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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Favas brancas para redimir o "all'uccelletto"


Depois que me recomendaram assistir à série Two Greedy Italians, da BBC, com Gennaro Contaldo e Antonio Carluccio – e eu vi, praticamente em uma sentada só – fiquei meio maluca com cozinha italiana novamente. Não que em algum momento eu abandone a cozinha italiana: ela está sempre lá, em algum formato, como frittata, como macarrão... mas andava meio adaptada para naturebices que eu via bem que começavam a cansar os paladares da pimpolhada (e do marido).

E fiquei louca para voltar aos clássicos.

E fuçando em um livro que adoro, o Twelve, da Tessa Kiros, caí nos feijões cannellini all'uccelletto. Eu preparara essa receita havia muitos anos, apanhada de algum lugar da internet, provavelmente usando feijões em lata e ervas secas, e não me lembro exatamente o quê saiu errado. Mas algo saiu. Pois me lembro de ter detestado o prato, e por muito tempo, quando lia cannellini all'uccelletto, pensava um "eeeca!", com a mesma inflexão usada hoje pelo Matador de Dragões quando lhe sirvo algo que ele não gosta.

Acontece que feijões com molho de tomate são uma delícia. E encafifei de fazer de novo, essa nova receita, pois a original que saíra errado eu não tinha mais. No entanto, não havia feijões brancos na despensa. Havia favas brancas. E mais uma infinidade de outros tipos de feijão, o que me desestimulou a sair para comprar os corretos, mais um tipo. Vai fava branca mesmo.

E no dia seguinte, coloquei tudo para cozinhar, molho numa panela, feijão na outra, e fui trabalhar enquanto Madame Bochechas tirava sua soneca de beleza. Faltavam dez minutos para a hora de ir buscar o pimpolho número 1 na escola, e fui desligar o fogo dos feijões para juntar um ao outro, achando que estaria tudo no ponto. Afinal, eram mais de duas horas ali, borbulhando. Qual não foi minha surpresa ao ver que as favas ainda estavam duras. Deviam estar velhas, e eu não tinha mais uma hora para deixá-las cozinhando. Tinha que sair e dar almoço para a criançada, e não havia mais nada pronto. Eu planejara apenas aquilo, um prato simples de favas com tomate.

Pensei, pensei, pensei. Não dava tempo de preparar mais nada. Foi quando lembrei da danada da panela de pressão elétrica (marido trouxe uma para casa em caráter definitivo). "Lembrei" porque sempre me esqueço de usá-la, é o marido quem mais bota o bicho pra funcionar, nos dias em que fica com as crianças e eu tenho curso – até macarrão ele já fez lá dentro, pro desespero da futura nonna italiana que habita dentro de mim.

Despejei todo o feijão ali dentro da panela, botei na tomada e acertei o timmer pra cozinhar arroz integral, algo como uns quinze minutos, se bem me lembro, e que me pareceu o suficiente só para terminar de amaciar as favas. Tive certeza de que estava tudo funcionando e que eu não havia deixado nada ligado no fogão, catei a Madame Bochechas do berço, e saí correndo pra apanhar o moleque na escola.

Quando voltei, toda a rotina de volta de escola. Troca uniforme por roupa de brincar, lava as mãos, coloca pimpolha no cadeirão, não, Thomas, não vai ver desenho antes do almoço, vai almoçar sim senhor, se não vier comer, não tem desenho, e vou checar a panela elétrica enquanto reaqueço o molho de tomate no fogão. A panela já está sem pressão e mantendo aquecido o feijão. Quando abro, eureka! as favas estão no ponto, macias e desmanchando. Juntei as favas ao molho de tomate, deixei cozinhar mais uns minutos, e servi em tigelas, com um generoso fio de azeite e parmesão ralado, que me pareceu extremamente apropriado.

Não consigo imaginar o que pode ter saído de errado na primeira vez que preparei os feijões dessa forma. As favas estavam deliciosas envolvidas no molho aromático. Por isso é sempre bom nunca ser radical no "gosto"e "não gosto". Imagina achar que feijões all'uccelletto são ruins e perder oportunidades de provar essa delícia outras vezes. :)

Madame Bochechas raspou o prato. Matador de Dragões precisou ser convencido de que aquelas favas eram os feijões gigantes e mágicos do João e o Pé de Feijão. "Mamá, a caquiga já tá queia." (tradução de "thomês": "a barriga já tá cheia").

FAVAS BRANCAS ALL'UCCELLETTO
(Um pouco adaptado do lindo Twelve, de Tessa Kiros)

Ingredientes:

  • 500g favas brancas, deixadas de molho durante a noite
  • 4 dentes de alho, descascados e esmagados (apenas quebrados, não purê)
  • 1 cenoura grande, picada
  • 1 punhado de salsinha, com os talos
  • 1 folha de louro
  • 10 folhas de sálvia fresca
  • 300g tomates maduros sem pele e picados
  • 1 pitada generosa de pimenta calabresa seca
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Escorra as favas, coloque numa panela com água bastante para cobrir e leve à fervura. Deixe ferver por alguns minutos, então escorra, lave em água corrente e volte as favas à panela com água fresca, 2 dentes de alho, a cenoura, a salsinha, o louro e um fio de azeite. Leve à fervura, abaixe o fogo e cozinhe por algumas horas até que as favas estejam bem macias. Tempere com sal e pimenta ao fim do cozimento.
  2. Enquanto isso, em uma panela grande o bastante para conter os feijões depois, aqueça 2 colh. (sopa) azeite e junte os outros dois dentes de alho e as folhas de sálvia. Assim que o alho começar a chiar no azeite, junte o tomate e a pimenta.
  3. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e cozinhe em fervura branda por 10 minutos. Então desligue e aguarde pelas favas. 
  4. Quando as favas estiverem prontas, junte 1 xíc. do caldo delas ao molho de tomate. Escorra as favas e junte-as ao molho, retirando a salsinha e o louro. Leve ao fogo e cozinhe em fervura branda por 15 minutos, misturando bem. Deve haver molho em torno das favas, mas não deve ser muito líquido. 
  5. Sirva quente ou em temperatura ambiente, com um fio de azeite. (Um punhado de parmesão é bem-vindo, se você estiver servindo os feijões sozinhos, mas isso é sugestão minha.)





segunda-feira, 2 de junho de 2014

Meu primeiro bacalhau, o segundo, o terceiro e o quarto também

Polenta, bacalhau à moda de Vicenza, e radicchio grelhado. NHAM.

Meu primeiro bacalhau à Gomes de Sá.

Noutro dia me dei conta de que nunca fizera bacalhau. NUNCA. E fiquei em choque. Porque bacalhau sempre foi comida da minha mãe. Primeiro, apenas na Páscoa, pois era muito caro. E por isso, era especial. Comida de festa. Pra muita gente, ainda é. Conforme as coisas melhoraram em casa, e minha mãe começou a preparar bacalhau com mais frequência, continuei gostando, mas confesso que perdeu um pouco a graça. Como se desse alcachofra o ano todo. Como comer panettone em junho. Ou tomar quentão em janeiro. Eu curto a sazonalidade das coisas, e para mim, bacalhau era aquela coisa de uma vez por ano, duas se déssemos sorte.

Daí, como minha mãe ainda fizesse bacalhau sempre e eu tivesse onde comê-lo, não me interessei muito em cozinhá-lo eu mesma.

Só que recentemente me deu um tilt, um incômodo, um comichão, de preparar bacalhau. Da mesma forma que anda me dando comichão de fazer pernil. E boeuf borguignon. E eu fico pensando na infinidade de coisas que eu nunca cozinhei na vida, e parece que não há vida bastante para cozinhar tudo.

Fui lá no mercadão, comprei um belo pedaço de bacalhau, voltei pra casa e me vi naquele impasse: o que é que eu preparo com isso agora? Era tanta receita diferente, que minha cabeça girou um pouquinho.

Fechei todos os livros, catei meu caderno e apanhei uma receitinha véia recortada de uma revista Gula antiga, e colada ali numa página qualquer havia milênios: bacalhau à Gomes de Sá. Afinal, sempre digo que é bom fazer o básico antes de sair atrás das invencionices.

E meu deus, como ficou gostoso. Eu lá, morrendo de medo de fazer alguma coisa errada com o bicho, e como é fácil esse prato. No entanto... descobri a duras penas que meu marido não gosta de bacalhau. Bacalhau pronto e ele: "mas eu não gosto de bacalhau". Nem as crianças, que só comeram as batatas.

Eu lá com aquele panelão-delícia para comer sozinha.

