forma, sendo constantemente improvisada. Ainda assim, um bom almoço, com direito a repeteco, pois faz muitas sobras.

Agora essa berinjela assada coberta de uma salada/vinaigrette de tomate, pepino, azeitonas e alcaparras me surpreendeu um bocado. Todos adoraram e o que eu acreditei que renderia sobras para o jantar, foi devorado imediatamente numa só refeição. Merece infinitos repetecos com infinitas variações. Só pincelar com azeite fatias grossas de berinjela e levar ao forno até dourar e ficar macia. E cobrir com essa saladinha de tudo isso aí picado: pepino, tomate-cereja, salsão, cebola, alho, azeitona verde, alcaparra, orégano, sal pimenta e vinagre. Fácil.

E outra que será repetida à exaustão foi essa misturebinha de fígado de frango. Não é patê, não é terrine, é só uma coisinha rápida para comer com o pão. Servi no almoço com uma salada de tomates mas depois me vi assaltando a geladeira tarde da noite para acabar com o que estava no potinho, tão, tão, tão bom. Não sei se foram as cebolas caramelizadas, se a pimenta-da-jamaica ou a mera sugestão de servir com maionese. Mas eu amei esse negócio e vou fazer pelo resto da vida. É só esquentar numa frigideira 1/2 xic. de azeite e fritar 2 cebolas picadas. Drene as cebolas e então doure 450g de fígados de frango limpos e cortados ao meio no óleo restante na frigideira, por uns 2 minutos cada lado, para que cozinhem mas ainda fiquem rosinha por dentro. Seque em papel toalha, deixe descansar um minutinho, pique grosseiramente e junte à cebola. Reserve o óleo da frigideira. Tempere o fígado e a cebola com sal e pimenta, 1/4 colh (chá) de pimenta-da-jamaica e 1-2 ovos cozidos picados. Se parecer muito seco, junte o óleo da frigideira. Aperte bem numa terrine ou potinho, cubra bem e gele por algumas horas. Sirva no pão com maionese caseira. Nham!

Aliás, essa receita não estava na minha lista. Mas quando fui visitar minha mãe, ela me deu uma bandejinha fígado congelado, e resolvi que aproveitaria para testá-la, ao invés de fazer o clássico patê de sempre ou o crostini de fígado à toscana de sempre. Esse aliás, foi um ponto incrivelmente positivo do livro: ele é muito coerente, e me vi cozinhando cem por cento do tempo dele, mesmo na hora de improvisar com as sobras.

E assim de improviso saiu esse "cake" salgado de bacon, gruyére e figo seco, acompanhado de uma salada de tomate com molhinho de mostarda e iogurte. Um Cake Salé comum no preparo. O que sobrou virou piquenique na piscina do clube, cortado em cubinhos e acompanhado com tomatinhos cerejas e pepinos, e fatias grossas foram levadas de lanche da escola. As crianças adoraram e Laura AMOU comer "bolo" no almoço, sem ser de sobremesa. :)

Também rolou Spaetzle com ervas num domingo em que as crianças pediram linguiças na churrasqueira. E na lista de pratos para fazer no fim do mês, quando tudo o que é fresco já acabou na gaveta de legumes, sobrou ainda Gnocchi à la parisienne e gougère para acompanhar uma sopinha simples. Ainda não fiz nenhum dos dois, mas pretendo.

Até nos doces acabei me enveredando. O quatre-quarts, aquele bolo clássico francês, em que todos os ingredientes têm o mesmo peso, é muito fácil e foi devorado em duas sentadas. Achei confuso apenas Dorie mencionar que o topo fica bem dourado, quando o meu dourou apenas nas laterais, e todas as fotos que encontrei internet afora mostravam o mesmo domo pálido. Depois do quatre-quarts, fiz também sablés de chocolate e croquants, biscoitos que Thomas e Allex adoraram.  Menciono isso porque Laura, como sempre, preferiu comer bananas a biscoitos. Não há um único biscoito que eu tenha feito até hoje que ela de fato goste. Ela morde uma vez ou outra, diz que está satisfeita, que não gostou muito e vai pegar uma fruta. Essa é a única frescura alimentar dos meus filhos da qual eu não reclamo. ;)

Os sablés são os mesmos de sempre, ficaram bons mas iguais a quaisquer outros sablés de chocolate. Os croquants são bons para quando se quer usar claras congeladas: Basta misturar 2 claras a 1 1/4xic de açúcar, 1 xic. de castanhas picadas grosseiramente (usei avelãs e amêndoas) e 1/2 xic. + 1 colh(sopa) de farinha. Vai ficar uma massaroca nada ver com massa de biscoito. Coloque numa assadeira com silpat em porções de 1 colh (chá ) com espaço de 5cm entre elas. Tente deixar montinhos com forma de bolinhas. Leve ao forno a 205oC por 8 minutos ou até dourarem.

Foi um mês que correu muito fácil em matéria de culinária. O salmão feito num pedaço inteiro por 12 minutos no forno ficou no ponto perfeito, e as lentilhas que acompanhavam... bom, ficaram lentilhas. Os butter breakups ficaram maravilhosos, e depois vou fazê-los de novo para poder fotografar e colocá-los aqui no blog direitinho. As madeleines são madeleines comuns, mas com deliciosas especiarias e um gostinho de mel. Mas decidi que não faço madeleines com tanta frequência a ponto de querer manter aquela imensa forma de 36 madeleines. Então quem quiser comprá-la, está à venda.

O mês terminou e o resultado foi uma economia gigantesca no mercado, onde comprei apenas os itens da lista acima e mais leite, ovos, farinha e manteiga. Comemos muito bem, não gastamos muito, e agora posso mandar o livro de consciência limpa.

Mas Ana, por que diabos você vai vender o livro se você gostou dele?????

Porque apesar de tudo ter ficado muito bom, o livro é bem grande para o espaço que tenho para ele no momento, e ocorre que fora algumas ideias de sabores diferentes, a base das receitas é clássica e, de novo, já tenho meus livros clássicos de coração. Anoto as receitas que quero fazer de novo e desapego. Quando fizer uma carne braseada da Marcella Hazan, vou marinar a carne e juntar anchovas. O chopped liver eu já decorei na minha cabeça. Há ainda muitas outras receitas no livro que me interessaram, mas também há nos livros que escolhi manter, e agora estou numa fase em que realmente, de verdade, quero zerar, gabaritar, arrasar com os poucos livros que escolhi para serem meus livros clássicos da vida toda. O que não quer dizer que não pretenda continuar cozinhando de outras fontes e passando essas dicas a vocês também. Vocês, essas três pessoas queridas que ainda lêem o blog, depois que o youtube bombou e todo mundo parou de ler. ;) hahah

Se ainda resta alguém querendo pegar um livro usado mas muito bom, fica aqui a lista dos livros e tranqueiras que não tenho usado mesmo. Desapego monstro. Rumo à etapa final. ;)
As tranqueiras de cozinha Le Creuset estão todas fantasticamente excelentes, nem parece que usei tanto. Embalo tudo maravilhosamente bem para que nada quebre e faço reza brava. Hahaha.
Se alguém se interessar por alguma coisa, mande-me um email para lacucinetta@gmail.com com seu endereço completo para cálculo de frete, ok?

