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segunda-feira, 23 de março de 2015

Uma sopa de quiabo e como eu reduzi minha conta de supermercado comendo melhor


á escrevi duzentas vezes ao longo desses anos o modo como organizava minhas compras, minha despensa, minha rotina na cozinha. Mas nada culminou tanto em uma melhora na minha alimentação e na minha conta bancária quanto meus hábitos mais recentes.

Como mencionei no post anterior, o ambiente me influenciou um bocado. Quando você tem acesso a frutas e legumes orgânicos de qualidade mas não tem a mesma sorte com laticínios e carnes, você começa a comprar mais de um do que do outro. De repente, o centro do seu prato vira o legume ao invés da proteína, de qualquer espécie. E para dar mais força a esses legumes, você se mune de grãos e cereais e castanhas e sementes, que servem de coadjuvantes para que o legume possa ter uma performance brilhante. O arroz, o feijão, a quinua, a cevada, viram veículo para transportar melhor o sabor dos legumes, ao invés de tratar o brócolis como acompanhamento do arroz. Inverti tudo.

Daí que, ao contrário de outras épocas em que tentei me alimentar mais de grãos integrais, mas deixei estragar sacos inteiros de cevadinha, parei de usar os grãos e farinhas integrais apenas em pratos especiais para isso e os incorporei de vez ao meu dia-a-dia. Comecei a tentar usar a maior quantidade de legumes por refeição e a maior quantidade de grãos e farinhas integrais por semana possíveis. E evitar usar a farinha branca como se a guardasse para uma ocasião especial – ou seja, o contrário.

E a comida no supermercado ficou tão cara, que parei de comprar enlatados e comecei a fazer tudo em casa. O tomate orgânico da feira de fato ficou o mesmo preço do italiano enlatado. Nunca mais comprei tomate em lata. Ou feijões. Iogurte é feito em casa. Queijo cottage é feito em casa. Pão é feito em casa, a não ser pelo ocarional pão francês, quando não deu tempo de fazer mais. Não compro sucos, mas também não faço. Fruta é pra comer de dentada, não pra beber. Quando é pra beber, vira vitamina, que é lanche ou café da manhã, e não acompanhamento pra mais comida. Suco, só limonada. Limonada rende e não estufa a barriga durante a refeição. De resto, só água. Ou chá. Feito em casa, com pouco ou nenhum açúcar. Chá gelado dá pra fazer de litro, e dura uma semana na geladeira. As crianças levam pra escola. De hibisco, de erva-doce, de chá-verde com laranja, preto com limão, de hortelã, de casca de abacaxi...

Comecei a ler livros sobre como as pessoas se alimentavam durante a guerra e tive vergonha de deixar comida estragar. Pirei com a possibilidade de usar mais dos alimentos do que eu usava. E comecei a usar cascas de vegetais e aparas para fazer caldo de legumes, comecei a congelar a água do cozimento de feijões e grãos e verduras para usar em sopas, ensopados, para cozinhar arroz, e assim economizar água da torneira e consumir mais sabores e nutrientes. Comecei a cozinhar com partes de alimentos que eu não sabia que podiam ser consumidos, como a casca da manga, da banana, talos de espinafre e de couve, folhas de cenoura, de beterraba, de nabo, de rabanete... Isso transforma a cenoura que você compra em dois ingredientes diferentes, e vai fazendo render suas refeições e cortando sua conta do mercado. Não precisa comprar espinafre quando as folhas de beterraba estão bonitas, por exemplo.

Ao mesmo tempo em que voltei a comer carne, me interessei pela cozinha vegan, macrobiótica, sem glúten, natureba em geral. E comecei a ver boas substituições e opções. E, ao invés de ir ao mercado comprar leite, comecei a suar as amêndoas que tinha em casa para fazer leite de amêndoas, e ao invés de comprar farinha de trigo, comecei a usar outras farinhas diferentes. Essa gama de opções em casa me fez ir menos ao supermercado. Indo menos ao supermercado para comprar um item que faltava, comprei menos por impulso daquilo de que minha despensa não precisava. De quebra, tornei minha comida ainda mais variada.

E, impulsionada pela condição árida da minha conta bancária de ilustradora no ano passado, quando, por conta da Copa do Mundo, quase nada de trabalho apareceu, comecei a passar uma semana por mês sem ir ao mercado ou à feira. Nesta uma semana sem compras, dou-me a missão de dar fim a tudo que permanece abandonado no freezer ou na despensa. Seja uma sopa de legumes esquecida, seja aqueles últimos 50g de macarrão de arroz que não dá nem pra uma porção, seja o vidrinho de pasta de trufas que minha irmã me trouxe de viagem e que estava fadado a ser guardado para uma ocasião especial até enfim estragar. Esse hábito diminui muito seu desperdício, pois você de fato faz a rapa no armário e na geladeira, estimula sua criatividade e evita que você compre itens supérfluos, duplicados, caros, desnecessários. Faz você olhar para aquele vidro de qualquer coisa em conserva que você comprou há quatro anos e julgava suuuuuper importante para a sua cozinha e descobrir que não, você nunca mais precisa comprar aquilo de novo. Faz você parar de ficar economizando ingrediente especial para uma ocasião especial pra convidados especiais, e começa a transformar o almoço de terça feira em algo especial por causa daquele ingrediente diferente. Mesmo que seja só pra você.

Certo dia, resolvi fazer as contas e descobri que andava gastando 30% menos em comida, apesar de comprar quase tudo orgânico e de qualidade. Quase caí sentada de espanto.

30% é muita coisa. Principalmente quando você lembra que alimenta duas bocas a mais.

A verdade é que cozinhar em casa é mais barato. E cozinhar legumes é mais barato. E cozinhar saudável é mais barato. A verdade é que você não precisa comprar um pacote de 20 reais de quinua pra comer bem. Arroz integral tá mais que bom e é mais em conta. Não precisa de queijo importado. Um cottage feito em casa sai o preço de um litro de leite. Infinitamente mais em conta do que a porcaria cheia de goma vendida em potes plásticos. E melhor pro seu corpinho lindo e da sua família.

De vez em quando me dou um presente. Saí e comprei um salame artesanal de porquinhos felizes. Bem mais caro que um da grande indústria. Mas bem mais gostoso. Bem melhor para meu corpinho, para o da minha família e, claro, para os porquinhos que viraram salame.

Continuo comprando macarrão de grano duro italiano. Mas faço menos macarrão.

Gasto uma fábula em cacau orgânico. Mas cozinho menos doces.

Dá trabalho? Bom, trabalhar para ganhar dinheiro também dá. Se é para ter trabalho, prefiro um que me dê saúde. Trabalhar mais para pagar por conveniências que te deixam, no fim, doente... hmmm... prefiro não. Ganho menos mas faço leite de coco em casa.

Houve gente no facebook que me perguntou sobre minha rotina de compras. Então lá vai: uma vez por mês, mais ou menos, dou uma abastecida nos grãos, leguminosas, castanhas e sementes. Se puder, já cozinho pacotes inteiros de feijões e congelo em porções de 500ml. Só me abasteço de novo quando realmente estou sem opções. Enquanto houver mais de duas variedades de grãos ou feijões, não compro mais nenhum. O objetivo é sempre limpar a despensa e o freezer. Acabo indo ao mercado para compras mais pontuais durante a semana, como para comprar leite, manteiga ou café, itens que não podem esperar eu acabar com a geladeira para sair para comprar. Mas tento não comprar mais nada além do item faltante, a não ser que seja uma promoção fenomenal, como quando encontrei bom chocolate orgânico por metade do preço de um belga. Mas minha regra é só ceder a essas promoções quando são itens que duram bastante. Vou à feira, na banca de orgânicos, uma vez por semana. E compro verduras e frutas e ervas para um batalhão. Quanto mais variedade, melhor. Lá também compro ovos. No mesmo dia já "processo" tudo o que dura mais assim: lavo e seco todas as ervas e verduras, já boto aparas no saco do caldo de legumes no freezer, asso beterrabas, separo folhas de espinafre dos talos (que, assim como as cenouras e outras raízes, duram mais sem as folhas), pelo e congelo tomates muito maduros.

E aí vai a dica: assim que tenho tudo organizado, faço uma lista de todos os itens frescos na cozinha (legumes, verduras, frutas, laticínios ou outros produtos que estragam rápido) e deixo na porta da geladeira. Isso me ajuda a visualizar melhor o que tenho para o almoço sem precisar abrir a geladeira e, de repente, esquecer a berinjela que ficou embaixo do alface. Também corro para o Eat Your Books, ou a internet, e tento encontrar alguns pratos que usem uma boa variedade daquilo que comprei, começando a procurar sempre pelos itens que estragam mais rápido ou que são mais especiais. Escolho alguns pratos para fazer durante a semana e anoto embaixo da lista de produtos na porta da geladeira. Assim, num dia mais atrapalhado, eu consigo em lembrar do que planejara cozinhar e consigo me manter organizada, preparar partes com antecedência, etc.

Quando fui à feira semana passada e vi os quiabos, pequenos e bonitos, lembrei do espinafre que estava na geladeira e precisava ser usado A.S.A.P. Imediatamente pensei na sopa que tomara na viagem a Trinidad e Tobago. Aproveitei que tinha de passar no mercado para comprar leite, e comprei também um coco seco para fazer leite de coco. Chegando em casa, apanhei o livro de cozinha Trini que comprara lá e descobri que a receita levava carne de porco e caranguejo e fiz o que mais tem me ajudado a economizar hoje em dia: adaptei com o que tinha em casa. Isso é novo para mim. Morei a vida toda a dez passos de bons mercados e, se faltasse um ingrediente super específico, frufru e caro, eu corria para comprar. Hoje, não mais. Se só faltou UM ingrediente para o almoço, e dá pra adaptar, eu NÃO SAIO para comprar. É o único momento da minha vida em que acho a preguiça um benefício.

