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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Sopa japonesa de cogumelos e a redenção do kombu

Estou aqui para provar minha própria teoria, e confirmar que realmente não há nada de se comer de que eu não goste. A teoria: não é do ingrediente que você não gosta, mas do jeito como ele foi preparado. A confirmação: kombu.

Minha única experiência com o kombu, essa alga grande, estranha, cuja manipulação apenas me traz em mente aqueles enormes aquários de três andares com colunas inteiras de algas se movimentando devagar ao passar dos peixes, foi totalmente traumática. Ao ponto de decretar com todas as letras que finalmente encontrara algo de que não gostava no mundo. No entanto, sempre parto do princípio de que, considerando que outras pessoas apreciam muito o ingrediente X, é mais provável que eu não o tenha preparado direito do que o ingrediente ser simplesmente ruim.

Eu ando completamente fascinada por receitas orientais. Sei que é horrível dizer "oriental", como se fosse tudo farinha do mesmo saco. Mas considerando que meu livro de referência faz um apanhado dos clássicos de toda a Ásia exceto Índia, minha pequena obsessão tem sido sim bastante genérica: post-its coloridos enfeitam meu livro marcando receitas tailandesas, japonesas, chinesas, coreanas, filipinas, entre outras.

Ainda que cogumelos me pareçam um sabor totalmente outonal, foi difícil não notar que eles andaram sumidos das prateleiras nos meses mais frios mas andam abarrotando o meu mercado esse mês. [O que me lembra de que preciso correr atrás de mais informações sobre a sazonalidade dos cogumelos no Brasil.] Querendo algo leve, no carbs, para o jantar, a obsessão não permitiu que eu deixasse passar essa sopa japonesa, mesmo o título dela sendo "sopa de cogumelos frescos de Outono". Hmmm... Finge que ninguém viu.

Primeiro ingrediente da lista: kombu dashi. What the hell? Kombu dashi é o caldo de kombu. Puro, assim, kombu deixado na água por horas a fio até liberar seu sabor e cor à água. Droga. Kombu. Justamente kombu.

*Suspiro*

Lá vou eu, então, tentar o kombu de novo. Porque uma coisa que não combina comigo é o ditado "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço". "Viva pelo exemplo", como meu guru diz, faz mais sentido. :)

A receita pedia também cogumelos shiitake, "oyster" e "cloud year". Fui pesquisar. A Wikipedia parece ter informações conflitantes sobre o Oyster (Pleurotus ostreatus), mostrando fotos completamente diferentes em inglês e português. Um pouco mais de pesquisa me fez concluir que o Oyster é vendido no Brasil em bandejinhas simplesmente chamadas "Cogumelo Pleurotus". O Cloud Ear, por sua vez, não encontrei de jeito nenhum, então simplesmente substitui por quantidades iguais de shiitake e pleurotus. Para ver a carinha de todos os cogumelos e poder comparar e substituir com o que você encontra no seu mercado ou feira, veja aqui.

Fora a ausência do cogumelo Cloud Ear, segui a receita simples à risca. O caldo de kombu é realmente esquisito se experimentado sozinho. Tem gosto de... kombu. Mas misturado aos outros ingredientes, proveu uma base robusta e interessante para os cogumelos, a cebolinha e o gengibre. A sopa é muito leve, ótima para uma noite de verão um pouco mais fresca, e muito mais gostosa do que eu imaginava que seria. Não apenas eliminou minha birra com o kombu, como também me fez olhar de outra forma para o pleurotus. Eu o preparara como outros cogumelos em outra ocasião, e achara sua textura meio esquisita. Na sopa, no entanto, funcionou perfeitamente, e ele se desmanchava na boca. Nham.

É oficial. Não tem comida de que eu não goste. :D

SOPA JAPONESA DE COGUMELOS FRESCOS (se alguém souber o nome original em japonês, diga-me, por favor!)
(ligeiramente adaptado do livro Essentials of Asian Cuisine, de Corinne Trang)
Tempo de preparo: 12 horas (caldo) + 10 minutos (preparo)
Rendimento: 2-3 porções


Ingredientes:
  • 4 xic. kombu dashi*
  • 1/2 xic. mirin
  • 1/3 xic. shoyu
  • 150-200g cogumelos shiitake frescos
  • 150-200g cogumelos pleurotus frescos
  • 2 cebolinhas picadas
  • 1 pedaço de uns 3cm gengibre, descascado e ralado
  • 1 pedaço de uns 7cm nabo japonês (daikon), descascado e ralado

*Kombu Dashi: use uns 30g de kombu para cada litro de água. Não lave o kombu; limpe-o com um pano úmido, se necessário. Coloque o kombu seco na água fria e deixe marinando (na geladeira, se preferir) por no mínimo 12 horas ou durante a noite. Retire a alga e guarde o caldo. (O livro diz para não jogar a alga fora, mas fatiá-la e salteá-la em shoyu, uma pitada de açúcar e um pouquinho de mirin, e servir com arroz de sushi.)


Preparo:
  1. Coloque o kombu dashi numa panela grande e leve à fervura. Enquanto isso, retire os talos dos shiitake (guarde os talos num potinho na geladeira e use na próxima vez que for fazer caldo de legumes) e fatie os chapéus e corte os pleurotus ao meio ou em quartos no sentido do comprimento.
  2. Quando o caldo ferver, junte o mirin e o shoyu e diminua o fogo para médio-baixo. Junte os cogumelos e cozinhe por 3 minutos.
  3. Desligue o fogo, distribua em cumbucas e guarneça com as cebolinhas, o gengibre ralado e o nabo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Risotto cor de rosa, de folha de beterraba


Eu já andava morrendo de vontade de fazer risotto. Principalmente porque os dois pimpolhos adoram e comem mesmo quando ele é completamente verde e cheio de legumes dentro. E porque adoro usar as sobras para arancini, apesar de, hoje em dia, nunca sobrar risotto (1 xícara de arroz arbóreo produz jantar o bastante para dois adultos e duas crianças).

Daí que, no usual "dia de processamento" da feira, já assara meia dúzia de beterrabas, e andava com risotto de beterraba na cabeça. Depois de ver a Rita Lobo preparando também (de um jeito que achei mais trabalhoso, mas que também deve ficar bom), aí não deu jeito. Eu PRECISAVA de risotto de beterraba no fim de semana.

Só que...

Quando abri a geladeira para apanhar as beterrabas, bati os olhos na tigela com suas folhas. Lindas, verde-esmeralda, com talos de rubi.

E mudei de ideia. Pois não queria deixá-las murcharem, e as beterrabas já cozidas, assim na geladeira, se conservam por mais tempo do que as folhas cruas no gavetão.

Lembrei-me de uma massa que adoro, da Alice Waters, e resolvi usá-la de inspiração para o risotto. E decidi que não queria que os verdes das folhas interferissem na cor do risotto. Imaginei o quanto os talos vermelhos tingiriam o arroz, se nada ou se como as beterrabas, e por isso usei-os separadamente.

Enquanto mexia o risotto, senti um delicioso conforto no peito ao ver os talos tingindo gradualmente os grãos. Já perto do fim do cozimento, aquele rosa antigo e elegante me trouxe lembranças estranhas. Talvez porque eu já andasse pensando em alguns pratos bonitos que meus pais têm guardados, presentes de casamento que nunca usam, e que eu estava com intenções de surrupiar para minha casa... talvez por isso aquele risotto tenha me lembrado... um vaso. Dois, aliás.


O primeiro, um vaso rosa como o risotto, de formas angulosas, numa mistura de partes de um rosa leitoso e outras brilhantes e translúcidas, que minha avó materna tinha em casa e que eu sempre achei... hmmm... meio... feio. Minha mãe adorava o tal vaso, e eu nunca entendi  muito bem por quê.

O segundo, um vaso verde fluorescente, em forma de taça de campeonato, cravejado de bolinhas, que meus pais ganharam de presente de casamento sabe-se lá de quem. Eles sabem. Eu não me lembro. O caso é que o tal do vaso é uma ode à feiura. Por muitos anos tentei convencer meus pais a usá-lo de alguma forma, e a gente tentava por planta dentro, e a gente tentava por num canto e no outro, e no fim ele ficou trancafiado durante as últimas três décadas no armário da sala, e todas as vezes que meus pais resolvem fazer uma limpeza nas tralhas, eu me pergunto por que diabos aquilo ainda está lá.

Ambos os vasos, diziam, eram de Murano. O cor-de-rosa era até mais "usável". Dependendo da sua sala, fica ok. O verde, meu deus, era de imaginar o que se passara na cabeça do cara que soprou aquele vidro.