Como sempre, agradeço imensamente a todos que por todos esses anos acompanharam o meu acúmulo de livros e utensílios, e que agora estão ajudando na libertação dos mesmos. :D
Antes que alguém ache ruim, só posto isso aqui porque sei que aqui tem muita gente que gosta de cozinha, de livros, de formas, e que "me conhece" o bastante para saber que não estou sacaneando ninguém. O que não sair por aqui vai acabar sim no Mercado Livre e afins, mas acho sempre meio chateação vender e comprar de gente que a gente não conhece... :(

Novamente, obrigada! :D

Vou ali ficar toda "Hygge" com os livrinhos que sobraram, lendo um José de Alencar emprestado da mamãe e tomando um chazinho de erva-doce. ;)

R$50,00 + frete
SUZANNE GOIN - Sunday Suppers at Lucques (sobrecapa com sinais de uso, interior em excelente estado)
DAVID FRENKIEL & LOUISE VINDAHL - Green Kitchen Travels (excelente estado) 
DARINA ALLEN - Forgotten Skills of Cooking (capa rasgada na lombada, interior como novo)
STEPHANIE ALEXANDER &  MAGGIE BEER - Sabores da Toscana (em português de portugal) - pouquíssimos sinais de uso e excelene estado
KIM BOYCE - Good to the Grain (excelente estado)
NIGEL SLATER - Notes from the Larder (capa ligeiramente gasta, interior perfeito) 

R$35,00 + frete
FRANCINE SEGAN - Dolci - Italy´s Desserts (excelente estado)
FRANCES MAYES -In Tuscany (excelente estado)
JOHn SEYMOUR - The SElf Sufficient Life and How to Live It

R$25,00 + frete
MARC VEYRAT & GÉRARD GILBERT - La cuisine paysanne   (excelente - tamanho pocket, mas lindo, cheio de fotos)
THE MULTI-CULTURAL CUISINE OF TRINIDAD & TOBAGO & THE CARIBBEAN (novo)
MICHAEL POLLAN - Cooked 
THE ABC OF COOKERY (Livro produzido pelo governo britânico para educar as pessoas a cozinhar durante a primeira guerra)

TRANQUEIRAS:
MOEDOR de grãos de ferro Botini - R$65,00 + frete 
CANUDOS de alumínio para cannoli pequenos (10cm), 12 unidades - R$15,00 + frete
Forma de MUFFIN MINI com 24 cavidades, da Wilton - R$35,00 + frete
LE CREUSET - Cj de 6 ramequins com capacidade de 1xic, vermelhos, perfeito estado, como novos - R$270,00 + frete
LE CREUSET - Cj. de 8 ramequins com capacidade de 1/2xic, vermelhos, perfeito estado, como novos - R$240,00 + frete (R$30,00 cada)
LE CREUSET - 1 mini-cocotte com tampa, cor de laranja, capacidade de 1 xic., perfeito estado, como nova - R$55,00 + frete 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Bolo de limão de vó e de chuva

Pedacim pequeninim, num pires.

E prossegue esse calor infernal, esse calor que faz com que a manteiga recém-tirada da geladeira fique perfeita pra passar no pão em dois minutos, e absolutamente derretida em quinze. Esse calor que faz com que o pão de fermento natural dobre de tamanho em duas horas, e não em dezoito (o que impede também que ele crie aquela cor dourado-escura ao ser assado ou cresça decentemente no forno). Esse calor que é quente demais até para usar shorts. Só saia salva.

E enquanto todos nós derretemos por aqui, queimando os pés no azulejo do quintal e maldizendo cada pincelada de aquarela, cuja tinta seca antes que se possa manipulá-la no papel, ouço súplicas por chuva por todos os lados. Para refrescar, para encher os reservatórios.

Aí me pego pensando, que se fizermos um esforço coletivo, podemos, juntos, fazer chover. Basta seguir os passos simples a seguir, e é garantia de chuva refrescante no fim do dia:
  1. Saia de casa o dia todo e deixe as janelas abertas. De preferência, com algum objeto logo abaixo delas que não possa ser molhado, como seu livro favorito, um trabalho de faculdade ou seu laptop aberto. 
  2. Se não puder deixar seu livro favorito, seu trabalho de faculdade ou seu laptop em casa, saia com ele para dar uma volta bem longa à pé, em direção a algum lugar longe para um compromisso para o qual você já está atrasado, e lembre-se de não levar nenhuma espécie de proteção contra chuva para esse objeto que não pode molhar. Afinal, está um dia bonito e não vai chover. 
  3. Lave o carro.
  4. Regue as plantas. 
  5. Vá para o trabalho de moto, porque está um dia bonito e não vai chover. Melhor ainda se tiver uma reunião assim que chegar ou um evento importante depois do trabalho para o qual você vai direto, de moto.
  6. Faça escova no cabelo.
  7. Jogue fora aquela sua capa de chuva que você nunca usa mesmo, porque não chove faz tempo.
  8. Programe um piquenique a céu aberto. Programe, na verdade, qualquer evento a céu aberto. Melhor ainda se for importante, como um aniversário ou um casamento. Se puder ignorar os conselhos de amigos dizendo que é melhor ter uma tenda no evento, ótimo.
  9. Saia de casa com um sapato de camurça. [Funciona como ir de blusa branca em restaurante japonês: garantia de o sushi escapar do hashi e explodir shoyu na sua roupa. Ou dar sorvete de uva pra criança. Criança nunca derruba na blusa sorvete de limão. É sempre de uva.]
  10. Programe uma viagem para a praia, de preferência numa pousada cara, num lugar que não tenha mais nada para fazer a não ser virar croquete na areia, onde a TV só pegue rede Globo (e só às vezes), e onde não tenha wi-fi.
  11. Lave o quintal.
  12. E, mais importante de tudo, garantia de chuva na certa: peça à sua mãe para que diga a você que leve o guarda-chuva porque vai chover, e então deliberadamente a ignore, deixando o guarda-chuva em casa. Se isso não funcionar, nada mais vai.
Acredito que se todos resolvermos ajudar, conseguiremos fazer chover. Juntos chegaremos lá [tem aquele gesto de mãos acompanhando a frase com entusiasmo]. Vamos todos lavar os carros e combinar um piquenique de aniversário numa praia sem wi-fi, para o qual iremos de moto e sapatos de camurça, enquanto deixamos nossos guarda-chuvas em casa, dizendo que nossas mães não sabem de nada mesmo.

Combinado?

Enquanto isso, que tal abraçar o calor de vez e dar uma de louca desvairada e... acender o forno? Fazer um bolo enquanto espera a mandinga aí de cima dar certo? Daí, quando chover, podemos fazer bolinhos de chuva (que também é coisa de vó) e reclamar que o verão está uma droga porque não pára de chover. ;)

Esse bolo de limão é tão brasileiro que me surpreendeu estar em um livro americano. Ele é muito fácil de fazer, desde que você não invente de substituir o açúcar, como tentei na primeira vez. Usei açúcar comum ao invés do de confeiteiro e o que aconteceu foi que tive de bater a manteiga por três vezes o tempo até que o açúcar estivesse dissolvido, o que incorporou muito ar à massa e fez com que o bolo transbordasse da forma, não assasse direito e fosse direto para o lixo. Fiz novamente, desta vez com o açúcar de confeiteiro, e foi um sucesso absoluto. Tão simples que acho que dá pra fazer até com uma colher de pau ou um batedor de arame. E tão gostoso, azedinho de limão, além de derreter na boca de macio.

