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quarta-feira, 7 de março de 2018

Fevereiro, vida tranquila, um post em duas partes


Cerca de um ano antes de virmos para Toronto, minha cunhada me emprestou um livro pequenininho em italiano chamado Novecento, de Alessandro Baricco. No livro, esse homem que nasceu num barco e nunca saiu dele, um dia diz que quer descer para a terra. Por quê?, perguntam. Para ver o mar onde ele vivera a vida toda de outro ponto de vista.

Aquilo ficou gravado dentro de mim. Porque é preciso sair da ilha para ver a ilha, segundo Saramago, e percebi que confortavelmente inserida no contexto da minha existência no Brasil, eu jamais conseguiria enxergar a ilha, ver minha vida de outro ponto de vista. E eu vinha tentando, havia muito tempo, com todos esses processos de auto-ajuda encaixotados que peguei para mim, da naturebice, no minimalismo, do moda parisiense, dos livros de parenting, sem perceber que usar os óculos dos outros para enxergar pode ajudar mas não é a solução.

Em fevereiro fizeram seis meses que mudamos de país.

Durante esse tempo houve uma dezena, uma centena de desastres miniaturas dentro de mim, quebrando-me inteira por dentro, obrigando-me a reorganizar os pedaços e montá-los de um jeito novo, de novo e de novo. Demorei para me dar conta de que aquele quebra-cabeça emocional era tão difícil porque continuava forçando as peças dentro de um molde velho, gasto e torto.

Estava na hora de jogar o molde fora e montar aquelas peças livres no ar. Olhar para cada uma delas e decidir se elas ainda combinavam com as outras, se ainda tinham lugar. Muito como desentulhar uma garagem cheia de tralha, mas ao invés de olhar para os objetos em volta, você olha para aquele imenso espelho de cristal dentro de si. E abdicar de um pedaço do que você achava que queria ser, ou um pedaço da pessoa que você queria que os outros acreditassem que você era, é bem mais difícil do que jogar fora um abajur.

Mas quando você sai da ilha e se encontra à deriva nesse mar sem referências, você se dá conta de que todas aquelas pecinhas que formavam o que você acreditava ser sua identidade não passavam de bagagens externas. Eu sou uma pessoa que faz. Eu sou uma pessoa que tem. Eu sou uma pessoa que usa. Eu sou a pessoa que é filha de... Sou a pessoa que é mãe de... Eu sou uma pessoa que gosta de... coisas, pessoas, ações fora de mim. Todas essas malas pesadas que a gente carrega com a gente para fora da ilha e não nos permitem nadar para longe. E ali você está, na marolinha, achando que é alto-mar.

Fui nadando para longe e largando um baú medieval repleto de tralha emocional a cada braçada, e agora sento aqui nesse meu barquinho simples, olhando a ilha. O balanço do mar me conforta e meus olhos divisam as formas da terra firme claras sob o sol. E o que eu vejo não é bom nem ruim, apenas é.

Tudo mudou em mim.

Dou-me conta de que cada mudança de casa na minha vida foi o passinho que eu aguentava para longe da ilha que eu sabia que teria de deixar definitivamente um dia para me conhecer de verdade. Coisa louca, que muita gente não precisa fazer, mas que para mim era imprescindível. Não é que eu não me sentisse confortável no Brasil. Eu não me sentia confortável em mim mesma.

Agora o barco navega tranquilo. Tempestades ocasionais aqui e ali, mas a diferença crucial entre o antes e o agora é essa recém-descoberta calma frente ao conflito. Isso que tenho tentado ensinar aos meus filhos, isso de aprender a identificar suas emoções, ainda que abruptas e explosivas, e lidar com elas de forma tranquila. Isso de resolver os problemas sem perder a cabeça. Isso que eu não sabia fazer mas vi os professores canadenses ensinando às crianças. Oi, tia. Pode me ensinar isso também? Essa coisa linda de não perder a calma? De ficar zen? De se respeitar e respeitar o outro e exigir respeito? Adorei isso, quero tentar também.

E tudo flui. Essa vida tranquila que eu sempre busquei e que estava dentro de mim, escondida atrás de uma muralha de coisas que não eram eu, uma floresta de vitimismo, um mar inteiro de infantilidade e um deserto de ausência de responsabilidade pela minha própria vida.

E a gente se resolve um pouco e as coisas se resolvem em torno por osmose, porque a natureza assim funciona. E as crianças imitam o adulto, seja ele descompensado ou feliz. Que me imitem feliz então, que aprendam a respirar fundo e enfrentar seus medos, e tentar coisas novas, e resolver pepinos, e amar, e pedir desculpas, e dar a vez ao outro mas também exigir respeito.

As crianças vão aos pouquinhos nadando também para longe da ilha e entendendo que o mundo é grande e que as pessoas são incrivelmente diferentes e interessantes, e que todo mundo pode ser amigo desde que haja conversa. E conversando eles vão, aprendendo inglês em ritmo de trem-bala, contando histórias e aprendendo histórias, e Laura quer viajar para outros países e Thomas diz que vai morar no Japão um dia. E eu vejo esses dois seres imensos, desde quando a mão deles é tão grande?, fazendo lição-de-casa sozinhos e preparando o café de manhã, e recortando papéis coloridos e desenhos em folhas sulfite para criar seus próprios jogos de tabuleiros, e brincando metade em inglês, metade em português, e me dá uma tranquilidade imensa vê-los apanhar os livros da estante para folheá-los no sofá, em silêncio, por muito tempo, enquanto ouço uma música e preparo o jantar.

Passei fevereiro todo refazendo meu portfolio. Entra lá: www.anaelisagranziera.com

A vida anda mais devagar, ainda que bastante ocupada.

Numa quinta-feira corrida, voltamos da escola para a rotina de sempre: banho, lição, brincar, jantar, cama. Está um fim de tarde lindo, no entanto, um céu azul claro brilhante diferente da noite que caía cedo no auge do inverno e a sala inteira se ilumina e refresca como havia meses não acontecia. Acabáramos de assar biscoitos, e enquanto Thomas roubava um ainda quente da última fornada, pergunto se querem ir ao parque estrear os patins de gelo que apanhara usados na escola. Pensei que o jantar sairia atrasado, que era uma "school night", que Thomas não fizera a lição ainda. Mandei as favas as preocupações, o controle da rotina, e fomos. E as crianças patinaram pela primeira vez na vida, e Laura não parava de dizer o quanto AMAVA aquilo, e eu, ainda sem meus patins, sentei e vi o por-do-sol cor-de-laranja deitando sobre o rinque branco, e éramos praticamente só nós ali quando a noite caiu e continuei ouvindo seus risos e o raspar das lâminas no gelo sob a lâmpadas amarelas do parque.

Voltamos para casa no escuro, jantamos pipoca e Thomas disse para que eu não me preocupasse, pois ele faria a lição de manhã antes de ir à escola. Na manhã seguinte, ao invés de mandar consertar meu celular quebrado, comprei-me um par de patins para poder acompanhá-los no rinque. Prioridades.

O celular quebrou enquanto eu tirava essa foto, quando tropecei no cachorro e caí em cima do celular.
Senti-me estúpida e peguei birra do Instagram por alguns dias.

Patinei pela primeira vez na primeira festa de aniversário para a qual Thomas fora convidado. Os pais haviam reservado um espaço para fogueira num parque ali perto, do lado do rinque público de patinação. Havia smores e cachorros-quentes feitos na fogueira, e pipoca. Eram apenas meia-dúzia de crianças e os respectivos pais. Nossos pés chafurdavam na lama criada pela neve que se derretera nos dias anteriores. As crianças ajudavam os adultos a alimentar o fogo e saíam correndo para patinar mais um pouco. Era tudo simples e bom. O som dos pássaros, do fogo, das crianças.

Deslizar no gelo foi aterrorizante e maravilhoso. Fazer algo novo. Vencer meu medo de quebrar um braço ao cair. Eu já escorregara no gelo ao correr com o cão num parque e já sabia quão doloroso isso podia ser. As crianças estavam em êxtase ao me ver fazendo algo pela primeira vez, como eles. Mamãe não sabe tudo. Mamãe também está aprendendo. Se mamãe cair, tudo bem. Então se a gente cair, tudo bem também. Depois é a vez do papai. A gente quer ver o papai tentar também. 

Fevereiro se foi e levou com ele muito de quem eu achava que precisava mostrar para os outros que eu queria ser. E o que sobrou foi apenas eu. Eu que só quero uma vida tranquila.

Já estou com saudades da neve, pode?


.....

Agora vamos às praticidades da vida. Era preciso que entendessem isso aí em cima para entenderem isso aqui embaixo.

Em fevereiro minha cozinha começou a se aventurar de novo. Janeiro foi o mês em que Thomas decidiu que não queria mais levar fruta para a escola. E que tinha vergonha de comer salada na frente dos amigos. Pudera, bastou uma olhadela no almoço dos coleguinhas, num dia em que ajudava a professora, para entender. Era um tal de pão branco sem nada e sucrilhos de almoço que me deixou de cabelo em pé. Além disso, ele veio me explicar que não tinha lá muito tempo para comer, que os amigos engoliam a comida meio de qualquer jeito e saíam correndo para brincar ou jogar Ball Hockey, atividade gratuita que a escola oferece nos intervalos de almoço umas duas vezes por semana durante o inverno - e na qual Thomas se inscreveu assim, sozinho; fui descobrir que ele estava jogando um mês depois.

Janeiro eu passei preocupada tentando convencer a criança a comer fruta e verdura, e fiquei me enfiando em sites natureba-vegan-gluten-free-vida-sem-queijo para tentar inventar novas formas de enfiar coisas verdes na lancheira dele. Fiquei lá passando sabão no coitado, discursando à mesa cada vez que o lanche voltava, e vi logo que um sinal de que eu precisava mudar alguma coisa era o fato do meu filho levar as mãos às orelhas e fazer cara de exausto enquanto a ladainha prosseguia. 