Lembro-me de quando fui a Murano, única vez, com a intenção de substituir o vaso verde feio da minha mãe por outro mais bonito. Claro, caí pra trás com os preços de tudo aquilo que eu achava bonito, e com o fato de que meu pobre dinheirinho só podia comprar outro vaso verde-feio para minha mãe. Ahn... deixa pra lá.

Talvez seja mais fácil produzir um risotto verde-vaso-feio-de-mãe, da mesma forma como eu fizera um risotto rosa-vaso-feio-de-vó.

O risotto é com certeza mais bonito. E mais gostoso. Os talos das folhas dão uma suave doçura ao risotto, reforçada pelo salsão da base e pelas frutas secas, e contrastam com o ligeiro amargor das folhas refogadas em alho. Apenas um pouco de hortelã fresca para refrescar.

Enquanto via a pimpolhada comer com gosto, fiquei matutando. Estou quase pensando em pegar o tal vaso verde pra mim, porque ele é tão esquisito, que é capaz de gerar assunto se você deixá-lo assim, em cima da mesa, como se fosse coisa bonita. ;)

RISOTTO DE FOLHAS DE BETERRABA
Rendimento: 4 porções pequenas ou como primo piatto

Ingredientes:

  • 1 maço de folhas de beterrabas, com os talos
  • 1 dente de alho, picado
  • azeite de oliva
  • 1 cebola, picada
  • 1 talo pequeno de salsão, picado
  • 1 xic. arroz arbóreo
  • 1/2 xic. vinho branco
  • 1 litro de caldo de legumes caseiro
  • 1/4 xic. uvas passas ou cranberries
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado 
  • 1 colh. (sopa) cheia de manteiga
  • algumas folhas de hortelã ou menta fresca, em tirinhas finas
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora


Preparo:



  1. Separe os talos vermelhos das folhas verdes. Pique os talos em pedacinhos pequenos e reserve. Corte as folhas em tirinhas finas, como couve. 
  2. Aqueça um fio de azeite em uma frigideira grande e junte o alho picado. Quando começar a perfumar, junte as folhas de beterraba, uma pitada de sal, e refogue em fogo médio até que murchem bem. Desligue o fogo e ajuste o tempero. Reserve.
  3. Aqueça o caldo até a fervura branda. Separe algumas colheres do caldo numa tigelinha e coloque ali as passas ou cranberries, para reidratarem. Reserve.
  4. Numa panela grande, aqueça mais um fio de azeite e junte a cebola e o salsão. Refogue em fogo até que amaciem bem, sem deixar dourar. Aumente o fogo, junte os talos de beterraba picados e o arroz e misture bem,  até que os grãos de arroz estejam ligeiramente translúcidos.
  5. Junte o vinho, mexendo bem, deixando evaporar.
  6. Junte duas conchas de caldo, mexa constantemente, em fogo baixo, até que o líquido reduza pela metade. Junte mais duas conchas e repita o processo até que o arroz esteja cozido (experimente, e se, ao morder, grudar no seu dente, ainda está cru; se estiver macio mas ainda resistente, está no ponto). Caso o caldo acabe durante o cozimento, use água quente. Se sobrar, não tem problema, use para outro prato.
  7. Quando o arroz estiver cozido, junte o parmesão, a manteiga, a hortelã e as passas, e misture bem. Acerte o tempero. Se o risotto estiver muito firme, acrescente mais uma concha de caldo para soltá-lo um pouco, pois ao descansar ele continua absorvendo líquido. Desligue o fogo, tampe e deixe descansar por 5 minutos.
  8. Enquanto isso, dê uma aquecidinha nas folhas de beterraba. Sirva o risotto com as folhas refogadas por cima e um pouquinho de parmesão, se quiser.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Jardineira à francesa, uma carninha de tempero e meu tempo foi pra onde?

A melhor foto que consegui tirar com 11kg de Laura no braço esquerdo e a câmera na mão direita.
Esse panelão colorido é exatamente o tipo de prato que me dava um comichão na minha época vegetariana: o tipo de prato totalmente vegetariano, NÃO FOSSE pelo pedacinho de porco no meio. E um maldito pedacinho que faz uma falta danada, que dá aquela encorpada no gosto do caldo e dos legumes. Em outra época, provavelmente teria omitido o toucinho e pronto. A gordura da manteiga TALVEZ até bastasse. Mas eu jamais faria esse prato em versão vegana, por mais que goste de legumes. Acho que realmente faltaria essa gordura doce da manteiga, que transformou essa batata e essa cenoura nas melhores batatas e cenouras cozidas que já comi na vida.

A receita aparece no livro One Good Dish, de David Tanis, mas até como ele mesmo comenta, já vi em outros livros franceses, em versões mais ou menos parecidas. No prefácio da receita, ele diz que o cozido se basta como refeição. Concordo. Mas não resisti a preparar uma porção de arroz integral para ajudar a absorver esse caldinho maravilhoso.

A receita original pedia alho-poró e nabos, que eu não tinha. Substituí por inhame e rabanetes e ficou delicioso. Aliás, esse é um prato que me parece bem permissivo em termos de substituições.

Mas calma que não abandonei a naturebice que vinha surgindo nos últimos posts. Ando num esquema "almoço vegan" e "jantar whatever". Virou desafio pessoal, sempre buscar uma refeição o mais carregada de legumes possível, e ir vendo: dá pra ser vegan? Dá, não dá. Dá pra ser vegetariano? Dá, não dá. Não sendo vegetariano, opto por esse tipo de prato, abarrotado de legumes, com uma porçãozinha pequena de carne, que na verdade é apenas tempero.

Tenho sentido nos últimos meses que nunca as refeições aqui em casa tiveram tamanha variedade de frutas e legumes. E a cozinha fica absolutamente colorida. :) Dei inclusive uma surtada no supermercado e acabei trazendo um sortimento tão variado de grãos e feijões, que quase não coube na estante da despensa. Quero aproveitar ao máximo enquanto o Matador de Dragões está comendo de tudo, pois sabe-se lá até quando isso dura. :P

No mais, ando com posts atrasadíssimos e trabalhos mais atrasados ainda. Pimpolho de férias, e mamãe freelancer pirando pra descobrir como trabalhar, se basta abrir a porta do meu estúdio para que a criançada entre correndo e comece a meter dedo em tinta com composto venenoso e tentar desenhar em cima das minhas telas. Nein, nein. Não vai rolar.

JARDINEIRA, OU COZIDO DE LEGUMES À FRANCESA
(adaptado do lindo One Good Dish, de David Tanis)
Rendimento: 4 porções como prato único

Ingredientes:

  • 150g toucinho fresco
  • 6 colh. (sopa) manteiga
  • 4 cebolas pequenas, descascadas e cortadas em quartos
  • 1 folha de louro
  • 1 ramo grande de tomilho fresco
  • 500g batatas, descascadas e cortadas em pedaços de mais ou menos 5cm
  • 250g cenouras médias, descascadas e cortadas ao meio
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 2 inhames descascados e cortados em quatro ou seis pedaços, dependendo do tamanho
  • 4 rabanetes cortados ao meio
  • 1 xic. ervilhas congeladas


Preparo:

  1. Corte o toucinho em fatias de 0,5cm de espessura (para ficarem como pecinhas de dominó). Coloque em uma panelinha pequena, cubra com água, leve à fervura branda e cozinhe por 2 minutos. Escorra, descartando a água.
  2. Derreta a manteiga em uma panela grande, em fogo médio e junte a cebola e o toucinho escorrido. Aumente um pouco o fogo e cozinhe, mexendo com uma colher de pau, por cerca de 1 minuto ou 2. 
  3. Junte o louro, tomilho, batatas e cenouras, e misture para recobrir os legumes de tempero. 
  4. Tempere com sal e pimenta, junte 1 xic. água, abaixe o fogo e tampe. Cozinhe por 15 minutos ou até que as batatas estejam praticamente cozidas. 
  5. Retire a tampa, junte o inhame e o rabanete, coloque um pouco mais de sal e tampe novamente. (Se achar que tem pouca água, coloque mais um pouquinho.) Cozinhe por 5-8 minutos, até que os legumes estejam cozidos. 
  6. Junte as ervilhas, misture bem, cozinhe por 1 minuto ou 2 e sirva, quente, com o caldo por cima dos legumes. 




quarta-feira, 18 de junho de 2014

Medo da sopinha de inhame e agrião


Noutro dia estava assistindo a um programa em que uma família chamava uma nutricionista em casa para resolver o problema do filho criança que se recusava a comer carne. Achei engraçada a cara dos pais quando a profissional lhes disse que não havia problema nenhum em ser vegetariano – era óbvio que eles esperavam que a nutri forçasse o moleque a comer o estrogonofe que o resto da família comia. Olhando para o pratinho de legumes sem graça do menino, sempre exatamente os mesmos, acompanhado sempre do mesmo ovo cozido, fiquei pensando em como é difícil para quem não curte cozinhar como hobby criar pratos vegetarianos minimamente interessantes. Também pensei em como a família andava perdendo a oportunidade de aproveitar o vegetarianismo do filho para diversificar a alimentação de todos.