BOLO DE LIMÃO
(Do ótimo Bon Appétit Desserts)
Rendimento: 9 porções (16 se você cortar em quadradinhos comedidos como os da foto)

Ingredientes:

  • 3/4 xic. manteiga sem sal em temperatura ambiente (cerca de 150g)
  • 2 1/2 xic. açúcar de confeiteiro, dividido em 1 xic. e 1 1/2 xic.
  • 2 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 1/4 xic. leite
  • 1 1/3 xic. farinha de trigo
  • 1 3/4 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 4 limões tahiti grandes
  • 6 colh. (sopa) açúcar cristal


Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte com manteiga e enfarinhe uma forma quadrada de 20cm de lado e pelo menos 5cm de altura (traumatizada com minha forma de metal, na qual o bolo vazara, usei com sucesso uma de vidro, um tantinho mais alta e milímetros mais larga).
  2. Com uma batedeira elétrica (ou, suspeito, uma colher de pau), bata a manteiga e 1 1/2 xic. do açúcar de confeiteiro até que o açúcar esteja dissolvido (menos de 1 minuto). 
  3. Junte os ovos, um a um, misturando bem a cada adição. Junte o leite. Não tem problema se talhar. 
  4. Misture e junte a farinha, o fermento e o sal, misturando com cuidado apenas até que não se veja mais farinha. 
  5. Espalhe na forma de modo uniforme, alisando com a espátula, e leve ao forno por 30-35 minutos, até que esteja dourado e um palito inserido no centro saia limpo.
  6. Enquanto isso, rale as cascas dos limões até obter 1 colh. (sopa) de raspas. Esprema os limões até obter 6 colh. (sopa) de suco. 
  7. Numa tigelinha, junte as raspas, o suco e 6 colh. (sopa) de açúcar comum e mexa bem até que o açúcar dissolva. 
  8. Quando o bolo estiver pronto, retire do forno e coloque a forma sobre uma grade. Fure o bolo por toda a superfície com um palito. Reserve 2 1/2 colh. (sopa) do xarope de limão para uso posterior e derrame o restante sobre o bolo ainda quente, deixando que escorra para dentro dos furos. Deixe esfriar completamente na forma.
  9. Quando estiver frio, junte ao xarope de limão a 1 xícara restante de açúcar de confeiteiro e misture bem até obter um glacê. Espalhe sobre o bolo uniformemente. Deixe secar por 1 hora antes de cortar o bolo em quadradinhos e servir. Você também pode desenformar o bolo primeiro e passar o glacê depois, mas ele vai escorrer para os lados em alguns pontos. O bolo se mantém bem em pote fechado por alguns dias. 



terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Pici e resoluções


A perspectiva de meu filho entrar em férias por dois meses inteiros fazia os cabelos atrás de minha nuca se arrepiarem. Dois meses com duas crianças em casa e trabalho para fazer. Tinha planos para "delargar" a criançada o maior tempo possível nas casas das avós. Com Thomas saracoteando pela casa loucamente e Laura engatinhando como quem tem uma missão, não parecia que teria sossego o bastante para pintar coisa alguma.

E minha sogra foi viajar e deixou a cadelinha conosco. Já com 7 anos (acho) e não muito costume de ficar com crianças ou ter um gramado, foi aquele deus-nos-acuda na primeira semana, de recolher "presentinho" do gramado antes que o bebê chegasse perto e vigiar constantemente para que o bichinho não avançasse na Laura-puxa-rabo ou no Thomas-corre-atrás-latindo-com-espada-na-mão.

Acrescido a isso o montante de compromissos de fim de ano e pequenos-grandes contratempos de cunho pessoal, a primeira semana de férias não teve nada de relaxante. Daí que nada -NADA- saiu como eu queria, e minha longa lista de quitutes de natal ficou restrita a:

  • Spekulatius: ficaram bons, feitos pré-crise-de-férias; acabaram antes de preparar qualquer outra coisa;
  • Torrone: ficaram uma droga; as claras desinflaram quando a calda de mel estava na temperatura certa, e tive de reaquecer tudo enquanto batia mais claras, e o mel cristalizou, e o torrone ficou pastoso;
  • Panforte nero: ficou ótimo, e foi o maior orgulho ver o Pequeno-Devorador-de-Frutas-Secas comendo aquele doce tão "adulto" como se fosse chocolate. Mas foi feito em novembro e deixado "maturar" até o Natal, então não conta. Pré-crise;
  • Panettone: esqueci de macerar as frutas na noite anterior e na hora de incorporar as cascas de laranja... descobri que haviam acabado e não tinha mais no supermercado, assim como nenhuma outra fruta cristalizada. Tive de substituir com o que tinha e não ficou nem de perto saboroso como o do ano passado. Queimou na base e ficou com o miolo ressecado. Crise se instalando;

  • Bûche de Nöel: de última hora, decidi preparar o bolo, com medo de que o torrone tivesse ficado ruim (check!), o panforte tivesse mofado embrulhado nesse calorão por um mês (nope!), o Panettone estivesse sem graça (check!) e todo mundo ficasse sem sobremesa, única coisa da qual eu havia ficado encarregada esse ano. Aí... o bolo do rocambole foi fácil de fazer mas ressecou. A mousse do recheio não firmou. Na hora de enrolar, o bolo quebrou todo e a mousse vazou toda pra fora. A ganache, maravilhosa (mesma desse bolo aqui), salvou tudo e deixou com cara de alguma coisa que valia a pena ser comida. Os cogumelos da decoração... era pra ser aquela coisa linda, com farinha de castanha, o que em inglês produziriam... "chestnut mushrooms"! Nhóin. *_* Bom, eu li a receita com pressa e coloquei no forno por 2 horas a 200 graus. Acontece que eu coloquei a 200 graus Celsius, e a receita era em Farenheit. Em meia hora, só faltavam os bombeiros aparecerem para ver que fumaça preta era aquela que invadira toda a cozinha. No meio do caos pré-Natal, resolvi tentar de novo. Desta vez, resolvi que o passo de incorporar o açúcar e a farinha de castanha com uma espátula no final obviamente era uma frescura, e meti tudo na batedeira. Lixo. As claras desinflaram e eu quis quebrar minha própria cabeça idiota com a batedeira. Determinada, tentei pela última vez, com a última clara descongelada que eu tinha e sem a farinha de castanha. Enquanto estava no forno, conformada com a terceira derrota, cortei alguns damascos ao meio. Já que eu não teria cogumelos, faria outro tipo de fungo de madeira no meu bolo-tronco. Mas, milagre dos milagres, os cogumelinhos deram certo e ficaram ótimos, e compuseram, junto com a "neve" de coco ralado, a coisa mais bonita que já saiu da minha cozinha. Só que o gosto do bolo ficou sem graça. #Fail. Crise no ápice.
Passado o Natal, conforme as crianças foram se acostumando ao novo cãozinho e eu me acostumando à bagunça, dei-me conta de que não era apenas meu filho que estava de férias. Meus clientes também. E, deixando as crianças na avó, primeiro Thomas, depois Laura, percebi que os dois já haviam de tal forma criado entre si uma espécie de Liga-Épica-de-Destruição-e-Risada, uma Unidade de Caos, que era estranho estar com um e não com outro. A interação dos dois trazia alegria para a casa.

Então eu relaxei.

Decidi que ao invés de me culpar por não estar pintando joça nenhuma, aproveitaria essa fase fofa dos filhotes que não volta mais, integralmente. Ligo o computador só pra ter certeza de que não há trabalho a ser feito e então corro atrás deles, divirto-me com suas idiossincrasias, a lógica bizarra de criança, a correria, a barulheira, a cachorrada latindo, a Pequena Unidade de Caos. E percebi que conquanto não criasse uma expectativa com relação a meu dia e minhas atividades particulares, tudo correria bem e o único stress seria fazer Thomas comer seu brócolis.

Decidi que acabaria com essa ideia idiota de preparar trocentos doces natalinos e me ateria, a partir de então, a panforte (que eu de fato adoro e é muito fácil de fazer, além de poder ser feito com imensa antecedência) e talvez panettone, mas que agora a diversão seria preparar coisas que nunca fiz antes, sem a pressão de uma lista tão grande de afazeres numa época já tão atribulada.

Decidi que está na hora de voltar correr. Como der, quando der, o quanto der. Mas botar as pernas em movimento é prioridade, uma vez que não quero que meu visto temporário no País das Pelancas Pós-Bebês vire cidadania.