Nisso, caí de gaiata no canal relaxante da Lu Azevedo, coleguinha ilustradora e brasileira que mora em Vancouver. Mais ou menos de gaiata, pois eu já conhecia o canal antigo, o Fala Maluca, cujos videos eu assistia para tentar me situar nesse futuro incerto que seria mudar para o Canadá com filhos. Mas o que eu não sabia era que ela havia partido em "carreira solo" e tinha criado esse canal que para mim é a versão em video da maternidade-sussa da Maria, do Seis Mais Dois. Quando ela fez um video mostrando o que mandava de almoço para os filhos na escola, logo caí em mim que eu andava complicando demais as coisas. (Aliás, sempre me deixa contente assistir a seus videos, pois parece que estamos sempre mais ou menos alinhadas em algumas coisas da vida - andava falando para uma amiga sobre comon mudara meu relacionamento com as crianças nos últimos meses, e vai lá a Lu e faz um video sobre disciplina positiva que é praticamente um resumão do que eu tentava explicar.)

Larguei mão geral e se meu filho diz que não dá pra comer mais que um sanduíche, então sanduíche será. Sanduichinho, macarrão, nori, cenoura, mini-pretzel e passas cobertas de iogurte, os dois últimos comprados a granel na loja de orgânico. E bolo e muffin e cookie feitos pela mamãe, porque a maior graça é poder fazer essas coisas toda semana. E aí que vem o pulo do gato: as frutas que Thomas não come em natura na escola, ele come nos doces que eu faço.


Como esse bolo de banana com chocolate do livro da Magnolia Bakery. Muito bom. Era para ter amendoins, mas como na escola não pode, omiti, e não fez falta.

CHOCOLATE CHIP BANANA LOAF
(do livro The Magnolia Bakery CookBook)

Ingredientes:
  • 1/3xic. manteiga sem sal, amolecida
  • 1/2 xic. açúcar
  • 2 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 1 1/2 xic. bananas maduras, amassadas
  • 1/3 xic. leite
  • 2 xic. farinha de trigo com fermento (eu usei farinha comum, adicionei 1 colh (chá) de fermento e uma pitada de sal)
  • 3/4xic. chocolate chips
  • (se quiser usar os amendoins, é só acrescentar 1/2 xic. de amendoins sem sal e sem pele, picados

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Unte e enfarinhe uma forma de bolo inglês de cerca de 21cm.
  2. Na batedeira, bata a manteiga e o açúcar até que fique clara e fofa. 
  3. Junte os ovos, um a um, batendo bem. Junte a banana e o leite e misture.
  4. Adicione a farinha e misture apenas até que esteja tudo incorporado. 
  5. Junte os chips com a ajuda de uma espátula e passe a mistura para a forma.
  6. Asse por 45-55 minutos, até que um palito inserido saia limpo. 
  7. Deixe que esfrie na forma por uns 20 minutos antes de desenformar,.


PORÉM... é claro que a nutricionista esquizofrênica dentro da gente começa a achar que a criança está comendo muito açúcar, muita farinha branca e aquela coisa toda. (Se for comparar com criança-padrão canadenses e brasileiras, meus filhos não comem quase nada de aç[ucar, mas a nossa cabeça adora achar problema com o qual se preocupar e fica tentando resolver o que já está resolvido, simplesmente pelo prazer de resolver alguma coisa. - Tivesse resolvido os problemas de verdade dentro de mim, não ficaria enchendo tanto o saco dos meus filhos.)

E daí que eu catei todas as receitas da Kim Boyce (do livro Whole to the Grain) que eu tinha anotado e saí tentando encontrar um denominador comum entre elas, um template para criar outros muffins com outras farinhas integrais e outras frutas, pois sempre gostei dos muffins altos, massudinhos e pouco doces dela. E assim fiz. E nasceu o Muffin de Salada de Frutas. Com todas as frutas que Thomas se recusou a levar para a escola naquela semana. E ficou ótimo, principalmente quentinho com manteiga. E Thomas amou. E eu achei que meus problemas estavam resolvidos.



MUFFIN DE SALADA DE FRUTAS
(Rendimento: 12 muffins)

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. de farinha de trigo
  • 1 xic. farinha de trigo integral 
  • 1/2 xic açúcar mascavo (eu tentaria 3/4 xic também, para algo mais doce)
  • 1 colh (chá) fermento
  • 1 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 1/2 colh. (chá) canela
  • 3/4 xic. manteiga derretida (150g, aproximadamente)
  • 2 ovos grandes
  • 1 (colh) chá extrato de baunilha
  • 1 xic. iogurte natural
  • 1/2 xic. leite
  • 2 xic. de frutas picadas grosseiramente, como maçãs, peras, bananas, caquis, abacaxi.

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Forre a forma de muffins com forminhas de papel.
  2. Misture com um fouet todos os ingredientes secos numa tigela. Em outra, misture a manteiga derretida, os ovos, a baunilha e o iogurte e o leite, até que fique homogêneo. A massa não pode ficar líquida. Ela precisa fazer um montinho e ficar ali quietinha, sem espalhar. Isso garante aqueles muffins altos com domos grandes.
  3. Junte os líquidos aos secos e misture com uma espátula apenas até que a farinha suma. Junte as frutas.
  4. Divida a massa entre as formas. A massa VAI FICAR PARA FORA, mais alta que as formas. Desde que esteja firme, está tudo bem, ela não vai vazar. Vai inflar e firmar bonitinho sem virar aquela gororoba de quando tudo espalha, achata e afunda. Asse por cerca de 25 minutos, ou até que um palito inserido no meio de um deles saia limpo. 
  5. Retire do forno e deixe esfriar cinco minutos antes de comer. 

Mas Laura não comeu.

Porque aqui a grande diversão dos dois parece ser me deixar culinariamente louca.

Thomas ama nozes e castanhas e sementes e qualquer coisa crocante. Laura detesta. DETESTA.
Laura pede e devora qualquer fruta. Thomas diz que só gosta de melancia.
Thomas me pede para fazer mingau pelo menos uma vez por semana. Laura reclama sempre que eu faço mingau.
Ela adora tomate cereja. Ele nem encosta.
Ele adora edamame. Ela faz cara de nojo.
Ele adora sanduíche de almoço. Ela só quer prato quente.

Não tem saída.

Parece que eles só têm pontos em comum no que se refere às porcarias. Eu queria dizer que eles concordam na pizza, mas Thomas gosta de massa fina e Laura gosta de massa grossa.

Em fevereiro eu larguei mão de me preocupar demais com isso, virei para os dois, e disse: vocês vão levar o que tiver em casa e o que eu tiver tempo de preparar. Comeu, comeu, não comeu, traz de volta. E é isso aí.

E é isso aí.

E uma coisa puxa a outra. Se eu não fico aflita com o almoço deles, posso relaxar e me divertir mais nas outras refeições. E me deu vontade de fazer pão de novo, para variar um pouco o pão do sanduíche, e porque o pão integral das padarias daqui meio que não têm gosto de coisa nenhuma.

Catei um livro na biblioteca e achei essa receita aqui. Fiquei meio ressabiada com a quantidade absurda de fermento e cortei pela metade. Mas deixo aqui a quantidade original e, você conhecendo o fermento que usa, pensa bem o que fazer a respeito. O pão ficou fofo e delicioso, e eu faria de novo várias e várias vezes.

Thomas amou as sementes no pão.
Laura destestou e comeu só o queijo. >_<



BIRDSEED BREAD
(receita de um livro de baking de uma autora canadense. Preciso pegar o nome. Não curti muito o livro mas esse pão ficou muito bom. Fotografei a receita mas esqueci de anotar o nome do livro.) 
Rendimento: 2 pães

Ingredientes:
  •  2 xic. água morna
  • 5 colh (chá) fermento ativo seco (usei metade)
  • 3 colh (sopa) óleo vegetal (usei azeite)
  • 1 colh (sopa) suco de limão
  • 2 colh (sopa) mel
  • 2 colh (sopa) açúcar mascavo
  • 1 colh (sopa) melado ou extrato de malte
  • 1 colh (sopa) sal
  • 1/4 xic farinha de centeio
  • 1 xic. farinha de trigo integral
  • 1/2 xic. sementes de girassol
  • 2 colh. (sopa) de farelo de trigo (omiti pois não tinha)
  • 2 colh (sopa) de linhaça (depois vi que era moída, mas usei inteiras)
  • 2 colh (sopa) de sementes de gergelim
  • 3 a 4 xic. farinha de trigo branca 
  • mais sementes para polvilhar

Preparo:
  1. Unte duas formas de pão e posicione sobre uma assadeira.
  2. Na tigela da batedeira planetária, misture a água morna, o fermento, o óleo, mel, açúcar e melado, até que tudo esteja dissolvido. Se o fermento não for do tipo instantâneo, deixe uns cinco minutos ativando antes de prosseguir. (Fermento instantâneo dissolve rápido na água - o meu aqui não é, e se eu não der uns minutos, as bolinhas de fermento continuam inteiras na massa do pão.)
  3. Junte todos os ingredientes menos a farinha branca e misture. 
  4. JUnte 2 xicaras da farinha branca e misture por alguns minutos. 
  5. Vá misturando na batedeira com o gancho aos poucos o restante da farinha branca, até obter uma massa grudenta mas que pareça razoavelmente manipulável. Talvez você não precise de toda a farinha.
  6. Cubra a tigela com filme plástico e deixe fermentando por 1 hora ou até dobrar de tamanho.
  7. Divida a massa em duas partes, e deixe descansar por 15 minutos. Molde como dois cilindros do comprimento da forma. Espalhe as sementes pela bancada e role os pães sobre elas para que grudem na superfície. Coloque-os dentro da forma, cubra e deixe que fermentem novamente até que estejam ultrapassando a borda da forma. Enquanto isso, aqueça o forno a 190oC.
  8. Coloque os pães no forno e imediatamente abaixe o forno para 180oC. Asse até que estejam com a crosta dura e dourada, cerca de 35-40 minutos. Esfrie nas formas sobre grades.