Mas é aquilo: tenho sempre de lembrar que existe gente que não gosta de cozinhar e, o que mais me surpreende, gente que não gosta de comer. (Como isso é possível??)

De qualquer forma, pensa nessa dificuldade no preparo dos legumes me lembrou de toda uma época em que eu ainda tinha medo da cozinha. Mais precisamente, na verdade, medo dos ingredientes. Medo de testar uma receita e errar. Medo de não gostar do resultado.

Apesar de minha mãe sempre preparar muitos legumes, eram sempre os mesmos, durante minha infância, e meio que preparados sempre do mesmo jeito. Então muitos legumes e verduras fui experimentar apenas quando adulta. Então quando vi uma receita de sopa de inhame com agrião, a foto me apeteceu o bastante para recortar a receita e colar no caderno, mas o medo do ingrediente desconhecido era tanto, que o prato ficou só no papel durante anos e anos e anos, apenas esperando esse momento mágico em que eu me suficientemente sentisse confortável na cozinha para prepará-lo.

Uma bobagem sem tamanho.

Mas fazer o quê?

Olho para uma dezena de receitas recortadas há 15 anos e ali, coladas no caderno, sem nunca terem sido preparadas, por medo de ingrediente que nem comprar eu sabia. Agora saio correndo atrás do prejuízo, e me perguntando por que diabos deixei passar tantos invernos sem sopa de inhame.

E toda vez que encontro na feira algo que nunca comi na vida, faço questão de levar pra casa para experimentar. Tanta verdura, fruta e legume bom no mundo, que é um crime comer todo dia a mesma coisa!

PS: uma semana cheia de posts, outra não. Culpa da maldição da mão do cozinheiro louco, que fez com que os almoços saíssem meio mequetrefes. Ainda bem que a maldição vem rápido e passa rápido. ;)

SOPA DE INHAME E AGRIÃO
(De uma antiga revista Gula)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 1kg inhame
  • 1 dente de alho picado
  • 1/2 cebola média picada
  • 50g manteiga
  • 2 litros caldo de legumes
  • 1 xic. folhas agrião
  • 1 colh. (sopa) manteiga para refogar o agrião
  • sal e pimenta a gosto


Preparo:

  1. Descasque e pique o inhame. 
  2. Refogue o alho e a cebola nos 50g manteiga até que murchem. 
  3. Junte o inhame e refogue por 3 minutos.
  4. Junte o caldo e cozinhe em fogo baixo até que o inhame esteja macio. 
  5. Deixe esfriar um pouco e bata no liquidificador. Volte à panela, tempere com sal  e pimenta e reserve. 
  6. Em uma frigideira, derreta a manteiga restante e junte o agrião. Refogue até que murche. Volte para a tábua de corte e pique muito bem, voltando para a sopa reservada. 
  7. Volte ao fogo e cozinhe por mais 5 minutos. Sirva quente.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sopa de lentilha e berinjela, inspirações, aspirações

Tenho gosto pela cozinha desde criança, desde que ganhei meu primeiro livro de culinária, aos 12 anos. (12? Talvez 11. Talvez 10. A memória falha.) Naquela época, folheava as poucas páginas do livrinho de culinária para crianças e minha aspiração máxima era preparar quase tudo o que havia ali e montar um enorme banquete para meus pais e minha irmã. Enchia-me de orgulho ao pensar no jantar pronto e em todos provando e adorando a comida. Claro que a coisa não andou assim. Logo na primeira tentativa, meu brownie solou e houve todo um stress porque saí num domingo de manhã para ir à padaria sozinha pela primeira vez para comprar essência de baunilha (que ninguém na casa sabia o que era e onde se comprava) e corri a vizinhança inteira atrás da danada sem sucesso, demorando uma hora e meia para voltar para casa, do que deveria ter sido um trajeto de dez minutos. Podem imaginar. Agora que tenho filhos, com certeza dou razão aos meus pais pelo tamanho da bronca.

Daí, quando fui à Itália pela primeira vez, encantei-me por toda aquela cozinha não explorada nas cantinas de São Paulo nos anos 80 e 90, ou mesmo por minhas avós, talvez por pura falta do ingrediente certo. Quando voltei, mergulhei nos livros de culinária, com a aspiração de reproduzir aqui o que sentira durante minha viagem, através da comida. Tinha esperança de sentir de novo a brisa marítima da Costa Amalfitana ao cozinhar o mesmo spaghetti alla puttanesca que comera num restaurantezinho de Positano, cujo dono colocara no rádio as mesmas músicas italianas antigas que meu pai ouvia na minha infância, de uma fita cassete que tinha na capinha justamente uma foto... de Positano. Inception.  ;) Uma coincidência e um momento especial que jamais conseguirei reproduzir na vida. E foi o que descobri quando preparei a receita tal e qual os livros mais tradicionais indicavam e, por delicioso que estivesse, a brisa marítima não veio, a canção ao fundo não era a mesma e eu olhava para um dia cinza e paredes de concreto ali fora da minha janela.

Então vieram livros de confeitaria que meus dedos, pouco dados a tarefas minuciosas que não envolvam pincéis, não conseguiam reproduzir em toda a sua perfeição visual. E tantos outros que, lidos, produziam em mim essa aspiração de ser "um tipo de pessoa". "O tipo de pessoa" zen. Não. "O tipo de pessoa" elegante. Not. "O tipo de pessoa que só come o que colhe do quintal". Nein. "O tipo de pessoa que gasta 5 reais por refeição para 6 pessoas." Fué.

Ao longo do tempo, fui percebendo que estava abordando meus livros de forma errada. E que ao invés de ASpirar ser algo através da comida, era mais gostoso me INSpirar pelos livros. E nossa, como alguns livros são de fato inspiradores. Tenho alguns, mesmo, cujas receitas quase nunca preparo, mas que às vezes apanho para folhear e me lembrar de uma sensação de que gosto na cozinha, ou de um estilo, uma visão diferente dos ingredientes. Caso do Nigel Slater, que eu adoro de paixão, mas cujos livros sempre apanho, folheio, folheio, folheio, e parece que nunca tenho todos os ingredientes necessários para nenhum prato seu. No entanto, sua abordagem da cozinha é tão relaxante, que basta uma olhadela num livro seu para que eu mude o rumo de um jantar sem ideias. Quase sempre uso suas receitas como linhas-guias para outra coisa, feita com os ingredientes que tenho em casa.

Outra fonte que tenho devorado nos últimos dias, desde que a Patrícia me indicou, é o site Green Kitchen Stories. Talvez porque eles tenham uma atitude que condiz com o meu momento culinário, de usar diversas farinhas e leites vegetais não por conta de uma alergia ou política pessoal, mas apenas pelo benefício da variedade. É inspirador o modo como eles experimentam com misturas de ingredientes e sabores diferentes, e só de ver as cores dos pratos já tenho vontade de me desafiar a colocar a maior quantidade possível de legumes em uma só refeição. O site é cheio de informações nutricionais, mas sem o tom militante ou terrorista de outros sites do gênero. Os crepes de sarraceno e espinafre, que fiz aqui com leite de amêndoas fresquinho e recheei com queijo minas em cubinhos e abobrinhas refogadas e alho e manjericão, foram devoradas. Engraçado foi ver o Matador de Dragões comendo os crepes super verdes e deixando o queijo (justo o queijo!) no prato. ;) A infusão de mel com gengibre, cúrcuma, limão e pimenta também veio em boa hora, já que a família toda está com tosse, todo mundo junto ao mesmo tempo. Em boa hora, também, porque eu tinha acabado de colher a cúrcuma do quintal, e não sabia bem o que fazer com ela. Hoje à tarde vai também virar uma versão do lassi que eles indicam.