Decidi que, depois de um ano de Facebook, eu não estava perdendo nada. Voltei a entrar em contato com dois ou três amigos que andavam distantes, mas a verdade é que se eu (ou eles) quiser manter esse contato, nossos telefones estão devidamente atualizados. Nesse um ano, saí menos com meus amigos do que em anos anteriores. Não por estar longe, não por ter dois filhos. Mas porque ficar comentando bobagens via internet me trazia a ilusão de que estávamos conversando, e me destituía da necessidade de de fato chamá-los para sair tanto quanto eu costumava. Além disso, o Facebook me mostrou que muitas das pessoas que eu admirava pensam cocô boa parte do dia. Facebook me deprime. Facebook me lembra constantemente que o mundo é um lugar nojento, enquanto eu faço uma força brutal para tentar me convencer de que há beleza nele. Então, depois de um ano desperdiçando meu tempo com essa viciante rede de solidão e narcisismo, decido que não quero mais fazer parte dela. Vou transformar minha página pessoal numa página exclusivamente de trabalho e boa noite. Amigos, vocês têm meu telefone.

Decidi terminar de me desapegar de algumas tralhas que só fazem peso a cada mudança de casa, como aqueles livros que a gente continua guardando, não porque você usa de referência ou pretende ler outra vez, mas porque ficam bem na estante, contam para os outros um pouco sobre você (ou o que você gostaria que os outros acreditassem sobre você). Hmmm... acho que ninguém precisa ficar olhando para aquele imenso dicionário de verbetes de filosofia para saber quem eu sou, e eu nunca – NUNCA – abri aquele dicionário em 17 anos. Estou à procura de bibliotecas que aceitem doações de livros diversos (por incrível que pareça, há muitas que não querem) ou boas redes de troca de livros (sugestões?) para começar a manter a leitura em dia sem gastar mais dinheiro ou entulhar mais a casa.

Aliás, decidi colocar a leitura em dia.

Decidi que de vez em quando faz bem para a cabeça me dar férias. Não exatamente férias para não fazer nada, mas férias da obrigação e pressão pessoal de fazer coisas.

Decidi que o fim de semana é um bom momento para preparar massas caseiras e que quero fazê-las mais vezes. A máquina de macarrão já estava acumulando poeira dentro do armário, e, unido ao fato de que meu filho em seus quase 3 anos nunca comera massa caseira, tudo me pareceu muito errado. Comecei já há algum tempo a voltar a fazer macarrão de fim de semana, primeiro um fettuccine básico na máquina, depois um com farinha de castanha (e molho de porcini, uma delícia), então de beterraba, então ravioli de berinjela e ricotta...

E me ocorreu que eu não necessariamente precisava usar a máquina, e poderia preparar outros tipos de massa, daqueles de velhinhas italianas em mesinhas de madeira em ruelas de vilarejos medievais.

Quão divertido é isso???

[Quão louca eu sou???]

MUITO divertido.

[Louca de pedra.]

A primeira massa sem máquina que fiz foi Pici, uma massa longa típica de Siena, na Toscana. Comi Pici na minha primeira viagem à Itália, há 9 anos, com um molho simples de alho, azeite e pimenta fresca, e era uma delícia. Era um restaurante pequeno que só servia comida tradicional e não tinha cardápio em inglês, razão pela qual o casal de americanos na mesa ao lado entrou em pânico e pediu minha ajuda para escolher um prato. Lembro-me de que a mulher não arriscou nenhuma outra indicação minha e acabou pedindo o mesmo que eu, apesar de ter avisado a respeito do "pepperoncino". Calhou que ela não era tão fã de pimenta quanto eu e passou o jantar todo de rosto vermelho e olhos lacrimejando, enquanto eu me deliciava com aquela massa fresca, de textura macia e resistente à mordida e o molho apimentado. De sobremesa, uma fatia de panforte, e talvez tenha sido justamente a presença do panforte na minha cozinha que tenha me levado a essa receita para o almoço de domingo.

Pici é uma excelente massa para quem nunca fez macarrão ou não tem máquina em casa. Ela é naturalmente rústica na aparência, então você não precisa se preocupar em criar uniformidade, e o processo é fácil até para uma criança. Você já brincou de fazer cobrinhas de massinha de modelar quando criança? Então você tem a habilidade necessária para fazer Pici.

O segredo, para mim, é a textura da massa: você deve senti-la úmida e macia, mas não pode grudar nos dedos. Se estiver craquelada ou esfarelada, está muito seca. Pense em argila macia. Isso vale para a massa de ovos também.

O molho é improvisação minha, no entanto, já que não havia pimenta fresca. A quantidade de pimenta-calabresa torna o molho um bocado picante, mas as crianças rasparam o prato com gosto. Se achar mais apropriado, diminua a quantidade. (A massa deve ficar ótima com ragù, aliás.) 
 


PICI
(do ótimo Twelve: A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros)
Rendimento: 6 porções (quando preparei, fiz 4 porções, apenas reduzindo a receita para 2/3 dela. O molho sobra um pouco, nesse caso, mas nada que um pãozinho não resolva... :)

Ingredientes:
  • 600g farinha de trigo
  • 300ml água
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1/2 colh. (chá) sal

Preparo:
  1. Coloque a farinha numa tigela grande e faça um "fosso" no meio. Coloque ali o azeite, o sal e uma parte da água e comece a mexer com os dedos ou um garfo, para incorporar a farinha gradualmente. Vá juntando mais água conforme a farinha for absorvendo e quando formar uma massa, derrube na bancada e comece a sovar. A massa deve absorver toda a farinha e eventualmente parar de grudar nos dedos ou na bancada, mas não pode ficar craquelada ou esfarelada. Sove por uns dez minutos. A massa é mais pesada que massa de pão; use o peso do seu corpo para sovar, para não cansar os braços. Quando a massa estiver macia e uniforme, embrulhe em filme plástico e deixe descansar por 20-30 minutos, período durante o qual a farinha termina de absorver a água, o glúten relaxa e a massa fica mais suave e maleável – não pule esse descanso.
  2. Desembrulhe a massa e numa banca ligeiramente enfarinhada (se precisar) abra com um rolo em forma de retângulo estreito, com 1cm de altura. Corte tirinhas finas, de não mais de 1cm de largura. Uma a uma, abra rolando as palmas das mãos para frente e para trás, como quem faz cobrinhas de massinha, até obter fios bem compridos (corte ao meio se achar difícil manipulá-los quando muito longos) e quase tão finos quanto spaghetti grosso. Não se incomode se não ficar uniforme. O importante na hora de abrir é não enfarinhar sua bancada, ou você terá dificuldade de abrir os fios. Teoricamente a massa só estará grudando o bastante para criar atrito na bancada e alongar-se. 
  3. Conforme os fios forem ficando prontos, deixe-os numa assadeira grande e polvilhe bem com farinha, misturando-os com os dedos em garfo, para que não grudem uns nos outros. (Você pode deixá-los nas costas da cadeira, como fiz, mas tem que trabalhar rápido, pois conforme secam, podem romper-se com o peso pendurado). 
  4. Cozinhe em abundante água fervente com sal, misturando com um garfo assim que colocar os fios na água, para que não grudem. O Pici, por ser mais espesso, não vai cozinhar tão rápido quando fettuccine fresco, mas não vai demorar tanto quanto massa seca. Vá experimentando a cada minuto. Ele deve ter gosto de cozido, ter inchado um pouco e ter uma textura resistente à mordida. Cerca de 3-4 minutos. Escorra, misture imediatamente ao molho e sirva.