Pode ter sido minha maratona de The Great British Bake Off  seguido do The Great Canadian Baking Show que me transformou na louca da padaria novamente. Pode ter sido o fato de eu ter encontrado um lugar para comprar farinha de trigo orgânica em sacos imensos e mais baratos - pensa a pessoa que usa um saco de 11kg de farinha em um mês. Sei que devo a isso o fato de ter encontrado ESSA RECEITA PERFEITA DE CINNAMON BUNS, sucesso absoluto com 100% da família. Catei a receita do Smitten Kitchen mas omiti tudo o que não pertencia a um Cinnamon Bun, e é isso aí. Pense macio. Úmido. Doce. Delicioso. E PRÀTICO. Você faz ele todo num fim de tarde, começo de noite e deixa fermentando durante a noite na geladeira para ir direto para o forno. Vinte minutos depois, eis o melhor café-da-manhã de sábado do mundo. :D A massa é feita na batedeira, e é uma delicinha de abrir e enrolar e cortar.

 
Daí que as crianças pediram bolo de chocolate e eu, que andava feliz e tranquila, catei o tal livro do Birdseed Bread e resolvi fazer um bolo dele com sour cream que parecia muito bom e muito simples. Havia um mês eu encontrara cacau Valhrona numa loja de importados e andava enrolando para abrir, usando o baratinho da Hersheys até então. Lá fui eu. Três quartos de xícara de cacau Valhrona. TRÊS QUARTOS DE XÍCARA.
E o bolo ficou assim:


Falei que foram 3/4 de xícara de cacau Valhrona? Pois é. No mesmo dia, a máquina de lavar e secar roupa quebrara, com todas as toalhas de casa, sujas e molhadas, dentro. E eu tinha queimado consideravelmente meu braço na tampa de uma das panelas ao preparar o jantar (a bolha se foi, a cicatriz ficou.) Laura resolveu virar no Jiraia e fazer as birras mais escalafobéticas do mundo. Daquelas que você se surpreende pelos vizinhos não terem chamado a polícia. Daquelas que te dão vontade de levantar, ir embora e não voltar mais. Daquelas que fazem você pensar por que diabos resolveu ter filhos mesmo. E quando meu marido me mandou um recado perguntando como estavam as coisas e eu expliquei, ele perguntou se eu queria que ele voltasse mais cedo, pois eu deveria estar um caco.

Foi aí que me dei conta de que não, eu não estava um caco. Eu estava tranquila. Já ligara para a administradora do condomínio requisitando o reparo da máquina (que, diga-se de passagem, ainda não foi consertada até o momento em que eu escrevo - toda uma epopéia). Lidara com a queimadura feia no braço com a mesma calma com que lidara com a vez em que chanfrei a ponta do dedo cortando salsinha, ou quando rasguei o outro dedo na lâmina serrilhada do processador: cuidei e segui a vida. Mantive-me zen-budista frente à reencarnação de Cthulhu que era minha filha e resolvi sem castigo nem escândalos adicionais, e terminamos o dia tranquilos ouvindo música. E quando o Gólgota emergiu da minha forma de bolo, eu soltei um palavrão cabeludo, tirei a porcaria do forno, suspirei e disse a mim mesma: Meh. É só um bolo. o_O Isso foi inédito. As crianças roubaram uns pedaços cozidos de bolo da beirada da forma, eu deixei tudo esfriar para jogar fora e limpar o piso do forno, catei um livro mais confiável e... fiz outro bolo.


 CHOCOLATE SOUR CREAM CAKE WITH CHOCOLATE CHIPS
(Do livro The Magnolia Bakery Cookbook)

Ingredientes:
  • 3 xic. + 2 colh (sopa) farinha de trigo
  • 1 1/2colh (chá) bicarbonato
  • 1/4 colh (chá) sal
  •  85g chocolate 100% cacau (unsweetened chocolate, difícil de achar no Brasil, mas que eu substituía com sucesso por chocolate 85% ou 90% cacau)
  • 1 1/2 xic. café forte ainda fervendo
  • 3/4 xic (150g) manteiga sem sal, amolecida
  • 2 2/3 xic açúcar mascavo
  • 2 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 1 1/2 colh (chá) extrato de baunilha
  • 3/4 xic. sour cream (se não tiver, deixe o creme de leite fresco com uma colher de vinagre fora da geladeira por algumas horas e use)
  • 2/3 xic. chocolate chips

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 160oC. Unte e enfarinhe uma forma bundt ou de tubo com capacidade para 12 xícaras.
  2. Numa tigela, peneire a farinha, bicarbonato e sal.
  3. Em outra, coloque o chocolate 100%. Adicione o café fervendoe misture até derreter o chocolate. Deixe esfriar por uns 10 minutos.
  4. Na batedeira, bata a manteiga e o açúcar até que fique fofo. Junte os ovos, um a um, batendo bem. Junte a baunilha. 
  5. Adicione os ingredientes secos aos poucos, batendo apenas até incorporar, em velocidade baixa. Junte o sour cream. Junte o chocolate derretido em três partes.Incorpore os chips. 
  6. Passe a mistura para a forma e asse por 70-80 minutos, até que um palito inserido no meio saia limpo. DEixe esfriar por 20 minutos pelo menos na forma antes de desenformar.

A vida não é horrível. O universo não está te perseguindo. O mundo não está contra você. É só um bolo de 14 xicaras que você meteu numa forma onde só cabiam 12. É só uma birra de criança porque a criança tem f*cking 5 anos e está aprendendo a controlar as emoções. É só uma máquina de lavar que tem conserto e o prédio tem lavanderia. E é só uma bolha no braço para acompanhar as dúzias de marcas de guerra que você adquiriu na cozinha durante sua vida.

Finito. Caput. No more drama. Porque a vida no fim é isso: tem muito mais birra de criança, machucado e máquina quebrada do que dia de piquenique, todo mundo fofo e céu azul com borboletas. E se você for deixar um bolo afundado estragar seu dia... bom... você está lascado, pois está destinado a uma vida de miséria e frustração. Vida tranquila não é vida de comercial de margarina. É aceitar que a vida tem uns momentinhos mequetrefes e desastres estrambólicos mas não deixar isso te destruir. A gente é melhor que isso. A vida é muito curta pra chorar por bolo explodido no forno. Limpa tudo e segue a vida. É só um bolo.

Quando estou alegre, quero que a cozinha reflita isso. Saio buscando muito mais cores e mais vida para a mesa combinar com meu humor. Daí que catei o livro Plenty More na biblioteca, que me trouxe belíssimas surpresas, como um COZIDO DE ERVILHAS E ALFACE ROMANA maravilhoso (no qual usei edamames ao invés de favas, pois era o que tinha e Laura comeu sem saber o que eram) e esse BOLO DE COUVE-FLOR sensacional, que preparei acompanhado de uma salada de alface romana, abacates e watermelon-radish, esse rabanete grandalhão que quando cortado parece uma melancia, lindo e delicioso. Esse foi um jantar tão bom que as crianças pediram repeteco para a escola, até com o tal rabanete e alface acompanhando, e a lancheira voltou vazia, vazia.



Acabei estendendo meu empréstimo do livro por mais 20 dias para poder fazer outras receitas.
E outra coisa que valeu muito a pena fazer e que rendeu igualmente almoços escolares bem sucedidos foi essa TORTA SALGADA do blog Smitten Kitchen. Aliás, tenho cozinhado tanto dessa fonte que sinto que preciso ir até Nova York e dar um abraço na Deb por isso, mas acho que ela acharia esquisito esse abraço de uma completa desconhecida. ;)

A receita original era com batatas e espinafre, mas substituí por brocolis branqueado e puxado no alho, e algumas fatias de bacon douradas e picadas. O restante do recheio de ovos e queijo, mantive igual. Também arrisquei estender a massa mais fina para conbrir minha assadeira, um pouco maior que a dela, e o risco compensou, pois a torta ficou um desbunde de boa. Fria, dava para comer os quadrados com a mão, o que facilitou no almoço da escola. De novo, torta acompanhada de salada de alface, watermelon radish, cenouras e sementes de abóbora.



 E é isso aí. Vida tranquila.


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Um aniversário simples mas não um simples aniversário + coxas de frango e um bolo de anos atrás

Princesa viking na neve brincando com boneca.


Agora que a fase das visitas passou, a vida voltou ao normal. Bem, até o clima voltou ao normal, mandando embora aquela onda de -30oC e trazendo de volta os agradáveis -10oC. Houve até uma semana inteira de temperaturas positivas, vejam só! Lembro da vida na Aldeia da Serrra, tilintando de frio no vento ao passear o cachorro, toda encapuzada, três blusas, gorro, cachecol, maldizendo aqueles 8oC. Ha. Ha. Ha. Vale dizer que depois de passar pelos -30oC, Laura e eu nos vimos andando no parque, cercadas de neve derretendo, sem gorro, sem luvas, sem cachecol, apenas camiseta e o casaco aberto para refrescar. Fazia 3oC nesse dia. TRÊS. O ar é totalmente diferente no seu rosto, quando a temperatura é positiva, mesmo que seja apenas um grau acima de zero. Referências. Ah, referências. Comecei a entender bem aquelas fotografias engraçadas de gringo de short em dia frio. É sempre muito interessente perceber como nosso corpo se adapta rápido.


Passou Natal, passou Reveillon, sogra foi embora, e rapidamente me dei conta de que o próximo grande evento da família estava logo ali: o aniversário da Laura.

Quando ela me perguntou se os amigos do Brasil viriam visitá-la no aniversário, confesso que meu coração afundou. É sempre difícil lidar com essas perguntas de forma sincera mas leve. Difícil explicar que não é simples para os amigos visitarem, que custa caro, e que... bem... os pais dos amigos precisam de fato quererem vir aqui. E, vamos combinar, amizade de jardim de infância só dura se as crianças continuam estudando juntos. Essa parte é bem, bem difícil. A saudade que tenho dos meus amigos é dura. As saudades que as crianças têm dos seus amigos me faz sofrer bem mais.
Minha pequena lenhadora num dia de -10oC.
Assim que eu expliquei a ela que não, ninguém viria do Brasil para o seu aniversário, ela imediatamente supôs que faríamos uma grande festa e chamaríamos seus trinta colegas de classe.

Respira no saquinho.