Transformei a sopa num caldo vegan. Usei óleo de coco no lugar de manteiga, refoguei tudo (coisa que não se faz em cozinha africana normalmente, descobri, e a sopa original faz parte da origem africana em Trinidad), mudei proporções segundo o que eu tinha (mais quiabo do que espinafre), e o resultado foi uma sopa deliciosa, que Madame Bochechas repetiu e repetiu e repetiu (ela adora quiabo, e come inclusive cru). Meu Matador de Dragões gostou e queria comer mais, mas a pimenta que coloquei por engano era mais forte do que eu previa, e o pouco que ele conseguiu comer foi acompanhado de um grande copo de leite. O único que comeu mas não gostou foi o marido. Pudera, ele odeia quiabo. E essa é uma sopa para adoradores de quiabo. Sua textura tem uma ligeira viscosidade e seu sabor é um equilíbrio delicioso entre o quiabo, o espinafre e o coco. Pretendo fazê-la muitas vezes mais. Desta vez foi acompanhada de pão sueco caseiro. Outra coisa infinitamente mais barata de fazer em casa (e fácil). Pagar 9 reais em meia dúzia de lascas de pão sueco ninguém merece.


SOPA DE QUIABO E ESPINAFRE
Rendimento: 4 porções pequenas, como entrada ou para ter um acompanhamento

Ingredientes:

  • 1 colh. (sopa) óleo de coco
  • 1 cebola picada
  • 2 dentes de alho picados
  • 1/2 pimenta fresca, picada (com ou sem sementes, variedade à sua escolha)
  • 2-3 ramos de tomilho fresco, só as folhas
  • 250-300g de quiabo, cortado em rodelas, cabinhos descartados
  • 2 xícaras de folhas frescas e espinafre, apertadas na xícara para medir
  • 1 xic. leite de coco (de preferência caseiro)
  • 1 xic. água
  • sal e pimenta-do-reino a gosto
  • um punhado de cebolinha picada


Preparo:

  1. Aqueça o óleo de coco numa panela média, em fogo médio e junte o alho, a cebola, a pimenta e o tomilho. Misture bem e polvilhe uma pitada de sal. Refogue, mexendo às vezes, até a cebola murchar um pouco. 
  2. Junte o quiabo em rodelas e misture bem por um minuto ou dois, até que o quiabo esteja bem encoberto de tempero.'
  3. Junte o espinafre, misture uma ou duas vezes, e acrescente o leite de coco e a água. Misture, deixe levantar fervura, abaixe o fogo e tampe. Cozinhe por cerca de 15-20 minutos, até que o quiabo esteja bem macio e a sopa mais encorpada. 
  4. Junte metade da cebolinha e bata no liquidificador até que fique homogêneo. Volte à panela, acerte o tempero de sal e pimenta, aqueça novamente e sirva, quente, polvilhada com cebolinha.  

A receita do pão sueco vai de brinde, depois do povo pedir pelo facebook. As crianças adoraram levar de lanche na escola, pois é salgado e crocante. Perfeito com queijos e maçãs. Se seus filhos não estão acostumados aos sabores fortes de especiarias, omita ou diminua o cominho, que tem um gosto bastante assertivo nesse pão.

PÃO SUECO DE CENTEIO
(Quase nada adaptado do EXCELENTE Vegetarian Everyday, de David Frenkiel e Luise Vindahl, do blog Green Kitchen Stories)
Rendimento: 12 pães

Ingredientes: 

  • 1 xic. água morna
  • 2 colh. (chá) sal marinho
  • 3 colh. (chá) fermento ativo seco
  • 2 colh. (sopa) sementes de cominho
  • 1/2 xic. buttermilk (os autores dizem que pode-se usar kefir, mas usei soro do queijo cottage, e você pode juntar leite com uma colherinha de vinagre, ou afinar iogurte natural com água)
  • 1 2/3 xic. farinha integral de centeio
  • 1 1/2 xic. farinha integral de trigo (original era spelta, que não se encontra por aqui)
  • 1/4 xic. sementes de linhaça, esmagadas num pilão
  • 2 colh. (sopa) flor de sal ou qualquer sal de grânulos maiores


Preparo:

  1. Numa tigela média, coloque a água, o sal, o fermento, metade das sementes de cominho e misture. Junte o buttermilk. 
  2. Numa outra tigela, misture as farinhas. Junte metade delas à mistura líquida. Gradualmente junte mais das farinhas, misturando até que você consiga sovar. Dependendo da textura das suas farinhas, ou da umidade do ar no dia, talvez seja preciso colocar mais farinha de trigo integral. Acrescente bem aos poucos. A massa não pode grudar nas mãos, mas também não pode ficar seca como massa de macarrão. 
  3. Sove por alguns minutos dentro da tigela. Então divida em 12 bolinhas iguais, coloque numa superfície enfarinhada e cubra com um pano úmido. Deixe descansar por 1 hora.
  4. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Coloque uma das bolinhas numa folha de papel-manteiga e abra com um rolo, até virar um disco de 20cm. Os discos devem ficar BEM finos. Corte um circulozinho no dentro, para garantir que vai ficar crocante por igual (não jogue fora, você pode assar todos os circulozinhos no final, como biscoitinhos). Polvilhe com a linhaça moída, sementes de cominho e sal. Espete o disco com um garfo, por toda a superfície, e transfira para a assadeira. Repita com o restante. 
  5. Dependendo da assadeira, podem caber de 2-3 pães por vez. Asse cada assadeira por 8-10 minutos, até que estejam castanhos e crocantes. Fique de olho, pois queimam muito rápido
  6. Transfira para uma grade para que esfriem. Frios, guardados em pote hermético, duram meses. 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Borcht com Pirochki, para quem não vive sem legumes


As coisas andam tão corridas, que esse era para ser um post de Reveillon, veja só. Com resoluções e o caramba. Engraçado como um mês depois você já se dá conta de que resoluções não levam a nada e que o melhor é simplesmente viver sua vida da melhor forma possível e não encanar muito com as coisas. [Viu? Isso era uma das resoluções, tentar ser menos dura, e levar as coisas de um jeito mais leve – só pra dizer que essa resolução tem beirado o impossível de manter.]

E tive mesmo de não encanar muito nos últimos meses, pois fui absorvida pelo trabalho durante as férias escolares, com direito a duas viagens internacionais que soaram bem mais interessantes do que foram de fato. Precisei de muita a ajuda de marido, mãe e sogra, para poder dar conta de tudo e basicamente qualquer atividade que eu tivesse planejado para janeiro (que era para ser minhas férias) teve que ser cancelada.

Agora o trabalho está um pouco mais tranquilo e as crianças voltaram para a escola, e estamos todos ainda nos adaptando à nova rotina, agora que a pequena Madame Bochechas também tem aulas. Consigo trabalhar a manhã toda, e um pouco mais à tarde, porque os dois cochilam após o almoço. (Aleluia!)

E tenho mais tempo para pensar melhor as refeições do meio da semana e até mesmo para voltar a fazer pão com regularidade.

E se as viagens a Trinidad não foram aquela coisa maravilhosa de dias no Caribe que as pessoas esperavam quando eu contava do trabalho, valeu para poder organizar a cabeça de novo e me dar conta de coisas nas quais não havia ainda prestado atenção.

Após uma reunião de três horas, o cliente pediu almoço para a equipe na sala de conferência antes da reunião seguinte... de três horas. Sempre que pediam comida no escritório a mistura era mais ou menos a mesma: algo indiano, algo chinês, algo com sotaque africano. Sempre um peixe ou uma carne com um molho doce e bem apimentado, algum curry, algum arroz ou macarrão chinês com legumes.

Muito gostoso. Comi bem todos os dias.

Mas não foi assim com todos nós. A equipe era chamada de "Nações Unidas", porque era composta de uma brasileira (eu), uma norueguesa, um romeno, um guatemalteco, um peruano e um chinês. O guatemalteco, logo notei, nunca comia nada. Naquele dia, havia um pãozinho indiano simples e delicioso, para ser comido junto com um curry que quase me fez lamber o prato. O rapaz comia apenas o pão.

O peruano lhe perguntou a respeito de sua dificuldade com a comida local.

"Não gosto de comida apimentada. Ou com muitos temperos. Não consigo comer."
"A comida na Guatemala não é apimentada?", perguntei.
"Não, é bem neutra de temperos, na verdade."

Pela localização geográfica, presumi que fosse muito quente na Guatemala, e que por isso, lá também, como todos os locais quentes, muita pimenta fosse usada. Mas não, a Guatemala é a "terra da primavera eterna", ele me explicou. E a comida reflete o clima ameno.

"Mas o que seria o básico da comida de lá? Do que você sente falta?", perguntou o peruano.
"Ah... feijão. Eu preciso de feijão. Se não tem feijão no meu prato, não é uma refeição", disse ele.
"Feijão? Hum... Para mim é arroz. Acho muito estranho não ter arroz. Fica faltando alguma coisa, não satisfaz", disse o peruano. "E você, Ana?"

Pensei um pouco.

"Como brasileira, acho que seria a combinação dos dois. No Brasil, pelo menos no sudeste, acho que arroz e feijão juntos são muito importantes."

Eles pareceram satisfeitos com essa resposta, mas eu, não. Continuei a comer meu curry de vagens, chuchando o pãozinho no molho cremoso e apimentado, e matutando no assunto. O que torna minha refeição uma refeição de fato? O que não pode faltar no meu prato? Do que mais sinto falta quando estou fora da minha casa?

Carne? Não, não preciso de nenhuma.
Arroz? Neh.
Feijão? Neh.
Queijo? Nem isso.

A resposta me surpreendeu um bocado e me encheu de satisfação ao mesmo tempo: verduras. Preciso de verduras e legumes no meu prato. Sempre. Nem que seja apenas uma folha de alface num sanduíche de queijo. Um pouco de couve para acompanhar o arroz com feijão.

Uma vez fiz uma frittata de mortadela da Nigella, que, apesar de deliciosa, causou-me muita estranheza: depois de uma vida fazendo frittata de legumes e verduras, ver proteína com proteína daquele jeito me pareceu pesado e redundante, e senti falta de algo bem verde e leve para suavizar a refeição. Posso comer um prato inteirinho de verduras e legumes, e para mim é almoço completo. Mas um prato sem eles parece tragicamente abandonado no meio do caminho.

Essa constatação me deixou muito feliz comigo mesma. Como disse a meu marido outro dia, parece que hoje, mesmo comendo carne eventualmente, eu poderia ser uma vegetariana melhor do que jamais fui. Consegui chegar num ponto em que realmente estou satisfeita com a minha alimentação. Meu prato me faz levantar da mesa leve e cheia de energia.