De todos os meus livros, no entanto, os que mais me inspiram são os do David Tanis. Não que eu pretenda a qualquer momento preparar orelha de porco ou risotto de lagosta. Mas no meio dessas receitas menos acessíveis, há um texto maravilhoso que sempre me traz de volta à terra. Seu elogio à simplicidade da refeição (em termos de conceito e não de preço), sempre me coloca de volta no eixo, quando começo a complicar demais e me atrapalhar. Basta olhar para o livro na estante para me lembrar de que posso servir uma fatia de queijo e um pedaço de fruta de sobremesa (e ter essa alegria de ver os pimpolhos curtindo pera com gorgonzola ou banana com queijo branco e canela do mesmo jeito). Que uma mesa bonita não é necessariamente uma profusão de pratos complexos, mas às vezes simplesmente um peixe feito direito e um prato de vagens cozidas al dente e temperadas com bastante azeite e limão. A gente que gosta de cozinhar às vezes se empolga e entra em uma maratona culinária, quando muitas vezes, para aquele almoço bom, aquelas boas memórias, basta tomates maduros com sal, um bom pão. Ao invés de transformar as maçãs que tinha em casa em uma torta, simplesmente coloquei-as no forno, e as crianças se esbaldaram (adultos também). [Só tirar os miolos, colocar um tantinho de açúcar e um splashzinho de conhaque – já usei rum ou calvados –, fechar as tampinhas e levar ao forno médio numa travessa por 45 minutos ou até que as cascas dourem e estourem. Deixar amornar e servir com a caldinha que se forma na travessa. Com iogurte, então, fica uma delícia. Achei mais detalhado aqui.]

Nessa fase em que ando preparando uma sopa atrás da outra, sorri ao ler um trecho de um de seus livros esses dias, em que dizia que poderia facilmente viver de uma dieta de sopa e vinho: um potinho de sopa, uma tacinha de vinho. Bom... eu também.

Essa sopinha de lentilhas e berinjelas é deliciosa, cremosa e satisfaz. E vai bem com uma tacinha de vinho. Não omita o passo de assar as berinjelas, pois isso lhes dá um sabor defumado delicioso. A receita original pedia para que se usasse lentilhas verdes, francesas, caras pra chuchu. Considerando que as lentilhas francesas são boas porque se mantém al dente, mas que estamos falando de uma sopa, em que tudo tem que virar purê, substituí por lentilhas comuns brasileiras, porque eu sou "o tipo de pessoa" que acha que dinheiro não nasce em árvore.

SOPA DE LENTILHAS E BERINJELAS ASSADAS
(de uma antiga revista Food & Wine)
Tempo de preparo: 50 minutos
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 600g berinjela, de preferência maiores, cortadas em quartos no sentido do comprimento
  • 2 colh. (sopa) azeite de oliva
  • sal e pimenta à gosto
  • 1 xic. lentilhas
  • 1 punhado de folhas de sálvia fresca
  • 2 xic. caldo de galinha ou legumes
  • 1 xic. leite
  • 1 colh. (sopa) suco de limão

Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Coloque as berinjelas com a casca para baixo numa assadeira, tempere com sal, pimenta e 1 colh. (sopa) azeite. Asse por 30 minutos ou até que as berinjelas estejam muito macias, mas não queimadas.
  2. Enquanto isso, numa panela média, cubra as lentilhas com 5cm água. Junte 1/2 colh. (chá) sal e 2 folhas de sálvia e leve à fervura. Abaixe o fogo e cozinhe em fervura branda por 20 minutos. Escorra as lentilhas e descarte as folhas de sálvia. (No meu caso, sobrou tão pouco líquido das lentilhas, que não escorri, simplesmente incorporei à sopa. E recomendo que se faça o mesmo, afinal todo o sabor e nutrientes estão ali.)
  3. Raspe a polpa das berinjelas com uma colher e coloque no jarro do liquidificador. Descarte a casca. Junte o caldo de legumes ou galinha e as lentilhas e bata até que fique homogêneo (faça em partes, se for muito volume para seu liquidificador). 
  4. Volte tudo para a panela, junte o leite e o limão e leve à fervura branda. Ajuste o sal e a pimenta e mantenha a sopa quente enquanto termina a guarnição.
  5. Numa frigideira pequena, aqueça  a outra colher de azeite. Junte as folhas de sálvia restantes e cozinhe em fogo médio até que fiquem crocantes. 
  6. Sirva  a sopa, guarneça com as folhas de sálvia e um fio de azeite. (A sopa pode ser feita no dia anterior.)



quarta-feira, 24 de julho de 2019

Junho e Lisboa e Toronto



Quando chamaram meu voo de volta para casa, ouvi atônita aqueles dois chamados simultâneos: Passageiros do voo para Toronto, Canadá... Passageiros do voo para São Paulo, Brasil... Uma enorme estranheza tomou conta de mim, mas os motivos eram completamente inesperados: aquela era a primeira vez em que eu deixara o Canadá para outro lugar que não o Brasil, e era também a primeira vez em que eu estava irrevogavelmente certa de que Toronto era meu LAR. 


Junho fora um mês corrido à maneira que Dezembro costumava ser quando morava nos trópicos: festinhas de fim de ano escolar, apresentações, lanches comunitários, os últimos play dates antes dos amigos desaparecerem em seus dois meses de férias. A mãe tentando usar sabiamente o tempo que lhe resta de crianças na escola: faltam quinze dias para as férias, faltam dez, faltam três, meu deus, hoje é o último dia em que posso terminar esse trabalho sem os filhotes do lado! Montei minha segunda exposição num café de Toronto, mas já nesse momento, pelos horários impostos pelo lugar, precisei arrastar a pimpolhada comigo, pendurando quadros e grudando etiquetas, enquanto pedia aos filhos para tirarem os pés dos bancos e não incomodarem a mesa ao lado. Aqui, comam seu biscoito vegan-gluten-free, que esse café é uber-hipster e é o que tem pra hoje. Não, não pode ter outro, que a gente vai voltar pra casa e jantar. Sim, eu sei que está calor, mamãe também está com calor, o verão chegou, vocês não queriam o verão?, ali, taí, chegou o verão e o verão é quente. Ai, meu deus, os ganchos do café não cabem nos quadros, p*taquelospariu, vem com a mamãe na loja ali do lado pra comprar clipes de papel e resolver isso, que mamãe tem que pendurar os quadros pra vender, e a moça do café é muito educada e sorridente, mas à melhor maneira canadense, não está mexendo um dedo pra encontrar uma solução para o meu problema. Vem, que a mamãe é brasileira e a gente tem jogo de cintura e se vira nos trinta. 

No calor que chegou atrasado e repentino, guardei os casacos e meti-me num par de shorts e uma regata, cabelo póinhóinhóin desarranjado pela umidade e olhei no espelho. E aquela branquidão cadavérica do inverno sob a luz do sol, os bracinhos de ciabatta saindo da cava da camiseta, dando aquele tradicional tchauzinho em câmera lenta, a pele que exposta que já não tem aquele, como se diz mesmo? "viço" dos anos anteriores... fizeram-me olhar o espelho como cachorro que não entende, cabeça pendendo prum lado, sobrancelhas franzidas sobre os olhos. O que era isso que eu estava olhando? Quem era essa pessoa? Saída da elegância invernal, confortável consigo mesma, para essa estranha imagem sem idade nenhuma, uma mulher mais velha vestida d e "xófem" verão passado. Não conseguia definir se eu parecia uma velha tentando se passar por adolescente, se gostava ou não daquela mulher que eu olhava, se se era só um choque me ver de novo num biquini, após dez meses, e pela primeira vez eu me senti com os quarenta anos que se aproximam.

Ou melhor... me senti com idade nenhuma. Num limbo.

Liguei para minha melhor amiga: tô com crise de meia idade. Não sei quem eu devo ser com quarenta anos. Eu tava sussa até agora, de repente o espelho quebrou e não sei mais quem eu sou. Quem eu sou com quarenta anos? Eu sei que não sou mais quem eu era com trinta e poucos ou com o vinte e alguns. E agora, José? Que é que eu faço. 

Venha para Portugal me visitar, ela disse. 

E eu fui. 

Às vezes a gente precisa do farol para indicar o caminho.
Uma conversa rápida com o marido fenomenal que me apoia nas minhas loucuras e arranjamos o esquema das crianças na escola e alguém para passear o cachorro no meio do dia. Ele conseguiu horários alternativos de trabalho com a chefe dele, e em menos de vinte e quatro horas daquele convite, eu já estava de passagem comprada. O universo conspirou tanto, que até passagem promocional por metade do preço eu achei. 