"Não, querida, os pais e mães ainda não se conhecem direito, ainda é seu primeiro ano aqui, a gente não sai fazendo festa grande assim logo de cara. Precisa conhecer melhor os amiguinhos antes de chamar em casa. Além disso, o apartamento é pequeno, não tem espaço para a festa grande."
"Tem sim! Ó, cabe ali do lado do sofá todo mundo!"
"Cabe não, Laura."
"Tá. E o que é que a gente faz então, mamãe? Que é que faz no aniversário aqui no Canadá?"
"A gente canta parabéns na escola e manda as lembrancinhas. Você me ajuda a fazer os gift bags?"
 "SIIIIIIIIIIIIIIIMMMM!!!!!"

Pronto, os olhinhos dela estavam iluminados de novo.

Quando Thomas nasceu, prometi a mim mesma que não me meteria nessa de festão de criança. Havia comparecido a suficientes aniversários de 1 ano em buffet para saber que isso era roubada. Eu não faria festa até a criança de fato pedir por uma, e quando fizesse seria simples e caseiro como foram os meus na minha infância, e não daria presentes aos meus filhos até eles terem idade para saberem o que é um aniversário.

Isso não funcionou muito bem. Nada te faz morder mais a língua do que maternidade.

Logo no primeiro aniversário do Thomas, eu despiroquei. Nós não faríamos nada, nada mesmo, só um bolinho para nós três. Mas enquanto eu preparava o bolo, tive um siricotico, e comecei a achar que eu era a pior mãe do mundo, que todo mundo se importava com festa de 1 ano menos eu, que algo deveria estar errado comigo. De uma hora para a outra chamamos umas vinte pessoas que podiam vir, passei 6 horas enfurnada na cozinha, e fizemos uma festa meio esquisita e improvisada, que claro, não aplacou essa minha sensação de ser a pior mãe do mundo. Nenhum dos nossos amigos tinha filho ainda, então Thomas era o único bebê ali, e meia hora depois dos convidados chegarem, ele teve de se retirar para sua soneca habitual.

ISSO NÃO FAZ SENTIDO NENHUM.

No ano seguinte, as coisas foram mais tranquilas. Thomas fez dois anos no início de seu primeiro ano de escola, e me lembro de ter apenas enviado um bolinho de chocolate para a escola e foi isso aí. Paz de espírito, criança feliz comendo chocolate sem saber exatamente por quê. Achei que tinha voltado ao meu eu habitual.

Mas não.

Começaram a aparecer os convites para as festinhas dos colegas. As "festinhas de criança" eram verdadeiros festões, bailes de debutante, principalmente quando o aniversário era de menina. Entretenimento, DJ, barracas de comida, garçons, pula-pula inflável do tamanho da minha casa, pais estressados reservando data de aniversário com todo mundo 6 meses antes, lembrancinhas mais caras do que o presente que meu filho levava.

Depois de meia dúzia destas festas, Thomas começou a criar sérias expectativas a respeito de seu próprio aniversário. Ele mal falava direito, mas já sabia pedir uma festa de aniversário com dragões e dinossauros e todos os seus amigos. >_< Então, aos três anos, Thomas ganhou sua primeira festa com os coleguinhas da sala, aquela fatídica em que ele teve estomatite e chorou porque não conseguia comer brigadeiro. Aquilo deveria ter sido interpretado como um sinal para largar mão e voltar ao meu plano original. Mas é impressionante como o ambiente mexe conosco, desequilibra, tira o foco. Eu já não tinha mais firmeza para insistir no que eu achava que era certo, porque já não tinha mais certeza de coisa nenhuma, desprovida de qualquer outra referência em que me apoiar. Depois de todo aquele frio de -30oC, eu estava achando que 3oC era verão. Eu era praticamente a única mãe que fazia festa para menos de 60 convidados com bolo feito em casa, então pensar em algo ainda menor, um bolo só com os avós, parecia impensável, uma enorme injustiça com a coitada da criança.

Laura era outro tipo de abacaxi: no Brasil, ela jamais teria o bolinho na escola, pois seu aniversário é em Janeiro. Então veio outro jogo de culpa, aquele comum nas mães, de tentar resolver problema antes de ele de fato ter aparecido. Na minha cabeça, Laura se perguntaria por que o irmão teve festa e ela não teve, por que tinha foto de um monte de gente e um monte de comida no primeiro ano dele, e no dela só tinha pai e mãe e um bolinho. Loucura total. E pronto, Laura teve festa no primeiro ano, com um dos melhores bolos que já fiz, bolo branco classicão de 1 tigela da Alice Medrich (aquele de fazer no processador) e a cobertura adaptada de mascarpone do bolo de Tiramisú da Dorie Greenspan do livro Baking From My Home To Yours, que eu nunca postei aqui porque estava meio que de férias do blog na época.
Lembra dessa bochecha???? Muito amor. Olha esse bolo. Nham!
O BOLO DE TIRAMISÚ DO PRIMEIRO ANO DA LAURA
Rendimento: esse bolo da foto, alimentou um monte de gente e o povo lambeu o prato.

Ingredientes: 
(bolos)
  • 2  xic. farinha de trigo
  • 2 1/2 colh. (chá) fermento
  • 6 ovos
  • 1 3/4 xic. açúcar
  • 1 colh (sopa) extrato de baunilha
  • 1/2 colh (chá) sal
  • 6 colh (sopa) manteiga sem sal, derretida
  • 2/3 xic. creme de leite fresco, em temperatura ambiente
(xarope de café)
  • 1 xicarazinha normal de café espresso ou café bem forte (tipo 60ml de café, e não uma xícara-medida)
  • 1/2 xic. água 
  • 1/3 xic. açúcar
  • 1 colh (sopa) de Marsala, outro vinho doce fortificado ou conhaque
(cobertura)
  • 1 pote de marcarpone (uns 250g) (qualquer marca que tenha apenas creme de leite e ácido cítrico na composição, sem gomas ou coisas estranhas)
  • 3/4 xic. creme de leite
  • 1/2 xic. açúcar de confeiteiro
  • 150g chocolate amargo picado
  • cacau para polvilhar

Preparo:
(bolos)
  1. Coloque a grade na parte inferior do forno e pré-aqueça a 180oC.Unte e enfarinhe duras formas redondas de 20cm. Forre o fundo com papel-manteiga. 
  2. No processador, coloque o açúcar, farinha, sal e fermento e pulse para misturar. Junte o creme e a manteiga epulse rapidamente, 8-10 vezes, até que os ingredientes estejam misturados.
  3. Junte os ovos e a baunilha de uma vez e pulse mais 5-6 vezes. Raspe as laterais da tigela de processador com uma espátula, tomando cuidado com a lâmina, e então pulse mais 5-6 vezes, até estar tudo homogêneo, não mais que isso.
  4. Divida a massa entre as formas, espalhando uniformemente, e asse por 30-35 minutos, até um palito inserido no meio sair limpo. Coloque o bolo para esfriar numa grade por 10 minutos antes de desenformar e retirar o papel de baixo do bolo. Deixe que esfrie completamente antes de embrulhar bem os bolos em filme plástico individualmente e levar à geladeira. É mais fácil decorar o bolo depois de um dia na geladeira.
(xarope)
  1. Coloque a água e o açúcar numa panela e aqueça apenas até que todo o o açúcar se dissolva e o líquido fique transparente outra vez. Desligue, junte o café e o Marsala. Deixe esfriar.
(cobertura)
  1. Na hora de decorar o bolo, numa tigela, misture o mascarpone e o açúcar até que fique homogêneo e bem cremoso. Na batedeira, bata o creme de leite em ponto de chantilly. Junte algumas colheradas ao mascarpone, misturando delicadamente com uma espátula para deixar a mistura mais leve e então incorpore o restante do creme batido, como você faria com claras em neve. Leve à geladeira até a hora de usar. 
  2. Desembrulhe um dos bolos, e, usando um pincel, pincele metade do xarope por cima. Cubra com algumas colheradas do creme de mascarpone, polvilhe com 1/3 do chocolate picado, e cubra com a outro bolo. Pincele com a outra metade do xarope. 
  3. Passe uma camada fina da cobertura de mascarpone por todo o bolo e leve à geladeira por umas duas horas. 
  4. Retire o bolo da geladeira e termine de espalhar toda a cobertura uniformemente. Polvilhe com cacau a parte de cima e o restante do chocolate picado.

E assim foi indo, ano após ano, eu tentando simplificar as festas, trocando pastelzinho de palmito por biscoito de polvilho e cupcake por fruta, achando que isso ia resolver, e mesmo assim enfiando o pé na jaca e me dando mal todo ano.

Até o ano passado.

Já sabíamos que viríamos para o Canadá. Não tínhamos data certa, mas viríamos. E enfiei na minha cabeça que, aquele sendo o último aniversário com os amigos do Brasil, eu precisava fazer uma festa. Afinal, Thomas tivera festa de 4 anos, era justo que ela tivesse também. De novo, mãe resolvendo problema que ainda não existe. Por que é que a gente se complica tanto??

Chama todos os amiguinhos da sala. Cada amiguinho da sala vem com pai, mãe, irmão, e alguns, até com primo e avó. MESMO. O que poderia ser uma festinha para vinte crianças, vira uma festa para sessenta pessoas. Eu tento manter a coisa simples, mas claro que me atrapalho com o excesso de expectativa da Laura. Gasto mais dinheiro do que posso, gasto mais tempo do que gostaria, cozinho mais do que pretendia. No dia da festa, cai uma tempestade, destas de escurecer o céu. Ficamos todos enfurnados dentro de casa. É um caos. Comida e suco por todos os lados, brinquedos dos meus filhos espalhados por todo canto, gente que eu de verdade não conheço abrindo minha geladeira para procurar mais cerveja, criança sendo extremamente mal educada comigo quando peço para não pular no sofá e pais vendo isso acontecer  e não fazendo nada. Na época não quis comentar nada disso aqui no blog, e só coloquei as fotinhos fofas da mesa. Mas de verdade, foi um trauma.

