domingo, 30 de dezembro de 2007

Bolinhos de mandioquinha improvisados sob 35ºC e nenhum vento natural

Calor de mais de 30 graus sob o teto fervente desse apartamento e zero vontade de cozinhar um prato inteiro. Levantei do sofá para onde o ventilador estrategicamente apontava e fui fuçar na geladeira, em busca de quitutes beliscáveis para o jantar. Encontrei um pote com o resto do recheio dos raviollini do outro dia, e tive uma idéia.

Misturei um pouco de queijo ralado e farinha ao purê de mandioquinha, apenas o suficiente para firmá-lo um pouco mais, fiz pequenas bolinhas, do tamanho de nozes, passei-as no ovo e em farelos de pão e fritei-as em um dedo de óleo de canola. Moí um pouco de sal grosso por cima e levei para a sala, onde Allex e eu comemos os pequenos bolinhos, com Tabasco e ketchup Heinz. Se tivesse uma cervejinha para acompanhar, teria sido perfeito!

sábado, 29 de dezembro de 2007

Retrospectiva 2007: se a Globo pode, eu também posso!

Sejamos óbvios. Fim de ano, vêm as lembranças de tudo o que fizemos, os arrependimentos pelo que não fizemos, as esperanças para o ano seguinte e as resoluções que... sejamos francos, não vamos cumprir. Essa sensação meio nostálgica, meio ansiosa, fez-me pensar a respeito dos melhores momentos do ano, culinários ou não. E fica aqui, então, o resumão de 2007...

MELHORES RECEITAS, MINHAS OU NÃO

Pedi ajuda ao Allex para selecionar ao menos aquelas que ele considerava memoráveis, para cruzar com minhas preferidas e chegar a um meio termo. Afinal, de nada adianta só eu ter gostado, já que gosto é um lance discutível sempre (ainda mais o meu, que, segundo minha mãe e minha irmã, é "europeu demais" — até hoje não descobri se isso é uma coisa boa ou ruim).

  1. Bao - Quando perguntei ao Allex o que eu cozinhara nesse ano que ele estava louco para comer de novo, respondeu "Bao" sem titubear. E olha que ele nunca lembra os nomes dos pratos que faço! Pãezinhos chineses no vapor recheados com shiitake são campeões!
  2. Panettone com sorvete de nozes - Esse item é um dois em um, pois ambas as receitas ficaram sensacionais, e juntas, elas foram um retorno à infância sem preço! E só está em segundo lugar porque o Allex não gosta de nozes e tive de comer o sorvete sozinha (enoooorme sacrifício de minha parte).
  3. Risotto à indiana - "Todas as suas comidas indianas ficaram animais!", disse Allex, para minha felicidade. Escolhi o risotto pelo adicional de ser uma receita minha, e porque, apesar da foto não lhe fazer jus, o sabor ficou fantástico!
  4. Baguettes - O desafio é sempre produzir pães perfeitos numa cozinha não profissional, num forno não confiável e com ingredientes nem sempre 100% adequados. Quando experimentei dessas baguettes, fui ao céu, pois seu sabor e sua textura estavam melhores do que os de qualquer padaria da região. Fica em quarto pela técnica bem executada.
  5. Bombas - Quinto lugar merecido também em função da técnica e da persistência em refazer toda a pâte à choux depois da primeira leva ir para o saco. O resultado ficou maravilhoso, principalmente para uma primeira tentativa. "Melhor que de padaria", foi o comentário geral de quem comeu (olha a lagriminha de orgulho escorrendo pela cara...).
  6. Chocolate Chip Cookies - A maratona da Páscoa rendeu muito mais biscoitos do que eu planejara, mas também rendeu muitos elogios. Quem lembrou de incluí-los aqui foi o marido. O curioso é que o priminho dele (de segundo grau, na verdade), altamente intolerante à lactose, comeu-os numa boa, sem nenhum sintoma de alergia, apesar do alto teor de manteiga do cookie. Que bom, não?
  7. Salmão com legumes e aïoli, de Jamie Oliver - Porque ficou de fato delicioso, porque acertei o ponto de todos os legumes, porque Allex e eu nos descobrimos grandes fãs de aïoli feito em casa, e porque eu nunca cozinhei um pedaço de salmão com tamanha perfeição em minha vida.
  8. Panna cotta - Aaaaah, panna cotta. Que começou a pipocar em trocentos menus de restaurante em versões bizarras e apareceu, de repente, em quase todos os blogs que conheço. Tanta saudades da panna cotta com calda de chocolate do Seu Giovanni, ou da panna cotta con frutti di bosco do restaurante de Riva del Garda. Finalmente, panna cotta! Só ficou em oitavo lugar porque talhou misteriosamente.

MELHORES MOMENTOS, COISAS E AFINS

Até meus 16 anos, eu só desenhava. Não tinha uma escrivaninha decente, então eu apanhava uma lousa de criança, apoiava em cima da cama, colocava um fone de ouvido, ligava o cd player e desenhava, toda curvada sobre o papel, o dia todo. Aos 19, eu só escrevia. Ficava enfiada no quartinho do computador escrevendo livros inteiros, de 200, 300 páginas, de fantasia, de vampiros, do que fosse. Cheguei a enviá-los a editoras, muito crus ainda (hoje dá até vergonha), e um deles até chegou na 2ª leitura na editora Rocco, olha só. Depois, aos vinte e tantos, eu era pura balada. Estudava, trabalhava, e saia toda santa noite. Precisava de vinho à noite para dormir e suco de laranja com pó de guaraná para acordar, e me entupia de café o dia todo. Não muito saudável.