Dia seguinte, desfiei melhor o bacalhau, e virou frittata. Tão boa, tão boa, que cogito a possibilidade de fazer bacalhau de novo só pra botar ovo junto. E na frittata, todo mundo comeu o bacalhau. Até o marido, ainda que meio a contragosto.

Agora, sabendo do desafio de fazer algo que só eu gostava, tinha que dar fim logo ao pedação de bacalhau que ainda restava na geladeira.

O que escolhi fazer foi baccalà alla vicentina, uma receita italiana com a qual eu tinha uma história. Na primeira viagem à Itália, em Bologna, ainda meio que vegetariana (só comia peixe quando realmente não havia opção), finalmente encontrei um restaurante que servisse o que viria a se tornar minha massa recheada favorita: tortelli di zucca (tortelli de abóbora, com mostarda di cremona, amaretti e sálvia). Acontece que o restaurante era mais chique do que eu havia previsto, e quando pedi o prato, vieram 5 tortellezinhos do tamanho de uma noz. Que para a fome que eu estava, não dava para nada. Resolvi pedir um segundo prato. No meio de tanta carne, só havia ali bacalhau alla vicentina. Vai tu mesmo. E o que veio foi uma porção de polenta cremosa e o que parecia um purê de bacalhau por cima, com muito mais leite do que peixe, meio farinhento. Não sei dizer o que exatamente havia de errado no prato (além do fato de estar comendo em Bologna um prato de Vicenza); mas na primeira garfada, quase cuspi tudo. Era horrível. E eu lá, morrendo de fome, e gastando mais dinheiro naquele jantar do que eu gostaria. Dá-lhe vinho pra fazer descer aquele grude.

Não é a apresentação mais bonita que eu poderia fazer do prato. Mas tendo uma profusão de receitas do tal bacalhau com polenta, e sendo um prato clássico de uma cidade, eu estava era curiosa para ver se o negócio era mesmo terrível ou se o restaurante errara muito a mão, fazendo algo que não era da sua região.

Com certeza a segunda opção.

Pois bacalhau à moda de Vicenza é uma delícia. Ao menos esse. E completamente diferente daquele purê bizarro. O processo é mais fácil até do que o bacalhau à Gomes de Sá, ainda que parecido. E o peixe fica molhadinho, em lascas macias. Como disse a Tessa Kiros no livro, o bacalhau salgado combina maravilhosamente com a polenta doce e o amargo do radicchio grelhado. O radicchio, na minha opinião, levanta o prato como ninguém, e é crucial.

Desta vez, Thomas comeu o bacalhau. E a polenta. E, veja só, até o radicchio. Laura ficou mais na polenta mesmo. Allex comeu porque era o que tinha. Eu me deliciei. Repeti duas vezes, a gordinha.

E no dia seguinte, o que sobrou do bacalhau foi batido no processador com mais ou menos a mesma quantidade de batata cozida, com casca e tudo, e mais um punhado de salsinha, até virar um purê firme. Passei na farinha de rosca, fritei e servi os bolinhos de bacalhau (de chorar de bom) no almoço, junto com a sopinha de couve-flor e alho-poró da Bela Gil. Molecada devorou os bolinhos. Inclusive a Laura, que até então recusara o peixe.

Frittata de bacalhau e batata. Vale o esforço de preparar o bacalhau.

Um montão de receita aí, ó:

BACALHAU A GOMES DE SÁ:
(de Milu Palmela, publicada numa revista Gula)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 1kg bacalhau deixado de molho por 2 dias na geladeira, trocando a água com frequência
  • 200ml azeite de oliva
  • 2 dentes de alho esmagados
  • 4 cebolas médias em rodelas
  • 1kg batatas lavadas e cozidas com a casca
  • 4 ovos cozidos duros
  • Leite quanto baste para cobrir o bacalhau
  • Azeitonas pretas a gosto
  • Salsinha picada para polvilhar
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Escorra o bacalhau, passe para uma panela grande e cubra com água fervente, fora do fogo. Tampe a panela, embrulhe num pano grosso e mantenha assim por 20 minutos.
  2. Escorra novamente, retire a pele e as espinhas, e desfaça em lascas. Passe para um recipiente fundo, cubra com leite quente e deixe em infusão de 1h30-2 horas. 
  3. Retire as cascas das batatas e corte em rodelas.
  4. Numa travessa que possa ir ao fogo e ao forno, coloque o óleo de oliva, alho e cebola. Leve ao fogo, e assim que as cebolas começarem a dourar, junte as batatas
  5. Distribua as lascas de bacalhau já escorridas, tempere com pimenta e sal.
  6. Leve ao forno quente por 15 minutos. Retire do forno, polvilhe com salsinha, distribua os ovos e as azeitonas e sirva bem quente. 

......

FRITTATA DE FORNO DE BACALHAU COM BATATAS
Rendimento: 4-6 pessoas
  • O que sobrou do bacalhau a gomes de sá (cerca de 3 xic.) (se sobrou pouco, pode completar com mais batatas cozidas e fatiadas)
  • 1 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 7 ovos
  • sal e pimenta
  • azeite para untar a forma
  • um punhado de salsinha picada

Preparo:
  1. Misture tudo em uma tigela, coloque em uma assadeira untada de cerca de 20-30cm e leve ao forno a 200ºC por cerca de 40 minutos, até dourar.


......

BACCALÀ ALLA VICENTINA
(do lindo livro Venezia, de Tessa Kiros)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 700g bacalhau, deixado de molho por 2 dias na geladeira, água trocada com frequencia
  • farinha de trigo, para polvilhar
  • 5 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 1 cebola grande, cortada em meias-luas finas
  • 2 dentes de alho picados
  • cerca de 6 filés de anchova conservados em óleo (alice) grandes, quebrados em pedaços
  • 2 colh. (sopa) salsinha picada
  • 750ml leite


Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Escorra o bacalhau, e corte em pedaços de cerca de 4x5cm, descartando pele e espinhas. Disponha numa assadeira e polvilhe com farinha dos dois lados, chacoalhando para retirar o excesso. 
  2. Aqueça o azeite em uma travessa que possa ir ao fogo e ao forno (uso sempre o panelão baixo e verde da foto, que tem tampa), e refogue a cebola até que fique macia. Junte o alho. Quando perfumar, junte metade da anchova, amassando com uma colher de pau para dissolver. 
  3. Misture bem, junte a salsinha, e arranje os pedaços de bacalhau por cima, misturando com uma colher de pau, para que os temperos recubram o peixe. Adicione umas 2 ou 3 viradinhas do moedor de pimenta.
  4. Junte o leite, movendo os pedaços de peixe para que o leite escorra por baixo deles. Junte o resto da anchova. Cubra a travessa com papel alumínio (ou tampa, se houver) e leve ao forno. 
  5. Asse por 1 hora, então descubra a travessa e asse por mais 30 minutos, ou até que o bacalhau e a cebola tenham absorvido quase todo o líquido e haja uma crosta dourada por cima. (Se o leite talhar, como no meu caso, a aparência não vai ser das mais bonitas, mas o gosto é excelente.)
  6. Remova a panela do forno e deixe descansar alguns minutos, para que o peixe absorva mais líquido. Se ainda estiver muito cheio de líquido, volte para o forno desligado mais um pouco. 
  7. Sirva quente, acompanhado de polenta (mole ou grelhada) e radicchio grelhado (corte o radicchio em quartos no sentido do comprimento, tempere com sal, azeite e pimenta e disponha numa travessa refratária. Leve ao forno e asse até que esteja macio e quase chamuscadinho nas pontas.)





segunda-feira, 14 de abril de 2014

Linguado com espinafre e molho de tomate e meus livros de ilha deserta

Eu já fui melhor em tirar fotos antes do jantar com luz artificial de cozinha. :P
Meus livros de ilha deserta.
O país está desandando num passo tão rápido, que acho que não conheço um único brasileiro de classe média-mequetrefe (quem vos escreve inclusa) que não repita duas vezes ao dia que está na hora de fazer as malas e procurar outro lugar para morar. Discurso antigo, mas que anda tomando força entre quem eu conheço, e ando vendo muita gente de que gosto de fato juntando as coisas e indo embora.

A discussão aqui não é para ser política, isso é um blog de comida. O caso é que toda essa movimentação, é claro, faz a gente olhar em volta e pensar num grandessíssimo "E SE...".

E se eu saísse do Brasil?
Pra onde eu iria?
E as crianças?
E a escola das crianças?
E os avós?
E os meus amigos?
E o cachorro?
E a minha rotina?
E meu trabalho?
E o meu estúdio de pintura?
E a bateria do Allex?
E os meus livros de cozinha?

o_O

Sim, sim, e os meus livros de cozinha? Todos os... [pausa pra checar o número no Eat Your Books] 127 livros de cozinha que habitam desmazeladamente minha casa toda?