E no meio de Junho dei um beijo na testa de cada filho, catei minha malinha e fui respirar ares portugueses na casa da minha querida amiga que eu não via havia dois anos. O abraço longo e amoroso, apertado de prender a respiração, compensou o voo com as galinhas da companhia aérea promocional mequetrefe. Enquanto andávamos até seu carro, sorrisos imensos, parando cinco vezes em vinte metros para mais abraços, fui sentindo os ares familiares entrando em mim e energizando meu corpo cansado. Familiar por aquela presença que me conhece tão bem, familiar por olhar em volta e ver aquele Brasil antigo de Lisboa, a arquitetura das casas de São Paulo, o idioma estampado nos outdoors. A mesma sensação de retorno às origens que senti quando fui à Itália pela primeira vez, mas agora eu compreendia não as minhas origens, mas do lugar onde nasci.


pão com chouriço
Fotografei o cone infantil de sorvete e mandei para Allex. No Canadá, sempre pedimos cones infantis para os adultos, pois a bola de sorvete que se faz para as crianças é do tamanho de uma bola de tênis.
Foram apenas cinco dias. Cinco dias de conversa infinita e mais abraços apertados. De O Que É Que Vamos Comer Hoje? De Quero Tanto Te Mostrar Esse Lugar! Fomos a Óbidos, Cascais, Sintra... comi todos os pastéis de nata que pude, e travesseiros de Sintra, e queijadas, e Toucinho do céu, e Sardinhas e pão com chouriço na festa dos Santos, e Pastéis de Bacalhau, e Polvo a Lagareiro olhando para o mar, e Bacalhau com batatas ao murro e sorvete de maracujá, e pão com manteiga de padaria e suco de laranja espremido na hora. Porque pão na chapa com suco de laranja em padaria de bairro é das poucas coisas que realmente me fazem falta do Brasil. As porções de comida eram consideravelmente menores do que as canadenses (e mais baratas), o que senti como um alívio. Que bom que a gente não se matava de comer numa refeição só e sobrava espaço para experimentar um pão-de-ló e tomar mais um café.

Não comi nada em Portugal que não estivesse gostoso.

 
Acordávamos cedo com minha amiga cantarolando uma musiquinha que, brinco, ficou gravada na minha mente para sempre. As crianças eram sempre cheias de energia, e a mesa do café era farto, como sempre era quando eu a visitava no Brasil. Queijos, presunto, muitas frutas devoradas inteiras pelas crianças. Café da manhã sem pressa, sem horário. Bota todo mundo no carro, bicicleta de criança, vamos passear. As crianças participam da conversa. Música. Estrada. Histórias de família. Esperanças e planos para o futuro. Passeios longos, caminhadas sem pressa em cidadelas antigas, ruas estreitas de escorregadias pedras portuguesas. Um calorzinho com vento fresco que pede vestido com echarpe. Cafezinhos bons e docinhos delicados em lugares de tetos antigos e janelas de madeira. Luz aconchegante. Sanduíches de sardinha e vinho verde. Crianças brincando com os brinquedos e os livros dos cafés. 


Banho de descarrego.
Cheiro de mar. Quem nada em lago não tem medo de água fria. Enquanto os portugueses sentavam na areia de agasalhos sob um ventinho frio de vinte e um graus, larguei as roupas e fui e eu e meu biquini brasileiro, minha barriguinha de mãe, minha pele branca de bicho de goiaba encasulado num inverno de oito meses, e me joguei no outro lado do Atlântico, cabeça submersa, tocando as mãos na areia do fundo, e emergindo com o sal na boca, estranho, tão estranho, porque não é lago. A água gelada pinicava minha pele e então esquentou. Nadei muito, deixei a corrente me levar, boiei à deriva um pouco, olhando as nuvens la´em cima, sentindo o cheiro salgado daquele mar que eu não via havia anos. 

Saí da água feito sereia que ganhou pernas, renovada, recriada, um mundo novo a explorar sob meus pés.

De volta à casa, a rotina bem conhecida, jantar, banho nas crianças, um vinho, uma conversa até tarde da noite, o cansaço do dia palpitando de energia viva sob a pele. Olho para fora, para as ovelhas sendo recolhidas na quinta em frente, o pôr do sol nas montanhas lá no fundo, ah, montanhas, sinto saudades suas, naquela terra plana onde moro, e ouço as vozes de pai e mãe explicando o mundo para os filhos, cantando músicas, contando histórias, dizendo boa noite. Roupas coloridas balançam no vento do lado de fora das janelas.

Tenho sorte de poder participar da rotina de uma família amorosa. E no outro dia vamos fazer uma visita à Maria, do Seis Mais Dois que virou Sete. Outra família que nos recebe de braços abertos, calorosa e gentil, e a realidade é sempre melhor do que o que se vê pelos filtros do Instagram, se você souber observar. A realidade das vidas dos outros, quando temos a sorte de viver com eles, de conectar e estar ali, é o aconchego do imperfeito, é a paz que vem quando a gente aceita a vida como é e não como dizem que tem que ser (ou como achamos que tem que ser). É vida que não cabe em página de revista e em foto de Instagram. É um alívio de se sentir parte de um mundo de verdade, de romper aquele filtro mágico que recobre a realidade dos outros na internet. O imperfeito que está bem e é lindo por isso mesmo. Que permite que nossas cobranças se dissolvam. Que permite que respiremos. Estar ali com aquelas duas famílias foi um presente divino do universo, o farol que acendeu suas luzes para me guiar naquele mar.


Num dia de uma volta sozinha em Lisboa, paro no fim da tarde para ouvir uma banda tocando numa praça. Tomo um vinho no meio da rua, sentada na beira do canteiro da praça com mais umas trinta pessoas. Olho o Tejo nessa luz de noite de verão que não escurece, ventinho frio sob a jaqueta jeans. Eu estava tranquila.

O tempo passa devagar. O tempo tem passado devagar desde que cheguei a Lisboa. Respiro devagar. As ideias fluem mais lentamente e com mais atenção. Vejo um grafite de um guaxinim ali, mas é tão a cara de Toronto. Sinto saudades. Pela primeira vez sinto saudades de Toronto. Lisboa é linda e antiga, é comida maravilhosa, familiaridade, mar. Mas sinto saudades de meus filhos, queria que estivessem comigo, e penso neles naquela cidade. Eles teriam adorado o mar e o castelo São Jorge. Teriam adorado os pastéis de nata e os frutos do mar. Mas como eu, cansariam rápido da dinâmica da cidade, pediriam mato e parque e trilha e bicho. Muito bicho. Falei dos bichos? Toronto tem bichos que não são grafite. Guaxinins aos montes. E esquilos. E chipmonks. E cisnes, e gansos e patos e corujas e falcões, que há dias que vejo mais de três sobrevoando baixo acima de minha cabeça. E coelhos, vi coelhos durante uma corrida cedo no parque. E noutro dia, para espanto geral, dei de cara com um coiote que ficou muito curioso com minha presença e me olhou nos olhos por longos minutos até assustar com minhas palmas e correr mato adentro. Bichos.




Penso na infinidade de playgrounds de Toronto. Como é fácil ter filhos ali. Com as calçadas grandes para andar de bicicleta. As trilhas que se conectam nos corredores verdes e vão te levando do lago para o rio, para o bosque, para a praça, para a floresta, para a lagoa, para o rio, para o lago de novo, borboletas voejando à sua volta e você esquecendo que aquela é uma cidade grande. Enquanto estou em Lisboa tomando meu vinho verde e pensando essas coisas, Allex me manda um video: Laura pedalando a primeira vez de bicicleta sem rodinhas. Pronto, meus dois filhos são crescidos agora.

Despeço-me com a promessa de um novo encontro, uma nova travessia de oceanos. Levo um doce português comigo no avião, para curar as mágoas da refeição aérea desastrosa. Agradeço e continuo agradecendo por dias ainda aquele convite singelo e transformador.

Estou ouvindo a chamada no aeroporto e despeço-me também da dúvida. O voo para São Paulo não faz mais parte da minha vida. Quando o avião decola, despeço-me não da Europa, mas da ideia de Europa que assombrava minha mente: e se tivéssemos ido para a Itália ao invés do Canadá? Quando o avião sobrevoa Toronto no meio de uma linda tarde de céu azul, vejo meu prédio ali perto do lago. É a primeira vez que consigo ver minha casa de um avião. Ele se destaca, assim como todos os poucos prédios, naquela imensidão verde que cobre a cidade. As árvores antigas são maiores que as casas, e  Toronto de cima é quase amazônica no verão. Meu coração se enche de amor e gratidão por aquelas árvores, aqueles parques, aquela infinidade de playgrounds que meu filhos amam tanto explorar. Um playground novo a cada cem metros. É uma cidade para crianças. 


Volto para abraços apertados. Volto para meu novo familiar. Estou em casa. Estou em paz. Estou zen.
Boto meus shorts, prendo o cabelo desarranjado pela umidade e vejo no espelho uma mulher de (quase) quarenta anos que está bem. Subimos em bicicletas e pedalamos vinte quilômetros por trilhas ao longo do lago, até prainhas pequenas. As crianças nadam com peixes. A água é gelada. Entro de roupa e tudo para refrescar.



Voltamos e botamos linguiças na churrasqueira. E tomates e abobrinhas e pimentões e cebolas. E no dia seguinte comemos os legumes que sobram com torradas e queijo e salada.