Hoje, cozinho o dia todo. Se não estou trabalhando, cuidando do cachorro, dando atenção para o marido ou saindo com amigos, estou comendo, fazendo comida, lendo sobre comida, assistindo algo sobre comida. Constantemente. 99% dos livros que comprei esse ano eram de ou continham receitas. Comprei mais quinquilharias de cozinha do que roupas. É natural, então, que grande parte dos meus melhores momentos tenha a ver com comida. Só espero que também esse hobby não passe...

  • Presente do ano - É um empate técnico: a panela da Le Creuset era sonho altíssimo de consumo, e o Allex deve ter vendido um rim prá comprar. Apesar de ter usado poucas vezes, eu amo mais meu marido por causa dela (hehehe). A sorveteira não é tão emocional, deu inclusive todo um pepino familiar, porque minha tia de Los Angeles queria me dar de presente de casamento, mas a estamos utilizando num ritmo frenético...
  • Quinquilaria do ano - minha batedeira Kitchen Aid, hours concours!!!
  • Livro do ano - Professional Baking, com certeza. Nunca aprendi tanto, nunca pude corrigir tanto meus erros idiotas. Cozinho melhor por causa desse livro.
  • Filme com temas culinários do ano - Ainda que fique tentada a dizer "Ratatouille", sinto os olhos marejarem na cena em que Ana Pascal explica como pretende salvar o mundo com biscoitos, todas as vezes que assisto. O filme é de 2006, mas só chegou aqui em 2007, então, "Mais estranho que a ficção" é o meu filme com temas culinários do ano.
  • Alívio do ano - Arrumar a louça toda no móvel novo da cozinha, tirar a despensa da área de serviço e finalmente ter uma linda bancada de granito onde sovar meus pães.
  • Viagem do ano - A travessia da Trilha do Ouro, na Serra da Bocaina, apesar de um pouco mais bucólica que o esperado, foi absolutamente fantástica.
  • Decisão do ano - Começar a correr. Apesar de ter ficado completamente relapsa depois da prova da Nike, foi a melhor coisa que poderia ter feito para minha saúde física e mental. Pontos extras por todos os bons amigos que fiz por lá!
  • Fé restaurada do ano - Encontrar morangos doces novamente. Achei que isso nunca mais aconteceria, mas fui salva pelos excelente morangos orgânicos da fazenda Nata da Serra.
  • Tristeza do ano - Descobrir que são abandonados 200 Pitbulls por mês em São Paulo, e que todos são considerados cães perigosos pela prefeitura e por isso, ao invés de postos para adoção, são sacrificados. Mais uma raça de cães condenada por causa da estupidez de seus donos. O meu Border Collie é um doce. Tem outro no bairro que é um assassino. A tratadora me contou que é porque os donos só passeiam com ele uma vez por mês. A culpa é dos Border Collies ou do dono imbecil??
  • Notícia do ano - Não ter mais de pagar CPMF. Ainda que eu acredite que isso ainda vai voltar prá morder a gente na bunda.
  • Revolta do ano - As pessoas na rua achando que meu cachorro é corrimão só porque ele é bonitinho. Ninguém tem noção nesse mundo? Meter a mão em cachorro que não conhece? E se o bicho resolve, pela primeira vez, não ir com a cara de alguém? Se você bota a mão em cachorro antes de perguntar pro dono se pode, sinta minha ira!
  • Show do ano - Symphony X.
  • Restaurante do ano - Obá. Já fui várias vezes e nunca decepcionou.
  • Decepção gastronômica do ano - Douce France. Fui correndo quando vi que o chef de lá ganhara o título de "melhor chef pâtissière de São Paulo". Comprei uma bomba de chocolate e uma de creme. A aparência era feia, a massa tinha gosto de queimada e o recheio não tinha gosto de nada. Mesmo. Não volto nunca mais e nunca mais acredito nos prêmios da Gula. Pior. Bomba. Do mundo. Deve ter sido feita pelo estagiário.
  • Alegria do ano - Descobrir quanta gente anda lendo La Cucinetta e conhecer tanta gente diferente e interessante através do blog!
  • Momento nunca vou esquecer do ano - A noite em que Allex chegou em casa com uma caixa de papelão contendo uma bolinha laranja, um cobertorzinho azul e um filhote de 2 meses de Border Collie que não conseguia subir no colchão do meu quarto, de tão piquitico.
A todos os que acompanharam todos esses momentos culinários, alegrias, novidades e siricuticos, uma feliz passagem de ano, cheia de guloseimas, boas companhias e felicidade! Fiquem com Deus! Nos vemos em 2008!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Quinquilharia nova!

Parece muito besta, mas estou feliz porque finalmente comprei uma grade para esfriar bolos e biscoitos. Minha mãe achou uma idiotice quando lhe disse que queria uma, mas quem assa biscoitos sabe que eles podem ficar molengões caso não sejam esfriados corretamente.

Eba!

Un dîner à la française e muito video-game





Ontem veio nos visitar uma antiga colega de trabalho de Allex, que acabou se tornando uma grande amiga sua. Em princípio, todas as vezes que ele chama qualquer pessoa em casa, é sempre a mesma ladainha: "Ah, convidei fulano de tal prá comer uma pizza". Depois da compra do video-game (à qual ele resistira bravamente por quase dois anos), a frase metamorfoseou-se um pouco: "Ah, convidei fulano de tal prá comer uma pizza e jogar video-game". Reconheço que seja uma frase que poderia vir de um moleque, mas ela vem de um homem de 26 anos. Fazer o quê? Os homens de hoje em dia são estranhos, e eu concordei quando ele me disse que os video-games dessa geração são feitos para adultos, não para crianças.