Porque não basta empacotar tudo e botar no mochilão. Custa caro levar tralha pra lá e pra cá. E ninguém garante que seu lugar novo vai comportar tudo o que você quer levar.

Ando vendo justamente minha cunhada e seu marido, que estão fazendo o caminho inverso e voltando para cá: como custa uma fortuna desmedida trazer um container de fora para o Brasil, eles tiveram de selecionar a dedo todos os seus pertences e decidir o que de fato era importante e o que poderiam vender ou deixar para trás... para que trouxessem apenas as malas de viagem. Um enorme exercício de desapego, mas que deve ter sido extremamente doído.

E fiquei matutando nisso, pois fora o material de arte, que é meu trabalho, eu não tenho de fato muita coisa. Aliás, depois das últimas rapas, percebi que não tenho praticamente nada além da mobília, das roupas e... dos livros. [Não adianta falar em Tablet, que eu realmente acho muito desconfortável ler nele, pois pesa, e por conta da sensibilidade da tela e de seu formato nada orgânico, meus dedos nunca ficam relaxados à volta dele, e uma vez lendo por meia hora no aparelho, os músculos de minhas mãos doem. Fora que, como Umberto Eco – a-ham... – eu gosto de rabiscar livros.] Dos romances, hoje em dia, acho que só levaria O Senhor Dos Anéis comigo para lá e para cá para sempre. Mas e os livros de cozinha??

Matuta, matuta.

Concluí que ainda que goste muito da minha coleção e que tenha fases de usar mais determinados livros do que outros, estou bem satisfeita com os que tenho, e, não apenas não sinto mais vontade de comprar novos [toda vez que estou fuçando na Amazon me refreio, pois vejo que não sinto mais aquela ilusão de "uau, se eu cozinhar isso, vou ter esse estilo de vida" e que não tem mais muita novidade por aí, na verdade], como também estou meio que pronta para me desfazer de uma parte deles. Mas calma, isso com o tempo. O problema é que, tendo espaço, sei que mandar alguns embora é querer trazer outros no lugar. Então deixa quieto.

Mas no fim das contas, desde que Laura nasceu, pego-me repetidamente abrindo os mesmos livros, atrás do mesmo tipo de prato, e ainda que às vezes eu apanhe algo de diferente num dia mais tranquilo, meus volumes de confiança são sempre os mesmos. No caso, os dois livros que mais desprezei quando abri pela primeira vez, achando que eram excessivamente simples ou derivativos. Acontece que... não.

O Sinfully Easy Delicious Desserts, da Alice Medrich, faz jus ao nome. E todos os bolos de aniversário (e de lanche da escola, e de terças-feiras) tem saído daí. Acho que se não fiz todos, falta um ou dois. Meu pudim de chocolate é o desse livro e ponto, porque é o mais simples de todos, mas que entrega complexidade como se eu estivesse usando mais ingredientes. E a panna cotta. Quando vi toda uma sessão "ensinando" a misturar frutas com iogurte, tive vontade de devolver o livro, julgando-me enganada. Até o dia em que fiz seu iogurte com purê de bananas, açúcar mascavo e cardamomo e comi tudo numa sentada só, mal dividindo com as crianças. É o livro de sobremesas que mais tenho usado nos últimos anos, e toda vez que escolho uma receita de outro livro, fuço nesse também para vez se há uma opção mais fácil. Baking com duas crianças pequenas, um trabalho e uma casa pra cuidar não é mole não e se eu puder fazer a receita toda metendo tudo no processador de uma vez só sem perder em qualidade, ah, eu vou.

Daí vem o Apples for Jam, da Tessa Kiros, que foi mais ou menos a mesma história. Como assim, receita de macarrão com  molho de tomate? E lasanha de tomate? E brownie de novo? E, jura?, arroz com ovo frito? Folheando o livro de primeira, você realmente acha que ele é excessivamente simples, básico, monótono. Acontece que... não. A lasanha de tomate tem o gosto da lasanha da minha avó, e virou clássico aqui em casa, com o queijo que tiver, de queijo Serrano até queijo prato de padaria, e sempre fica tão, tão bom. E o "soufflé loaf" de vagem. E os flanzinhos de cenoura e espinafre, que fiz à exaustão na época de papinha do Thomas, e que, quando eu via, o Allex tinha comido tudo. E o risotto branco com ovo frito e sálvia. E o pão de forma. E a focaccia, que já virou minha, de tantas vezes que fiz. E o purê de damascos. E os sorvetes. E a omelete de abobrinha. E as cenouras cremosas. E os croissantzinhos. E o pão de cacau. E o de farinhas integrais. E o gnocchi de beterraba. E o iogurte com laranja e leite condensado. E o iogurte com pecãs e romã. Os risotti, de legumes, de tomate, de espinafre com camarão, e a sopa de peixe. Nunca nada saiu menos do que "gostoso". Nunca nada dá errado. E sempre tem gosto de comida de mãe ou de avó.

A verdade é que me sinto assim com todos os seus livros (o Falling Cloudberries, o da Toscana, o da Grécia, o de Veneza...) mais do que com qualquer outro autor, e acho que se um dia saísse do Brasil, tentaria levar todos comigo, e seus novos seriam os únicos que continuaria comprando. Mas se só pudesse levar um, seria Apples for Jam. Pois ele tem receitas como essa, leves, deliciosas, e surpreendentemente fáceis de fazer, apesar de não parecerem à primeira vista.

Linguado enroladinho com espinafre e molho de tomate. Mesmo tendo feito o molho com tomates frescos, ainda foi fácil. Enrolar o peixe foi bico. Fiz tudo com antecedência, e quinze minutos antes da hora do jantar, esquentei o molho e cozinhei o peixe, que já estava enroladinho na geladeira. Servi com batatas fritas (como ela sugere) e arroz integral, pois eu só tinha três batatinhas minúsculas. Sucesso com todo mundo, até com o pequeno aniversariante do mês, que graças a deus, não está mais dodói e voltou a comer. "Nossa, gostoso, isso. Muito delicado!", foi o veredito do marido, que odeia "fishy fish".

E esses são, portanto, meus livros de ilha deserta, ou de mudar pra fora.

Não, eu não vou mudar pra fora. (Povo lê na diagonal e se confunde.)

Mas o exercício mental foi interessante. :)

ENROLADOS DE LINGUADO E ESPINAFRE COM MOLHO DE TOMATE
(do livro Apples for Jam, de Tessa Kiros)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 5 colh. (sopa) azeite
  • 2 dentes de alho, descascados e ligeiramente amassados
  • 1/2 lata de tomates italianos picados, ou 4-5 tomates frescos, bem maduros, picados
  • 2 raminhos de manjericão, rasgados
  • sal
  • 3 xic. folhas frescas de espinafre, firmemente apertadas na xícara (cerca de 1 maço pequeno)
  • 1/3 xic. queijo parmesão ralado
  • 8 filés pequenos de linguado, sem pele
  • farinha de trigo, para polvilhar
  • fatias de limão, para servir
  • palitos de dente para prender


Preparo:

  1. Aqueça 4 colh. (sopa0 de azeite e um dente de alho numa frigideira funda com tampa, que consiga acomodar posteriormente todos os rolinhos de peixe. Quando o alho começar a fritar, junte o tomate picado e o manjericão, tempere com um pouco de sal e deixe levantar fervura. Cozinhe em fogo baixo por dez minutos, amassando e mexendo às vezes com uma colher, até que forme um molho. Se começar a pegar na panela, ou secar, junte um pouquinho de água, só pra ajudar o tomate a se desmanchar. 
  2. Enquanto isso, em outra frigideira, aqueça o restante do azeite e o outro dente de alho. Junte o espinafre e cozinhe por alguns minutos até que murche e reduza o volume. Retire do fogo, retire o dente de alho, descartando-o, junte o parmesão e acerte o sal. 
  3. Coloque os filés de peixe na tábua, com a parte que costumava ter a pele virada para baixo. Coloque uma colher (chá) cheia de espinafre no centro de cada um. (Eu coloquei mais, depende do tamanho dos filés.)
  4. Enrole bem apertadinho e passe um palito de dente de um lado ao outro, prendendo firmemente a ponta.
  5. Passe os rolinhos cuidadosamente na farinha de trigo, cobrindo-os ligeiramente. 
  6. Acondicione os rolinhos na panela do molho de tomate já quente, em uma única camada. Polvilhe com um pouco de sal. 
  7. Coloque a tampa e cozinhe em fogo brando por 5 minutos. Destampe, vire os rolinhos cuidadosamente,  polvilhe com sal outra vez, tampe novamente e cozinhe por mais 5 minutos, até que o peixe esteja cozido (dá pra sentir o cheirinho dele cozido, mas é sempre bom testar um e ver se já está opaco por dentro.) Se o molho estiver secando muito antes do peixe ficar pronto, acrescente algumas colheres de água e deixe esquentar outra vez. Sirva com as fatias de limão. 