Canta-se parabéns. Minha família se despede. Meus amigos se despedem. Mas há todo um grupo ali que entra na cozinha, pega de volta a cerveja e os sanduíches que eu já havia tirado da mesa, e continua sua festinha particular na varanda, ignorando a anfitriã com o saco de lixo limpando a casa. Detalhe: já se haviam passado 2 horas do horário de término da festa avisado no convite. As mesmas crianças mal educadas brincam de virar copo com resto de suco, eu grito com elas e ninguém liga. Ninguém dá bronca.

Quando finalmente consigo pôr fim àquilo e ter minha casa de volta (ou o que sobrou dela), pergunto à Laura se ela gostou da festa.

"Não. A Celine não estava aqui."

Meu mundo caiu. A melhor amiga ficara presa na estrada por causa da tempestade e não pudera vir. Eu passara por tudo aquilo, gastara tempo e dinheiro, e no fim das contas, eu só precisava ter chamado a melhor amiga.

Quando chegou o aniversário do Thomas, usei aquilo de exemplo. Chamei os três melhores amigos para passarem o dia brincando com ele. E foi isso. Fiz macarrão para todo mundo, comemos brigadeiro, e mandei um bolo para a escola. Thomas adorou. Foi divertido para todo mundo, INCLUSIVE PARA MIM.

Vir para cá foi de certa forma uma libertação dos aniversários escalafobéticos. Por conta de alergias alimentares, não se pode mandar bolo de aniversário para a escola. Mas pode-se mandar lembrancinhas. Você vai numa loja de 1,99, enche a sacola de cacareco, do tipo canetinha colorida, balão, borrachinha de bichinho, adesivo e língua de sogra, no melhor estilo aniversário de antigamente. Gasta-se muito pouco. Bota num saquinho colorido (tem toda uma sessão de Gift Bags nas lojas), e manda a criança para a escola para distribuir aquilo para os amigos.

Só isso já acho positivo: é aniversário da criança, mas é ela que dá os presentinhos, ao invés de ficar esperando receber dezenas de brinquedos e tralhas.

Laura AMOU separar todos os cacarecos e arrumar nos saquinhos e foi para a escola toda orgulhosa. Depois que ela entendeu e aceitou que seríamos só nós quatro a cantar parabéns, ela olhou bem para mim e disse:"tá bom; mas eu quero um bolo de chocolate e quero brigadeiro e balões, ok?"

Ok.



Preparei o mesmo bolo de chocolate que eu fizera no meu aniversário, mas numa forma quadrada, para ficar mais fácil cortar em pedaços para mandar de lanche depois. Usei confeitos coloridos, bem porcaria e cheios de corante, que eu sei que ela adora, fiz uma porção de brigadeiros e enchi com as forças restantes dos meus pulmões de quase quarenta anos pelo menos uns vinte balões - e descobri que os balões canadenses são mais espessos que os brasileiros, e, portanto, mais difíceis de encher. Afe. Povo aqui adora cartões de todos os tipos, então lhe comprei um cartão de unicórnio.

O dia do seu aniversário amanheceu lindo. Um céu azul limpíssimo, uma temperatura agradável, e neve fresca e fofinha para brincar. Um presentão, disse a ela. Assim que acordou, foi imediatamente brincar com seu presente de aniversário: ela pedira uma mala de madeira com tintas em tubos, pincéis e papel duro como o da mamãe, e achei lindo quando ela dividiu o presente com o irmão. Pintaram lindas pinturas até a hora de ir para a escola, e ela fez questão de carregar sozinha a sacola das lembrancinhas. Quando fui buscá-la, levei o trenó e meu canecão térmico cheio de chocolate quente, e ficamos no parque brincando na neve até quase escurecer. Voltamos para casa, Allex chegou cedo, e cantamos parabéns, jantamos bolo e brigadeiro e comemos pão de queijo de sobremesa. É, nessa ordem mesmo. ;)

 

Eu morrendo de dor na bunda por ter caído no gelo, e a brincadeira das crianças é justamente escorregar nele e cair.

Eles foram tomar banho, e deixei que brincassem na banheira até cansarem. Lemos um milhão de histórias antes de dormir, e quando fui dar um beijo de boa noite, Laura me deu um abraço e disse: "Eu adorei meu aniversário, mamãe!".

Foi a primeira vez que ela disse isso. E vir assim, expontaneamente, sem a chatice da mãe buscando aprovação, perguntando se o filho gostou da festa... foi a cereja do bolo, a certeza de que tudo o que a gente precisa é se ouvir mais, ser mais fiel a si mesmo e aos nossos princípios. E que criança quer mesmo é passar tempo com a gente, tempo de qualidade, quer mesmo é brincar e comer brigadeiro, e não precisa de DJ, nem garçom, nem princesa.

Fico contente que as coisas aqui pareçam, de modo geral, um pouco mais tranquilas. Claro, é uma cidade de imigrantes, e as referências de festas de crianças são muitas, e tem de tudo. Mas por ter de tudo, não tem problema ser só um bolinho. Ou só chamar a melhor amiga para um playdate. Ou só passar a tarde depois da escola brincando na neve e tomando chocolate quente.

Declaro aqui o fim dos aniversários escalafobéticos e o início da minha paz de espírito. Recomendo muito a todos. Faz bem.

Agora Laura anda toda orgulhosa. Cinco anos. Meia década. Uma mão cheia. Uma menina grande. Minha Madame Bochechas que agora perdeu a carinha de nenê completamente.
"Agora que eu tenho 5 anos eu já posso dormir na parte de cima do beliche, não é?"

Ai, ai, ai.

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O resto do mês de janeiro foi bem comum. Tão comum e nos eixos, que consegui voltar a pintar. E consegui remontar meu portfólio para buscar trabalhos de ilustração em Toronto: www.anaelisagranziera.com
Ainda faltam alguns ajustes, mas vamos lá que está indo bem.

  
A vida culinária por aqui continua relativamente simplificada. Tray bakes são ainda o modo mais simples de montar uma refeição: assei batatas com alhos e cebolas (batatas previamente cozidas por 10 minutos, para ficarem bem macias por dentro e crocantes por fora), e quando ficaram prontas, juntei ervilhas congeladas por alguns minutinhos e quebrei alguns ovos para meio que fritarem / assarem no calor residual do forno. Polvilhei de salsinha e cebolinha, e voilà: almoço de sábado.
Em outro dia, fiz parecido com abóboras.  A butternut squash, com seu gostinho amanteigado, está virando uma de minhas abóboras favoritas. Assei cubos dela com cebolas, e quando prontas, juntei grão-de-bico cozido para aquecer e couve (black kale) rasgada por uns 5 minutinhos, para que cozinhasse e ficasse crocante nas beiradas. Servi com um molhinho simples de iogurte, tahini, azeite, limão, sal e pimenta-do-reino (as proporções são a gosto, e depende do quão amargo é o tahini e do quão azedo é o iogurte, mas é sempre mais iogurte e azeite do que tahini e limão).  As sobras, no dia seguinte, reaqueci e completei com um ovo frito.

Ainda que se possa comer a casca da abóbora, o pessoal aqui em casa não aprecia muito a característica coreácea que a casca adquire depois de assada. Então o que fiz foi guardar no freezer a casca da abóbora para usar num caldo, como sempre fizera. Mas quando vi que tinha já num saco separado casca de 2 abóboras inteiras, resolvi testar outra coisa: cozinhei as cascas em água fervendo até ficarem bem macias, escorri (guardando a água para uma sopa ou um pão) e bati no processador as cascas cozidas até obter um purê bem homogêneo. Surpresa! Você vê esse purê cor-de-laranja e nem acredita que eram as cascas, parece mesmo purê de polpa de abórora. Congelei porções de duas xícaras  (cascas de 2 butternut squash com alguma polpa agarrada a elas renderam 4 xícaras de purê). Uma dessas porções virou ESSE BOLO DELICIOSO DE ABÓBORA com cobertura de cream cheese e mel.
Tinha sobrado grão de bico cozido e molho de tahini. Então piquei a couve crua, misturei a fatias finas de beterraba amarela, sementes de romã, cebolinha e comi acompanhado de uma frittata simples de batata e salsinha. Salada de couve crua é ótima para levar de almoço, pois ela não murcha já temperada. E as sobras ficam ótimas com fatias de queijo dentro de um sanduíche tipo wrapp.
 Janeiro foi também o mês em que o Papai Noel trouxe de presente atrasado uma máquina de waffles. Os primeiros waffles canadenses foram intensamente comemorados por todos aqui em casa. E eu imediatamente lembrei das receitas de waffles do Good to The Grain, da Kim Boyce, e me arrependi de ter vendido o livro. Quem comprou, cuida bem, tá? Muito amor por esse livrinho.

Então, no fim de janeiro, fiquei sozinha pela primeira vez desde que cheguei em Toronto: Allex foi viajar a trabalho. Aproveitei para mimar as crianças, pois Thomas vive me pedindo para fazer coxa de frango para ele comer com a mão, e nunca faço porque Allex detesta carne de aves. Dei vazão à minha curiosidade culinária e preparei essas coxas com molho agridoce da Tessa Kiros. E como o que estava em promoção no mercado eram rutabagas e não batatas, o acompanhamento foi purê de rutabaga. Ligeiramente adocicado, como um purê de batatas com maçãs. Mas muito bom. O que sobrou dele no dia seguinte, misturei a ovos e farinha e fermento até conseguir consistência de massa de panqueca, e fiz panquequinhas de rutabaga no forno com salada de alface, e as crianças gostaram tanto, que levaram de almoço na escola.
  