De qualquer forma, sempre tenho de usar de certo poder de convencimento para que ele deixe que eu mesma prepare alguma coisa.

"Pizza é mais fácil, Ana! Prá quê você vai ter trabalho?"
"Porque eu gosto, ué!"
"Bom, você que sabe..."
"É coisa simples, vou usar o que tem na geladeira!"
"Tá, mas qualquer coisa, a gente pede uma pizza..."

Apanhei logo de cara um número da revista francesa Saveurs, e saí à caça das receitas de que me lembrava. Como consegui, de novo, estourar meu orçamento de supermercado esse mês (maldito seja, panettone com sorvete de nozes!), teria mesmo de improvisar com o que havia na geladeira. Agradeço à minha mãe por ter viajado de geladeira cheia, no entanto.

Mesmo após ter passado boas horas preparando meus raviollini de mandioquinha, ainda queria continuar me complicando. Mesmo porque, com o calor infernal que fazia ontem (agravado por morar no último andar de um prédio sem telhado, transformando a laje e meu teto em um aquecedor monstrinho, e toda a minha casa em um forno particular), eu REALMENTE não me imaginava comendo nada QUENTE.

Lá estava o que eu queria: Tarte à la Tomate et aux Olives, uma torta de tomates e azeitonas pretas, muito simples, de Nice, no sul da França. O que me atraiu na receita foi tanto o fato de ser feita com tudo o que havia na minha despensa, quanto o de poder ser servida quente ou fria. Como não havia tomates cereja, no entanto, tratei de substituí-los por tomates comuns, incrivelmente vermelhos, sem as sementes, para que seus sucos não encharcassem a torta. A massa era engraçada de ser feita, e, ainda que a receita sugerisse substituição por pâte brisée, eu tinha muito fermento fresco que precisava ser usado, então resolvi tentá-la, sob o risco de ficar sem jantar por causa dessa minha mania de testar receitas novas quando vem gente em casa. O preparo é como o de um pão muito fácil, com apenas uma fermentação, e a textura final é semelhante ao de uma base de pizza muito fofa e macia. Com certeza uma base que pretendo repetir com outros recheios. Servi a torta com uma salada de alface romana ao molho de mostarda de Dijon.

Havia trazido da casa de minha mãe uma tigela inteira de pêssegos maduros o suficiente para ser um inferno descascá-los. Precisava aproveitar a presença de uma terceira pessoa aqui para acabar com eles, pois Allex não é fã de pêssegos e eu sozinha não conseguiria comê-los todos (parece que é sempre o mesmo problema!).

Minha vontade de complicar-me havia passado e decidi por uma sobremesa muito simples: clafoutis, uma espécie de pudim com frutas frescas francês. Fiz uso da dica do clafoutis de ameixas do La Tartine Gourmande, e cozinhei ligeiramente as frutas em manteiga e açúcar antes. Mas acabei preparando o creme segundo a revista mesmo, pois usava farinha no lugar de amido de milho. Não gosto do retrogosto acentuado de milho que o amido pode deixar em certos doces.

Tirei a torta do forno e coloquei o clafoutis no lugar, e ele assou maravilhosamente bem, a despeito de ter formado uma enorme bolha no centro, onde não havia frutas (uma delas tive de jogar fora, o que me deixou com um pêssego a menos para preencher a forma). Essa bolha, muito mais alta que o restante do doce, acabou queimando, transformando-se em algo semelhante a uma (desculpem-me) verruga gigante (como pode ser visto em uma das fotos), não sei bem se estragando ou enfatizando o caráter ligeiramente pornográfico do doce assim, com as frutas escancaradas.

O clafoutis fez mais sucesso com Allex do que eu imaginava, apesar de ele ficar retirando os pêssegos e comendo apenas o pudinzinho de leite. "Ficou gostoso, isso aqui!", disse, servindo-se de mais uma porção. De fato, a sobremesa ficou bastante suave, como gosto, tanto em textura como em sabor, e fiz bem em cozinhar os pêssegos antes, uma vez que não estavam doces o bastante ao natural. No entanto, numa próxima vez, farei clafoutis em uma travessa refratária, pois a forma antiaderente queimou as beiradas, e sei bem que esse é um problema comum no uso de formas antiaderentes ao se preparar sobremesas delicadas, ou mesmo madeleines.

Após o jantar, video-game até cansar. Ao menos para eles dois; eu tentava distrair o cachorro, para evitar que ele pulasse nos dois a cada risada e babasse nos controles.

TARTE À LA TOMATE ET AUX OLIVES
(Ligeiramente adaptado da revista Saveurs)
Tempo de preparo: 2h
Rendimento: 4 porções