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Grissini, controle, expectativas

Tenho boas lembranças de um reveillon numa Era Pré-Filhos em que meu marido e eu passamos sozinhos, no sofá, vendo desenhos japoneses e bebendo espumante. Um reveillon em que nos livráramos dessa estranha pressão social de "se divertir horrores como se não houvesse amanhã" na passagem de ano e simplesmente descansamos. Foi um dos melhores até hoje, pois passamos tempo juntos, tranquilos, e rimos um bocado.

Na tentativa de reviver aquele momento, decidi que não faria ceia nem coisa nenhuma. Quer dizer... alguma coisa. Comprei alguns embutidos italianos, uns queijinhos, uvas, e resolvi que prepararia apenas duas coisas: grissini (para acompanhar o prosciutto, enroladinho) e focaccia col formaggio, receita que me fora enviada por minha cunhada, há meses, e que eu ainda não tivera o momento perfeito para testar.

A ideia era ficar nos petiscos a noite toda, esperando o momento fatídico dos fogos dos vizinhos, que acordariam as crianças e assustariam os cachorros.

As crianças eram a usual Unidade de Caos pela casa, enquanto eu rolava os palitinhos de massa sob as palmas, na cozinha, o mais longos possível, criando em minha mente uma imagem de um centro de mesa impressionante, de grissini esguios, retos, muito altos. Na minha mente, eu já me orgulhava daquele resultado distante.

Antes disso, a massa da focaccia descansava, esperando para ser aberta. Eu, que acho que sei muita coisa sobre um monte de assuntos, fiquei surpresa quando vi que a focaccia não levava fermento. Criara em minha cabeça toda uma concepção daquela receita que eu lera na diagonal meses antes, achando que produziria uma focaccia tradicional, fofinha, recheada de queijo, e de repente me encontrava à deriva culinária, sem saber exatamente como a coisa toda se desenvolveria.

Nisso, Allex entra na cozinha, ao telefone, e me anuncia que um amigo nosso passará o reveillon conosco. Fiquei contente, mas me perdi um pouco, pensando se haveria comida o bastante, e se eu poderia preparar mais alguma coisa. Então, ele emendou: "E ele vai fazer risotto de frutos do mar." Aquilo que tirou do centro por um instante. Não estou acostumada a ter pessoas cozinhando para mim [constatação, aliás, que me deixou triste por um lado, pois queria que as pessoas cozinhassem para mim às vezes; e por outro, com um sentimento de gratidão que se desenvolveu ainda mais depois de provar o risotto, que ficou delicioso]. Isso quer dizer: não sei como agir quando alguém diz que vai fazer jantar pra mim na minha casa. Também não sei receber presente nem elogio. Dá pra ver um problema bom para discutir com minha terapeuta imaginária. [Por que diabos minha terapeuta imaginária seria especificamente uma mulher também é bom pra discutir com minha terapeuta imaginária. Louca de pedra.]

Enquanto procuro meu marido para espezinhá-lo a respeito da limpeza da casa, percebo que a Unidade de Caos rapidamente tornou-se a Liga da Birra, e me vi berrando com Thomas para parar de correr alucinadamente com a espada atrás dos cachorros, e tentando manter Laura afastada do forno quente enquanto tentava colocar os grissini no forno. Seguro um palito longuíssimo de massa com as pontas dos dedos e imediatamente percebo que fui megalomaníaca em minhas pretensões, uma vez que os grissini são definitivamente maiores que meu forno.
¬_¬

Com a massa nas duas mãos, porta do forno aberta, e meu pé mantendo minha filha cheia de determinação a apenas quinze centímetros de uma queimadura grave, berrei três palvrões de boca cheia e joguei a massa ali dentro como consegui. Uma vez o primeiro palito jogado torto, os outros não tinham como caber retos, e, emburrada, saí acomodando os grissini de qualquer jeito. Alguns em L, alguns como galhos, alguns como serpentes.

Pronto, estava arruinada minha visão perfeita de um centro de mesa imponente e grissini profissionais. A Martha Stewart dentro de mim me olhou com desdém e desaprovação.

Resetei a criança. ["Resetar a criança" é como Allex e eu chamamos o ato de colocar Laura de volta no cercadinho aberto, pois aquele é o marco zero do qual ela partirá, determinada, em sua viagem engatinhenta de volta ao lugar de onde a tiramos em primeiro lugar. Um bebê com uma missão.]

Hora de fazer a focaccia. Thomas continua correndo atrás dos cachorros com a espada, até a hora em que decidimos tirá-la dele, o que causa toda uma onda de birras alucinantes.

A massa da focaccia é aberta como massa de strudel. Familiar, mas estranho. Não há menção do tamanho da assadeira, então apanho uma que acho apropriada, mas sobra muita massa nas laterais. Guardo o excedente para tentar abrir novamente no dia seguinte (funciona, aliás), já que a massa que eu estendi já rasgou e não pode ser transferida para uma assadeira maior. Distribuo o queijo stracchino, pensando como teria sido fácil simplesmente usar catupiry no lugar, estendo a massa por cima, pincelo com azeite, sal, e vai para o forno.

Birras e berros.

Thomas apanha uma cadeira, se empoleira sobre a mesa e começa a servir-se sozinho de tudo, e precisamos controlá-lo antes que coma todo o queijo sem que a visita sequer tenha visto tudo arrumadinho. Meu cenho está franzido há tanto tempo, que desenvolvo uma dor de cabeça pontual no centro da testa. Enquanto Allex cuida da Laura e dou banho no Thomas, a focaccia queima no forno.

Aquela visão do que eu chamara de "focaccia-queijo-quente" em minha mente se desvanece dolorosamente. Tia Martha na minha cabeça, agora, já nem me considera digna de sua atenção, e desaparece para assombrar outra pessoa control-freak.
O cozinheiro. :)
Quando finalmente consigo colocar as crianças para dormir, entro na cozinha e encontro gente limpando camarões, picando cebola, aquecendo caldo, contando anedotas, rindo. Os acepipes foram retirados da mesa da sala e levados à cozinha, e eu respiro fundo, preparo um Negroni com uma das únicas duas doses de Campari restantes na garrafa [porque eu planejei tanto aquele drink, que comprei o Gin e o Vermute, e esqueci de verificar se havia Campari em casa]. Provo um pedaço da focaccia mequetrefe, e ficou gostosinha, apesar de tostada. Olho para aqueles grissini tortos como decoração moderna de floricultura e lembro que Thomas adorou comê-los. Por dias eu veria o moleque com grissini roubados na mão, a qualquer hora do dia.
Focaccia tostada ali na esquerda, cortada em quadradinhos. Tão tostada, coitada, que usei de torrada para os outros queijos.
Pensei no prazer do lado mais Joselito do Universo em subverter todos os planos da pessoa controladora. E em como planejamento engessa sua vida e impede que você aproveite justamente os imprevistos, as decisões de última hora, o acaso.
Um Negroni, um Americano e uma cerveja do Iron Maden depois.

Foi delicioso ter outra pessoa cozinhando para mim, e melhor ainda comer o resultado da empreitada. A noite foi melhor do que eu havia planejado, e os fogos, surpreendentemente, não acordaram as crianças.
Risotto de frutos do mar.

Para esse ano, menos controle, menos expectativas. Mais amigos. Mais grissini tortos.

Xô, Martha. Hello, Nigella.


GRISSINI TORINESI
(do ótimo The Italian Baker, de Carol Field.)
Faz 20-22 grissini muito compridos, ou mais, menores.