Quando Junho acaba, volto contente para o café para recolher meus quadros e descobrir que vendi alguns. Corro atrás da próxima empreitada. Quero vender todos.

Julho começa com o fim da minha breve crise de meia-idade. Renovada pela convivência com uma família linda e amorosa. Pelo banho de descarrego no mar gelado. Volto zen. Volto com amor e certeza por minha cidade, pelo meu momento, pelo meu lugar no mundo. Munida de toda a paciência do universo, de quem respira devagar. Paciência com as crianças. Paciência com os outros. Mas principalmente comigo. Dou-me conta do quanto julgar os outros me faz intolerante comigo mesma. Então apenas paro. Respiro. Aceito.

Não vejo a hora de poder dizer com orgulho que tenho quarenta anos.

The purpose of life is to enjoy.


......

E o que se cozinhou em Junho por aqui? 

Pouca coisa nova, no meio da correria. Rolou muita improvisação, isso sim.


Lembrei-me de um hábito que tinha com as crianças no Brasil, de comer queijos de sobremesa. Isso funciona bem aqui, pois a pimpolhada não come doce durante a semana, a não ser que seja um bolo ou biscoito de lanche da escola. Eles adoram queijo de sobremesa, e eu me divirto comprando um queijinho diferente por semana. Acompanham castanhas, que Thomas adora, e uma porção pequenina de frutas, que Laura devora.



Andei cavocando de novo o livro da Suzanne Goin, e dele saíram essa sopa de agrião com torradas com relish amanteigado. A sopa é uma delícia e o relish fez sucesso imediato. Mas achei muito bizarro descartar os legumes cozidos. Guardei-os e no dia seguinte transformei-os em recheio de quiche. Nham!


Dica: eu achei que a sopa ficou deliciosa, mas um pouco mais rala do que gostaria. Não sei se me faltou agrião ou se o caldo não reduziu como deveria. De qualquer forma,  numa próxima vez, eu colocaria menos sal no começo para poder reduzir um pouco mais o caldo antes de bater com o agrião. 

SOPA DE AGRIÃO COM TORRADAS COM RELISH
(Largamente adaptado do Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 7 colh. (sopa) manteiga
  • 1 xic. cebola fatiada + 2 xic. cebola picada
  • 2 alhos-porós pequenos fatiados
  • 1 cenoura, descascada e fatiada
  • 2 talos de salsão, fatiados
  • 1/4 de maço de tomilho
  • 1/4 de maço de salsinha + 2 colh. (sopa) salsinha picada
  • 1 pitada de pimenta caiena
  • 5 xic. folhas de agrião (cerca de dois maços)
  • 2 colh. (sopa) cebolinha picada
  • 1 colh. (sopa) estragão picado
  • 1 xic. creme de leite fresco
  • 1 limão
  • sal e pimenta do reino
(torradas com relish)
  • 1 baguette em fatias diagonais
  • 1/4 xic. azeite
  • 6 colh. (sopa) manteiga, amolecida
  • 1 colh. (chá) anchova picada
  • 2 colh. (chá) cebola picadinha
  • 1 colh. (chá) suco de limão
  • 1/4 colh. (chá) raspas de limão
  • 1 colh. (chá) salsinha picada
  • 1 colh. (chá) cebolinha picada
  • sal e pimenta

Preparo:
  1. Aqueça uma panela grande. Derreta nela 4 colh. (sopa) de manteiga da sopa e junte a cebola fatiada, o alho-poró, cenoura e salsão. Misture bem e tempere com 1 colh. (sopa) sal e um pouco de pimenta. Cozinhe por 5 minutos e junte as ervas, sem tirar dos talos, para facilitar retira-los depois. Cozinhe em fogo médio por mais 5 minutos até que os vegetais caramelizem. 
  2. Junte 10 xic. de água e leve à fervura. Abaixe o fogo e cozinhe pro 30 minutos. Passe por uma peneira e reservando o caldo. (Reserve também os legumes para outro uso, retirando os talos das ervas.)
  3. Volte a panela vazia ao fogo. Junte 3 colh. (sopa) manteiga e junte a cebola, 1 pitada da pimenta caiena, 1 colh. (chá) de sal  e pimenta. Cozinhe por 5 minutos, mexendo sempre, até que amoleçam. Junte o caldo, aumente para fogo alto e leve à fervura.
  4. É preciso bater a sopa aos poucos. Coloque 2 1/2 xic. de agrião e as ervas no liquidificador. Junte 1 1/2 xic. do caldo quente e bata até que fique homogêneo. Vá juntando o restante do agrião e batendo, acrescentando caldo se necessário, e volte a sopa à panela do que restou de caldo. Misture bem, Junte o creme de leite e misture, acertando o tempero.  Tempere com uma espremida de limão, se quiser. 
  5. Para as torradas, aqueça o forno a 190oC. Coloque as fatias de pão numa assadeira e pincele com o azeite. Leve ao forno por uns 10 minutos ou até que dourem. Deixe que esfriem.
  6. Numa tigela, misture todos os outros ingredientes até que vire uma pasta. Acerte o tempero. Espalhe a pastinha sobre as torradas frias e sirva com a sopa.



E esse peixe delicioso, marinado, grelhado, servido sobre um arroz verdíssimo e com rúcula fresca por cima. Um molhinho de pepino e iogurte para acompanhar.


Para deixar bem claro: essas são as medidas originais das ervas ´picadinhas. Mas, de verdade, eu já fiz assim ipsis literis e já saí jogando simplesmente "punhados" das ervas, e fica igualmente ótimo. Então não precisa ficar medindo loucamente não.

PEIXE COM ARROZ VERDE E PEPINOS NO IOGURTE
(Largamente adaptado do Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
(peixe)
  • 6 filés de peixe branco com pele (o Vermelho é uma boa opção no Brasil)
  • casca ralada de um limão
  • 1 colh. (sopa) folhas de tomilho
  • 2 colh. (sopa) folhas de salsinha picadas
(pepino com iogurte)
  • 450g pepino
  • 1/2 colh. (chá) sementes de cominho
  • 3/4 xic. de iogurte
  • 1/2 colh. (chá) alho picadinho
  • 2 colh. (sopa) cebola picadinha
  • uma pitada de pimenta caiena
  • 2 colh. (sopa) folhas de menta, picadas
  • 2 colh. (sopa) azeite
(arroz verde)
  • 3 xic. água
  • 1/2 xic. salsinha
  • 1/4 xic. folhas de menta ou hortelã
  • 2 colh. (sopa) cebolinha
  • 1/4 xic. folhas de coentro
  • 2 colh. (chá) semente de erva doce
  • 1/4 xic. azeite
  • 3/4 xic. de funcho picado
  • 3/4 xic. cebola picada
  • 1 1/2 xic. arroz branco
  • 1 colh. (sopa) manteiga
  • sal e pimenta do reino
(finalização)
  • 1 maço de agrião, sem os talos mais grossos
  • 6 raminhos de coentro
Preparo:
  1. Tempere o peixe com as raspas de limão e as ervas, cubra e refrigere por 4 horas. 
  2. Faça o arroz: Leve a água para ferver e desligue o fogo. Coloque num liquidificador todas as ervas do arroz e 1 xic. da água quente. Bata até virar um purê bem verde e homogêneo.Junte o restante da água e termine de bater. Quanto mais lisinho for o caldo de ervas, mais bonito fica o arroz.
  3. Doure as sementes de erva-doce na panela em que vai fazer o arroz. Transfira as sementes para um pilão e transforme em pó (se ficar com preguiça, só doure e depois junte ao restante no passo seguinte). 
  4. Aqueça o azeite na panela do arroz e junte o funcho picado, a cebola, as sementes de erva doce, e 1/2 colh. (chá) de sal. Cozinhe em fogo médio até a cebola e o funcho ficarem macios, sem dourar. Junte o arroz, mais 1 colh. (chá) de sal e pimenta do reino. Mexa bem, e junte o caldo de ervas. Experimente e acerte o sal a gosto.  Leve à fervura, reduza o fogo e junte a manteiga. Cubra e cozinhe por uns 15 minutos ou até o arroz ficar pronto, normalmente. Afofe com um garfo, acerte o tempero e reserve.
  5. Enquanto o arroz cozinha, faça os pepinos: Fatie os pepinos bem fininhos e tempere com 1 colh. (chá) de sal. Deixe sorar por dez minutos.
  6. Toste o cominho (dica: as sementes já estão tostadas o bastante quando você sente o perfume delas) numa frigideira e pulverize num pilão. 
  7. Drene os pepinos, seque com uma toalha e junte aos outros ingredientes. Acerte o tempero e reserve. 
  8. Aqueça uma frigideira grande por uns dois minutos. Tempere o peixe com sal e pimenta dos dois lados. Coloque um fio de azeite na frigideira e espere um minuto para esquentar. Coloque o peixe com a pele para baixo e cozinhe por 3 a 4 minutos até a pele ficar crocante. Vire o peixe, abaixe o fogo para médio-baixo e cozinhe por mais alguns minutos. 
  9. Transfira o peixe para a travessa do arroz quente. Sirva com o agrião por cima, mais um fio de azeite, uma espremida de limão e os pepinos para acompanhar.





quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Cena de um casal no shopping e uma sopa picante com queijo

Um casal passeia despreocupadamente no shopping, quando, de repente, a mulher agarra seu companheiro pelo braço e o puxa em direção a uma loja de cozinha em liquidação. O homem, acostumado já aos rompantes consumistas de sua esposa, não faz caso e se deixa levar. Ela aponta para uma travessinha cor de tomate maduro, apanha a peça nas mãos e solta um longo, dengoso e inapropriado-para-sua-idade: "onhonhóoooooooh, que butitchiiiinhu.... cutchi-cutchi..." O marido, sem saber onde enfiar a cara, concorda discretamente, na tentativa de acalmar a mulher maluca, e observa que há já muitas travessas em casa.