E fico contente vendo os pimpolhos seguindo o mesmo caminho.

Depois de pastar um bocado com o Matador de Dragões nos seus Terríveis Dois Anos, quando ele não queria provar nada verde e empurrava o prato para longe, e berrava e não comia e me deixava louca, finalmente posso simplesmente preparar o almoço com a maior quantidade de legumes e verduras possíveis, e não ficar muito encanada se aquilo será aceito ou não pelas crianças.

Porque mesmo que sem entusiasmo, eles pelo menos provam. Um influenciado pelo outro. Madame Bochechas passou voando pela fase do "não quero-não gosto", já que quer imitar o irmão, e se o irmão está comendo quiabo, então ela vai comer quiabo também. Ou Laura recebe palmas por comer toda a couve, e o ciúmes faz com que Thomas leve um garfo cheio de couve à boca, pedindo palmas também.

Às vezes tenho que me refrear e não ficar tão encanada com o fato de eles comerem tudo do prato ou não. E simplesmente fazer festa por terem provado algo novo. As broncas acontecem mais quando a brincadeira é tanta à mesa, que cotovelos batem em garfos e comida sai voando pelos ares. Ou quando Laura resolve colocar comida atrás da orelha.

Mas de vez em quando eles me surpreendem. Muito. Como quando você coloca à frente deles uma tigela de Borcht e pasteizinhos de repolho e eles comem sem titubear, sem pedir ajuda, viram as tigelinhas na boca e pedem mais, chucham os pasteizinhos no caldo púrpura brilhante, perguntam o que são as sementinhas ali dentro (alcaravia), repetem os nomes como conseguem e se esbaldam, quase não deixando nada para papai e mamãe.  

Penso de novo nisso de "cardápio infantil" ou "paladar infantil" e acho tudo uma grande bobagem. Vejo os dois tomando sopa de beterraba com repolho e comendo frutas de sobremesa e fico contente, acreditanto que eles também vão sempre buscar colocar uma folhinha de alface dentro de seus sanduíches de queijo. E que, principalmente, no dia em que estiverem na Tailândia, ou no Japão, ou na França, ou na Alemanha, ou em qualquer lugar do mundo, ou mesmo na casa de um amigo, nunca vão passar fome ou recusar comida de um anfitrião generoso. E essa perspectiva me deixa muito feliz.

Esse Borcht é vegetariano, olhe só. Eu sempre achei que Borcht levasse uma tonelada de carne. Só que não. Pelo menos essa versão. Essa sopa é mais saborosa e mais leve do que parece. Em temperatura ambiente, foi refeição em dias de calor brutal. O certo é colocar creme azedo por cima, mas uma colherada generosa de iogurte firme também serve. E não deixe de fazer os pasteizinhos, que são fáceis e deliciosos. E tanto a sopa quanto os pastéis congelam maravilhosamente bem. Foi minha saída, pois só no meio do preparo dei-me conta de que fazia Borcht e Pirochki para DEZ PESSOAS. o_O

BORCHT com PIROCHKI (vegetariano)
(do livro Culinária Ilustrada Passo a Passo, Legumes e Verduras, da PubliFolha)
Rendimento: 8-10 porções

Ingredientes:
(Borcht)

  • 1 repolho de 1,5kg, cortado em quartos e fatiado bem fino
  • 2 cenouras médias, picadas
  • 3 cebolas médias, picadas
  • um punhado de endro, picado
  • um punhado de salsinha, picada
  • 750g tomates, pelados e picados grosseiramente
  • 6 beterrabas médias, cozidas (ou assadas), descascadas e raladas grosso
  • 60g manteiga
  • 2 litros de caldo de galinha ou água
  • 1 colh. (chá) açúcar
  • suco de 1 limão
  • 2-3 colh. (sopa) vinagre de vinho tinto
  • 125ml creme azedo (sour cream), para servir

(Pirochki)

  • 60g queijo minas
  • 2 colh.(chá) sementes de alcaravia (kümmel)
  • 175g farinha de trigo
  • 1 ovo
  • 60g manteiga sem sal, amolecida
  • 2 colh. (sopa) creme de leite
  • 1 ovo para pincelar


Preparo:

  1. Depois de picado o repolho, reserve 1/2 xic. de chá para rechear os pirochki.
  2. Para a massa dos pastéis, coloque a farinha numa tigela com a manteiga, o ovo e o creme de leite, 1/2 colh (chá) de sal e misture com a ponta dos dedos, juntando a farinha aos outros ingredientes aos poucos, até obter uma farofa grossa. Forme uma bola.
  3. Polvilhe uma superfície com farinha e sove a massa sobre ela por 1-2 minutos, até ficar bem lisa e soltar da superfície e dos dedos. 
  4. Embrulhe bem a massa em filme plástico e deixe na geladeira por 30 minutos. 
  5. Enquanto isso, faça a sopa. Derreta a manteiga em uma panela BEM GRANDE. Acrescente a cenoura e a cebola e cozinhe, mexendo, por uns 5 minutos, em fogo baixo, até os legumes fiquem macios, sem dourar. Retire 1/4 dos legumes passados na manteiga para o recheio dos pirochki.
  6. Junte à panela o repolho, a beterraba, o tomate, o caldo (ou água), açúcar, sal e pimenta a gosto e deixe abrir fervura.
  7. Abaixe o fogo e cozinhe por 45-60 minutos. Prove, corrija o tempero, se necessário, e adicione mais caldo ou água se a sopa estiver muito grossa (dependendo da panela, pode secar muito rápido, então fique de olho!). Desligue o fogo e reserve enquanto prepara os pirochki. Na hora de servir, junte as ervas picadas, o suco de limão e o vinagre e acerte o tempero. 
  8. Para o recheio dos pirochki, coloque o repolho reservado em uma tigela, cubra com água fervente e deixe ficar 2 minutos. Escorra, passe por água fria e escorra de novo, espremendo bem com as mãos. Pique finamente.
  9. Misture o repolho picado, o queijo, as sementes de alcaravia e as cenouras e cebolas refogadas. Tempere com sal e pimenta. 
  10. Polvilhe uma superfície com farinha e abra a massa com rolo até 3mm de espessura. Recorte discos de massa com um cortador ou um copo de borda fina. Deve render de 25-30 discos, mais ou menos. 
  11. Use uma colher de chá para colocar o recheio no centro dos pastéis. Pincele as bordas com um ovo batido com 1/2 colh. (chá) de sal. Feche bem os pasteizinhos em forma de meias-luas e coloque em uma assadeira. Pincele-os com o ovo batido. Leve à geladeira por 15 minutos.
  12. Aqueça o forno a 200ºC. Quando o forno estiver quente, asse os pastéis por 15-18 minutos, ou até que dourem. 
  13. Sirva os pastéis ao lado do borcht quente ou em temperatura ambiente, com uma colherada de creme azedo por cima. 






quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Um "ratatouille" italiano com coucous marroquino de ervas para um novo jeito de me complicar


Existe sempre um jeito de estragar o que está funcionando. Certo?

No meu caso, a rotina que funcionava bem, de colocar Madame Bochechas para dormir às 9h da manhã (lembrando que ela acorda às 6h e se acaba de brincar) para poder trabalhar, foi atropelada pela decisão de transformar o berço da pequena em mini-cama no fim de semana. Pois, afinal, fizemos o mesmo com Thomas por volta dessa idade, e ela já vinha pedindo por isso.

Foi felicidade total ver a mini-cama montada, e, assim como o irmão, na primeira noite ela foi dormir sozinha, sem nem precisar mandar.

"Olha só", disse meu marido, orgulhoso. "Ela não vai dar trabalho nenhum. Até a soneca da tarde ela foi tirar sozinha."
"Você não lembra de como foi com o Thomas, né? Ele fez a mesma coisa, e na noite seguinte já não queria mais ir pra cama."
"Ah, não, mas ela não vai ser assim, porque ela vê o irmão, tem o exemplo do mais velho."
"Tô te falando..."

Deveria ter apostado dinheiro. ¬_¬

Dia seguinte, coloco a mocinha na cama para o cochilo da manhã. Eu com três aquarelas atrasadas para entregar, emails de cliente para resolver e um projeto pessoal pro dia 8 de novembro que eu nem comecei a esboçar. Ela esperneia e sai da cama. Eu boto na cama de novo. Ela esperneia e sai. Eu boto. Ela sai. E assim sucessivamente até que já era tão tarde, quase na hora de buscar o Thomas na escola, e eu já estava tão cansada, que desisti e não consegui fazer nada a não ser resolver três emails enquanto ela brincava no quarto.

À noite, mesma coisa. Bota na cama, sai. Bota na cama, sai. O que parecia uma infinidade de vezes, mas que eu contei e foram 23, até ela enfim cansar e dormir.

Sempre em mente todos os milhares de episódios da Super Nanny que eu vi antes de ter filhos. Fofa e carinhosa pedindo pra ir pra cama. Só carinhosa botando na cama. Botando na cama sem falar nada. Eventualmente eu só me colocava à sua frente de braços cruzados e ela voltava para a cama, vencida por alguns 15 segundos, até eu dar as costas e ela achar que estava livre novamente.

Exercício de paciência infinita.

Rotina simples complicada por uma decisão simples e inevitável. Porque criança é assim mesmo. Tudo bem até incorporar uma nova variável na equação. Aí... fué. Dá-lhe se adaptar tudo de novo. E de novo. E outra vez. Ad infinitum.

Aí você tem aquela pilha de legumes na gaveta. Resolve que quer um cozido de todos eles, abobrinha, berinjela e tomates. Mas não quer tudo maçarocado com gosto de coisa nenhuma. Quer textura, e quer sentir o gosto de tudo individualmente. Aí você pega algo simples e complica. Mas há complicações que valem a pena.

Aprendi com o livro de Suzanne Goin, um que usava loucamente antes de ter filhos, que às vezes é bom cozinhar os elementos separadamente e juntá-los depois. Você respeita o tempo de cozimento de cada um e eles mantém sua textura e sabor individuais mesmo misturados. Pensei primeiro num ratatouille, mas quis usar manjericão no lugar do tomilho. Engraçado isso de perfil de sabor, como são exatamente os mesmos ingredientes e mesmo processo: com tomilho é francês, com manjericão, italiano. Depois que o cozido estava pronto, descobri, num livro da Rachel Khoo recentemente comprado (parte da leva de aniversário), que se você mistura as fatias desses legumes artisticamente numa travessa e assa tudo de uma vez, é tian de legumes; se você cozinha todos separadamente e junta tudo no final, num cozido, é ratatouille. Eu achando que ratatouille se cozinhava tudo junto e descubro que antes de mim os franceses já complicavam as coisas.