Ingredientes:
  • 1 3/4 colh. (chá) / (5g) fermento biológico seco
  • 1 colh. (sopa) / (21g) extrato de malte (vendido em lojas de produtos naturais
  • 1 1/4 xic. / (300g) água morna
  • 2 colh. (sopa) / (30g) azeite de oliva (e mais para pincelar)
  • 3 3/4 xic. / (500g) farinha de trigo, de preferência orgânica
  • 1 1/2 colh. (chá) / (7,5g) sal
  • 1/2 xic. / (85g) semolina

Preparo:
  1. Misture o fermento, o malte e a água numa tigela e deixe descansar por 10 minutos, até espumar.
  2. Misture o azeite. Junte a farinha e o sal e misture até formar uma massa.
  3. Despeje na bancada e sove até que fique elástica, aveludada e macia, por cerca de 8-10 minutos.
  4. Achate a massa em formato retangular (cerca de 35x10cm) em uma bancada levemente enfarinhada. Pincele ligeiramente com azeite, cubra com filme plástico e deixe fermentar até dobrar de volume, cerca de 1 hora.
  5. Polvilhe a massa com um pouco de semolina. Com uma faca ou cortador, corte a massa em 4 porções iguais, mantendo todas com 10cm de comprimento. E então, cada pedaço em 5, ainda mantendo os 10cm, cada uma com a largura aproximada de um dedo gordo.
  6. Você pode rolar a massa como cobrinhas (não enfarinhe a bancada) para alongá-la ou simplesmente apanhar as pontas e esticá-las até o tamanho de sua assadeira ou pedra de forno. Coloque os palitos de massa numa assadeira untada, vários centímetros distantes uns dos outros, enquanto prossegue com os outros grissini.
  7. Não há necessidade de uma segunda fermentação. Se estiver usando uma pedra no forno, pré-aqueça o forno a 230ºC cerca de 30 minutos antes de assar os grissini. Senão, asse na própria assadeira em que estão. Asse-os por cerca de 20 minutos. 
  8. Os grissini se mantém crocantes por dias.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Pici e resoluções


A perspectiva de meu filho entrar em férias por dois meses inteiros fazia os cabelos atrás de minha nuca se arrepiarem. Dois meses com duas crianças em casa e trabalho para fazer. Tinha planos para "delargar" a criançada o maior tempo possível nas casas das avós. Com Thomas saracoteando pela casa loucamente e Laura engatinhando como quem tem uma missão, não parecia que teria sossego o bastante para pintar coisa alguma.

E minha sogra foi viajar e deixou a cadelinha conosco. Já com 7 anos (acho) e não muito costume de ficar com crianças ou ter um gramado, foi aquele deus-nos-acuda na primeira semana, de recolher "presentinho" do gramado antes que o bebê chegasse perto e vigiar constantemente para que o bichinho não avançasse na Laura-puxa-rabo ou no Thomas-corre-atrás-latindo-com-espada-na-mão.

Acrescido a isso o montante de compromissos de fim de ano e pequenos-grandes contratempos de cunho pessoal, a primeira semana de férias não teve nada de relaxante. Daí que nada -NADA- saiu como eu queria, e minha longa lista de quitutes de natal ficou restrita a:

  • Spekulatius: ficaram bons, feitos pré-crise-de-férias; acabaram antes de preparar qualquer outra coisa;
  • Torrone: ficaram uma droga; as claras desinflaram quando a calda de mel estava na temperatura certa, e tive de reaquecer tudo enquanto batia mais claras, e o mel cristalizou, e o torrone ficou pastoso;
  • Panforte nero: ficou ótimo, e foi o maior orgulho ver o Pequeno-Devorador-de-Frutas-Secas comendo aquele doce tão "adulto" como se fosse chocolate. Mas foi feito em novembro e deixado "maturar" até o Natal, então não conta. Pré-crise;
  • Panettone: esqueci de macerar as frutas na noite anterior e na hora de incorporar as cascas de laranja... descobri que haviam acabado e não tinha mais no supermercado, assim como nenhuma outra fruta cristalizada. Tive de substituir com o que tinha e não ficou nem de perto saboroso como o do ano passado. Queimou na base e ficou com o miolo ressecado. Crise se instalando;

  • Bûche de Nöel: de última hora, decidi preparar o bolo, com medo de que o torrone tivesse ficado ruim (check!), o panforte tivesse mofado embrulhado nesse calorão por um mês (nope!), o Panettone estivesse sem graça (check!) e todo mundo ficasse sem sobremesa, única coisa da qual eu havia ficado encarregada esse ano. Aí... o bolo do rocambole foi fácil de fazer mas ressecou. A mousse do recheio não firmou. Na hora de enrolar, o bolo quebrou todo e a mousse vazou toda pra fora. A ganache, maravilhosa (mesma desse bolo aqui), salvou tudo e deixou com cara de alguma coisa que valia a pena ser comida. Os cogumelos da decoração... era pra ser aquela coisa linda, com farinha de castanha, o que em inglês produziriam... "chestnut mushrooms"! Nhóin. *_* Bom, eu li a receita com pressa e coloquei no forno por 2 horas a 200 graus. Acontece que eu coloquei a 200 graus Celsius, e a receita era em Farenheit. Em meia hora, só faltavam os bombeiros aparecerem para ver que fumaça preta era aquela que invadira toda a cozinha. No meio do caos pré-Natal, resolvi tentar de novo. Desta vez, resolvi que o passo de incorporar o açúcar e a farinha de castanha com uma espátula no final obviamente era uma frescura, e meti tudo na batedeira. Lixo. As claras desinflaram e eu quis quebrar minha própria cabeça idiota com a batedeira. Determinada, tentei pela última vez, com a última clara descongelada que eu tinha e sem a farinha de castanha. Enquanto estava no forno, conformada com a terceira derrota, cortei alguns damascos ao meio. Já que eu não teria cogumelos, faria outro tipo de fungo de madeira no meu bolo-tronco. Mas, milagre dos milagres, os cogumelinhos deram certo e ficaram ótimos, e compuseram, junto com a "neve" de coco ralado, a coisa mais bonita que já saiu da minha cozinha. Só que o gosto do bolo ficou sem graça. #Fail. Crise no ápice.
Passado o Natal, conforme as crianças foram se acostumando ao novo cãozinho e eu me acostumando à bagunça, dei-me conta de que não era apenas meu filho que estava de férias. Meus clientes também. E, deixando as crianças na avó, primeiro Thomas, depois Laura, percebi que os dois já haviam de tal forma criado entre si uma espécie de Liga-Épica-de-Destruição-e-Risada, uma Unidade de Caos, que era estranho estar com um e não com outro. A interação dos dois trazia alegria para a casa.

Então eu relaxei.

Decidi que ao invés de me culpar por não estar pintando joça nenhuma, aproveitaria essa fase fofa dos filhotes que não volta mais, integralmente. Ligo o computador só pra ter certeza de que não há trabalho a ser feito e então corro atrás deles, divirto-me com suas idiossincrasias, a lógica bizarra de criança, a correria, a barulheira, a cachorrada latindo, a Pequena Unidade de Caos. E percebi que conquanto não criasse uma expectativa com relação a meu dia e minhas atividades particulares, tudo correria bem e o único stress seria fazer Thomas comer seu brócolis.

Decidi que acabaria com essa ideia idiota de preparar trocentos doces natalinos e me ateria, a partir de então, a panforte (que eu de fato adoro e é muito fácil de fazer, além de poder ser feito com imensa antecedência) e talvez panettone, mas que agora a diversão seria preparar coisas que nunca fiz antes, sem a pressão de uma lista tão grande de afazeres numa época já tão atribulada.

Decidi que está na hora de voltar correr. Como der, quando der, o quanto der. Mas botar as pernas em movimento é prioridade, uma vez que não quero que meu visto temporário no País das Pelancas Pós-Bebês vire cidadania.

Decidi que, depois de um ano de Facebook, eu não estava perdendo nada. Voltei a entrar em contato com dois ou três amigos que andavam distantes, mas a verdade é que se eu (ou eles) quiser manter esse contato, nossos telefones estão devidamente atualizados. Nesse um ano, saí menos com meus amigos do que em anos anteriores. Não por estar longe, não por ter dois filhos. Mas porque ficar comentando bobagens via internet me trazia a ilusão de que estávamos conversando, e me destituía da necessidade de de fato chamá-los para sair tanto quanto eu costumava. Além disso, o Facebook me mostrou que muitas das pessoas que eu admirava pensam cocô boa parte do dia. Facebook me deprime. Facebook me lembra constantemente que o mundo é um lugar nojento, enquanto eu faço uma força brutal para tentar me convencer de que há beleza nele. Então, depois de um ano desperdiçando meu tempo com essa viciante rede de solidão e narcisismo, decido que não quero mais fazer parte dela. Vou transformar minha página pessoal numa página exclusivamente de trabalho e boa noite. Amigos, vocês têm meu telefone.

Decidi terminar de me desapegar de algumas tralhas que só fazem peso a cada mudança de casa, como aqueles livros que a gente continua guardando, não porque você usa de referência ou pretende ler outra vez, mas porque ficam bem na estante, contam para os outros um pouco sobre você (ou o que você gostaria que os outros acreditassem sobre você). Hmmm... acho que ninguém precisa ficar olhando para aquele imenso dicionário de verbetes de filosofia para saber quem eu sou, e eu nunca – NUNCA – abri aquele dicionário em 17 anos. Estou à procura de bibliotecas que aceitem doações de livros diversos (por incrível que pareça, há muitas que não querem) ou boas redes de troca de livros (sugestões?) para começar a manter a leitura em dia sem gastar mais dinheiro ou entulhar mais a casa.