Ingredientes:
  • 1kg de tomates bem vermelhos, de preferência italianos
  • 300g de farinha de trigo
  • 15g de fermento fresco
  • 1/2 colh. (chá) de açúcar
  • 5 colh. (sopa) de azeite extra-virgem
  • 1/2 colh. (chá) de orégano
  • 20 azeitonas pretas sem caroço
  • 1 colh. (chá) de sal
  • pimenta-do-reino
Preparo:
  1. Esmigalhe o fermento e misture a 125ml de água morna e o açúcar. Deixe em repouso por 5 minutos, até que a mistura borbulhe.
  2. Numa tigela, misture a farinha e o sal. Junte a água com fermento e o azeite e misture com um garfo até começar a formar uma massa. Despeje numa superfície enfarinhada e sove até conseguir uma bola razoavelmente lisa.
  3. Abra a massa com um rolo e forre uma forma de tortas (a da foto é de 23cm). Cubra com um pano de prato e deixe levedar por 1 hora em local sem vento.
  4. Enquanto isso, corte os tomates em quartos no sentido do comprimento. Retire as sementes com uma colher e divida-os mais uma vez no sentido do comprimento. Tempere com sal, pimenta e o orégano, misture bem e reserve.
  5. Aqueça o forno a 200ºC. Espalhe os tomates sobre a massa, apertando-os para que ocupem todo o espaço, e espalhe as azeitonas por cima. Leve ao forno por 30 minutos. Sirva quente ou fria, com um fio de azeite por cima.
Você pode substituir a massa por pâte brisée ou mesmo massa para pizza, se quiser. A torta continua gostosa e macia de um dia para o outro, conservada na geladeira.

CLAFOUTIS DE PÊSSEGOS
(Adaptado da revista Saveurs e blog La Tartine Gourmande)
Tempo de preparo: 45 minutos
Rendimento: 4-6 porções


Ingredientes:
  • 6-7 pêssegos maduros
  • 2 colh. (sopa) de manteiga sem sal
  • 100g de farinha de trigo
  • 4 ovos
  • 1 pitada de sal
  • 100g de açúcar cristal orgânico mais 2 colh. (sopa)
  • 75g de açúcar cristal orgânico baunilhado
  • 400ml de leite integral
Preparo:
  1. Descasque, corte ao meio e retire os caroços dos pêssegos. Derreta a manteiga em uma frigideira grande, junte 2 colh. (sopa) do açúcar e coloque os pêssegos, cozinhando por cerca de 5 minutos. Reserve.
  2. Misture em uma tigela a farinha, o sal e os açúcares restantes. Em outra tigela, bata os ovos com um fouet ligeiramente. Misture os ovos à farinha, acrescentando o leite e mexendo bem.
  3. Despeje a mistura em uma travessa refratária untada com manteiga, deixando ainda um ou dois dedos de espaço para a massa crescer um pouco. Disponha os pêssegos na massa, face cortada para cima, e leve ao forno por 35 minutos. Deixe esfriar antes de servir.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Raviollini de mandioquinha, ou pequenos travesseiros fofos e amarelos





Sabe aqueles dias em que se acorda com vontade de complicar a própria vida? Hoje acordei com vontade de fazer massa. Não qualquer massa, mas uma que eu tinha em mente há já bastante tempo, que anotara no meu caderno com várias exclamações após a frase "experimentar isso". Um dos itens que surrupiei da geladeira de minha mãe foi um pacote pequeno de mandioquinhas, que já pareciam mais para lá do que para cá e não suportariam uma semana inteira de abandono na gaveta de legumes. Por isso, decidi que seu fim seria nobre, e cozinhei-as, para fazer o recheio dos meus raviolli.

A massa é sempre a mesma coisa, muito fácil, apenas com adição de pimenta-do-reino, e se você tiver já o seu jeito de fazer massas, sua receita de família, aconselho que fique com ela. Eu uso a fórmula mais conhecida, que é de 100g de farinha para cada ovo, acrescentando 1 colh. (sopa) de leite quando pretendo recheá-la. Não é a receita da família. Minha avó ensinou-me de outra forma, mais no olhômetro, mas acredito que a fórmula em xícaras e "meia casca de ovo de água" possa dar muita margem a erro a quem não é uma nonna experiente. Apenas em uma coisa concordam a fórmula da vó e dos chefs: não se coloca sal na massa; ela é salgada no cozimento.

Hoje em dia acho que prefiro preparar massas recheadas a um simples tagliatelle, pois dessa forma não tenho que ficar mudando de lado a máquina nem limpando o cilindro de corte após o uso. Sem contar que são mais fáceis de se conservar: basta dispor as peças prontas sobre uma assadeira enfarinhada, sem encostarem-se umas nas outras, e levá-las à geladeira, se pretender cozinhá-las nos próximos dias, ou ao freezer, apenas para que endureçam. Uma vez congeladas individualmente, pode-se acondicioná-las num saquinho no freezer. Só descongele antes de cozinhá-las, ou o choque térmico com a água fervente fará com que rompam e vazem.

Massas recheadas, entretanto, exigem um pouco de prática; não porque sejam difíceis de serem feitas (muito pelo contrário), mas porque requerem rapidez. O mais importante é manter a massa úmida, para que ela feche bem e não esparrame recheio. Mas nem todas as pinceladas de água do mundo selarão decentemente uma massa muito ressecada.

Não pensem, no entanto, que sou à prova de falhas: a cada 15 raviolli, ou tortellini, ou qualquer formato que tenha escolhido, 1 ou 2 acabam rasgando ou não fecham direito. Com medo dos rasgos, acabo sempre abrindo a massa um pouco mais espessa do que deveria, e, por isso mesmo, sempre me sobra recheio. Desta vez, no entanto, admito ter sido mais zelosa do que o necessário: poderia ter feito a massa mais fina, usado todo o recheio e obtendo raviollini mais leves.

O importante na hora de rechear a massa é não ser esganado. Use uma colher medida e nivele com o dedo o recheio na colher antes de depositá-lo sobre a massa. Isso garante que todos saiam iguais. E tente não espalhar o recheio, forme bolinhas o mais firmes possível, pois se houver recheio entre as duas abas de massa, elas não fecharão de jeito nenhum.