"Mas essa é piquinininha...!", tenta a mulher, com olhos pidões.
"E o que você faria nela?", perguntou ele, resistindo, buscando um furo em sua estratégia.
"Aaaaaaaah... um monte de coisa...! Um clafoutizinhozinhoinho, por exemplo... porção para dois!", retrucou, com uma cara de pamonha que sempre fazia seu marido rir. "Eu sei que não tem mais espaço", continuou ela, mostrando ainda estar em pleno domínio de suas faculdades. "Mas é tãaaaaaaao bonitinho... Eu vou levar, vai! Fica aí, que vou no caixa."

Ele apanha a peça de suas mãos, e, num menear de cabeça, sorri e diz: "Dá aqui. Vou te dar de presente, porque sei que você fica toda feliz quando tem coisa bonita onde fotografar sua comida."

: )

O mais incrível é que, na verdade, não fazia idéia do que faria com a tal travessa quando a ganhei. Mas desde que ela chegou à cozinha, foi usada praticamente todos os dias, justamente por ser pequena o suficiente para comportar porções para um casal. E, desta vez, com poucos ingredientes para uma sopa para dois, não foi diferente.

Queria uma sopa de legumes que pudesse ser feita com o que havia em casa, e sem nenhum grão ou cereal. Admito: é muito difícil pensar em uma sopa que não leve nenhum feijão, ervilha, pão ou batata, ou que não seja engrossada com farinha. Quando encontrei essa receita no livro de Heidi Swanson, sabia que teria um jantar delicioso. A sopa é mais rala, por não ter nenhum agente espessante (leia-se ingrediente com amido), então a quantidade de caldo é crucial para determinar sua consistência. Vá acrescentando aos poucos até chegar no ponto desejado. Aviso: ela é bem picante, mas o queijo equilibra bem a força da pimenta.

SOPA DE PIMENTÕES ASSADOS E TOMATE
(Adaptado do livro Super Natural Cooking, de Heidi Swanson)
Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento: 2 porções


Ingredientes:
  • 1/2 lata de tomates italianos pelados, com seu suco
  • 1/2 pimentão vermelho sem as sementes
  • 1/2 pimentão amarelo sem as sementes
  • 1 cebola pequena cortada em quartos
  • 1 dente de alho grande inteiro, com casca
  • 1/2 pimenta dedo-de-moça, sem as sementes
  • 3 colh. (chá) de azeite de oliva extra-virgem
  • 1 1/2 - 2 xíc. de caldo de legumes
  • 1/4 colh. (chá) de páprica picante
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
  • 2 bolas grandes de mozzarella de búfala
  • folhas de manjericão para decorar (opcional)

Preparo:
  1. Aqueça o forno a 180ºC. Disponha os pimentões, a cebola, o alho e a pimenta em uma travessa refratária pequena. Tempere com sal, pimenta e 1 colh. (chá) de azeite e leve ao forno já quente por meia hora, ou até que as pontas dos vegetais estejam chamuscadas. Vire-os no meio do cozimento.
  2. Retire do forno. Exprema o alho para fora da casca, descartando-a. Bata os legumes no liquidificador junto com o caldo e os tomates.
  3. Coloque a sopa em uma panela pequena e reaqueça em fogo baixo. Junte a páprica e acerte o sal e a consistência.
  4. Abra as mozzarelle com os dedos e coloque uma no centro de cada tigela. Despeje a sopa à volta do queijo, derrame o resto do azeite em fio sobre ele e sirva imediatamente.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Porque somos todos humanos

Dezembro de 2005.

Ainda havia caixas fechadas na sala. O apartamento tinha um cheiro forte de produtos de limpeza, tinta fresca e pessoas que não éramos nós, que haviam habitado aquele lugar por sabe Deus lá quanto tempo. Eu sabia que demoraria um bocado para que aquela sala tivesse nosso cheiro e nossa cara. A cozinha possuía apenas fogão, geladeira e uma mesa de madeira, que eventualmente iria para a sala. Por enquanto, ela era minha bancada de trabalho. A louça branca continuava empilhada dentro de um caixote plástico, no quarto, enquanto não decidíamos onde guardá-la.

Apanhei minha bolsa e fui pela primeira vez ao supermercado com intenções de abastecer minha inexistente despensa. Preciso de sal. E açúcar orgânico. É, eu já consumia açúcar orgânico naquela época. E farinha. E lentilhas, pois era Dezembro e logo viria o Ano Novo, e eu não poderia pensar num Ano Novo sem lentilhas. E óleo. E azeite. E arroz. E feijão. Dois tipos. Não, três. E milho para pipoca, pois eu posso querer comer pipoca, e o Allex adora pipoca. E caldo de legumes. O de cubinho. Qual? Parece tudo igual. Ah, o que tiver embalagem mais bonitinha. Que tiver mais legumes desenhados. Tá bom. A arroz para risotto. Nossa, que caro... E geléia, para o café da manhã. E manteiga. Com sal e sem sal. E suco. E groselha. E macarrão: fusilli, spaghetti, penne, rigatoni, tortellini de queijo... E orégano, pimenta, mostarda em pó, mostarda de Dijon, mostarda alemã, ketchup, maionese... Ah, e sorvete de creme, porque o Allex é doido por sorvete de creme, e precisamos ter sempre sorvete de creme na despensa, porque é muito versátil. Qual que ele gosta mesmo: N. ou K.? Uh, olha só: ervilhas congeladas. E brócolis congelado. Que mão na roda! Espinafre também! E favas! Ai, vou comprar aquele quibe vegetariano congelado que parece quibe de verdade. E pão de queijo. Para comer com requeijão.

Voltei para casa carregando comida suficiente para oitenta e três pessoas, e comecei a quebrar a cabeça para encaixar todos os itens nas duas pequenas prateleiras da área de serviço e no meu diminuto freezer tinindo de novo.

Tudo acertado, agora era hora de comprar os itens frescos para nosso primeiro almoço em nossa primeira casa. Saí a passos firmes em direção à feira. Minha mãe nunca fora fã de feira. Ela não gostava do barulho, da sujeira na rua e do método de venda ligeiramente agressivo e impaciente que alguns feirantes podem adotar. No entanto, não fazia um ano que eu voltara de minha viagem à Itália, e eu ainda tinha fresco na memória um estilo de vida quase bucólico, do qual as feiras faziam uma importante parte. Na minha mente, eu encontraria produtos maravilhosos e orgânicos, e faria amizade com os feirantes, trocando receitas e histórias. Ao chegar lá, no entanto, fui atendida às pressas depois de escorregar em uma pilha de folhas de alface murchas, e acabei levando ao menos sete tipos de frutas e legumes caros e fora de temporada que eu na verdade não queria. Voltei para casa atordoada e frustrada, mas empolgada por ter encontrado o que eu então só conhecia pelo nome italiano: feijões Borlotti.

Em casa, comecei a preparar a primeira de muitas refeições naquela cozinha. Tinha firme em minha mente o sucesso certo daquele almoço e de muitos outros. Imaginava meus amigos todos passeando pelo pequenino apartamento, com taças de vinho em uma mão e crostini na outra, esperando que eu terminasse de servir o primeiro dos três elaborados pratos daquele encontro, que seria então coroado com alguma sobremesa que seria "a melhor que eles já haviam provado", segundo todos me diriam.

O fato de até então nunca ter preparado mais de um prato de cada vez, quando na casa de meus pais, não parecia importar muito naquela minha fantasia.