Aliás, decidi colocar a leitura em dia.

Decidi que de vez em quando faz bem para a cabeça me dar férias. Não exatamente férias para não fazer nada, mas férias da obrigação e pressão pessoal de fazer coisas.

Decidi que o fim de semana é um bom momento para preparar massas caseiras e que quero fazê-las mais vezes. A máquina de macarrão já estava acumulando poeira dentro do armário, e, unido ao fato de que meu filho em seus quase 3 anos nunca comera massa caseira, tudo me pareceu muito errado. Comecei já há algum tempo a voltar a fazer macarrão de fim de semana, primeiro um fettuccine básico na máquina, depois um com farinha de castanha (e molho de porcini, uma delícia), então de beterraba, então ravioli de berinjela e ricotta...

E me ocorreu que eu não necessariamente precisava usar a máquina, e poderia preparar outros tipos de massa, daqueles de velhinhas italianas em mesinhas de madeira em ruelas de vilarejos medievais.

Quão divertido é isso???

[Quão louca eu sou???]

MUITO divertido.

[Louca de pedra.]

A primeira massa sem máquina que fiz foi Pici, uma massa longa típica de Siena, na Toscana. Comi Pici na minha primeira viagem à Itália, há 9 anos, com um molho simples de alho, azeite e pimenta fresca, e era uma delícia. Era um restaurante pequeno que só servia comida tradicional e não tinha cardápio em inglês, razão pela qual o casal de americanos na mesa ao lado entrou em pânico e pediu minha ajuda para escolher um prato. Lembro-me de que a mulher não arriscou nenhuma outra indicação minha e acabou pedindo o mesmo que eu, apesar de ter avisado a respeito do "pepperoncino". Calhou que ela não era tão fã de pimenta quanto eu e passou o jantar todo de rosto vermelho e olhos lacrimejando, enquanto eu me deliciava com aquela massa fresca, de textura macia e resistente à mordida e o molho apimentado. De sobremesa, uma fatia de panforte, e talvez tenha sido justamente a presença do panforte na minha cozinha que tenha me levado a essa receita para o almoço de domingo.

Pici é uma excelente massa para quem nunca fez macarrão ou não tem máquina em casa. Ela é naturalmente rústica na aparência, então você não precisa se preocupar em criar uniformidade, e o processo é fácil até para uma criança. Você já brincou de fazer cobrinhas de massinha de modelar quando criança? Então você tem a habilidade necessária para fazer Pici.

O segredo, para mim, é a textura da massa: você deve senti-la úmida e macia, mas não pode grudar nos dedos. Se estiver craquelada ou esfarelada, está muito seca. Pense em argila macia. Isso vale para a massa de ovos também.

O molho é improvisação minha, no entanto, já que não havia pimenta fresca. A quantidade de pimenta-calabresa torna o molho um bocado picante, mas as crianças rasparam o prato com gosto. Se achar mais apropriado, diminua a quantidade. (A massa deve ficar ótima com ragù, aliás.) 
 


PICI
(do ótimo Twelve: A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros)
Rendimento: 6 porções (quando preparei, fiz 4 porções, apenas reduzindo a receita para 2/3 dela. O molho sobra um pouco, nesse caso, mas nada que um pãozinho não resolva... :)

Ingredientes:
  • 600g farinha de trigo
  • 300ml água
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1/2 colh. (chá) sal

Preparo:
  1. Coloque a farinha numa tigela grande e faça um "fosso" no meio. Coloque ali o azeite, o sal e uma parte da água e comece a mexer com os dedos ou um garfo, para incorporar a farinha gradualmente. Vá juntando mais água conforme a farinha for absorvendo e quando formar uma massa, derrube na bancada e comece a sovar. A massa deve absorver toda a farinha e eventualmente parar de grudar nos dedos ou na bancada, mas não pode ficar craquelada ou esfarelada. Sove por uns dez minutos. A massa é mais pesada que massa de pão; use o peso do seu corpo para sovar, para não cansar os braços. Quando a massa estiver macia e uniforme, embrulhe em filme plástico e deixe descansar por 20-30 minutos, período durante o qual a farinha termina de absorver a água, o glúten relaxa e a massa fica mais suave e maleável – não pule esse descanso.
  2. Desembrulhe a massa e numa banca ligeiramente enfarinhada (se precisar) abra com um rolo em forma de retângulo estreito, com 1cm de altura. Corte tirinhas finas, de não mais de 1cm de largura. Uma a uma, abra rolando as palmas das mãos para frente e para trás, como quem faz cobrinhas de massinha, até obter fios bem compridos (corte ao meio se achar difícil manipulá-los quando muito longos) e quase tão finos quanto spaghetti grosso. Não se incomode se não ficar uniforme. O importante na hora de abrir é não enfarinhar sua bancada, ou você terá dificuldade de abrir os fios. Teoricamente a massa só estará grudando o bastante para criar atrito na bancada e alongar-se. 
  3. Conforme os fios forem ficando prontos, deixe-os numa assadeira grande e polvilhe bem com farinha, misturando-os com os dedos em garfo, para que não grudem uns nos outros. (Você pode deixá-los nas costas da cadeira, como fiz, mas tem que trabalhar rápido, pois conforme secam, podem romper-se com o peso pendurado). 
  4. Cozinhe em abundante água fervente com sal, misturando com um garfo assim que colocar os fios na água, para que não grudem. O Pici, por ser mais espesso, não vai cozinhar tão rápido quando fettuccine fresco, mas não vai demorar tanto quanto massa seca. Vá experimentando a cada minuto. Ele deve ter gosto de cozido, ter inchado um pouco e ter uma textura resistente à mordida. Cerca de 3-4 minutos. Escorra, misture imediatamente ao molho e sirva.

MOLHO COM PIMENTA CALABRESA
(improvisação minha)

Numa frigideira grande, aqueça em fogo médio uma colher (sopa) de azeite, 3 dentes de alho fatiados e 1 colh. (chá) pimenta calabresa seca (para um molho bem apimentado; você pode diminuir essa quantidade a gosto). Quando o alho soltar o aroma, junte duas latas de tomate italiano (ou 8 tomates frescos sem pele, picados), mexa bem com uma colher de pau,  quebrando os tomates em pedaços menores, abaixe o fogo e deixe apurar por cerca de 20 minutos, mexendo de vez em quando para não queimar, até que fique mais espesso. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto, uma colher (chá) vinagre de vinho branco, e, antes de escorrer a massa, junte 1/3 xic. da água do cozimento da massa, agora cheia de amido. Junte a massa escorrida, um fio de azeite e misture bem. Sirva polvilhado de parmesão

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Gnocchi de beterraba e pudim de morango: uma refeição cor-de-rosa

Sou a pior formadora de bolinhas de gnocchi do mundo. Fato.
Num ótimo livro do Neil Gaiman, um demônio dirigia um carro cujo toca-fitas, depois de uma semana, transformava qualquer fita em Fred Mercury. O que parecia insuportável para o demônio, para mim, não é problema nenhum. Se existe uma coisa que me deixa de bom humor infinito e instantâneo é ligar o carro e estar tocando Bohemian Rhapsody no rádio. Dirijo de vidro aberto, som alto, cantando forte e chacoalhando a cabeça, no melhor estilo Wayne's World. Ainda bem que a Castelo Branco é uma reta, e possibilita head-banging sem causar acidentes de trânsito. ;)

Bom humor instantâneo é também ser acordada com uma xícara de café. Nem Thomas me cutucando me tira tão rápido da cama quanto o cheiro de espresso recém-tirado.

Ou descobrir que meu pezinho de acelga italiana (bietola) cresce de novo toda vez que eu corto as folhas, e vira um pezão gigante e bonito, que nem as lesmas conseguem destruir, e vale uma refeição inteira a cada quatro semanas, que é o tempo que ela leva para crescer de novo. Maravilha, considerando que eu plantara um bocado delas e essa foi a única sobrevivente dos tempos de chuva.

Ou ver vizinhos recolhendo o cocô do cachorro. Acredite em mim, acho isso um evento tão raro, que quando vejo alguém no ato, não contenho um sorriso. Tenho vontade de ir até o transeunte e dar um abraço, dizer obrigado por ter consciência, por ter respeito pelos vizinhos, por impedir que nossa vizinhança seja dominada por moscas nojentas.