Para absorver o caldinho do cozido, preparei um couscous marroquino. Mas queria que ele tivesse alguma personalidade também, então juntei a ele ervas e castanhas, para textura. O conjunto da obra fez sucesso, especialmente com Madame Bochechas, que bem sabe quando convém complicar minha vida ou deixar mamãe feliz.

RATATOUILLE ITALIANO COM COUSCOUS MARROQUINO DE ERVAS
Rendimento: 4 porções adultas

Ingredientes:

  • azeite
  • 1 cebola grande, picada
  • 3 dentes de alho, picados
  • 2 abobrinhas grandes ou 4 bem pequenas
  • 2 berinjelas grandes ou 4 bem pequenas
  • 4 tomates grandes, pelados (ou 1 lata de tomates pelados)
  • 1 punhado de salsinha, talos separados das folhas e reservados
  • 1 punhado generoso de folhas de manjericão
  • 1 1/2 xic. couscous marroquino
  • 1/3 xic. castanha de caju torrada, picada
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Corte a berinjela em cubos de cerca de 2cm, com a casca. Coloque em um escorredor, polvilhe com sal e deixe sorar por meia hora. Enquanto isso, corte a abobrinha em quartos no sentido do comprimento e então em triângulos de 1cm de espessura. Se estiver usando abobrinhas menores, corte apenas ao meio e então meias-luas. Pique os talos da salsinha bem miudinho para usar no cozido. Pique os tomates (se estiverem na lata, pode apenas cortá-los com uma tesoura, sem precisar retirar da lata). Quando terminada a meia hora, passe a berinjela sob um pouco de água corrente para retirar o excesso de sal e esprema bem entre os dedos. 
  2. Numa frigideira grande,  aqueça um fio de azeite e 1/3 do alho picado. Junte a abobrinha antes do alho dourar, tempere com sal e pimenta e cozinhe em fogo médio-alto, mexendo de vez em quando, até que a abobrinha esteja dourada e macia. Retire da frigideira e reserve em uma tigela.
  3. Na mesma frigideira, coloque um pouco mais de azeite (umas três colheres) e junte a berinjela e mais 1/3 do alho. Tempere com pimenta e pouco sal (experimente para ver se a berinjela já não estava salgada o bastante) e cozinhe em fogo médio-alto, mexendo com certa frequência, até dourar e ficar macia. Coloque na tigela junto com a abobrinha.
  4. Ainda na mesma frigideira, aqueça mais um fiozinho de azeite e junte a cebola e o restante do alho. Cozinhe em fogo BAIXO, mexendo de vez em quando, para que a cebola e o alho amaciem bem devagar, cerca de 10 minutos.
  5. Quando começarem a dourar, junte os talos de salsinha e o tomate picado. Misture bem, cozinhe por dois minutos, e então junte os legumes reservados e 1/2 xic. água. Leve à fervura, então abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 10 minutos, ou até que o caldo engrosse um pouco. Corrija o sal e pimenta. Rasgue metade das folhas de manjericão e junte ao cozido. Desligue o fogo.
  6. Coloque o couscous numa tigela resistente ao calor. Ferva 1 1/2 xic. de água. e derrame sobre o couscous. Tampe com um prato e deixe descansar 5 minutos.
  7. Pique a salsinha e o restante do manjericão e junte numa tigelinha com as castanhas, sal, pimenta e 2 colh. (sopa) azeite. Junte ao couscous já inflado, misturando com um garfo para não empelotar. Corrija o sal e a pimenta. 
  8. Sirva o cozido sobre o couscous, com mais um generoso fio de azeite por cima. 






quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Panquecas de casca de abóbora à indiana e o fim do macarrão de fim de semana. Por enquanto.


Aquele meu plano lindo de preparar macarrão caseiro todo fim de semana enfim foi por água abaixo. Bocas para comer não faltam. Mas também não faltam mãos arrancando pedaços de massa, criança muito nenê querendo mexer no fogão, criança mais velha querendo girar manivela da máquina ao contrário, cachorro correndo em volta, massa caindo no chão, criança escorregando em farinha, manivela caindo no pé, massa grudando porque criança apertou o botão de zerar a balança enquanto você media a farinha...

Enfim.

Atingi meu limite.

Foi o ravioli de cebola e beterraba, que demorou tanto tempo – tantas interrupções – para ficar pronto, que a massa secou e não grudava mais, e me distraí e não abri a massa tão fina, e o que deveriam ser 150 ravioli (que eu pretendia congelar) produziu 1/3 disso e um resto de recheio que teve de virar torta. Fiquei estressada, o almoço saiu tarde e as crianças, com sono, não comeram nada.

A gota d'água foi no último fim de semana, quando descongelei o purê de casca de abóbora para o que prometia ser uma massa simples e saborosa.

Ha.

Ha.

Ha.

A massa era do livro da Lisa Casali, que eu adoro, e pedia um certo peso de casca de abóbora, que então deveria ser cozida em panela de pressão e transformada em purê. Claro que não verifiquei isso quando vi, na abertura do capítulo, a indicação de como aproveitar a casca; e transformei tudo em purê sem verificar antes qual era o peso da casca crua.

Na hora de preparar a massa, fiquei perdida quanto à quantidade de purê em relação à farinha. Não farinha comum. Farinha de farro. Trazida de presente "lá das Europa". Farinha que eu estava guardando para usar em algo especial. Algo como uma massa caseira.

¬_¬ Vai vendo.

Fui incorporando o purê, incorporando o purê, parecia muito seco, botei mais, mas a farinha não é branca, absorve purê diferente... ficou macia como massa de pão. Mas lisa, linda, e achei que daria certo daquele jeito, pois o tempo estava muito seco, a massa acabaria perdendo umidade, e fiquei com receio de gastar mais da farinha de farro. Deixei descansando e fui preparar o pesto de nozes.

Vi num programa chamado A Mind of A Chef, uma chef de cozinha mostrando como colocava os garçons para arrancar a pelinha fina das nozes, o que teoricamente tornava o pesto muito mais suave e homogêneo e simplesmente melhor.

Lá vai ela.

Meia hora. Ou foram quarenta minutos? Muito tempo descascando aquelas nozes. A faquinha não dava jeito e foi tudo na unha, e terminei as nozes com dores nas pontas dos dedos que não sentia desde a infância, quando meus pais me colocavam para debulhar milho de pipoca na chácara.

Na hora de abrir, a massa grudou nos rolos da máquina. Fui incorporando mais farinha comum, até dar um ponto mais seco. Mesmo assim, mesmo com muita farinha... o negócio não ia lá muito bem.
Cortei mal cortado, com a criançada correndo em volta já com sono e eu querendo terminar aquilo logo.

Cozinhei. E em dois segundos a massa passou de crua para passada. No prato, não tinha textura. O molho ficou muito pesado para aquela massa tão molenga. As crianças estavam com sono e não comeram nada. Quando fui guardar o que sobrara na panela, pensando em transformar em frittata ou um gratinado, vi que a massa, tão mole, virara um grude, quase um purê ali na panela quente.

Joguei tudo no lixo, tive um pequeno faniquito e fui tirar um cochilo para esfriar a cabeça.

Quando, no dia seguinte, abri a geladeira e dei de cara com o resto do purê de casca de abóbora, ele ria para mim. DE mim, na verdade. E quis jogá-lo no lixo. Aquela raiva que dá quando a gente joga um monte de coisa boa fora na tentativa de economizar duas colheres de um resto de alguma meleca. Mas me recompus. Não deixaria que aquilo me indispusesse com o purê de casca, que era uma ideia tão boa, afinal.  

Pensei nos crepes de beterraba. Eles nunca me decepcionam. E fui por esse caminho. Massa de crepe é bem mais simples de adaptar e consertar. Bota mais farinha, bota mais leite. Tudo certo.

Os crepes ficaram ótimos. No dia seguinte cozinhei uma porção de feijões moyashi secos, refoguei-os com especiarias e recheei as panquequinhas, para serem servidas com raita de pepinos, para amansar um pouco a pimenta do garam-masala.

E foi a redenção do purê de casca de abóbora. Pimpolhada adorou o crepe e a raita... o recheio ficou pela metade, como quase sempre acontece com feijões em geral. Sem problemas, pois raspei seus pratos mais do que feliz de poder comer mais um pouquinho. ;) Nham.

PANQUECAS DE CASCA DE ABÓBORA E FEIJÕES MOYASHI
Rendimento: 8-10 panquecas grandes, dependendo da espessura das panquecas

Ingredientes:
(panqueca)

  • 1/2 xic. purê de casca de abóbora*
  • 1/2 xic. farinha de trigo branca
  • 1/2 xic. farinha de quinua
  • 1 ovo
  • 1 1/2 xic. de leite (ou até dar o ponto de massa fina de crepe)
  • 1 pitada de sal
  • manteiga para untar a frigideira
(recheio)

  • 2 xic. feijão moyashi (mung beans) cozido (ou 2/3 xic. feijões crus, deixados de molho e cozidos em água e sal por 40 minutos, ou até cozidos, mas sem desmancharem)
  • 1 colh. (sopa) óleo vegetal
  • 1 dente de alho picado
  • 1 cebola pequena, picada
  • uma rodela de 2cm de altura de gengibre fresco, descascado e picado
  • uma rodela de 2cm de altura de cúrcuma fresca, ralada (ou 1/2 colh. (chá) de cúrcuma em pó)
  • 1/2 colh. (chá) garam masala (ou a gosto, dependendo da potência)
  • 1/4 colh. (chá) sementes de coentro, amassadas um pouco no pilão
  • 1/4 colh. (chá) sementes de cominho, amassadas um pouco no pilão
  • 1 tomate picadinho
  • 1 xic. queijo-de-minas ou outro queijo fresco de vaca cortado em cubinhos

* Para preparar o purê, coloque a casca da abóbora cortada em pedaços grandes na panela de pressão com água o bastante apenas para cobrir e cozinhe por 15 minutos a partir do apito (ou no timmer da panela de pressão elétrica). Escorra a casca e transforme em purê com um passa-verdura. Reserve o líquido do cozimento para uma sopa ou caldo de legumes.