COXAS E ASAS DE FRANGO COM MOLHO AGRIDOCE DE LARANJA E TOMATE
(Do livro Apples for Jam, da Tessa Kiros)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 1 /2 xic. açúcar mascavo
  • 1 1/2 xic. suco de laranja fresco
  • 3/4 xic molho de tomate, de preferência caseiro (eu sempre tenho um pouco de molho pronto, sobra de quando faço pizza)
  • 1 1/2 colh (sopa) shoyu
  • 1 1/2 colh (sopa) molho inglês
  • 6 coxas de frango
  • 6 asas frango (fiz metade da receita do molho, omitindo as asas e usando só as coxas)

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 160oC. Coloque o açúcar, suco de laranja, molho de tomate, shoyu e molho inglês numa panela, leve à fervura, mexendo para dissolver o açúcar. Cozinhe em fervura branda por 5 minutos.
  2. Espalhe as peças de frango numa assadeira ou refratário de bordas altas em que as peças caibam numa camada única, mas encostando umas nas outras. Despeje o molho por cima. 
  3. Asse por 2 horas a 2 horas e meia, regando o frango com o molho de vez em quando e virando as peças, até que p frango esteja crocante e pegajoso, e o molho esteja espesso e brilhante. Sirva quente ou em temperatura ambiente.
Lembrei-me também de outra receita de livro perdido, um cake salée da Dorie Greenspan, cuja receita eu achei que havia anotado, mas não. Catei na internet (RECEITA DA VERSAO DE QUEIJO ORIGINAL AQUI)e fiz novamente, trocando o parte de queijo por bacon douradinho e figos secos e servindo com uma salada de alface com vinaigrete de bacon: você doura os pedacinhos de bacon (uma fatia por pessoa), retira da panela, deixando a gordura lá, com fogo apagado, mistura o vinagre e a salsinha ali na panela mesmo e cobre as folhas com o molho quente e o bacon. Delícia. De novo, as sobras do cake salée foram enviadas de almoço para as crianças. 



Estou pegando o jeito de novo. :)

SE VOCÊ É UM PURISTA DA COMIDA JASPONESA, POR FAVOR PULE ESSE PARÁGRAFO - estou prestes a assassinar a culinária japonesa. ;) Mesmo.

Num dia em que comprei uma marca diferente de arroz e ele empapou além da salvação, ao invés de fazer bolinhos, catei nori no armário (pimpolhada adora levar pedaços de nori de lanche), espalhei o arroz grudento, temperei com vinagre de maçã e uma pitada de açúcar (não tinha Mirin), recheei com cenouras coloridas cortadas em palitos, versões vermelha e amarela, e escataplá: "hosomaki vegetariano". Ficou bem sushi de posto de gasolina, segundo Thomas, mas deu bem para o gasto e os dois pediram para que eu fizesse de novo e mandasse de almoço. Logo, sucesso.

Sushi de cenoura de posto de gasolina. ;)

Spaghetti com molho de tomate de ontem, manda DO BRASIL, cenoura colorida, queijo e passas cobertas de iogurte.
Toda a coisa do lanche da escola anda bem mais descomplicada, mas vou deixar isso para o post seguinte. Uma coisa que anda aparecendo mais aqui é pão de queijo, a mesma receita do aniversário da Laura, passada a mim por minha melhor amiga, que me dá uma saudade imensa lá do Brasil. Eu amo receita fácil de lembrar, e essa é uma delícia de fácil.

PÃO DE QUEIJO DA MARINA
Rende: um monte

Ingredientes:
  • 1 xic. leite
  • 1 xic. óleo
  • 1 xic. água
  • 4 xic. de polvilho, tudo doce ou misturado com o azedo (no caso, o pacote inteiro que consigo comprar aqui, de 567g, que é doce - ainda não achei polvilho azedo - para quem mora fora do Brasil, eu compro o Bob´s Red Mill Tapioca Flour (Tapioca Starch), que se encontra em qualquer supermercado e é puramente polvilho doce, apesar do nome)
  • 1 ovo
  • 1 "prato" de queijo ralado grosso

Preparo:
Na panela, junte o óleo, o leite, a água e um pouco de sal, que vai depender do quão salgado é o queijo que você está usando. Leve à fervura. Desligue e junte o polvilho, de uma vez, mexendo sempre até amornar. Eu prefiro fazer isso na batedeira planetária, claro, então deixo o polvilho esperando na tigela da batedeira e despejo o líquido fervendo em cima. Bato por vários minutos em velocidade bem baixa, pois o grude é forte. Se sua batedeira for dessas de plástico, melhor quebrar o braço de cansaço mexendo com colher do que quebrar a batedeira. Quando estiver morno, misture o ovo até que esteja bem incorporado. Então misture o queijo e pronto. Forme montinhos com a colher, ou bolinhas com a mão, se não estiver grudando, e asse em forma sem untar, a 180oC por pelo menos 20 minutos, dependendo do tamanho ou até que estejam dourados embaixo e com pontinhos dourados em cima. Assei metade da massa e o resto congelei numa assadeira, depois transferindo as bolinhas cruas para um saco. Do freezer pro forno, demoraram uns 5-8 minutos a mais para ficarem prontos.
 
Ah, o que mais aconteceu em Janeiro? Claro, a placa-mãe do computador queimou, eu caí no gelo em cima do meu celular, que quebrou, razão pela qual quase não teve post em janeiro, a máquina de lavar roupa morreu... eh, laiá. Ainda bem que já é Fevereiro.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Dezembro, o Frio, o Natal e um purê de cenoura


Faz 8oC lá fora, está escuro, apesar de serem sete e vinte da manhã, e eu não sei como vestir as crianças para a escola. Olho pela janela e há neve ainda remanescente das duas semanas de frio intenso pelas quais passamos. Mas chove. E a neve derrete em ritmo rápido, formando poças de água escura circundando ilhas altas de neve suja, que me lembram aquela espuma esquisita que flutua sobre rios muito poluídos. Apesar disso, o dia está "quente". Visto um jeans fino de verão, uma camiseta de manga curta e - aí que vira bagunça - as botas de neve, para não encharcar os pés e o casaco de neve porque eu não tenho um de chuva. Apesar da temperatura positiva, as crianças vão de luvas, para poderem brincar com o que restou de neve no pátio da escola.

Andamos até a escola meio desajeitados. Há pedaços inundados pela neve derretida, há pedaços ainda com gelo escorregadio sobre as calçadas, há momentos em que não se pode fazer nada a não ser enfiar o pé inteiro naquela neve suja para poder atravessar a rua, ao mesmo tempo em que você pede pela décima vez para que as crianças não brinquem nas poças e no gelo, pois a neve conforme derrete revela presentinhos de gente mal educada que não sabe onde existe lixeira e não recolhe dejetos caninos. 

Volto da escola e é todo um processo para limpar o cachorro, que parece saído do meio de um manguezal, imundo até a barriga e cheio de pedras de sal nas patas. Depois de limpá-lo e secá-lo, é a vez de limpar a entrada do apartamento, enlameada e grudenta de sal, independente de termos colocado junto à porta um enorme tapete de borracha.

Apesar disso, as coisas vão bem.

É delicioso sair na rua sem luvas depois de duas semanas mal tendo o nariz exposto ao frio. Quando meus pais vieram visitar eles trouxeram o calor, fazendo a neve da semana anterior desaparecer e facilitando nossos passeios, apesar do vento intenso e das eventuais temperaturas negativas. Foi bom ter sua companhia aqui, poder mostrar-lhes nossa casa, nossa vida, nossa rotina. Isso parece ter tornado mais concreto o fato de morarmos aqui. Não são férias. Não vamos voltar e mostrar as fotos da viagem.

Aproveitei o fato de que as crianças estavam o dia todo na escola e os levei para passear, para conhecer a cidade que eu mesma não conhecia ainda, concentrada que andava na rotina da casa e na adaptação das crianças. 

Nós saímos algumas vezes para comer, e outras ficamos em casa, e adorei cozinhar para todos nós a nossa comidinha de sempre, como AQUELA SOPA DE ABÓBORA SIMPLES E DELICIOSA, que meus filhos amam e o marido que não gosta de abóbora aprendeu a comer. Sempre a preparei com abóbora japonesa, mas desta vez foi com a Butternut Squash.

Falando em abóboras, demorei o Outono inteiro para mergulhar nelas, ainda tirando proveito da variedade de legumes e verduras que desapareceriam durante o inverno. A Spaghetti Squash foi um sucesso com todo mundo menos com Laura, que andava numa fase meio do contra desde que eu voltara do Brasil (ela ficou brava porque não a levei junto). É de se amar muito uma abóbora que, depois de assada, desfia-se assim como spaghetti, firminho e delicioso. Coisa linda, imaginei logo simplesmente misturá-la a um molho alho e óleo, mas resolvi seguir os planos com a receita do blog Sprouted Kitchen, Lasagna Style Spaghetti Squash. Eu não tinha carne ou espinafre, mas tinha o molho de tomate que sobrara da pizza dos dias anteriores e um bocado de queijo. Thomas pede para comprar essa abóbora de novo toda vez que a avista no mercado.



Essa falta de variedade de verduras no inverno não é sentida por todo mundo não. Assim como no Brasil, os supermercados tendem a se abastecer de comida do mundo inteiro. Então se o verão acabou e Ontario não produz mais blueberries, não entre em pânico: temos mirtilos chilenos por apenas o dobro do preço e metade do sabor. Via de regra, tenho comprado minhas frutas e verduras no mercado orgânico. E como sigo sempre a regra de só comprar comida importada que venha do mesmo hemisfério (mesma estação do ano) em que estou, isso acaba naturalmente limitando as escolhas. Pouca coisa tenho conseguido que seja produzida no Canadá: quase tudo raízes, tubérculos e maçãs. Nenhum problema, tem sido interessante descobrir o que fazer com nabos (sopa francesa deliciosa de nabos e batatas), rutabagas (funciona em qualquer receita de batata), pastinacas, raízes de aipo, diferentes tipos de batata e todas as cores de beterrabas e cenouras. Toda semana o mercado coloca em promoção uma saca diferente de maçãs, e toda semana temos mais 1,5kg de maçãs pra comer. Havia peras de Washington que já sumiram, caquis espanhóis, marmelos italianos e romãs americanas. Bananas são a única exceção que faço, pois são produzidas o ano inteiro e precisam necessariamente vir de algum país tropical. Quem me salva muito é a Califórnia (oi, titia!). Querida Califórnia ensolarada que nos provê de muitos tipos diferentes de couves:  curly kale, cavolo nero, purple kale, collard greens... E couve é algo que tenho sempre, sempre, de dois a quatro pés, e eu saio rasgando e colocando em tudo, em saladas, em sopas, no macarrão... Mas meu jeito favorito de comê-las é mesmo numa torrada.