MOLHO COM PIMENTA CALABRESA
(improvisação minha)

Numa frigideira grande, aqueça em fogo médio uma colher (sopa) de azeite, 3 dentes de alho fatiados e 1 colh. (chá) pimenta calabresa seca (para um molho bem apimentado; você pode diminuir essa quantidade a gosto). Quando o alho soltar o aroma, junte duas latas de tomate italiano (ou 8 tomates frescos sem pele, picados), mexa bem com uma colher de pau,  quebrando os tomates em pedaços menores, abaixe o fogo e deixe apurar por cerca de 20 minutos, mexendo de vez em quando para não queimar, até que fique mais espesso. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto, uma colher (chá) vinagre de vinho branco, e, antes de escorrer a massa, junte 1/3 xic. da água do cozimento da massa, agora cheia de amido. Junte a massa escorrida, um fio de azeite e misture bem. Sirva polvilhado de parmesão

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Torta com crosta de batata para um dia nhanha

Adoraria postar aqui toda uma linda série de doces e quitutes natalinos. Mas a verdade é que meu cérebro anda focado em simplesmente colocar comida na mesa. No calorão de fim de ano, e por mais uma mão cheia de motivos, ando pensando mais em sorvete que em panetone; mais em salada que em cardápio de ceia.

E daí que num dia cansado, barrigão parecendo querer explodir com bebê fazendo alongamento lá dentro, precisava dar cabo de meio pote de ricotta fresca que iria estragar e batatas que já davam sinal de que brotariam. Benzadeus pelo Eat Your Books, pois o pequeno explorador de lareiras não parou quieto tempo o bastante para que eu pudesse sentar e folhear tranquilamente meus livros em busca de uma receita.

Quando caí nessa torta de abobrinha e ricotta com crosta de batata, fiquei ressabiada. Parecia mais trabalhoso do que eu gostaria e por algum motivo achava que não daria certo. Mas na falta de outra possibilidade, e com medo de deixar que a preguiça botasse a perder bons ingredientes, pus a mão na massa.

A verdade é que foi mais fácil que qualquer espécie de torta que já tenha preparado em minha vida. Em cinco minutos a crosta estava no forno, e enquanto assava, refoguei as abobrinhas. Crosta dourada, foi questão de misturar abobrinhas, queijo, ovo e leite e colocar tudo no forno. Em pouco tempo havia um jantar delicioso e principalmente reconfortante na mesa.

Esse não é um prato para visitas. Pois as batatas tendem a grudar um pouco na forma e você acaba tirando porções meio que despedaçadas, e não lindas fatias. Quero testar novamente, untando com manteiga no lugar de azeite, que acredito que vá tornar a soltura mais fácil. No entanto, mesmo despedaçado, esse é um jantar fantástico: as batatas ficam crocantes e com aquele gostinho de casquinha de batata assada, e o recheio ficou leve, macio e saboroso. Prato que pretendo repetir infinitas vezes.

A receita vem do ótimo livro How To Cook Everything Vegetarian, de Mark Bittman. Recomendadíssimo por conta das boas receitas rápidas para todo dia. Um dos livros que mais uso numa terça à noite depois de muito trabalho. Acabei adaptando pouca coisa do recheio para usar o que tinha em casa: a receita pedia 1 ovo, 1 gema e creme de leite, que substituí por dois ovos inteiros e leite integral; e ao invés de apenas refogar abobrinha, refoguei-a num enorme dente de alho, o que com certeza contribuiu e muito no sabor. Via de regra, uma vez tendo a crosta de batata, tão simples e deliciosa, você pode inventar o que quiser por cima, seguir com seu recheio usual de quiche, apenas reduzindo a quantidade.

Para a crosta, apanhe cerca de 3-4 batatas pequenas (que caibam numa mão entreaberta), lave, descasque e rale na parte grossa do ralador. Esprema e escorra bem o excesso de líquido delas e tempere bem com sal e pimenta-do-reino. Aperte as batatas raladas contra uma forma de torta de cerca de 21cm, untada generosamente com manteiga ou azeite. A camada de batatas deve ser razoavelmente fina. E leve ao forno a 190ºC por 30-40 minutos, até que as batatas pareçam sequinhas e douradas. Então é só colocar o recheio e voltar ao forno por 20-30 minutos, ou até que o recheio pareça firme em volta e balançando ainda ligeiramente no centro. Formas de vidro funcionam melhor, pois você pode ver se as batatas estão queimando ou ainda estão apenas deliciosamente douradas.

Para este recheio específico, refoguei 1 abobrinha pequena, fatiada fino, em alho e azeite, até dourar ligeiramente. Temperei com sal e pimenta e folhas frescas de manjericão. Juntei a 2 ovos, 1 1/2 xic. de ricotta fresca e cerca de 1/4 xic. de leite (meio a olho, pois essa ricotta era bem úmida; a quantidade de leite ou creme vai depender de quanto líquido tem o queijo que você está usando ou o legume). Misturei bem com um garfo, temperei com sal e pimenta e assei na crosta de batata.

Você pode usar o legume que quiser, pode usar leite, creme de leite fresco, qualquer erva e qualquer queijo. Tão bom ter na manga mais uma coisinha gostosa pra fazer rápido e poder botar no forno enquanto saio atrás do pimpolho antes que ele apronte mais uma.


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Pão de leite, forma de pão e menino na cadeira

Antes de qualquer coisa, preciso agradecer a todos que comentaram no post anterior. As experiências diferentes de todos me fizeram analisar e entender melhor o comportamento do pequeno escalador de poltronas. Os pitís continuam, mas ando tentando lidar com eles de formas diferentes e ver o que funciona e o que não funciona. Ter filho é fácil. Criar é outra história.

Porém, não importa quantas duas horas e meia seu filho passe gritando no seu ouvido – você esquece os maus momentos quando o pimpolho vem se agarrar à sua perna, pedindo colo para poder enxergar o que você está preparando de interessante na cozinha. E esquece as birras quando ele se diverte ao ser colocado de pé em uma cadeira para ajudá-la a abrir a massa de torta com o rolo ou sovar pão. E ri ao tentar impedir que o moleque coma toda a massa crua enquanto brinca com ela.

Dá mais trabalho preparar o jantar segurando um garoto desse tamanho equilibrado num barrigão grávido, mas é com certeza mais divertido: vou lhe dizendo os nomes dos ingredientes e contando o que faremos com eles, e ele mantém os olhinhos atentos, as mãozinhas ávidas querendo alcançar cada cenourinha ralada, pedaço de queijo ou mesmo dentes de alho. Mergulha o dedo no sour cream, no leite de coco, na pasta de curry. Vai experimentando de tudo um pouco, se enchendo de orgulho quando mamãe diz que ele está ajudando. E, de quebra, come mais interessado a refeição que "ele preparou".

Mas das suas reações que mais me encantam, minha favorita é ao pão fresco. O pão saindo do forno, exalando aromas, e ele entra apressado na cozinha, sorridente, inspira fundo de um jeito caricato, fazendo careta e barulho, e solta um delicioso e melódico "hmmmmmmmm". E quando vê o pão esfriando sobre a grade, quer tocá-lo. Mamãe diz que está quente, e ele encosta com cuidado na casca dourada, retraindo rápido a mão e dizendo "au!". E repete o gesto, até sentir o calor confortável do pão nas palmas. E inspira novamente, absorvendo o perfume. E se esbalda quando finalmente ganha uma fatia fresquinha com manteiga derretendo por cima.

Esse é mais um bom pão de forma para iniciantes, fácil, perfumado, delicioso, macio mas firme o bastante para aguentar passadelas de manteiga ainda gelada ou recheios de sanduíche mais úmidos. A receita vem de um livro que tenho usado muito, e que foi presente de uma grande amiga que entende por que nunca se pode ter livros demais sobre panificação. ;)

Para quem sempre comenta a respeito da altura do pão, fica a dica da forma: quase sempre que faço pães de forma, uso a chamada "pullman pan", ou forma de "pan de mie" ou pão de miga. Trata-se de uma forma de alumínio mais bojuda, mais curta que uma forma de bolo inglês, mas com quase o dobro da altura. Isso garante que os pães fiquem mais altos, de um melhor tamanho para fatiar e montar sanduíches. Ela também vem com uma tampa, que você pode ou não usar segundo a receita, para que o pão asse exatamente quadrado. A minha comprei fora, durante uma viagem, mas é certeza de que se encontra dela em lojas especializadas ou que abastecem restaurantes. No mais, a boa e velha forma de bolo inglês serve muito bem.