Preparo:

  1. Bata todos os ingredientes da panqueca no liquidificador, acrescentando o leite aos poucos até obter uma massa com consistência de creme de leite ralo, bem líquido. Deixe descansar pelo menos meia hora antes de preparar os crepes.
  2. Unte uma frigideira grande com manteiga e leve ao fogo médio-alto até ficar bem quente. Fora do fogo, despeje cerca de 1/3 xic. de massa no centro da frigideira, girando-a para que a massa escorra e cubra todo o fundo da panela. Volte ao fogo e cozinhe até que a panqueca pareça seca, principalmente nas bordas. Vire-a com a ajuda de uma espátula de silicone (dessas de raspar tigela de bolo: a panqueca não rasga como quando virada com espátula de metal)) e um dedo. Cozinhe até que doure um pouco também desse lado e retire da frigideira, repetindo o processo com o resto da massa. (Para que os crepes não fiquem empapados depois de prontos, deixe uma grade e um prato ao seu lado: o crepe sai da frigideira e vai para grade, para esfriar rápido. Quando outro crepe ficar pronto na panela, o da grade vai para o prato e o novo crepe, para a grade. Assim os crepes são empilhados já frios e não encharcam no próprio vapor.) Os crepes prontos e frios podem ser embalados em filme plástico e deixados por uns dois dias na geladeira, para serem então recheados e reaquecidos.
  3. Na mesma frigideira grande, aqueça o óleo vegetal. Junte alho, cebola, gengibre e cúrcuma, com uma pitada de sal, e cozinhe em fogo alto, mexendo de vez em quando, até amaciar.
  4. Junte o garam masala, coentro e cominho, abaixe um pouco o fogo e cozinhe por alguns minutos, mexendo sempre, até que a cebola doure e esteja recoberta por uma pasta marrom. 
  5. Junte o feijão cozido, o tomate e 1/2 xic. de água ou água de cozimento do feijão e cozinhe, amassando um pouco uma parte do feijão com as costas da colher, até que a água tenha praticamente evaporado. Prove e corrija o tempero. 
  6. Distribua o recheio e os cubinhos de queijo entre as panquecas. Enrole-as e coloque-as numa travessa untada. Leve ao forno a 180ºC apenas para aquecê-las (cerca de 10 minutos). Sirva com iogurte ou raita de pepinos. (Para a raita, basta fatiar bem fino um pepino japonês, salgar e deixar meia hora numa peneira. Esprema, junte a iogurte integral natural, cebolinhas picadas e coentro se quiser.)




segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Risotto cor de rosa, de folha de beterraba


Eu já andava morrendo de vontade de fazer risotto. Principalmente porque os dois pimpolhos adoram e comem mesmo quando ele é completamente verde e cheio de legumes dentro. E porque adoro usar as sobras para arancini, apesar de, hoje em dia, nunca sobrar risotto (1 xícara de arroz arbóreo produz jantar o bastante para dois adultos e duas crianças).

Daí que, no usual "dia de processamento" da feira, já assara meia dúzia de beterrabas, e andava com risotto de beterraba na cabeça. Depois de ver a Rita Lobo preparando também (de um jeito que achei mais trabalhoso, mas que também deve ficar bom), aí não deu jeito. Eu PRECISAVA de risotto de beterraba no fim de semana.

Só que...

Quando abri a geladeira para apanhar as beterrabas, bati os olhos na tigela com suas folhas. Lindas, verde-esmeralda, com talos de rubi.

E mudei de ideia. Pois não queria deixá-las murcharem, e as beterrabas já cozidas, assim na geladeira, se conservam por mais tempo do que as folhas cruas no gavetão.

Lembrei-me de uma massa que adoro, da Alice Waters, e resolvi usá-la de inspiração para o risotto. E decidi que não queria que os verdes das folhas interferissem na cor do risotto. Imaginei o quanto os talos vermelhos tingiriam o arroz, se nada ou se como as beterrabas, e por isso usei-os separadamente.

Enquanto mexia o risotto, senti um delicioso conforto no peito ao ver os talos tingindo gradualmente os grãos. Já perto do fim do cozimento, aquele rosa antigo e elegante me trouxe lembranças estranhas. Talvez porque eu já andasse pensando em alguns pratos bonitos que meus pais têm guardados, presentes de casamento que nunca usam, e que eu estava com intenções de surrupiar para minha casa... talvez por isso aquele risotto tenha me lembrado... um vaso. Dois, aliás.


O primeiro, um vaso rosa como o risotto, de formas angulosas, numa mistura de partes de um rosa leitoso e outras brilhantes e translúcidas, que minha avó materna tinha em casa e que eu sempre achei... hmmm... meio... feio. Minha mãe adorava o tal vaso, e eu nunca entendi  muito bem por quê.

O segundo, um vaso verde fluorescente, em forma de taça de campeonato, cravejado de bolinhas, que meus pais ganharam de presente de casamento sabe-se lá de quem. Eles sabem. Eu não me lembro. O caso é que o tal do vaso é uma ode à feiura. Por muitos anos tentei convencer meus pais a usá-lo de alguma forma, e a gente tentava por planta dentro, e a gente tentava por num canto e no outro, e no fim ele ficou trancafiado durante as últimas três décadas no armário da sala, e todas as vezes que meus pais resolvem fazer uma limpeza nas tralhas, eu me pergunto por que diabos aquilo ainda está lá.

Ambos os vasos, diziam, eram de Murano. O cor-de-rosa era até mais "usável". Dependendo da sua sala, fica ok. O verde, meu deus, era de imaginar o que se passara na cabeça do cara que soprou aquele vidro.

Lembro-me de quando fui a Murano, única vez, com a intenção de substituir o vaso verde feio da minha mãe por outro mais bonito. Claro, caí pra trás com os preços de tudo aquilo que eu achava bonito, e com o fato de que meu pobre dinheirinho só podia comprar outro vaso verde-feio para minha mãe. Ahn... deixa pra lá.

Talvez seja mais fácil produzir um risotto verde-vaso-feio-de-mãe, da mesma forma como eu fizera um risotto rosa-vaso-feio-de-vó.

O risotto é com certeza mais bonito. E mais gostoso. Os talos das folhas dão uma suave doçura ao risotto, reforçada pelo salsão da base e pelas frutas secas, e contrastam com o ligeiro amargor das folhas refogadas em alho. Apenas um pouco de hortelã fresca para refrescar.

Enquanto via a pimpolhada comer com gosto, fiquei matutando. Estou quase pensando em pegar o tal vaso verde pra mim, porque ele é tão esquisito, que é capaz de gerar assunto se você deixá-lo assim, em cima da mesa, como se fosse coisa bonita. ;)

RISOTTO DE FOLHAS DE BETERRABA
Rendimento: 4 porções pequenas ou como primo piatto

Ingredientes:

  • 1 maço de folhas de beterrabas, com os talos
  • 1 dente de alho, picado
  • azeite de oliva
  • 1 cebola, picada
  • 1 talo pequeno de salsão, picado
  • 1 xic. arroz arbóreo
  • 1/2 xic. vinho branco
  • 1 litro de caldo de legumes caseiro
  • 1/4 xic. uvas passas ou cranberries
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado 
  • 1 colh. (sopa) cheia de manteiga
  • algumas folhas de hortelã ou menta fresca, em tirinhas finas
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora


Preparo:



  1. Separe os talos vermelhos das folhas verdes. Pique os talos em pedacinhos pequenos e reserve. Corte as folhas em tirinhas finas, como couve. 
  2. Aqueça um fio de azeite em uma frigideira grande e junte o alho picado. Quando começar a perfumar, junte as folhas de beterraba, uma pitada de sal, e refogue em fogo médio até que murchem bem. Desligue o fogo e ajuste o tempero. Reserve.
  3. Aqueça o caldo até a fervura branda. Separe algumas colheres do caldo numa tigelinha e coloque ali as passas ou cranberries, para reidratarem. Reserve.
  4. Numa panela grande, aqueça mais um fio de azeite e junte a cebola e o salsão. Refogue em fogo até que amaciem bem, sem deixar dourar. Aumente o fogo, junte os talos de beterraba picados e o arroz e misture bem,  até que os grãos de arroz estejam ligeiramente translúcidos.
  5. Junte o vinho, mexendo bem, deixando evaporar.
  6. Junte duas conchas de caldo, mexa constantemente, em fogo baixo, até que o líquido reduza pela metade. Junte mais duas conchas e repita o processo até que o arroz esteja cozido (experimente, e se, ao morder, grudar no seu dente, ainda está cru; se estiver macio mas ainda resistente, está no ponto). Caso o caldo acabe durante o cozimento, use água quente. Se sobrar, não tem problema, use para outro prato.
  7. Quando o arroz estiver cozido, junte o parmesão, a manteiga, a hortelã e as passas, e misture bem. Acerte o tempero. Se o risotto estiver muito firme, acrescente mais uma concha de caldo para soltá-lo um pouco, pois ao descansar ele continua absorvendo líquido. Desligue o fogo, tampe e deixe descansar por 5 minutos.
  8. Enquanto isso, dê uma aquecidinha nas folhas de beterraba. Sirva o risotto com as folhas refogadas por cima e um pouquinho de parmesão, se quiser.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Uma refeição natureba. Eh, quer dizer... italiana.


Daí que o marido andava meio ressabiado com isso de feijão azuki no café da manhã e qualquer coisa sem glúten, sem lactose, com inhame e painço no jantar. Ainda que eu estivesse me divertindo horrores com os experimentos mega-naturebas, achei que, ok, talvez estivesse abusando da boa vontade do restante da família, que não cozinha e portanto não escolhe. ;)

Calhou de eu ter sido altamente influenciada pelos vídeos recomendados pelo leitor querido Edu Piloni, e quando vi, estava passando minhas noites assistindo a séries e documentários sobre a culinária italiana, com todos, TODOS, os meus livros de cozinha italiana no colo, folheando, relendo, planejando cardápios que eu não preparava havia tempos ou que eu nunca preparara por conta do pseudo-vegetarianismo.