Assim, couve picada, com cabinho e tudo, refogadinha no alho só até amolecer. Polvilho de queijo, desligo a frigideira e tampo, deixando o queijo derreter com o calor ali dentro da panela. Transfiro tudo isso para cima de um pão integral torrado e com uma passadela de tahini, polviho de gergelim e sou feliz. Naquele dia da foto usei tomates pretos, locais, orgânicos, mas de estufa, que são sempre os olhos da cara, mas que estavam em promoção, e minha saudade de tomate não me deixou passá-los.

O hábito da torrada com legumes de almoço tem tornado minha vida infinitamente mais simples. Não preciso cozinhar nada complexo para mim e isso resolve quando tudo o que sobrou do jantar foi meia xícara de legumes, ou uma única concha de sopa. É fácil adaptar essa sobra para uma torrada. Eu almoço leve, continuo o dia me sentindo produtiva, não aumento minha cintura e não tenho trabalho extra.

Esta da foto embaixo, complementada por alface romana de onde? de onde? da Califórnia, claro, tinha tahini por baixo, o purê de cenoura do jantar, queijo feta e sementes de abóbora. Esse purê de cenoura foi uma revelação: sempre via nas competições de culinária o pessoal se dando mal por conta de purê de cenoura ralo e granuloso, e confesso que fiquei com medo de tentar.

Mas eu havia comprado um belo Artic Char em promoção (já deu pra notar que só compro no mercado orgânico aquilo que está em promoção, certo?), um peixe de águas geladas, que parece salmão, cozinha-se como salmão, mas é bem mais suave e menos fishy. Sem saber o que fazer com ele, acabei me guiando pelos legumes que tinha: adivinha! cenoura e beterraba. A receita da Suzanne Goin, do livro Sunday Suppers at Lucques, que quase vendi um punhado de vezes mas acabei trazendo comigo, grelhava um filé de Snapper (Vermelho) e servia com beterrabas ao gengibre e purê de cenoura. E eu tinha TODOS os ingredientes na despensa, até a harissa para o peixe. Quão raro é isso?

Tanto as beterrabas quando o purê ficam sensacionais. O prato todo, com o peixe, ficou absolutamente delicioso... não fosse o fato de ter ficado todo meio rosa-cor-de-laranja. A única coisa que esqueci de comprar foi a rúcula, e ela traria verde e contraste ao prato. Com o peixe de carne branca deve ficar lindo. Mas não havia luz que fizesse o meu prato ficar apetitoso na foto. Então desisti. Mas deixo aqui a receita. O peixe fica picante, as beterrabas refrescantes e o purê de cenoura adocicado e incrivelmente cremoso, graças  a uma dose cavalar de azeite para emulsionar tudo. Mas como eu sou a primeira a colocar meio tablete de manteiga dentro do purê de batatas, não me senti nem um pouco incomodada. Bota todo o azeite sem dó. É uma delícia.



PEIXE APIMENTADO, COM BETERRABAS AO GENGIBRE E PURÊ DE CENOURA
(adaptado do livro Sunday Suppers at Lucques, de Suzzane Goin)
rendimento: 6 pessoas

Ingredientes:
  • 6 filés de peixe, com pele, de cerca de 150-180g cada
  • harissa (ela pede 3/4 xic de pasta de harissa feita em casa, mas usei o tempero seco, e foi no olho, tipo pitadas, apenas o suficiente para temperar, para não matar de pimenta a boca dos meus filhos.)
  • cerca de 10 beterrabas pequeninas
  • azeite de oliva
  • 2 colh. (sopa) cebola picada bem fininha
  • 1/2 (chá) alho picado bem fininho
  • 2 colh. (chá) gengibre ralado
  • 1/4 xic hortelã fresca picada
  • 1/4 xic coentro fresco picado
  • 2 colh (chá) suco de limão
  •  1 maço pequeno de rúcula
  • 1/2 limão
  • sal e pimenta
(purê de cenoura)
  • 900g cenoura, descascada e cortada em rodelas de 0,5cm
  • Um punhado cheio de talos de coentro + 1/4 xic. das folhas
  • 3/4 xic azeite de oliva
  • 1 xic. cebola picada
  • sal e pimenta

Preparo:
  1. Esfregue a harissa e um fio de azeite nos filés de peixe, cubra e refrigere por pelo menos 4 horas. 

(beterrabas)
  1. Pré-aqueça o forno a 205oC. Corte os talos das beterrabas, deixando 1cm deles ainda agarrados às beterrabas (guarde as folhas para outra receita, se houver). Limpe-as bem, misture a 2 colh,(sopa) de azeite  e 1 colh (chá) de sal. Coloque numa assadeira com um splash de água no fundo, cubra com papel alumínio e asse por 40 minutos, até que estejam macias. Retire do forno, deixe esfriar, arranque as peles, e corte as beterrabas em cunhas. 
  2. Numa tigela, misture a cebola, alho, gengibre, coentro, hortelã, e 6 colh. (sopa) de azeite. Junte as beterrabas, 1/4 colh (chá) de sal, um pouco de pimenta do reino e suco de limão. Experimente e ajuste o tempero.

(Purê de cenoura)
  1. Cozinhe as cenouras e os talos de coentro no vapor por 20 minutos, até que fiquem macias.
  2. Aqueça em fogo alto uma panela de fundo grosso, despeje 1/2 xic. do azeite e então a cebola. Tempere com 2 colh. (chá) sal e 1/4 colh (cha) de pimenta do reino. Cozinhe por 5 minutos, até que a cebola fique translúcida. 
  3. Junte as cenouras, as folhas de coentro, e cozinhe por mais uns 8 minutos, mexendo e raspando o fundo com uma colher de pau, até que as cenouras estejam ligeiramente caramelizadas, com cuidado para não queimar. 
  4. Passe a mistura pelo mixer ou processador até que fique lisa. Com a máquina ligada, despeje devagar o azeite restante, e processe até que esteja incorporado e o purê esteja bem homogêneo.

(peixe)
  1. Aqueça bem uma frigideira grande em fogo alto. Tempere o peixe com sal e pimenta (não muito, pois a harissa já tem os dois) e coloque na frigideira, pele para baixo, cozinhando por 3-4 minutos, sem mexer.Se estiver grudando, é porque a pele ainda não est[a crocante o bastante. Vire o peixe e cozinhe por mais alguns minutos, Não passe do ponto.
  2. Coloque uma colher do purê no centro do prato. Espalhe um pouco de rúcula por cima. Coloque o filé de peixe em cima. Tempere-o com suco de limão e uma colherada das beterrabas ao gengibre por cima e em volta do peixe. 

E então foi chegando o Natal. Enquanto meus pais estavam aqui, eles conseguiram participar da compra da árvore e da colocação dos enfeites. E assim que eles foram embora, o calor se foi e começou a nevar outra vez. Uma neve forte e intensa, que deixou tudo muito branco por muito tempo, e as crianças ficaram empolgadas em ter um Natal com neve. 

De repente, os biscoitos, os pães, os assados, as frutas secas, tudo fez sentido. Ao olhar do lado de fora da janela e perceber que no meio daquele mundo monocromático e dormente, apenas o verde dos pinheiros, evergreens, surgia, você entende o por que de trazer para dentro de casa um símbolo de que nem tudo morreu e aquele não é o fim. São as únicas árvores com folhas, onde os pássaros encontram proteção, e é só aproximar-se de um deles para ouvi-los cantar, em bandos imensos. Fiquei pensando nas crenças pagãs, no mundo antigo lidando com o inverno. 

Na vida moderna, no entanto, o Natal é igual em qualquer lugar do mundo. As decorações, o consumo desenfreado, o frenesi dos presentes, das festas de fim de ano de empresa, os amigos secretos, as promoções nas lojas, os papais-noéis fajutos de shopping centers, o lanche comunitário da pré-escola, a apresentação de música do primeiro ano, o trânsito louco de feriado, a pressão psicológica para a produção de momentos perfeitos e memoráveis.

Verdade verdadeira, eu estava exausta demais para aproveitar qualquer coisa do Natal.

Quando meus pais foram embora, me senti na obrigação de voltar à rotina e aos meus rituais, para não sentir tanto o baque da saudade. Meus pequenos rituais importantes que me trazem conforto. Como voltar da escola de manhã e tomar meu Chai e meu iogurte com frutas antes de começar qualquer outra atividade.

Maçã ralada, pedaços de pera, iogurte, linhaça, sementes de abóbora e mel.

Quando eu achava que retomaria a rotina normal da casa para me preparar para o fim do ano, veio o frio e a neve de uma vez por todas, de verdade agora, trazendo toda uma série de novidades com as quais me adaptar. 

  1. Não, não dá para confiar nas crianças. Elas saem sem luvas, sem fleece, botam tênis no lugar da bota de neve e regata embaixo do casaco. Tem que ficar monitorando cada peça de roupa que eles vestem. E tem um montão de peças. E tem que ver se eles voltaram da escola com todas elas. Thomas perdeu 2 gorros e um par de luvas na primeira semana (e enquanto escrevo isso descubro que mais um par de luvas se foi para o buraco negro do lost and found da escola).
  2. Neve tem diferentes texturas. Quando acaba de cair, é fofa, faz barulho de polvilho quando pisada, e te dá a sensação de andar em areia branquinha de praia. Depois de um tempo já acomodada, ela fica com cara de açúcar de confeiteiro, e conforme vai compactando, vai virando uma enorme pedra de gelo que escorrega pra chuchu. Conforme ela derrete nas calçadas por causa do sal, ela pode congelar de novo numa película de gelo que é como azulejo de cozinha ensaboado, ou formar uma lama com cara de raspadinha derretendo, que é bem como andar na lama mesmo: seu pé gira e desliza para fora a cada pisada. Ou seja, depois de um dia andando nisso tudo, você descobre dor em músculos que não sabia que tinha.
  3. Frio cansa. Seu corpo gasta muita energia para te manter quente. Quando você tem que esperar 30 minutos em pé do lado de fora entre a saída da escola da filha mais nova e a do filho mais velho, acrescido do tempo que eles querem gastar brincando na neve depois da aula, não há pilha que dure.
  4. Tudo demora o dobro quando tem neve. Seja porque você acaba andando mais devagar, seja porque você tem que ficar berrando pros seus filhos pararem de brincar com a neve ou eles chegarão atrasados à escola.
  5. Criança parece meio daltônica pra neve: você fala pra ela brincar só com a neve branquinha do parque, mas ela insiste em se jogar na neve cinzenta da beira da calçada, no slush preto do asfalto, e até na neve amarela, que você deve bem saber do que se trata. É virar os olhos e tá lá seu filho lambendo o poste gelado. É uma atrás da outra.
  6. Fim de ano é fim de ano em qualquer lugar do mundo, e se no Brasil eu já não conseguia mais relaxar para o Natal com as crianças de férias, verão, aquilo tudo, aqui que as aulas vão até dia 23 de dezembro, com evento na escola à noite, um milhão de reuniões com professores, meus dois dias de voluntariado na escola, lição de casa, cachorro, lanche comunitário de um, passeio de outro, preparação para receber a sogra, tudo regado a neve e slush e criançada tão cansada e histérica quanto você... simplesmente não sobrou muito espírito natalino dentro de mim.
Eu só queria férias.