RAVIOLLINI DE MANDIOQUINHA
Tempo de preparo: 2 horas
Rendimento: 4-6 porções (de 50-70 raviollini)


Ingredientes:
(recheio)
  • 3 mandioquinhas de uns 15cm
  • 1/2 xíc. de parmesão ralado
  • 1 colh. (sopa) de manteiga sem sal
  • 1 colh. (sopa) de leite integral
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora
(massa)
  • 200g de farinha de trigo e mais para polvilhar
  • 2 ovos extra-grandes orgânicos
  • 1 colh. (sopa) de leite
  • pimenta-do-reino
(molho)
  • 4-5 colh. (sopa) de manteiga sem sal
  • 1 ramo longo de alecrim fresco

Preparo:
  1. Descasque, corte em quartos e coloque as mandioquinhas em uma panela, com água suficiente para cobrir, em fogo médio, até que estejam se desmanchando ao serem espetadas por um garfo. Passe-as por um espremedor de batatas ou um passa-verdure e, em uma tigela, misture com o resto dos ingredientes do recheio. Tempere a gosto e reserve.
  2. Coloque a farinha e tanta pimenta-do-reino moída na hora quanto você deseje em uma tigela e faça um buraco no meio. Despeje ali os ovos e o leite e comece a misturar com um garfo, rapidamente, trazendo aos poucos mais farinha dos cantos para dentro do poço, até formar uma massa que possa ser sovada.
  3. Despeje a massa numa superfície ligeiramente enfarinhada e sove-a até que fique lisa e desgrude dos dedos.
  4. Corte a massa em 2 pedaços iguais. Embrulhe uma delas em filme plástico e deixe-a sobre o balcão enquanto trabalha a outra. Abra a massa com um rolo ou com a máquina de macarrão (segundo as instruções do manual) até a espessura 7 ou 9, se quiser uma massa mais fina. Disponha a massa sobre uma superfície enfarinhada e corte-a em tiras de cerca de 8cm de largura (se abriu a massa na máquina, basta dividir ao meio a largura da faixa de massa). Enquanto recheia uma das tiras, coloque um pano umedecido sobre a tira que espera.
  5. Divida mentalmente a tira de massa ao meio. Você depositará o recheio na metade inferior. Com o auxílio de uma colher-medida, deposite bolinhas de 1/4 de colh. (chá) do recheio, deixando um espaço de cerca de 3cm entre elas, e ficando pelo menos 1cm afastadas da borda da massa.
  6. Pincele a massa com água, com cuidado para não encharcá-la. Dobre a metade superior da massa sobre a metade com os recheios, pressionando as bordas com os dedos, com cuidado, para que fechem bem. Então prossiga selando as laterais e entre as bolinhas de recheio, com cuidado para não pressionar o recheio para fora do lugar e para não rasgar a massa.
  7. Repita o processo com a tira de massa reservada. Com uma faca, um cortador de pizza ou um cortador de massa dentado, separe os raviollini, cortando entre eles e cortando a borda que foi selada com os dedos, para efeito estético. Retire as aparas de massa e coloque os raviollini em uma assadeira enfarinhada, enquanto você recomeça o processo com a outra metade de massa envolta em filme.
  8. Cozinhe os raviollini em 2 litros de água fervente com muito sal, em 3 levas. Não adianta encher a panela, pois muitos deles flutuarão e alguns podem não cozinhar por igual. Cozinhe por cerca de 3 minutos e retire com uma escumadeira para uma travessa aquecida.
  9. Em uma frigideira, derreta a manteiga em fogo baixo com o alecrim e deixe cozinhar por meio minuto, apenas para aromatizá-la. Despeje a manteiga e o alecrim sobre os raviollini e sirva imediatamente, acompanhado de mais pimenta e bastante queijo ralado.
A idéia original era fazer um molho muito fresco com tomates crus, cortando-os em cubos bem pequenos e marinando-os um pouco em azeite e manjericão, e simplesmente servir os raviollini com um montinho dessa marinada por cima, que acho que casaria bem com a mandioquinha. No entanto, todos os tomates que tenho na despensa estão reservados para o jantar. O molho de manteiga e alecrim, no entanto, não decepciona! Pretendia servi-los hoje à noite, à amiga do Allex que vem jantar conosco, mas como nem todo mundo é fã de mandioquinha, acho melhor não arriscar.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Espalhando ilustrações por aí...


Olha a minha cabeça! Como poderia me esquecer? Fiquei super contente essa semana em fazer essa ilustração para enfeitar o cabeçalho do blog da Lílian, que anda fazendo excelentes pesquisas entre os blogs de culinária. Foi uma delícia desenhar e é muito gostoso ver minhas ilustrações sendo utilizadas!

(Para os safados de plantão: tá vendo? É só pedir, não precisa roubar não! hehehe...)

:)

Uma salada purificadora e uma tortinha de ovo nada original



Impossível criar algo novo. Apanhei uma massa integral de torta que estava, já na forminha, em meu freezer há sabe-se lá quanto tempo. Eu sei que falei que massa de torta dura no freezer até determinado tempo e que essa provavelmente estava lá pelo dobro disso. Mas como o risco era apenas ao MEU estômago e o de mais ninguém, resolvi experimentá-la.

Quebrei-lhe um ovo dentro, temperei com sal e pimenta-do-reino e salpiquei generosamente de orégano seco, que sempre coloco sobre meus ovos fritos, pois acho que a combinação de sabores é divina. Levei ao forno pré-aquecido a 180ºC até que a clara coagulasse e a massa estivesse quebradiça. Comi acompanhado de uma salada de alface romana (minha favorita) e um punhado de tomates secos temperados. Exatamente o que eu queria.