PÃO DE LEITE
(do ótimo How to Bake, de Paul Hollywood)
Tempo de preparo: 3-4 horas
Rendimento: 1 pão

Ingredientes:

  • 500g farinha branca orgânica ou para pães (use farinha comum se não encontrar das outras)
  • 10g sal
  • 25g açúcar cristal orgânico
  • 10g fermento ativo seco
  • 30g manteiga sem sal, amolecida
  • 320ml leite integral morno
  • azeite para sovar

Preparo: 
  1. Coloque a farinha numa tigela grande. Coloque o sal e o açúcar num canto dela e o fermento em outro, para que o fermento não toque o sal diretamente. Junte a manteiga e 3/4 do leite morno. Misture gentilmente com os dedos. Continue acrescentando o leite, um pouco por vez, até que toda a farinha esteja umedecida e você tenha formado uma espécie de massa. Dependendo da umidade do ar no dia, pode ser que você não use todo o leite, ou que precise acrescentar mais – você quer uma massa úmida, mas não enxarcada. Raspe bem com os dedos as laterais da tigela e sove um pouco a massa dentro dela até que forme uma massa macia e rasoavelmente coesa.
  2. Unte ligeiramente a bancada com um fio de azeite e despeje a massa ali. Sove por cerca de 5-10 minutos, até que a massa esteja elástica e com a superfície bem uniforme. Quando a textura da massa parecer macia e sedosa, forma uma bola e coloque numa tigela grande untada. Cubra com um pano de prato e deixe fermentar até que dobre de tamanho, no mínimo 1 hora, no máximo 3, dependendo da temperatura da sua cozinha (menos tempo em dias bem quentes, mais tempo em dias mais frios, sempre tendo 21ºC como temperatura ideal como base de comparação).  
  3. Unte uma forma de pão ou bolo inglês funda com óleo ou manteiga. Retire a massa da tigela, achate-a ligeiramente com os punhos em forma de retângulo e dobre-a como se fizesse um avião de papel, trazendo a metade da direita para o centro, a metade da esquerda para o centro e dobrando uma sobre a outra, sempre selando bem as bordas para que não haja fendas. Role sob as palmas para que fique do tamanho da forma e coloque a massa dentro dela, com a fenda para baixo. Polvilhe com farinha e faça um corte na superfície da massa, no sentido do comprimento. 
  4. Cbra com um pano e deixe fermentar por mais 1 hora, ou até que tenha no mínimo dobrado de tamanho. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 210ºC.
  5. Asse por 25 minutos, ou até que o pão esteja dourado e soe oco quando retirado da forma e batido na parte debaixo com os nós dos dedos. Deixe esfriar completamente sobre uma grade, fora da forma, antes de fatiar.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Eu adoro pão velho

Parece ridículo publicar uma receita para french-toast, ou rabanada, considerando que 90% das famílias brasileiras têm sua própria receita da mesma, que por algum motivo que desconheço, virou comida de Natal. Mas a danada está aqui porque eu mesma reneguei essa delícia simples por muito tempo.

Na mesa de Natal de meus tios sempre havia rabanada. Mas meu cérebro infantil sempre confundiu as coisas, e quando me perguntava se queria rabanada, torcia o nariz, fugia correndo, achando que me ofereciam algo feito de rabo. Vai entender. Se alguém sabe por que diabos o pobre pãozinho ganhou nome tão infeliz, por favor me dê uma luz.

Quando mais velha, ouvia em filmes e seriados sobre a tal French Toast, mas nunca me interessei muito. Foi apenas quando casei e comecei a cozinhar e produzir pães em casa que a possibilidade de transformar pão amanhecido em coisas deliciosas me trouxe essa gostosura. Afinal, tanto trabalho e bons ingredientes haviam sido colocados naquele pãozinho, que parecia sacrilégio jogá-lo no lixo só por ter ficado duro. Parecia, não: é. [Agora pense naquele pão bizarro de supermercado, que não amanhece, não resseca, não estraga, tem para sempre aquela textura gelatinosa e não se presta a mais nada a não ser grudar na parte detrás dos seus incisivos quando você os morde.]

Toda semana alguém me escreve a respeito de pães caseiros e comenta algo como "pena que fica duro de um dia para o outro" ou "pena que não dura como o de supermercado". Isso sempre me surpreende um bocado, por vários motivos. Primeiro, que meus pães duram bem uma semana, frescos, ressecando muito devagarinho, e raramente eles de fato endurecem antes de terem sido completamente consumidos. (No fim da semana, já não tão macios, mas pouco ressecados, vão para a torradeira logo de uma vez.)

Se você deixar um pão caseiro, que não tem nenhum conservante, estabilizante, anti-umectante ou qualquer "ante" nojento, descoberto na bandeja da cozinha, como se fosse decoração, de fato ele estará uma pedra no dia seguinte. Para que isso não aconteça, assim que seu pão (qualquer pão: rústico, de forma, brioche, o que for, salvo aqueles bem doces, com coberturas e caldinhas) estiver completamente frio, embrulhe-o muito bem em um pano de prato grande e limpo, sem deixar nenhuma frestinha à vista, e deixe-o assim na sua cesta de pão, num canto da bancada que não tome sol e seja fresquinho. O pano de prato deixa o pão respirar o bastante para que sua umidade não condense e ele não mofe (ao contrário de plástico) e retém suficiente umidade para que ele não resseque de um dia para o outro (ao contrário de sacos de papel). Sempre que cortar um pedacinho, embrulhe o pão muito bem novamente. E pronto. Pãozinho perfeitamente macio por dias.

Agora, e se não der tempo de comer e o pão de fato ficar duro? Ai, que desperdício de pão? Não, de jeito nenhum. Não foi uma só vez que fiz dois pães com o intuito de deixar que um deles amanhecesse, ou que apanhei uma metade de um pão, cortei em pedaços e deixei exposto numa bandeja, especificamente para que ressecasse mais rápido. Já vi sites de culinária com gente perguntando o que fazer com ponta de baguette, que o transeunte simplesmente jogava fora. Hein?? Não, pelamor!

Se está sem criatividade, pode terminar de secar o pão no forno e moer no processador (ou no moedor de carne, de manivela, como fazia minha mãe, pacientemente) para transformar em farinha de rosca, que deixo num pote fechado na geladeira e dura horrores (e fica uma delícia, assim com vários tipos de pães misturados). Num próximo nível, o pão duro pode ser cortado em cubos menores e passado no azeite na frigiedeira, para virar croûtons na salada do almoço. Se estiver se sentindo italiano, pode deixar os nacos do pão duro macerando com tomates, azeite e vinagre até ficarem macios, e misturá-los a várias outras coisas gostosas, produzindo uma panzanella. Ou, deixe os nacos macerando em leite até que absorvam o líquido, exprema com as mãos para tirar o excesso e misture à carne das almôndegas. Ou faça as deliciosas almôndegas de pão e queijo, os canederli italianos. Ou ainda use em sopas de pão como pappa al pomodoro, ou outras versões que a cozinha mediterrânea (portuguesa, espanhola, francesa) tem de monte. O pão duro, em nacos ou fatias, pode também virar bread pudding, versão doce ou salgada, com variações infinitas, ajudando a usar toda a sorte de restos de queijos e legumes que houver na geladeira. Ou, enfim, rabanadas, french toast, ou, meu nome favorito, francês, Pain Perdu.