Ou quando Thomas diz "dagão", segurando seu dragão vermelho e laranja, presente da tia Wenddi, que conseguiu encontrar um dragão igualzinho ao desenho do quadrinho de maternidade do Thomas. Garotinho épico, que vai ganhar sua primeira espada de plástico de três reais no Natal.

Ou quando Laura sai "engatinhando" de bumbum, gorduchinha, parecendo um Pogobol de carne e osso. Tóin, tóin, tóin!

Em contrapartida, algumas coisas são capazes de transformar meu lindo dia de sol e passarinhos cantando em uma nuvem negra e pútrida de mal humor e chuva ácida, muito rapidamente. Ou, pelo menos, causar aquela irritaçãozinha que faz os pelos da sua nuca se eriçarem.

Louça empilhada no escorredor de qualquer jeito que não seja: menores e quebráveis embaixo, maiores e resistentes por cima, pratos organizados por ordem de tamanho, maiores atrás, menores na frente. Ainda vou escrever uma tese sobre análise de personalidade de acordo com o modo como as pessoas empilham a louça no escorredor.  Sei reconhecer quem lavou a louça em casa pelo modo bizarro com que a empilharam na pia. Meu marido vive perigosamente e empilha coisas quebráveis por cima de tudo. Minha mãe ignora o porta-talheres, o porta-copos e até os encaixes dos pratos e empilha os pratos encharcados na pia, como se estivessem sujos. Isso me deixa LOUCA. Meu pai é engenheiro e o escorredor para ele é peça de decoração, pois ele seca tudo e guarda depois de lavar. Isso eu acho legal, apesar de ser meio T.O.C.

Fio de cabelo grudado na parte de trás do seu braço, que você sente te fazer coceguinhas o dia todo mas não consegue encontrar pra arrancar fora, e fica feito uma louca no meio da rua, com tique de ficar batendo no próprio braço e coçando o cotovelo feito macaco.

Gente que fala "assêto balsâmico". Se é pra falar o nome original, pronuncie direito: "atchêto", como "atchim" e não como "assim". Senão, fale "vinagre balsâmico", que é o que aceto quer dizer e fica menos pretensioso. (O mesmo vale para cada vez que vou numa padaria e me oferecem "siabata". TCHiabata, pelamordedeuspai.) Eu sei que pareço esnobe falando isso, mas realmente me dá um siricotico.

Gente que coloca artigo na frente do verbo no infinitivo, em particular quando se referindo a coisas simples e inatas, tentando dar mais importância ou seriedade ao tema (ou a seu envolvimento nele). Exemplo: "O Brincar". Cada vez que alguém começa uma frase dizendo "O Brincar é..."eu tenho vontade de levantar e sair andando sem nem me explicar.

Cappuccino saído de um potinho. Errado. Simplesmente errado.

Gente que não sabe a diferença entre sarcasmo e ironia.

Quando você pede um espresso num café qualquer, moço tira o espresso com uma espuma bonita e deixa a danada da xícara ali, sentada na gradinha da máquina, esperando sabe-se deus lá o quê. Dá vontade de pular o balcão, dar um pescotapa no atendente e pegar meu café enquanto ele ainda está razoavelmente quente e com espuma decente. 

Mulher que grita histérica quando encontra uma amiga num local público. Sério. Por quê?

Aí tem daquelas coisas no meio termo. Que deixariam outras pessoas possessas, mas que eu dou de ombros e rio um pouco.

Gente que mexe na comida com as mãos. O episódio do Rodrigo Hilbert metendo a mão na massa de bolo para colocar na forma, que (parafraseando meu marido) "deixou a comunidade blogueira em polvorosa". Vai pro forno? Podia mexer a massa com o joanete que eu não me importo. Muito mais irritante é povo cozinhando com luva de cirurgia.

Quando me dizem que minha saia não combina com minha blusa. O seguinte pensamento me vêm à mente: "um de nós trabalha com artes gráficas", seguido de "quem se importa, de verdade?".

Quando minha filha deixa o cachorro morder seu pão com manteiga e volta o pão mordido à boca antes que eu consiga impedi-la. Vitamina S. Quem nunca? Eu sei o gosto que tinha a areia do tanque de areia do prédio onde cresci e que os gatos da vizinhança fatidicamente usavam de banheiro. Saúde de ferro. ;)

O fato de que a fase princesa-cor-de-rosa me parece tão ridiculamente inevitável nas meninas de hoje em dia, que eu de fato fiz uma refeição inteira cor-de-rosa e pensei que minha filha talvez adorasse isso quando mais velha.

No entanto, não importa quanto Bohemian Rhapsody, e quanto tóin-tóin-tóin de Pogobol minha filha faça por aí, o que mais me tira do sério hoje em dia é passar meu tempo assando beterraba, cozinhando batata, formando as bolinhas de gnocchi mais disformes do universo, cozinhando couve, fazendo pesto, juntando tudo, chamando pimpolho pra ajudar a botar os gnocchi na água fervente e brincar de me avisar quais já subiram à superfície, servir tudo para a família... e o Matador-de-Dragões-Catador-de-Salsinha não experimentar NENHUM. E, por isso, depois de muito drama, ficar sem comer o pudim de morango.

¬_¬

Mau humor, teu nome é birra de criança.

Não vou chamar de panna cotta, não vou.
Os gnocchi de beterraba ficaram uma delícia com o pesto de couve-manteiga, e pelo menos Madame-Bochechas-Comedora-de-Pedras adorou e raspou o prato. O pudim de morango é fácil, e no livro do Bill Granger constava como "panna cotta de morango". Não. Não e não. Pudim de morango. Panna cotta é creme cozido. Nesse pudim vai morango e iogurte. Pudim. Pronto. E não adianta rolar os olhos e me chamar de chata. Esse sim foi sucesso absoluto com o pequeno. Meu paladar que não come Danoninho há pelo menos quinze anos achou que o pudinzim ficou muito parecido com o queijinho que vale por um bifinho (para pra pensar no absurdo desse slogan. ¬_¬). 

Taí. Uma refeição cor-de-rosa e deliciosa. Para melhorar o humor em dias que não começam com Fred Mercury.

GNOCCHI DE BETERRABA COM PESTO DE COUVE-MANTEIGA
(adaptado do livro Apples for Jam, de Tessa Kyros, e da revista Donna Hay)
Tempo de preparo: 1 hora + o tempo de assar as beterrabas
Rendimento: 4 porções generosas

Ingredientes:
(gnocchi)
  • 3 batatas médias, limpas mas ainda com casca
  • 1 beterraba pequena (ou duas bem pequenas, quase baby), assada e descascada*
  • 1 2/3 xic. farinha de trigo
  • 1/2 xic. parmesão ralado
  • 1 ovo grande
  • sal
(pesto de couve)
  • meio maço pequeno de couve, talos inclusive, cortados em tiras largas
  • 1/2 xic. folhas de manjericão fresco, sem os talos (só acomodados na xícara, sem apertar)
  • 3-4 castanhas do pará
  • 1/2 xic. parmesão ralado
  • 1 dente de alho pequeno, descascado
  • suco de meio limão (ou a gosto)
  • azeite extra virgem quanto baste
  • sal e pimenta-do-reino a gosto

* Para assar a beterraba, lave-a bem, para tirar resquícios de terra, espete com uma faca algumas vezes e embrulhe em papel-alumínio. Coloque no forno pré-aquecido a 180ºC-205ºC, e asse por 1 hora ou até que a beterraba esteja extremamente macia. Deixe esfriar na bancada, ainda embrulhada no alumínio, e então abra e retire a pele facilmente, descartando. Costumo fazer isso assim que compro beterrabas, e já deixo uma porção delas na geladeira, em pote fechada, para usar no que quiser. Dura mais de uma semana sem estragar e poupa muito tempo. O que você não usar, pode transformar em purê e congelar por meses.
 