Então não me coloquei muita pressão a respeito das comidas do Natal. Assim como ano passado, fui fazendo conforme dava vontade. Então saíram os Spekulatius de sempre na primeira semana de dezembro, como todo ano. As crianças se divertiram tanto cortando os biscoitos que decidi que só faria cut-out cookies. Eles pediram Gingerbread Men, então fui atrás de boas referências de receita: e a Deb, do Smitten Kitchen, recomendava muito bem os da Martha Stewart. E, de fato, a recomendação vale. Um dos MELHORES GINGERBREAD MEN que já fiz e comi, senão o melhor. Também fiquei com receio da quantidade astronômica de especiarias, mas a verdade é que elas tornam o biscoito realmente especial. Quando, na semana seguinte, fiz o Gingerbread finlandês da Tessa Kiros, eles empalideceram em comparação aos da Martha. Mesmo já tendo passado o Natal, recomendo. Você sempre pode fazer como eu fazia: assava gingerbread em formatos não-natalinos em julho e agosto, no inverno brasileiro, quando as especiarias faziam mais sentido para o meu paladar.
 

Dona Martha, na verdade, tem sido grande companheira nesse inverno. A única revista de culinária que guardei e trouxe durante todo esse processo de mudança foi uma Food Everyday - Holiday Baking edition, da titia Martha. Ao contrário de muitos livros de cozinha que eu tive na vida, eu realmente queria cozinhar TUDO daquela mini revistinha, e tudo o que eu já fizera ficara muito bom. Dele preparei Chocolate Shortbreads no dia do evento de Natal da escola. Tendo horário para sair, as crianças pedindo para experimentar o biscoito ainda esfriando na grade, não tive dúvida: coloquei a forma quente na varanda e contei cinco minutos. Estava -12oC lá fora, mais frio que meu freezer, e rapidinho os biscoitos ficaram frios para serem cortados. Só fiquei de olho para não ser assaltada por uma gaivota passante.

Também preparei o Applesauce Cake da revista. Com aquela infinidade de maçãs consumidas, eu tinha miolos de fruta para um galão de geleia. Mas nunca tendo preparado tanta geleia de uma vez, ela não pegou o ponto, e ficou meio molengona. Usei as duas xícaras restantes da geleia molinha no lugar do applesauce e obtive um bolo muito muito fofo e gostoso. Lembrando que Applesauce nada mais é que purê de maçã.



Outro bolo muito, muito, MUITO bom foi o Fresh Ginger Cake. Foi difícil achar um melado saboroso como o do Brasil, pois os daqui quase todos têm gosto de queimado e textura de graxa. Esse é um bolo que não vejo a hora de fazer de novo. Ele é muito fácil e deveria ter crescido lindamente, não fosse o fato de eu ter ficado no papo com a minha irmã pelo Skype e o forno ter aquecido além da conta. Mesmo afundando, o bolo ficou fantástico. :D

Para a ceia a ideia era manter simples e sazonal, e Allex teve a ideia de irmos ao St. Lawrence Market, o "Mercadão" de Toronto, e comprar uma carne já preparada de um dos lindos açougues por lá. Compramos Peameal Bacon feito com açúcar mascavo e um outro, cru, para tentarmos fazer outro dia. Esse segundo, que achei que ficou mais gostoso, foi regado com uma calda de Maple Syrup, mostarda de Dijon  e alecrim, um glaze que deve ficar delicioso no tender brasileiro. Batatas e rutabagas assadas para acompanhar e couves de bruxelas braseadas que, estavam tão fresquinhas que passaram do ponto mais rápido do que a receita previa. Ficaram muito moles, mas ficaram bem gostosas.

Coisas gostosas compradas no St Lawrence Market
Peameal bacon, brussel sprouts, roasted potatoes and rutabagas amd apple sauce.
Depois que o natal passou, preparei o panforte da Alice Medrich, empolgada por finalmente ter um forno que assa as coisas a temperaturas menores que 180oC, ao contrário do meu forno no Brasil. Também dei pulinhos de alegria por uma coisa muito besta: o papel-manteiga daqui DE FATO não gruda. Não precisei correr atrás de papel-arroz para forra a forma do panforte. Segui a receita, usando o papel-manteiga untado, e ele desgrudou sem a menor dificuldade. Às vezes não sei como posso ser uma pessoa tão complicada, se coisas tão simples me deixam tão feliz. Vai entender.

O tempo todo em que minha sogra esteve aqui a temperatura despencou. Quando chegou a -20oC, ficamos cautelosos, mas o frio (e meu marido ansioso em aproveitar as férias) não nos impediu de sair. Fomos ver o lago congelado, fazer trilha com snow shoes, descer morros de trenó e andar no parque. Quando chegou a -30oC, no entanto... Alguém tinha que passear o cachorro. E lá fui eu, apenas olhinhos de fora. Não precisa sequer ventar. O ar é tão gelado que sua primeira respiração do lado de fora faz seu nariz congelar e grudar por dentro. Você olha para aquele céu azul sem nuvem nenhuma e não acredita que está tão frio. Tão frio que as nuvens não se formam. Qualquer pele exposta simplesmente dói. Enrolei meu cachecol em volta do rosto até cobrir o nariz, puxei o zíper do casaco até o alto (ele cobre minha boca) e acomodei o capuz com peles o mais por cima da testa que pude. E saí. Lá fora, não se via ninguém que não PRECISASSE estar lá. No parque, meia dúzia de cães e seus donos passeavam, os cães felizes e contentes, afundando na neve e brincando com galhos, os donos encolhidos, mãos segurando copos fumegantes de café em canecas térmicas. Nos parabenizávamos com o olhar por sermos tão bravos e intrépidos, enfrentando o frio por nossos amigos peludos. O frio é assim: parou, congelou. Enquanto Gnocchi e eu nos movêssemos, estávamos bem. Andávamos, pés afundando na neve, silêncio absoluto à nossa volta, nenhum animal selvagem, nenhum passarinho à vista. Depois de uns dez minutos caminhando, eu finalmente sentia minhas mãos quentes outra vez. Pois roupa térmica tem disso: ela não esquenta, ela só mantém o calor. Se seu corpo está frio, ele continuará frio. Precisei começar a gerar calor no corpo para que as luvas cumprissem seu papel e mantivessem aquele calor ali dentro. Enquanto isso, minha respiração quente condensava na lã do cachecol e nos pelos do capuz, e imediatamente congelava, criando minúsculas estalactites penduradas em frente aos meus olhos.


Foi uma experiência e tanto.

E quando, no dia seguinte à partida de minha sogra, a temperatura voltou a ZERO graus, parecia verão. Sensação gostosa no rosto, cabeça sem gorro, casaco meio aberto, calça jeans sem calça térmica por baixo. Referência é tudo na vida. Aquele dia de sensação de -17oC que descrevi em outro post, do vento como apanhar com um bacalhau congelado? Nada. Tranquilo. Sossegado. Passou. Nos próximos dias a temperatura deve despencar de novo, mas agora já sei no que estou me metendo.



Há um mês atrás, tive uma conversa rápida de porta de escola com a mãe croata de uma colega da Laura. E ela me disse: só sofre no inverno quem fica dentro de casa. E isso é verdade. Não se pode ter medo do frio. Conheço gente que ficou o recesso de natal inteirinho trancafiado dentro de casa, com medo daqueles -20oC. Você tem que dar a cara a bater para aquele bacalhau congelado, se agasalhar DIREITO, com ROUPAS APROPRIADAS, e ir brincar na neve. Porque uma das coisas mais legais daqui, é que adulto tem permissão para brincar. A gente o morro de trenó com filho ou sem filho, faz boneco de neve, se mete no meio do mato, cutuca o gelo do lago com galho, faz castelo de areia na praia cheia de neve. Depois que você pega a manha da parte chata do inverno, que é o slush, que é o cansaço, que é o tira-e-põe infinito de bota e casaco e a sujeirada que invade invariavelmente sua casa - e depois que dá uma relaxada com a porcariada que as crianças fazem com neve suja e poça preta - o inverno é tão divertido quanto o verão. Só requer cuidados específicos.

No último dia com neve, antes da temperatura subir e o gelo começar a derreter, fui buscar as crianças com o trenó debaixo do braço e uma caneca térmica cheia de Chai fumegante. Laura brincou com os colegas nos morrinhos da escola enquanto esperávamos Thomas, e assim que ele saiu, fomos ao parque mais próximo para brincar. Fazia 0 graus. Começou a chover leve. Ficamos ainda uma hora debaixo da chuva, rolando blocos imensos de gelo morro abaixo. Havia mais duas ou três famílias fazendo o mesmo. Vendo a pimpolhada se divertir enquanto eu me aquecia sob a chuva com minha bebida quentinha, senti que havia passado no teste de admissão canadense.

No dia seguinte, o que encontrei na escola foi o que parecia um pátio imenso coberto por raspadinha de limão derretida. :P Esperemos pela próxima neve, que eu e minha caneca térmica estamos prontas.


 




Cozinhe isso também!

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