Sempre faço meio no olho, de acordo com a secura do pão e a quantidade dele. E nunca fiz no Natal. Pain Perdu, French Toast ou Rabanada, aqui em casa é comida de café da manhã, quando o pão ficou duro e ninguém lembrou de fazer pão ou ir à padaria. Bato com um garfo 1 ovo e 1 xic. ou mais de leite integral e tempero com uma pitada de sal e uma colherinha de açúcar, comum ou baunilhado. Às vezes junto um splashezinho de extrato de baunilha, às vezes não. Cubro as fatias grossas de pão duro (pense numa quantidade como 2 pães franceses em fatias de 1,5cm) com a mistura e deixo que absorvam rapidamente o líquido enquanto derreto uma colher generosa de manteiga numa frigideira grande, em fogo baixo, para que a manteiga não queime. Retiro as fatias de pão da tigela com um garfo, escorro o excesso de líquido e douro as fatias dos dois lados. No prato, ainda quentes, polvilho com açúcar baunilhado, ou açúcar e canela, ou açúcar e noz moscada. Ou deixo sem o açúcar e rego com um pouco de mapple syrup e sirvo com ovos mexidos, quando a fome é grande.

Adoro o exterior douradinho, quase crocante, bem adocicado, e o interior das fatias grossas ainda úmidas do leite, com textura de pudim. Tem coisa melhor para começar o dia do que pain perdu e uma xícara de café?

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Uma sexta frugal (ou gourmet): faça maionese

Agora que meus hábitos culinários foram esclarecidos e ninguém mais vai apontar o dedo acusador em minha direção por comprar ketchup ou pesto ou corações de alcachofra (recentemente descobri que os conservados em água e sal são deliciosos), posso voltar a pressioná-los com meus posts "faça em casa que é beeeeem melhor". E é. Maionese caseira é tão infinitamente superior à maionese industrial, que não dá nem para começar a brincar de comparar.

Mas só por diversão...

Outro dia meu marido me escreveu um email a respeito do quanto gastávamos em comida todo mês. Ao que respondi apontando o quanto NÃO estávamos gastando, considerando que o preço de tudo aumentou em pelo menos duas vezes e meia nos últimos quatro anos e hoje tenho alimentado duas pessoas e meia pelo mesmo valor que costumava alimentar apenas duas há dois anos atrás. Isso considerando que nosso consumo de orgânicos aumentou consideravelmente, assim como o de frutas in natura, por conta do pequeno devorador de tudo aquilo que é doce e cresce em árvore.

Prossegui explicando que, enquanto ele muitas vezes olha para meu frenesi de "feito em casa" como um capricho gourmet ou uma neurose ecochata, esse hábito na verdade tem nos salvado muitos dinheirinhos, uma vez que há anos não compramos praticamente nenhum dos itens prontos e convenientes, que custam cinco vezes mais embalados em plástico do que feitos na sua cozinha.

Ainda, querendo reforçar meu ponto e colocar um fim absoluto na discussão, escrevi a seguinte comparação:

1 vidro pequeno de maionese CASEIRA: R$2,76.
Ingredientes: 1 ovo ORGÂNICO (R$0,86) + 250ml óleo vegetal (R$1,90) +  suco de limão (quantidade e custo irrisório) + mostarda de Dijon caseira (quantidade e custo irrisório e difícil de calcular). Mas mesmo calculando, não acredito que passe de cinquenta centavos, o que ainda seria mais barato que...

1 vidro pequeno de Maionese Hellmann's: R$3,84.
Ingredientes: Água, óleo vegetal, vinagre, amido modificado, ovos pasteurizados, açúcar, sal, suco de limão, acidulante, ácido lático, espessante, goma xantana, conservador ácido sórbico, sequestrante EDTA cálcio dissódico, corante páprica, aromatizante (aroma natural de mostarda) e antioxidantes ácido cítrico, BHT e BHA.

A verdade é que depois que você pega a manha, maionese é o condimento mais fácil e rápido de todos para se fazer em casa. Compre seu ketchup e sua mostarda, mas por favor, faça sua maionese. Sua salada de batatas agradecerá imensamente. Até seu cachorro-quente cairá de joelhos. Hoje em dia faço maionese em menos de cinco minutos, e o vidro fechado, conservado sempre na geladeira, dura cerca de duas semanas. Desde que descobri isso, meu marido, ávido devorador de maionese industrial, nunca mais mencionou a possibilidade de trocar a caseira pela pronta.
O segredo para a maionese perfeita sempre, na verdade, é o mesmo de quase todas as preparações envolvendo ovos e emulsificação:

  1. não seja apressadinho. Dê tempo para o ovo absorver o óleo, principalmente no começo. Melhor que despejar em fio, coisa que pode, num balanço errado de mão, colocar tudo a perder, acrescente o óleo em colheradas no começo. Pequenas porções. Bata, e, alguns segundos depois, quando não houver sinal de óleo sobre a gema, acrescente mais. E se sua mistura não tiver cara de gemada logo no começo, pare de desperdiçar óleo, jogue fora a gema e comece de novo, com mais calma. Já tentei algumas soluções mágicas para resgatar maionese talhada, mas quase todas resultam em uma quantidade maior de maionese do que você consegue consumir, e de qualidade inferior.
  2. Se usar mostarda caseira, principalmente a com grãos, use menos do que o especificado na receita. Eu uso cerca de 1/4 colh. (chá), ou de outra forma o gosto fica muito forte.
  3. Se for usar azeite, não use apenas azeite, mas uma mistura com outro óleo vegetal, ou a maionese pode, novamente ficar com um gosto forte demais. Pessoalmente, adoro óleo de amendoim, que sempre tenho para frituras. Qualquer óleo vegetal de sabor neutro serve.
  4. Use ovos orgânicos. Estamos falando de gema crua. Como já disse várias vezes, se só puder comprar um item orgânico da sua lista, compre OVOS. Valem cada centavo e suas omeletes nunca mais serão as mesmas. Se não encontrá-los, busque ovos caipiras de boa procedência. Pesquise.
  5. Você pode usar suco de qualquer tipo de limão na finalização da maionese, e é ele que vai dar o sabor ligeiramente ácido, empalidecer delicadamente e tornar mais cremosa a textura da sua maionese. Quando tenho limão siciliano, essa é minha preferência, mas fica bom de qualquer forma.
Maionese caseira é um daqueles gostos que me remete aos almoços de domingo de minha avó imediatamente. Ela preparava a maionese no liquidificador, e sua salada de batatas era e foi minha favorita durante toda a minha vida, até produzir minha primeira maionese caseira. Afinal, não há ingredientes de qualidade que resistam ao gosto plastificado e de uma nota só da maionese industrial: sempre recindirá a salada de batatas de restaurante por quilo.

Logo, faça maionese. A não ser, é claro, que você realmente tenha um apego emocional à salada de batatas da sua avó, que usava Hellmann's. Ok, sem problemas. De outra forma, faça maionese.

MAIONESE CASEIRA
(Adaptado de, tipo, qualquer livro de culinária, mas vamos dizer How to Cook Everything Vegetarian, de Mark Bittman, só como referência.)
Tempo de preparo: 5 minutos
Rendimento: 1 vidro pequeno ou 1 xícara

Ingredientes:
  • 1 gema de ovo orgânico em temperatura ambiente
  • de 1/4 a 2 colh. (chá) mostarda de Dijon ou mostarda caseira, dependendo da intensidade de sabor
  • 1 xic. óleo vegetal neutro ou uma mistura com azeite de oliva
  • até 1 colh. (sopa) suco de limão (a gosto, dependendo do tipo de limão)
  • sal
  • pimenta-do-reino moída na hora

Preparo: 
  1. Coloque a gema e a mostarda na tigela e misture bem com um fouet. 
  2. Acrescente um pouco de óleo. No máximo 1 colh. (sopa) por vez, e bata bem com o fouet até não ver mais óleo na superfície (poucos segundos, na verdade). Você vai ver que logo no começo a mistura começa a firmar, como uma gemada. Continue acrescentando óleo bem aos pouquinhos (1 colher por vez) e batendo, até que todo o óleo tenha sido incorporado. A mistura estará amarelo-forte e mais firme que maionese convencional. 
  3. Junte o suco de limão e bata novamente, incorporando bem. A maionese empalidecerá um pouco e ficará mais fluida e cremosa. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto.
  4. Guarde imediatamente num pote limpo e com tampa na geladeira, onde poderá ficar até 2 semanas. 
Obs: você pode fazer isso no processador ou liquidificador e ir acrescentando o óleo num fio constante, como minha avó fazia; mas se você for estabanado como eu, bater à mão dá mais controle, não cansa, pois você na verdade bate muito pouco, e te dá menos trabalho pra lavar tudo depois.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O melhor iogurte do mundo – de verdade. Mesmo. Palavra.