Preparo:
  1. Cozinhe as batatas inteiras em água com sal até que estejam bem macias. Escorra e volte para a panela no fogo médio por alguns segundos, para terminar de secar. Passe num passa-verdura ou amassador de batatas junto com as beterrabas enquanto ainda estão quentes e descarte qualquer casca que tiver ficado presa no amassador. 
  2. Junte ao purê ainda quente a farinha, o queijo, sal a gosto e o ovo, e misture muito bem. Vai ficar grudento, mas você tem que ser capaz de moldar alguma coisa. Caso contrário, coloque mais farinha, mas muito pouco, ou os gnocchi vão ficar pesados.
  3. Passe a massa para uma bancada ligeiramente enfarinhada, divida a massa em porções menores e role salsichas compridas com elas, de não mais que 2cm de diâmetro. Corte em pedacinhos de 0,5cm a 1cm (lembre-se que os gnocchi inflam quando cozidos, então gnocchi menores são melhores), faça uma concavidade com o dedo (ou role no garfo ou no ralador, o que for sua pegada)  e deixe-os numa assadeira enfarinhada até a hora de cozinhar. 
  4. Aqueça uma panela grande com água e bastante sal. Cozinhe a couve por alguns minutos, até que os talos fiquem um pouco macios, mas as folhas ainda tenham um verde bem vivo. Retire com uma escumadeira e reserve a panela com água para cozinhar os gnocchi.
  5. Passe a couve na água fria para parar o cozimento e esprema bem nas mãos, para retirar o excesso de água. Coloque no processador ou liquidificador junto com todos os outros ingredientes. Junte um pouco de azeite e bata bem até transformar em um molho grosseiro. Vá juntando azeite até dar consistência de molho espesso. Acerte o tempero a gosto. Coloque uma parte do molho no fundo de uma travessa grande. (Você provavelmente só vai usar metade do molho para os gnocchi. O resto pode ser congelado para uso posterior.)
  6. Cozinhe os gnocchi na água fervente em três ou quatro levas, retirando com uma escumadeira conforme eles forem subindo à superfície e espalhando sobre o molho na travessa. Quando tiver cozinhado todos, junte mais um pouco de molho e misture. Sirva polvilhado e mais parmesão.

PUDIM DE MORANGO
(do livro Bill Granger Easy)
Rendimento: 4-6 porções, dependendo do tamanho dos potinhos

Ingredientes:
  • 400g morangos frescos, bem maduros
  • 250g iogurte natural integral
  • 185ml creme de leite fresco
  • 55g açúcar
  • 4 folhas de gelatina

Preparo:
  1. Bata os morangos e o iogurte no liquidificador até ficar homogêneo e passe numa peneira fina para retirar as sementes.
  2. Coloque o creme e o açúcar numa panela e leve à fervura branda, mexendo para dissolver o açúcar. Enquanto isso, coloque a gelatina em água fria e deixe amolecer um pouco, mas não desmanchar. 
  3. Esprema a gelatina nas mãos para retirar o excesso de água e junte ao creme quente, mexendo bem para dissolver.
  4. Remova do fogo e rapidamente misture ao iogurte de morango. 
  5. Divida em potinhos e leve à geladeira por no mínimo 8 horas, até firmar. Para servir, passe uma faquinha pelas laterais e inverta num prato.
 

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Panettone e arrego


Chegando à reta final do barrigão gigante. Duas? Três? Quatro semanas? Ninguém sabe, pois ao que tudo indica minha pequena justiceira é apressadinha, além de hiperativa (puxou a mãe?). Apesar de, graças aos deuses, não ter inchado ou engordado como no fim da primeira gravidez (benzadeus pela filha ogra, que sugou toda a gordura que pus pra dentro), a pança anda pesando um bocado, uma mão saindo pelo umbigo, outra empurrando minha bexiga, um pé no externo e outro nos meus pulmões. Não tenho fôlego mais para coisa nenhuma, e meu marido frequentemente olha para mim com ares de piedade, ao me ver ofegante e suspirante durante o simples ato de abaixar para catar um brinquedo do chão.

É isso. ARREGUEI.
Olha o tamanho da melancia.
E o cabelo bicolor-água-de-salsicha, que não vejo a hora de pintar de castanho de novo.
(Grávida com cara de psicopata, segundo meu marido.)
Por isso, nesse Natal, "delarguei" a ceia. Zero condições de ficar três dias com umbigo no fogão como fiz nos outros anos. Disponibilizei casa e bebida, e comida foi toda trazida pela mãe e pela sogra. E foi uma delícia.

No entanto, agora o tempo chuvoso trouxe temperaturas mais amenas, eu oficialmente entrei em "pré-licença maternidade" [não vou pegar nenhuma encomenda de trabalho, mas continuarei vendendo o que estiver disponível na LOJA] e a pressão da data-limite 25 de dezembro passou. O que restou agora foi a vontade de produzir todos os quitutes que ignorei em dezembro. E se o supermercado pode vender panettone em setembro, por que não posso prepará-lo depois do Natal? (E torrone em janeiro? E panforte em julho? Quem se importa?)

Esse foi uma adaptaçãozinha de nada de uma receita da tia Martha Stewart, e, depois de experimentar essa textura de nuvem, decidi que é esse meu panettone oficial a partir de agora. Se você também não se importa em fazer panettone depois do Natal, faça esse.

Enquanto como minhas fatias (e divido com o pimpolho, fã de frutas secas como a mãe, e que descobriu o figo seco e o tem comido como se fosse chocolate), fico esperando a chegada da pequena ginasta de barriga, e fantasiando com minhas margaritas, meus vestidos de cintura marcada, minha soneca de bruços...

PANETTONE
(ligeiramente do ótimo livro Martha Stewart Baking Handbook)
Rendimento: 1 panettone

Ingredientes:
  • 1 xic. frutas secas (usei uma mistura de frutas cristalizadas, passas escuras e claras)
  • 80ml suco de laranja
  • 80ml  suco de limão siciliano
  • 40ml rum escuro
  • 1/8 colh. (chá) noz moscada ralada na hora
  • 40ml água morna
  • 2 1/4 colh. (chá) fermento biológico seco
  • pouco mais de 2 xícaras de farinha branca orgânica (295g)
  • 1/4 xic. leite integral morno
  • 1/3 xic. açúcar cristal orgânico
  • 2 ovos grandes, orgânicos, + 2 gemas pequenas (ou 1 bem grande)
  • 1/2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 90g manteiga sem sal, gelada, cortada em cubinhos (e mais para pincelar)
  • 1/2 colh. (chá) sal cheia
  • 1/2 colh. (sopa) creme de leite fresco

Preparo:
  1. Misture as frutas, os sucos, o rum e a noz moscada, cubra e deixe macerar enquanto prepara o panettone.
  2. Numa tigela pequena, junte a água morna e metade do fermento e deixe descansar por 5 minutos até que espume. Junte 1/4 da farinha, misture e cubra com filme plástico, deixando que fermente e dobre de tamanho por 30 minutos.
  3. Coloque o leite morno numa tigela média e polvilhe o restante do fermento. Deixe descansar por 5 minutos até que espume. Enquanto isso, numa tigela média, bata os ovos, as gemas, o açúcar e a baunilha até que fique homogêneo. Junte a mistura de leite.
  4. Na tigela da batedeira planetária, bata a manteiga gelada, o sal e o restante da farinha, usando a pá, até que forme uma farofa grossa. (Alternativamente, faça isso com as pontas dos dedos numa tigela grande.)
  5. Com a batedeira em velocidade baixa, junte a mistura de ovos e bata em velocidade média até que fique uniforme. (Alternativamente, bata com uma colher de pau.)
  6. Junte a massinha de farinha e fermento e bata vigorosamente até que fique grudenta e elástica, e forme longos fios quando esticada, cerca de 9 minutos. Pode parecer que aquilo nunca vai virar massa, mas vai sim. 
  7. Escorra as frutas cristalizadas, descartando o líquido, e junte-as à massa, sovando para incorporar bem. Coloque a massa numa tigela grande, untada com manteiga, e cubra com filme plástico. Deixe fermentar por cerca de 2 horas.
  8. Unte generosamente uma forma de panettone de 16cm de diâmetro. Alternativamente, use a forma de papel, sem untar, ou faça como eu: use uma forma de bolo de 16cm, unte, e crie as paredes altas com camada dupla ou tripla de papel alumínio bem untado. Coloque a forma numa assadeira. 
  9. Coloque a massa numa superfície ligeiramente enfarinhada e sove um pouco. Forme uma bola e coloque dentro da forma. Cubra com um pano ou filme plástico e deixe fermentar por mais 45-60 minutos. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 205ºC, com a grade na posição mais baixa. 
  10. Pincele a superfície do panettone com creme de leite e, usando uma tesoura de cozinha, faça dois cortes no topo, fazendo um X. Asse por 15 minutos. Reduza a temperatura para 180ºC e continue assando, até que esteja dourado escuro e um palito inserido no meio saia limpo, cerca de 45 minutos. (Fique atento a qualquer cheiro de queimado, para que o fundo não queime. E se a parte de cima dourar rápido demais, cubra com papel alumínio soltinho.)
  11. Transfira a assadeira para uma grade e deixe esfriar por 15-20 minutos. Desenforme o panettone e deixe esfriar completamente. Dura 3 dias bem embrulhado em filme plástico.

Cozinhe isso também!

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