Sou tão influenciável na cozinha, que chega ao ridículo de ter visto a Rita Lobo preparando molho à bolonhesa, e agora acordo e vou dormir pensando nisso, e estou só esperando uma boa oportunidade para preparar o que será o meu primeiro ragù alla bolognese EVER. (O que me surpreende muito, quando paro pra pensar, mas eu já era pseudo-vegetariana quando comecei a cozinhar de verdade e juntei os trapos.)

Sorte da pimpolhada, que voltou a se refestelar com sabores mais familiares, e azar do marido, pobrezinho, que anda trabalhando até altas horas da noite e não tem provado nada da minha comida, desde que eu voltei a cozinhar à italiana. :(

No entanto, se o povo aqui de casa achava que meu retorno às origens era garantia de macarrão todo dia, enganou-se um bocado. Se existe uma cozinha que consegue ser altamente natureba, se você deixar a superficialidade e mergulhar nos legumes, é a italiana.

Um cozido de ervilhas-tortas parece mais natureba do que gostoso, mas o sabor me surpreendeu maravilhosamente. Comi colheradas fartas dos legumes caudalosos, suculentos e perfumados sobre o arroz branco, e, depois, as sobras, sobre polenta veneziana, cozida com leite, o que a torna tão cremosa quanto um purezinho de batatas.

O gratinado de abobrinhas foi feito com certo preconceito. Em geral, não entendo por que alguém cozinharia uma abobrinha no vapor, se pode dourá-la em azeite. No entanto, o prato ficou delicioso, as abobrinhas muito macias, contrastando com o crocantinho da cobertura de pão, queijo e ervas. As sobras foram misturadas a ovos e um pouco mais de queijo, para uma frittata saborosíssima, acompanhada por uma saladinha verde, agora que os pimpolhos viraram, finalmente, devoradores de alface.

A receita original do cozido de ervilhas pedia por guanciale, que é uma carne que vem da bochecha do porco, muito usada nos molhos all' amatriciana e carbonara, em Roma. Na última vez que fui à Itália, pude experimentar o molho feito assim, e, apesar de a descrição da wikipedia dizer que o sabor é mais forte, eu achei o resultado mais suave em sabor e textura do que quando o prato é feito com pancetta ou bacon. Talvez por não ser defumado. Como eu tinha toucinho fresco no freezer, usei uma fatia dele, sem a pele, com ótimos resultados. Se não quiser usar o toucinho ou não encontrar nem guanciale nem pancetta italiana, use um pouquinho de bacon. O sabor do defumado vai ficar mais forte, mas acho que ficará igualmente gostoso.

ZUCCHINE GRATINATE CON OLIVE
(Da revista La Cucina Italiana)
Rendimento: 4 porções grandes ou 6 menores

Ingredientes:

  • 350g abobrinhas em rodelas finas
  • 40g queijo parmesão ralado fino
  • 4 fatias de pão amanhecido ou um punhado de farinha de rosca feita em casa
  • 10 azeitonas sem caroço (pretas ou verdes), cortadas em fatias
  • cebolinha
  • tomilho fresco (só as folhas)
  • manjerona fresca (só as folhas)
  • salsinha fresca
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Cozinhe as abobrinhas no vapor até mais ou menos a metade do cozimento. Elas devem estar cozidas, mas ainda firmes. (Alternativamente, use o microondas.)
  2. No processador, moa o pão amanhecido junto com as ervas e o queijo. (Ou pique na faca as ervas e misture ao queijo e à farinha de rosca, que foi o que eu fiz.)
  3. Numa travessa grande e rasa, disponha as fatias de abobrinha como escamas de peixe. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Espalhe as azeitonas e polvilhe com a mistura de pão e ervas. Tempere com um fio de azeite e leve ao grill do forno por 10 minutos, até que doure. Se você não tiver grill, coloque em forno bem quente. 

.....


TACCOLE IN UMIDO DI POMODORO
(Da revista La Cucina Italiana)
Rendimento: 4 porções fartas, para acompanhar algum carboidrato que absorva o caldo, como arroz, couscous ou polenta.

Ingredientes:

  • azeite de oliva
  • 1 folha de louro
  • 500g ervilha-torta, sem as pontas e filamentos
  • 200g polpa de tomate (usei 2 tomates frescos bem maduros, picadinhos)
  • 40g toucinho sem a pele, cortado em pedaços pequenos (ou bacon, ou pancetta italiana, ou guanciale, se encontrar)
  • 1 talo de aipo em cubinhos
  • 1 cenoura média em cubinhos
  • 1 cebola em cubinhos
  • 1 colh. (chá) açúcar
  • 400g caldo de legumes
  • manjerona fresca (só as folhas)
  • farinha-de-rosca para polvilhar por cima
  • queijo parmesão para ralar por cima
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Cozinhe as ervilhas-tortas em água fervente e salgada por 10 minutos, com uma colher de azeite e uma folha de louro. 
  2. Enquanto isso, numa panela grande, refogue o restante dos legumes e o toucinho em um fio de azeite, até amaciar e começar a dourar. 
  3. Escorra as ervilhas e junte-as ao refogado, misturando bem.
  4. Junte a polpa de tomate, a manjerona, o açúcar, o caldo de legumes, e tempere com um pouco de sal e pimenta. Cozinhe em fogo médio-baixo por cerca 40 minutos para que o caldo reduza um pouco.
  5. Sirva bem quente, polvilhado de farinha-de-rosca e parmesão, e mais um fio de azeite.  





terça-feira, 1 de julho de 2014

Jardineira à francesa, uma carninha de tempero e meu tempo foi pra onde?

A melhor foto que consegui tirar com 11kg de Laura no braço esquerdo e a câmera na mão direita.
Esse panelão colorido é exatamente o tipo de prato que me dava um comichão na minha época vegetariana: o tipo de prato totalmente vegetariano, NÃO FOSSE pelo pedacinho de porco no meio. E um maldito pedacinho que faz uma falta danada, que dá aquela encorpada no gosto do caldo e dos legumes. Em outra época, provavelmente teria omitido o toucinho e pronto. A gordura da manteiga TALVEZ até bastasse. Mas eu jamais faria esse prato em versão vegana, por mais que goste de legumes. Acho que realmente faltaria essa gordura doce da manteiga, que transformou essa batata e essa cenoura nas melhores batatas e cenouras cozidas que já comi na vida.

A receita aparece no livro One Good Dish, de David Tanis, mas até como ele mesmo comenta, já vi em outros livros franceses, em versões mais ou menos parecidas. No prefácio da receita, ele diz que o cozido se basta como refeição. Concordo. Mas não resisti a preparar uma porção de arroz integral para ajudar a absorver esse caldinho maravilhoso.

A receita original pedia alho-poró e nabos, que eu não tinha. Substituí por inhame e rabanetes e ficou delicioso. Aliás, esse é um prato que me parece bem permissivo em termos de substituições.

Mas calma que não abandonei a naturebice que vinha surgindo nos últimos posts. Ando num esquema "almoço vegan" e "jantar whatever". Virou desafio pessoal, sempre buscar uma refeição o mais carregada de legumes possível, e ir vendo: dá pra ser vegan? Dá, não dá. Dá pra ser vegetariano? Dá, não dá. Não sendo vegetariano, opto por esse tipo de prato, abarrotado de legumes, com uma porçãozinha pequena de carne, que na verdade é apenas tempero.

Tenho sentido nos últimos meses que nunca as refeições aqui em casa tiveram tamanha variedade de frutas e legumes. E a cozinha fica absolutamente colorida. :) Dei inclusive uma surtada no supermercado e acabei trazendo um sortimento tão variado de grãos e feijões, que quase não coube na estante da despensa. Quero aproveitar ao máximo enquanto o Matador de Dragões está comendo de tudo, pois sabe-se lá até quando isso dura. :P

No mais, ando com posts atrasadíssimos e trabalhos mais atrasados ainda. Pimpolho de férias, e mamãe freelancer pirando pra descobrir como trabalhar, se basta abrir a porta do meu estúdio para que a criançada entre correndo e comece a meter dedo em tinta com composto venenoso e tentar desenhar em cima das minhas telas. Nein, nein. Não vai rolar.

JARDINEIRA, OU COZIDO DE LEGUMES À FRANCESA
(adaptado do lindo One Good Dish, de David Tanis)
Rendimento: 4 porções como prato único

Ingredientes:

  • 150g toucinho fresco
  • 6 colh. (sopa) manteiga
  • 4 cebolas pequenas, descascadas e cortadas em quartos
  • 1 folha de louro
  • 1 ramo grande de tomilho fresco
  • 500g batatas, descascadas e cortadas em pedaços de mais ou menos 5cm
  • 250g cenouras médias, descascadas e cortadas ao meio
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 2 inhames descascados e cortados em quatro ou seis pedaços, dependendo do tamanho
  • 4 rabanetes cortados ao meio
  • 1 xic. ervilhas congeladas


Preparo:

  1. Corte o toucinho em fatias de 0,5cm de espessura (para ficarem como pecinhas de dominó). Coloque em uma panelinha pequena, cubra com água, leve à fervura branda e cozinhe por 2 minutos. Escorra, descartando a água.
  2. Derreta a manteiga em uma panela grande, em fogo médio e junte a cebola e o toucinho escorrido. Aumente um pouco o fogo e cozinhe, mexendo com uma colher de pau, por cerca de 1 minuto ou 2. 
  3. Junte o louro, tomilho, batatas e cenouras, e misture para recobrir os legumes de tempero. 
  4. Tempere com sal e pimenta, junte 1 xic. água, abaixe o fogo e tampe. Cozinhe por 15 minutos ou até que as batatas estejam praticamente cozidas. 
  5. Retire a tampa, junte o inhame e o rabanete, coloque um pouco mais de sal e tampe novamente. (Se achar que tem pouca água, coloque mais um pouquinho.) Cozinhe por 5-8 minutos, até que os legumes estejam cozidos. 
  6. Junte as ervilhas, misture bem, cozinhe por 1 minuto ou 2 e sirva, quente, com o caldo por cima dos legumes. 




quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sopa de lentilha e berinjela, inspirações, aspirações

Tenho gosto pela cozinha desde criança, desde que ganhei meu primeiro livro de culinária, aos 12 anos. (12? Talvez 11. Talvez 10. A memória falha.) Naquela época, folheava as poucas páginas do livrinho de culinária para crianças e minha aspiração máxima era preparar quase tudo o que havia ali e montar um enorme banquete para meus pais e minha irmã. Enchia-me de orgulho ao pensar no jantar pronto e em todos provando e adorando a comida. Claro que a coisa não andou assim. Logo na primeira tentativa, meu brownie solou e houve todo um stress porque saí num domingo de manhã para ir à padaria sozinha pela primeira vez para comprar essência de baunilha (que ninguém na casa sabia o que era e onde se comprava) e corri a vizinhança inteira atrás da danada sem sucesso, demorando uma hora e meia para voltar para casa, do que deveria ter sido um trajeto de dez minutos. Podem imaginar. Agora que tenho filhos, com certeza dou razão aos meus pais pelo tamanho da bronca.