Você, meu amigo, que acha que dá trabalho fazer iogurte em casa, olhe para o lado. Estou prestes a lhe dar mais trabalho ainda. Mas nunca mexer uma colher por vinte minutos valeu tanto a pena. Coloque uma música, apanhe um livro fino que você possa ler de pé, e tenha fé de que esse iogurte estragará seu paladar para sempre.

E você, minha amiga, que faz molhos de salada com iogurte porque é mais "light" que maionese, desvie você também o olhar, pois esse iogurte é o resultado da redução de um monte de leite ralo em algo gordo e maravilhoso, quase um pudim, quase um queijo.

Agora você que andava desistindo do iogurte caseiro, porque o marido reclama que ele não tem a mesma consistência firme do sem graça industrializado; você, ah você, que jogou muitas sobremesas no lixo quando elas pediam por "greek style yogurt" e tanto o nosso caseiro quanto o básico industrial simplesmente não serviam para o trabalho... ah. Esse post é seu. Esse iogurte é para você. Esse iogurte que fica com uma linda e espessa camada de gordura por cima, um queijinho delicioso, e cremoso por baixo, esse iogurte que de fato vira uma linda montanha branca por cima das frutas no prato, esse iogurte que nem mesmo precisa de mel, mas com mel vira sobremesa... esse iogurte fará você comprar uma passagem para a Irlanda para abraçar Darina Allen, essa mulher linda que sabe exatamente do que o mundo precisa.

Resisti o quanto pude a essa receita, acostumada a simplesmente abrir o leite UHT em caixinha, aquecê-lo a 46ºC, misturar o iogurte e esperar oito horas. Mas o leite UHT começou a me deixar cismada, principalmente depois do texto de Darina na seção dos laticínios de seu lindo livro, em que ela explica que enquanto o leite cru (ou, até certo ponto, o pasteurizado), se deixado em temperatura ambiente, azeda, transformando-se em outro produto consumível, o leite UHT simplesmente apodrece. Também li vários estudos a respeito de como a ultra-pasteurização do leite mata justamente as boas bactérias de que precisamos e que nos ajudam a absorver determinados nutrientes, e pronto, a neurose estava instalada.

Passei a comprar leite pasteurizado, de garrafa, uma vez que é a única opção. O leite pasteurizado é mais versátil e mais saboroso – com ele você pode fazer queijos, coisa a que o UHT não se presta. Mas mesmo o pasteurizado às vezes pode ter sido aquecido a uma temperatura maior do que deveria, e seu coalho não será forte o bastante para a produção de mozzarella, por exemplo. Acredite, eu tentei. Mas para produzir bom iogurte com o leite pasteurizado, não basta aquecê-lo a 46ºC. É preciso primeito levá-lo à fervura, e então deixar que esfrie a 46ºC, para aí juntar o iogurte e esperar as 8 horas. Ainda que para chegar ao ponto de que gosto, às vezes demoram 10 horas. Bom, eu já estava tendo cinco minutos a mais de "trabalho" do que o normal.

Mas há um problema que não se pode resolver com leite de supermercado: a gordura.

É na gordura que está todo o sabor e a textura. Meu marido, aficcionado por café, durante toda a nossa viagem de férias, observou atentamente os movimentos dos baristas italianos, para aprender os "truques" do cappuccino perfeito. De fato, aprendeu alguns, como bater a jarrinha na bancada para terminar de separar toda a espuma do leite. Mas apenas lá é que ele compreendeu o que eu sempre lhe dissera: cappuccino italiano não precisa de açúcar. E ele, que sempre usa dois pacotinhos, de fato não abriu nenhum. E voltando para casa, apesar da técnica perfeita, a espuma de nossos cappuccinos simplesmente não era tão naturalmente doce e cremosa.

Por quê??
Gordura.

O leite italiano tem mais gordura. Ou melhor: quando as fábricas italianas desnatam todo o leite e o pasteurizam, reincorporam uma maior porcentagem de gordura do que as fábricas brasileiras. Gordura, afinal, é cara. Espero que você saiba, e se não souber, saiba agora: o leite desnatado só é mais caro por uma questão de marketing. Você não se sente idiota, agora? Compre leite integral.

Mas e agora, meu deus? Como vou ter um iogurte maravilhosamente gordo se meu pobre leitinho brasuca é ralo feito água?

Reduzindo o leite e incorporando creme de leite antes de adicionar o iogurte. Gênio. Darina, eu te amo. Allex anda até pensando em misturar creme ao leite para fazer o cappuccino, mas isso é algo a ser experimentado. Algo me diz que pode talhar.

Uma vez que já estava tendo o "enorme trabalho" de aquecer o leite e deixá-lo esfriar, e ainda com o gosto na ponta da língua dos laticínios italianos, resolvi, enfim, testar a receita "trabalhosa" de iogurte.

Dê-se vinte minutos para mexer essa panela. Uma de fundo bem grosso, para o leite não queimar. Não desgrude os olhos, ou o leite sobe (e se subir, mande um f*da-se e continue a receita – acredite, aconteceu comigo). Use para começar qualquer iogurte natural integral que seja constituído apenas de leite e fermentos lácteos (no meu mercado, o da Batavo foi o escolhido). Fuja de qualquer goma ou amido. Em cinco horas você terá um iogurte de fazer chorar de tão bom. Separe todas as receitas que pedem por Greek Yogurt e faça a festa. Imagino um labneh feito com essa maravilha, como deve ficar. Esse é o iogurte que vai fazer seu filho para de botar açúcar no iogurte natural (memórias de infância...).

IOGURTE INTEGRAL DEFINITIVO
Tempo de preparo: 30 minutos + 5 horas de descanso
Rendimento: cerca de 6 xícaras

Ingredientes:
  • 2,5l de leite integral
  • 1 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 1 xic. iogurte integral natural (se usar o caseiro, tenha certeza de que está bem fresco, ou o resultado será viscoso)

Preparo:
  1. Coloque o leite numa panela grande de inox e de fundo bem grosso (panela larga é melhor, para facilitar a evaporação). Leve à fervura, abaixe o fogo para o mínimo e mexa o tempo todo com uma colher, mantendo a fevrura branda e deixando que o leite evapore até reduzir 1/3 do seu volume inicial. (Você terá cerca de 1,6litros na panela.)
  2. Desligue o fogo, derrame o leite numa tigela grande de cerâmica ou vidro e junte o creme de leite, mexendo até que esteja bem incorporado. Deixe esfriar até 46ºC ou até que você consiga manter seu dedo mergulhado no leite por no máximo 10 segundos. 
  3. Junte o iogurte e mexa bem para distribuí-lo. Cubra com um filme plástico, enrole a tigela numa toalha ou manta (ou coloque numa sacola térmica) e deixe por no mínimo 5 horas, ou durante a noite. 
  4. O iogurte terá uma camada firme e espessa por cima e uma camada mais cremosa por baixo, com um pouco de soro. Leve à geladeira e consuma em no máximo 10 dias. 
Obs: se você costuma colocar o iogurte em uma garrafa ou pote estreito, NÃO faça isso com esse iogurte. Use uma tigela e mantenha seu iogurte nela, pois ele é realmente espesso e você não conseguirá tirá-lo da garrafa. :P

Cozinhe isso também!

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