Então, fuçando em meus blogs favoritos, encontrei isso. Não existem idéias originais. Mas se o resultado é delicioso para todos, quem se importa?

Julie & Julia: a batalha intelectualóide entre Ana Elisa e um best-seller

Quando vi o livro nas livrarias pela primeira vez, senti-me atraída pela capa, mas não pela proposta. Deixei-o.

Então comecei a ver pipocar posts em outros blogs a respeito do danado, e comecei a ficar curiosa. Não pela proposta em si, mas por esse estranho rumo que o mundo editorial, a indústria cinematográfica e, principalmente, a fonográfica andam tomando, de encontrar seus novos sucessos em blogs e comunidades virtuais. Prevejo livros de auto-ajuda com títulos como "Como alcançar fama e fortuna através de um blog". Seria engraçado.

Sou uma pessoa incrivelmente cética e sinto um impulso muito natural em ir contra o que todo mundo está fazendo. Sou muito desconfiada em relação a tudo o que é "sucesso de público", "blockbuster", "best seller". Mas também sou do tipo "conheça seu inimigo", e freqüentemente compro livros ruins e vejo programas de tv e filmes porcaria apenas pelo prazer de conhecer melhor aquilo que pretendo criticar. É... ninguém disse que só porque faço bolos eu era uma pessoa FÁCIL.

Por isso comprei o livro: queria muito saber o por quê de tanto barulho. (Mas nem toda curiosidade do mundo me faria ler O Código Da Vinci. Ver o filme já foi tortura suficiente.)

Sendo muito sincera, os primeiros dois capítulos estimularam minha vontade de falar mal das coisas. A mim parecia um "Diário de Bridget Jones — Brigando Com As Panelas Depois Que Me Casei Com Mark Darcy" (é, desta água também bebi). Havia um excesso de referências a sexo ruim e muito pouca a comida; e quando a comida era mencionada era em paralelo a sexo de qualidades variadas. Gosto de sexo e gosto de comida, mas nunca tive nenhuma tara específica por "9 1/2 semanas de amor". O livro acabou encostado por alguns dias, junto à pilha dos "um dia eu termino só porque eu comprei o desgraçado".

Mas Allex resolveu dar-se de presente de natal adiantado um video-game novo. Sem poder ficar à toa no sofá zapeando canais, acabei apanhando o livro novamente, por parecer-me, à primeira vista, tão descompromissado com funções cerebrais quanto zapear canais.

Então, de repente, a coisa começou a ficar mais interessante, no momento em que Julie começa a tratar de comida com o respeito que comida merece. E as bizarras lembranças de infância são substituídas por um relato sincero de seu dia-a-dia de mulher real com problemas reais, com um casamento bom, mas que não é perfeito, amigos bons, mas que não são perfeitos, e jantares excelentes, bons, medianos, ruins e desastrosos. Quando você menos espera, já se identificou com a autora-personagem, e bum! gostou do livro. Droga!

Aí é que reside a grande diferença (acredito eu) entre o blog de sucesso de Julie e outros menos famosos que há por aí. Julie me parece perfeitamente honesta quanto a seus pecados. E verificar que o outro é também humano e acorda de mau humor faz com que você, na condição de leitor, sinta-se menos inadequado. É assim que me sinto, ao menos. Adoro ler sobre jantares de sucesso, mas foi fantástico saber que o creme bávaro de laranja de Julie, assim como minha pannacotta, talhou. É ótimo saber que, apesar de amar o marido, ela também tem vontade de esganá-lo de vez em quando. A saga do sofá lembrou-me de um episódio semelhante, em que um amigo nosso ficara de buscar as poltronas brancas da sala.

Tudo isso, no fim das contas, foi para ilustrar a você que não, eu não recomendo qualquer porcaria. Estou na metade do livro e estou gostando. Sim, também pretendo ver o filme (suspiro derrotado). Dei o braço a torcer em público, e só deus sabe (e meu marido) o quanto eu detesto dar o braço a torcer. De orgulho ferido, digo que esta é uma boa leitura de entretenimento, que provavelmente dará um filme igualmente divertido.

Quão chata é comida imprevista quando a gente é metódica na cozinha?!

Acordei esta manhã para uma cidade de São Paulo inacreditavelmente silenciosa. Mesmo às 7h30 da manhã. Meu primeiro impulso foi grunhir, preguiçosa, pensando no trabalho a fazer. Então lembrei-me de que não havia nenhum. NENHUM. "A AnEgg Design deu férias coletivas", brinquei. Posso, por toda essa semana, dedicar-me única e exclusivamente a mim. (Ok, ao Allex e ao Gnocchi também.)

Enquanto tomava meu café, imaginava o que faria de almoço. Sinto, depois de dois dias de comilança desenfreada de todos os tipos de alimentos muito pouco recomendados ao clima abafado que São Pedro nos enviou, uma necessidade incrível de comer folhas verdes frescas e amargas e muitas frutas, numa tentativa de purificar meu corpo novamente (ainda que o advérbio falsamente denote que ele uma vez foi puro). Minha pele exala um cheiro que eu reconheço bem como o de uma pessoa que passou os últimos dias devorando queijos adoravelmente fedidos, em substituição aos pratos natalinos com carnes que não como. Ao menos nozes e castanhas fazem bem ao coração, e destas também me esbaldei.