Daí, quando fui à Itália pela primeira vez, encantei-me por toda aquela cozinha não explorada nas cantinas de São Paulo nos anos 80 e 90, ou mesmo por minhas avós, talvez por pura falta do ingrediente certo. Quando voltei, mergulhei nos livros de culinária, com a aspiração de reproduzir aqui o que sentira durante minha viagem, através da comida. Tinha esperança de sentir de novo a brisa marítima da Costa Amalfitana ao cozinhar o mesmo spaghetti alla puttanesca que comera num restaurantezinho de Positano, cujo dono colocara no rádio as mesmas músicas italianas antigas que meu pai ouvia na minha infância, de uma fita cassete que tinha na capinha justamente uma foto... de Positano. Inception.  ;) Uma coincidência e um momento especial que jamais conseguirei reproduzir na vida. E foi o que descobri quando preparei a receita tal e qual os livros mais tradicionais indicavam e, por delicioso que estivesse, a brisa marítima não veio, a canção ao fundo não era a mesma e eu olhava para um dia cinza e paredes de concreto ali fora da minha janela.

Então vieram livros de confeitaria que meus dedos, pouco dados a tarefas minuciosas que não envolvam pincéis, não conseguiam reproduzir em toda a sua perfeição visual. E tantos outros que, lidos, produziam em mim essa aspiração de ser "um tipo de pessoa". "O tipo de pessoa" zen. Não. "O tipo de pessoa" elegante. Not. "O tipo de pessoa que só come o que colhe do quintal". Nein. "O tipo de pessoa que gasta 5 reais por refeição para 6 pessoas." Fué.

Ao longo do tempo, fui percebendo que estava abordando meus livros de forma errada. E que ao invés de ASpirar ser algo através da comida, era mais gostoso me INSpirar pelos livros. E nossa, como alguns livros são de fato inspiradores. Tenho alguns, mesmo, cujas receitas quase nunca preparo, mas que às vezes apanho para folhear e me lembrar de uma sensação de que gosto na cozinha, ou de um estilo, uma visão diferente dos ingredientes. Caso do Nigel Slater, que eu adoro de paixão, mas cujos livros sempre apanho, folheio, folheio, folheio, e parece que nunca tenho todos os ingredientes necessários para nenhum prato seu. No entanto, sua abordagem da cozinha é tão relaxante, que basta uma olhadela num livro seu para que eu mude o rumo de um jantar sem ideias. Quase sempre uso suas receitas como linhas-guias para outra coisa, feita com os ingredientes que tenho em casa.

Outra fonte que tenho devorado nos últimos dias, desde que a Patrícia me indicou, é o site Green Kitchen Stories. Talvez porque eles tenham uma atitude que condiz com o meu momento culinário, de usar diversas farinhas e leites vegetais não por conta de uma alergia ou política pessoal, mas apenas pelo benefício da variedade. É inspirador o modo como eles experimentam com misturas de ingredientes e sabores diferentes, e só de ver as cores dos pratos já tenho vontade de me desafiar a colocar a maior quantidade possível de legumes em uma só refeição. O site é cheio de informações nutricionais, mas sem o tom militante ou terrorista de outros sites do gênero. Os crepes de sarraceno e espinafre, que fiz aqui com leite de amêndoas fresquinho e recheei com queijo minas em cubinhos e abobrinhas refogadas e alho e manjericão, foram devoradas. Engraçado foi ver o Matador de Dragões comendo os crepes super verdes e deixando o queijo (justo o queijo!) no prato. ;) A infusão de mel com gengibre, cúrcuma, limão e pimenta também veio em boa hora, já que a família toda está com tosse, todo mundo junto ao mesmo tempo. Em boa hora, também, porque eu tinha acabado de colher a cúrcuma do quintal, e não sabia bem o que fazer com ela. Hoje à tarde vai também virar uma versão do lassi que eles indicam.

De todos os meus livros, no entanto, os que mais me inspiram são os do David Tanis. Não que eu pretenda a qualquer momento preparar orelha de porco ou risotto de lagosta. Mas no meio dessas receitas menos acessíveis, há um texto maravilhoso que sempre me traz de volta à terra. Seu elogio à simplicidade da refeição (em termos de conceito e não de preço), sempre me coloca de volta no eixo, quando começo a complicar demais e me atrapalhar. Basta olhar para o livro na estante para me lembrar de que posso servir uma fatia de queijo e um pedaço de fruta de sobremesa (e ter essa alegria de ver os pimpolhos curtindo pera com gorgonzola ou banana com queijo branco e canela do mesmo jeito). Que uma mesa bonita não é necessariamente uma profusão de pratos complexos, mas às vezes simplesmente um peixe feito direito e um prato de vagens cozidas al dente e temperadas com bastante azeite e limão. A gente que gosta de cozinhar às vezes se empolga e entra em uma maratona culinária, quando muitas vezes, para aquele almoço bom, aquelas boas memórias, basta tomates maduros com sal, um bom pão. Ao invés de transformar as maçãs que tinha em casa em uma torta, simplesmente coloquei-as no forno, e as crianças se esbaldaram (adultos também). [Só tirar os miolos, colocar um tantinho de açúcar e um splashzinho de conhaque – já usei rum ou calvados –, fechar as tampinhas e levar ao forno médio numa travessa por 45 minutos ou até que as cascas dourem e estourem. Deixar amornar e servir com a caldinha que se forma na travessa. Com iogurte, então, fica uma delícia. Achei mais detalhado aqui.]

Nessa fase em que ando preparando uma sopa atrás da outra, sorri ao ler um trecho de um de seus livros esses dias, em que dizia que poderia facilmente viver de uma dieta de sopa e vinho: um potinho de sopa, uma tacinha de vinho. Bom... eu também.

Essa sopinha de lentilhas e berinjelas é deliciosa, cremosa e satisfaz. E vai bem com uma tacinha de vinho. Não omita o passo de assar as berinjelas, pois isso lhes dá um sabor defumado delicioso. A receita original pedia para que se usasse lentilhas verdes, francesas, caras pra chuchu. Considerando que as lentilhas francesas são boas porque se mantém al dente, mas que estamos falando de uma sopa, em que tudo tem que virar purê, substituí por lentilhas comuns brasileiras, porque eu sou "o tipo de pessoa" que acha que dinheiro não nasce em árvore.

SOPA DE LENTILHAS E BERINJELAS ASSADAS
(de uma antiga revista Food & Wine)
Tempo de preparo: 50 minutos
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 600g berinjela, de preferência maiores, cortadas em quartos no sentido do comprimento
  • 2 colh. (sopa) azeite de oliva
  • sal e pimenta à gosto
  • 1 xic. lentilhas
  • 1 punhado de folhas de sálvia fresca
  • 2 xic. caldo de galinha ou legumes
  • 1 xic. leite
  • 1 colh. (sopa) suco de limão

Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Coloque as berinjelas com a casca para baixo numa assadeira, tempere com sal, pimenta e 1 colh. (sopa) azeite. Asse por 30 minutos ou até que as berinjelas estejam muito macias, mas não queimadas.
  2. Enquanto isso, numa panela média, cubra as lentilhas com 5cm água. Junte 1/2 colh. (chá) sal e 2 folhas de sálvia e leve à fervura. Abaixe o fogo e cozinhe em fervura branda por 20 minutos. Escorra as lentilhas e descarte as folhas de sálvia. (No meu caso, sobrou tão pouco líquido das lentilhas, que não escorri, simplesmente incorporei à sopa. E recomendo que se faça o mesmo, afinal todo o sabor e nutrientes estão ali.)
  3. Raspe a polpa das berinjelas com uma colher e coloque no jarro do liquidificador. Descarte a casca. Junte o caldo de legumes ou galinha e as lentilhas e bata até que fique homogêneo (faça em partes, se for muito volume para seu liquidificador). 
  4. Volte tudo para a panela, junte o leite e o limão e leve à fervura branda. Ajuste o sal e a pimenta e mantenha a sopa quente enquanto termina a guarnição.
  5. Numa frigideira pequena, aqueça  a outra colher de azeite. Junte as folhas de sálvia restantes e cozinhe em fogo médio até que fiquem crocantes. 
  6. Sirva  a sopa, guarneça com as folhas de sálvia e um fio de azeite. (A sopa pode ser feita no dia anterior.)



quarta-feira, 18 de junho de 2014

Medo da sopinha de inhame e agrião


Noutro dia estava assistindo a um programa em que uma família chamava uma nutricionista em casa para resolver o problema do filho criança que se recusava a comer carne. Achei engraçada a cara dos pais quando a profissional lhes disse que não havia problema nenhum em ser vegetariano – era óbvio que eles esperavam que a nutri forçasse o moleque a comer o estrogonofe que o resto da família comia. Olhando para o pratinho de legumes sem graça do menino, sempre exatamente os mesmos, acompanhado sempre do mesmo ovo cozido, fiquei pensando em como é difícil para quem não curte cozinhar como hobby criar pratos vegetarianos minimamente interessantes. Também pensei em como a família andava perdendo a oportunidade de aproveitar o vegetarianismo do filho para diversificar a alimentação de todos.

Mas é aquilo: tenho sempre de lembrar que existe gente que não gosta de cozinhar e, o que mais me surpreende, gente que não gosta de comer. (Como isso é possível??)