Resolvi começar simples, àquele dia. Apenas arroz, feijão, quibe vegetariano e uma saladinha. O arroz era fácil. Vira minha mãe preparando arroz branco durante toda a minha vida. Pica cebola, refoga no óleo, junta o arroz, mexe, mexe, mexe, junta a água fervendo, tampa. O quibe era também fácil, vinha com instruções na embalagem. Não vou fritá-lo, pensei. Vou fazer no forno, que é mais saudável. Os feijões Borlotti já haviam sido debulhados, e, seguindo o livro de cozinha toscana, estavam na panela com água, azeite, louro e alecrim. Lindos, brancos e salpicados de rosa.

Quando tudo parecia pronto, Allex já se sentara à mesa, esperando por mim. Queria colocar tudo em travessinhas à mesa, mas quando fui transferir o arroz, veio a primeira surpresa: estava empapado.

"Não tem problema, eu gosto de arroz empapado", tentou Allex, lendo a decepção em meu rosto.

Servi os quibes, que pareciam bons, mas à primeira mordida, mostraram-se queimados por fora e ainda congelados por dentro.

"Não tem problema", tentou ele novamente, "a gente bota ketchup em cima e tá bom".

E quando todas as minhas esperanças se depositavam em meu lindo feijão cor-de-rosa, ele se revelou cinza. Ninguém nunca me dissera que feijão corado fica cinza depois de cozido, e muito menos que ele não faz caldo! Não é à toa que todas as fotos dos livros de culinária só mostram os feijões ANTES. Olhar para aquelas bolinhas cinzentas nadando em água cristalina foi no mínimo triste. Não sabia o que fazer, e comecei a amassá-los, na tentativa de criar um caldinho. Provei. Sem sal. Mas a receita não mandava colocar sal. Seriam comidos assim? Coloquei sal. Mas ele se dissolvia na água e não parecia atingir os feijões de fato.

"Tudo bem, não dá para acertar sempre", disse Allex, ainda em tom conciliatório.

Comi triste aquela que é considerada até hoje a pior refeição já preparada por minhas mãos, quase superada apenas pela torta de pé.

Conforme o tempo foi passando, fui acertando o arroz branco, mas continuava errando feio no arroz integral, que hoje, finalmente, comecei a acertar. O quibe vegetariano ficou na história, conforme fui parando de comprar comida pronta. Os feijões Borlotti continuaram um desastre por muito tempo até entender que seu segredo está no tempero pós-cozimento. Depois de cozinhá-los com alguns dentes de alho inteiros, alecrim, sálvia, louro, azeite, pimenta e um tomate (que os torna menos acinzentados), eles devem ser escorridos e temperados com sal, pimenta, salsinha fresca, um fio generoso de azeite e um nadinha de vinagre. E só então você entende a paixão dos toscanos por feijões, pois eles são, de fato, uma perdição. A água deliciosamente aromática em que eles foram cozidos pode e deve ser usada em sua próxima sopa de legumes.

E o que aconteceu àquela lentilha de Ano Novo? Ficou na prateleira, fechada, até um dia, um ano depois, em que tentei preparar um prato árabe de arroz, lentilhas e cebolas caramelizadas, que resultou em lentilhas duras sobre arroz empapado e cebolas queimadas.

sábado, 11 de abril de 2009

Il mio minestrone autunnale

Algumas atividades culinárias muito simples melhoram surpreendentemente meu humor; e uma delas é debulhar feijões. Não sei se porque a memória dá um salto para minha infância na já extinta chácara de meus pais, onde minha mãe me colocava para debulhar ervilhas, ou se porque me parece um ato extremamente meditativo. Não importa, realmente. A satisfação que sinto em abrir as vagens num estalo [Pop!] e passar a ponta do polegar pela base dos feijões coloridos, empurrando-os gentilmente em direção à tigela de metal [tereléntentein!] não tem preço, e por isso, sempre que encontro feijões frescos à venda, ignoro deliberadamente todas as variedades secas em minha despensa.

Quem leu o post anterior viu que feijões borlotti (ou corados, em português) são uma antiga obsessão minha. Dei pequenos pulinhos internos [ok, a quem estou querendo enganar? Pulei de verdade, mesmo.] quando vi que o mês de abril é sua época. Todas as bancas da feira têm pilhas dessas lindas vagens cor-de-rosa que me encantaram desde o dia em que soube de sua existência. Mesmo que os feirantes ofereçam bandejinhas de feijões já debulhados, não penso duas vezes e peço pelas vagens, não apenas pelo prazer de estourá-las eu mesma, como também porque assim na vagem duram cerca de uma semana se estiverem fresquinhos. Quinta-feira voltei feliz e contente, carregando meio quilo de feijão borlotti e um quilo inteiro de feijão-de-corda, que estava sendo vendido por um senhor simpático e de forte sotaque nordestino na barraca em frente à minha favorita, que sempre me chama a atenção pela variedade de pimentas e temperos. Sinceramente, nem mesmo sei se os feijões-de-corda estão na época, mas, sendo humana e tudo o mais, não resisti.

Os feijões borlotti são deliciosos cozidos com muito tempero, escorridos e retemperados com um fio de azeite, um nada de vinagre e salsinha fresca. Mas também ficam sensacionais em uma de minhas sopas favoritas, com catalogna (devidamente comprada hoje para exatamente esse fim). Mas os feijões da última feira ainda estavam na geladeira, cozidos, imersos em seu caldo ralo e aromático, tendo eu consumido apenas 2/3 deles com legumes e salada. Ontem viraram um minestrone de outono, com batatas, repolho crespo, cebola e tomate, sobre uma bela fatia de pão de centeio, polvilhado com um generoso punhado de Grana Padano e um fio de azeite. Deliciosamente reconfortante agora que as noites começam a ficar mais frias.

É difícil falar em quantidades exatas quando falamos de minestrone, que costuma ser uma sopa "svuota frigo". Mas vamos lá...

MINESTRONE AUTUNNALE
Rendimento: 3 porções
Tempo de preparo: 1h-1h20m (se feita toda em um dia só)


Ingredientes:
(feijões)
  • 250-300g feijões borlotti frescos (peso incluindo a vagem), ou 1 xíc. cheia de feijões cozidos
  • 2 dentes de alho inteiros, sem casca
  • 1 galhinho pequeno de alecrim fresco
  • 3-4 folhas de sálvia fresca
  • 1 folha de louro
  • 1 batata pequenininha, cortada ao meio, com ou sem casca
  • 2 colh. (sopa) azeite
  • 1 pitada de pimenta calabreza seca
  • pimenta-do-reino a gosto
(minestrone)
  • 2-3 batatas pequenas, cortadas em cubos (com casca mesmo)
  • 7-8 folhas de repolho crespo (cuidado ao substituir pelo repolho comum, que tem um gosto muito mais forte)
  • 1/3 de lata de tomates pelados (cerca de 2 tomates)
  • 1/2 cebola pequena picada
  • queijo parmesão ralado grosso
  • azeite de oliva extra-virgem
  • pão de centeio (opcional)

Preparo:
  1. Coloque todos os ingredientes do feijão em uma panela, cubra com o dobro de volume em água e leve à fervura. Abaixe o fogo e deixe cozinhando por 20-30 minutos, dependendo do frescor dos feijões. Quando estiver pronto (os feijões estarão macios), retire com uma colher a batata e o alho e esmague em um pratinho, até virar um purê. Retorne ao caldo e misture bem. Se possível, faça os feijões de véspera e guarde-os num tupperware bem vedado na geladeira (com o caldo) durante a noite, período em que o sabor do caldo ficará mais acentuado.
  2. Aqueça um fio de azeite em uma outra panela e refogue a cebola em fogo baixo até que fique macia e ligeiramente dourada. Junte o tomate, mexa bem para despedaçá-los, e deixe apurar um pouco, como um molho. Junte as batatas em cubos, uma pitada de sal e mexa bem.
  3. Junte os feijões com seu caldo. Corte o repolho crespo em fatias de 1cm e junte à sopa. Se achar necessário, acrescente mais 1 xícara de água, mas lembre-se de que muita água pode diluir o sabor do caldo. Misture, leve à fervura e abaixe o fogo, deixando que cozinhe por cerca de 30 minutos, parcialmente tampado.
  4. Quando a sopa tiver apurado um pouco e as batatas estiverem se desmanchando, experimente. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. Coloque uma fatia de pão em cada prato (se estiver usando) e sirva a sopa. Polvilhe com uma generosa quantidade de queijo parmesão e um fio de azeite. A sopa pode ser reaquecida sem problemas, desde que o queijo só seja acrescentado na hora de servir.

Cozinhe isso também!

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