Olho para minha despensa inchada. Quando me refiro a ela, pobre despensa, refiro-me a duas prateleiras de compensado imitando mogno, de trinta centímetros por um metro, com tanta comida quanto possa ficar empilhada sem o risco de despencar sobre algum desavisado. Normalmente acredito que ela seja, não saudável, mas... "zen" é a única palavra que me vem à mente. Há dois ou três tipos de massas Barilla (spaghetti, uma massa curta e lasagne, quase sempre), couscous marroquino, arroz branco orgânico e arbóreo, alguns tipos de feijão, latas de tomate pelado Raiola (os de que mais gostei até hoje), latas de grão-de-bico Annalisa, aveia em flocos, alguma massa asiática, um vidro repleto de deliciosas castanhas-de-caju trazidas de Fortaleza, algumas frutas secas, tomates secos, sardinhas e atum em lata, potes de vidro com várias farinhas, creme de leite e leite condensado, leite de coco, um cesto de vime que ocupa um terço da prateleira abarrotado de ervas, sementes e uma infinidade de outros temperos, alguns ainda lacrados, e um outro cesto, com tampa (esse sim "my goodie chest"), com chocolates e cacau belgas, essências, fermentos, gelatinas, e toda a sorte de ingredientes para confeitaria. Sou eu quem mantém a ordem por ali, e nunca compro mais ingredientes do que as duas pobres prateleiras comportam.

Mas então veio a cesta de natal, e com ela, saquinhos e pacotinhos de itens usáveis, mais ou menos usáveis e "este eu vou passar prá frente". Aparentemente passarei o resto da vida tentando livrar minha despensa dos pêssegos em calda, uma vez que sempre que uso uma lata outra surge, do nada, para substituí-la. Não bastasse a cesta, ganhamos de amigos e parentes bolos de natal, caixas de bombons, pães de mel e pelo menos três tipos de biscoitos de natal alemães cujos nomes não sei pronunciar (razão pela qual ainda não estreei meus cortadores), sem contar sobras da ceia que mães, sogras e avós sempre nos fazem levar para casa.

Quase podia sentir as prateleiras envergando.

Então meus pais embarcaram para o reveillon em Fortaleza. Antes disso, tiveram certeza de que eu passaria em sua casa para esvaziar sua geladeira de todos os itens que pudessem criar vida e evoluir como sociedade até sua volta. Ontem entrei no apartamento vazio, impecavelmente arrumado, como fica apenas quando meus pais viajam. Abri a geladeira, acreditando que haveria pouca coisa aproveitável, uma vez que eles haviam feito uma ceia modesta com objetivo de não haver sobras. Mas havia tigelas inteiras de pêssegos, nectarinas e cerejas explodindo de maduras, meia dúzia de queijos já abertos e outros dois ou três ainda fechados, sucos, tomates, e tanta coisa, que, emergencialmente, apanhei apenas as frutas e os queijos abertos e deixei para catalogar o restante mentalmente no dia seguinte, com mais calma.

Minha geladeira está tão cheia que não consigo enxergar a lampadinha no fundo. E (pasme!) eu odeio geladeira cheia. Gosto dela meio vazia, quando consigo enxergar todos os itens sem esforço, suas respectivas datas de validade, e sei que não vou esquecer nenhum pé de alface lá no fundo. Longe de mim reclamar por excesso de comida, ainda mais de graça, com tanta gente no mundo passando fome. Mas isso meio que mata alguns planos culinários que eu tinha para essa semana de sossego. A primeira coisa que fiz foi apanhar todas as caixas de bombons, doces industrializados e salgadinhos que vieram na cesta da empresa e enfiar na mochila do Allex, para que ele levasse ao trabalho e os distribuísse entre os amigos. Eu não como essas coisas (de verdade, não estou fazendo gênero), e não tinha porque aquilo ficar ocupando espaço na cozinha. Agora é questão de me organizar e pensar o quanto daquela comidaiada toda eu consigo aproveitar para nosso reveillon e o que é prioritário que eu use rápido, durante a semana. Algumas das frutas provavelmente virarão torta, ainda que eu tivesse comprado mascarpone com intenção de fazer um tiramisù, que vai ter que esperar. O jeito é respirar fundo e lançar mão de todo meu poder de planejamento, fazendo o melhor possível com o excesso à disposição.

Lá se foram meus planos de saladas purificadoras.

(Infelizmente não foi esse ano que tive oportunidade de cozinhar uma ceia de natal, o que me frustra um bocado; o apartamento simplesmente não comporta a família toda confortavelmente. Por isso, nada de fotos... snif... snif... Quem sabe no reveillon??)

domingo, 23 de dezembro de 2007

E se eu não aparecer por aqui amanhã, Feliz Natal!!

(Clique na imagem para ampliá-la...)

Biscotti de parmesão e pimenta-do-reino para uma tarde com café (Updated)




Meu pai veio a São Paulo para passar o natal, e levará todo mundo embora (minha mãe e minha irmã) para Fortaleza para o Reveillon. Allex e eu ficaremos aqui, pois ele não tem férias coletivas. Como no ano passado passamos o natal com minha família, esse ano é a vez do lado alemão, e por isso mesmo convidei meu pai para passar esta tarde conosco, tomar um café e brincar com o Gnocchi. Cada vez que meu pai vê o cão é um novo susto, pois de mês em mês o bicho cresce horrores. Lembro-me de quando ele ainda conseguia se enfiar no estreito vão entre a parede e a geladeira. Hoje, com 20 quilos, o bichinho desistiu de se espremer em cantos apertados, após entalar embaixo do armário do banheiro.