De qualquer forma, pensa nessa dificuldade no preparo dos legumes me lembrou de toda uma época em que eu ainda tinha medo da cozinha. Mais precisamente, na verdade, medo dos ingredientes. Medo de testar uma receita e errar. Medo de não gostar do resultado.

Apesar de minha mãe sempre preparar muitos legumes, eram sempre os mesmos, durante minha infância, e meio que preparados sempre do mesmo jeito. Então muitos legumes e verduras fui experimentar apenas quando adulta. Então quando vi uma receita de sopa de inhame com agrião, a foto me apeteceu o bastante para recortar a receita e colar no caderno, mas o medo do ingrediente desconhecido era tanto, que o prato ficou só no papel durante anos e anos e anos, apenas esperando esse momento mágico em que eu me suficientemente sentisse confortável na cozinha para prepará-lo.

Uma bobagem sem tamanho.

Mas fazer o quê?

Olho para uma dezena de receitas recortadas há 15 anos e ali, coladas no caderno, sem nunca terem sido preparadas, por medo de ingrediente que nem comprar eu sabia. Agora saio correndo atrás do prejuízo, e me perguntando por que diabos deixei passar tantos invernos sem sopa de inhame.

E toda vez que encontro na feira algo que nunca comi na vida, faço questão de levar pra casa para experimentar. Tanta verdura, fruta e legume bom no mundo, que é um crime comer todo dia a mesma coisa!

PS: uma semana cheia de posts, outra não. Culpa da maldição da mão do cozinheiro louco, que fez com que os almoços saíssem meio mequetrefes. Ainda bem que a maldição vem rápido e passa rápido. ;)

SOPA DE INHAME E AGRIÃO
(De uma antiga revista Gula)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 1kg inhame
  • 1 dente de alho picado
  • 1/2 cebola média picada
  • 50g manteiga
  • 2 litros caldo de legumes
  • 1 xic. folhas agrião
  • 1 colh. (sopa) manteiga para refogar o agrião
  • sal e pimenta a gosto


Preparo:

  1. Descasque e pique o inhame. 
  2. Refogue o alho e a cebola nos 50g manteiga até que murchem. 
  3. Junte o inhame e refogue por 3 minutos.
  4. Junte o caldo e cozinhe em fogo baixo até que o inhame esteja macio. 
  5. Deixe esfriar um pouco e bata no liquidificador. Volte à panela, tempere com sal  e pimenta e reserve. 
  6. Em uma frigideira, derreta a manteiga restante e junte o agrião. Refogue até que murche. Volte para a tábua de corte e pique muito bem, voltando para a sopa reservada. 
  7. Volte ao fogo e cozinhe por mais 5 minutos. Sirva quente.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Salada de feijão-manteiguinha, pesto de folha de rabanete e mais um monte de coisa


Era para ser um almocinho vegan. Mas abri a geladeira e dei de cara com aquele maço de folhas de rabanete. Achei uma receita de pesto e, já que Madame Bochechas resolvera não dormir no meu horário de trabalho, resolvi preparar o danado para congelar e usar depois. [Pois há ainda muita verdura na geladeira para ser usada A.S.A.P., já que eu tive um impulso consumista na feira da semana passada e comprei uma variedade e quantidade maior do que consigo consumir de fato.]

Na hora de preparar o pesto, fiz poucas modificações: aferventei as folhas antes para tirar aquela sensação piniquenta, e usei castanhas do pará. O bicho ficou tão gostoso (Laura queria comer de colher), que resolvi usar o pesto na salada de feijão-manteiguinha que planejara para hoje, já que o dia estava bonito e não estava tão frio.

Feijão-manteiguinha: com um nome desse, não dá vontade de levar pra casa quando você vê na gôndola? Eu levei. E achei uma delícia. E fui pesquisar e descobri que ele é famosinho em várias partes do Brasil, mas que eu que era boba e nunca tinha ouvido falar. E é saboroso, e pequenininho, e bom em saladas. Como vi que era parente do feijão-fradinho, achei por bem descartar a água da primeira fervura, lavar e aí sim cozinhar com alguns temperos, para evitar qualquer possível amargor. Quem conhece o moço que me diga se era preciso fazer isso ou se é bobagem minha.

Sabia que queria usar na salada, abacate, que o Matador de Dragões (agora) adora. E tomate, e pepino japonês, e rabanete. Bati o olho numa salada de quinua que levava ingredientes semelhantes, e que levava também amêndoas e tâmaras. Resolvi arriscar, substituindo as amêndoas por castanha-do-pará de novo. Fui comedida e botei só quatro tâmaras, mas da próxima vez, uso mais, muito mais, porque o docinho da tâmara enriqueceu muito o prato.

Madame Bochechas provara do feijão na panela e do pesto no processador. Mas quando lhe apresentei o prato montado, ela torceu o nariz. Expliquei que era a mesma coisa. Mostrei pra ela. Passei o dedo no processador ainda sujo e deixei que lambesse. Fiz o mesmo no molho da salada. Ela apanhou a colher e foi valente, experimentando de tudo, gostando de alguns itens, cuspindo outros, mas, em geral, mandando ver.

Matador de Dragões viu o almoço e não quis sentar à mesa. Disse-lhe, como sempre, que se não queria comer, que não comesse; mas que precisava sentar-se conosco e esperar que todos terminarem. Ele veio, a contragosto. Ficou olhando, bem uns cinco minutos, enquanto Laura e eu comíamos, "hmmms", "aaahs", "boooons". Então apanhou a colher e experimentou. "Gostou, Thomas?" "Hm-rum", disse, continuando a comer. "Quéo mais." "Mais fejão?" "Dãaaao. Esse." Apontou para o rabanete.

Fico contente que ele tenha entendido o esquema e simplesmente experimente metendo o colherão na boca e mastigando. Laura entrou já cedo na fase do Não Gosto, Não Quero, e às vezes, recusa-se a comer, tornando-se minha mais nova Catadora de Salsinha. Hoje foi uma exceção conseguir convencê-la pelos meios da razão. Também não há promessa de chocolate que a faça experimentar algo, já que ela ainda não entende completamente condicionais. [Só promessa de chocolate fez com que Thomas experimentasse a berinjela recheada de painço, que ficou feia como o demônio, mas uma delícia. Experimentou, raspou o prato. Já Laura, não esboçou problemas com a gororoba marrom-acinzentada em seu prato e mandou ver sem manha.]

Vejo que a pequena Catadora de Salsinha ainda tem a dificuldade da mastigação, por não ter todos os dentes, já que o modo como mastigamos muda completamente o gosto que sentimos do alimento. Dependendo de como ela põe a comida na boca, o tamanho do pedaço, ela come ou rejeita. Pensei nisso outro dia, quando Thomas apanhou um legume qualquer para experimentar e apenas tocou-o na ponta da língua e o rejeitou. Tento explicar que desse jeito ele não está sentindo o gosto de nada e que isso é roubar no jogo: experimentar é botar na boca, mastigar e engolir. Imagina apanhar um pepino e encostar a ponta da língua na casca? Nem maçã tem gosto bom assim. o_O

Fiquei contente de ver os dois comendo com gosto, pedindo mais. Também, pudera: saladinha que ficou uma delícia, e eu mesma raspei o prato, repeti e comi o pouco que eles deixaram nas suas tigelinhas. Achei que sobraria pro jantar, mas já vi que vou pra cozinha de novo hoje. ¬_¬

SALADA DE  FEIJÃO-MANTEIGUINHA, PESTO DE FOLHAS DE RABANETE E UM MONTE DE COISA
Rendimento: 2-4 porções, dependendo se prato principal ou acompanhamento

Ingredientes:
(feijão)

  • 1 xic. feijão-manteiguinha seco, deixado de molho na noite anterior e escorrido
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1 ramo de salsinha
  • 1 folha de louro
  • 1 pitada de pimenta-calabresa seca
  • sal e pimenta a gosto

(pesto)

  • 1 maço de folhas de rabanete bem verdinhas, com os talos
  • 1 dente de alho, descascado
  • 5-6 castanhas-do-pará
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado na hora
  • suco de 1/2 limão
  • azeite de oliva (1/4 xic. ou mais, dependendo da consistência desejada)
  • sal e pimenta a gosto

(salada)

  • 2-3 colh. (sopa) água do cozimento do feijão
  • 1 tomate maduro mas firme, cortado em cubinhos pequenos
  • 1/4 cebola picada
  • 1/2 abacate maduro, cortado em cubos e regado com suco de limão, para não escurecer
  • 2 rabanetes cortados ao meio no sentido do comprimento e fatiados bem fininho
  • 1 pepino japonês fatiado bem fininho
  • 4 castanhas-do-pará picadas
  • 4 (ou mais) tâmaras, sem caroço, picadas
  • sal e pimenta a gosto


Preparo:

  1. Coloque o feijão para cozinhar em água. Quando ferver, escorra, lave, volte à panela com água limpa bastante para cobrir, o azeite, o louro, a salsinha e a pimenta-calabresa. Leve à fervura, abaixe o fogo, e deixe cozinhando com meia-tampa até que o feijão esteja macio (o tempo vai depender da idade do feijão e se você usar panela de pressão ou não).
  2. Retire as ervas, tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e escorra, reservando o caldo. 
  3. Enquanto isso, faça o pesto: coloque água com sal para ferver em uma panela grande. Coloque as folhas de rabanete e deixe cozinhar por 1 minuto. Retire e deixe que esfriem. Quando estiverem frias, esprema nas mãos até tirar todo o líquido e coloque as folhas no processador com as castanhas, o alho, o limão e o azeite. Pulse até transformar em purê. Acrescente o azeite, o queijo, sal e pimenta e bata novamente até que fique homogêneo. Você terá mais pesto do que precisa. O restante pode ser congelado. 
  4. Numa tigela grande, misture o feijão ainda quente a 1/3 xic. do pesto diluído em 2-3 colh. (sopa) da água do cozimento do feijão. (O restante do caldo do feijão pode ser usado no caldo de legumes, assim como a água do cozimento das folhas de rabanete.)
  5. Quando o feijão estiver bem temperado, junte o restante dos ingredientes da salada, misturando muito bem. Prove e acrescente mais suco de limão, azeite, sal e pimenta a gosto, se precisar. Deixe a salada descansar em temperatura ambiente por 15-30 minutos, para que os sabores se desenvolvam e sirva. 


Cozinhe isso também!

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