Bom, voltanto a meu pai... Há já algum tempo ele não pode consumir doces, gordura, sal, ou qualquer coisa que seja gostosa. Não consegui imaginar o que servir a ele nessas condições, mas tendo mais preocupação com o princípio de diabetes do que com o colesterol, e sabendo que ele mesmo trapaceia o regime de vez em quando, resolvi fazer essa receita de biscotti de parmesão e pimenta-do-reino, um pequeno tira-gosto salgadinho e apimentado. Apesar da receita ter queijo e manteiga, a quantidade total não é lá grande coisa, e mesmo que meu pai coma metade dos biscotti, ainda assim não terá consumido quantidades alarmantes dos "perigosos" ingredientes.

Ando um pouco distraída, no entanto, por causa da dor de garganta, que andou piorando, e acabei me esquecendo de achatar os rolos de massa antes de levá-los ao forno. Da mesma forma, esqueci-me de cortá-los na diagonal. Razões pelas quais os biscotti saíram mais rechonchudos e menos estilosos. Isso não influencia em nada, claro, no sabor.

A receita é de um blog que adoro, chamado Smitten Kitchen.

[UPDATE: os biscotti fizeram tanto sucesso, que meu pai levou para casa um saquinho cheio deles para comer depois!]

sábado, 22 de dezembro de 2007

Nada de desperdício: fantástico quiche de talos de espinafre




Desperdiçar comida é, definitivamente, uma das coisas que mais me irrita, seja por estragar uma receita, por não ter visto aquela alface no fundo da geladeira ou por não saber como utilizar determinadas partes de um vegetal.

No fim das contas, naquele dia de mal humor, o erbazzone acabou não saindo. Não por falta de vontade, mas porque eu só tinha 1/3 do espinafre necessário para produzi-lo. O jantar aquela noite foi, então, um delicioso fusilli com molho de espinafre ao gorgonzola. Depois do jantar, contudo, fiquei a olhar aqueles talinhos verdes e fibrosos sobre a tábua, e fiquei muito aborrecida ao pensar em jogá-los fora. É comida, e comida não se joga no lixo. Por isso, guardei-os, na esperança de sentir-me inspirada a fazer algo com eles.

A inspiração veio hoje, justamente. Resolvi que faria com eles um quiche, um quiche lindo e maravilhoso, com cara de comida fina, para ninguém achar que só se faz maçaroca caseira com as partes menos nobres dos alimentos. Este quiche ficou sensacional e eu o serviria a qualquer convidado num jantar, sem a menor vergonha.

Preparei a massa como sempre, ainda que ela tenha me feito pensar... Tenho visto muitos programas de TV e livros em que chefs celebridades ensinam a fazer pâte brisée usando uma quantidade muito menor de manteiga (uma proporção de 50% em relação à farinha). Isso me incomodou durante um tempo, até ver a facilidade com que eles estendiam a massa. Admito: no que se refere a massas de torta, gosto de viver perigosamente, no limite da insanidade, pois gosto de minha massa muito leve e flocosa, o que só é possível com grandes nacos de manteiga em meio à farinha, o que torna a massa perigosamente instável na hora de abri-la, precisando de paciência e um pouquinho de experiência para manuseá-la. De modo que, de fato, para iniciantes, uma massa com menor teor de manteiga será mais fácil de utilizar, ainda que mais densa e compacta.

Quanto ao recheio, contive minha vontade de fazer um purê dos talos e misturá-los ao creme de ovos, pois imaginei que o tom esverdeado dominante talvez não desse o efeito apetitoso que esperava. Resolvi então que a torta teria um pouco de tudo: o creme de ovos e queijo com toques de mostarda de Dijon, o purê verde vivo em desenhos irregulares e um pontilhado de talos verdes picadinhos, espalhados pela superfície. A torta é um sucesso absoluto, e espero que nunca mais os talos de espinafre vão para o lixo na casa de ninguém.

QUICHE DE TALOS DE ESPINAFRE
Tempo de preparo: 2h
Rendimento: 1 quiche de 23 cm


Ingredientes:
(massa)
  • 210g de farinha
  • 140g de manteiga sem sal bem gelada
  • 70g de água gelada
  • 1 colh. (chá) de sal
(recheio)
  • 150-200g de talos espinafre (de um maço de 500g de espinafre)
  • 1 dente de alho grande
  • 1 colh. (sopa) de azeite extra-virgem
  • 1 colh. (sopa) de manteiga sem sal
  • 3 ovos extra-grandes orgânicos
  • 1/2 xíc. de creme de leite fresco
  • 1 xíc. de queijo parmesão ralado
  • 2 colh. (chá) de mostarda de Dijon
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

Preparo:
  1. Prepare a massa como indicado aqui e leve à geladeira por no mínimo meia hora.
  2. Pique os talos de espinafre e o alho. Refogue o alho no azeite em uma frigideira larga, em fogo médio, até ligeiramente dourado. Junte os talos e mexa bem. Tempere com sal e pimenta e cozinhe, mexendo de vez em quando, por uns 5 minutos, até amaciar. Junte a manteiga e cozinhe por mais 5 minutos. Reserve.
  3. Tire a massa da geladeira, abra-a sobre uma superfície enfarinhada e forre a forma. Faça furos no fundo com um garfo, cubra de papel-alumínio e feijões secos e leve ao forno pré-aquecido a 180ºC por 15 minutos. Retire os feijões e o papel com cuidado e asse por mais 15 minutos.
  4. Enquanto isso, bata com um garfo os 3 ovos, o creme de leite, a mostarda e o queijo. Tempere com sal e pimenta moída na hora.
  5. Bata metade dos talos de espinafre em um processador de alimentos (é muito pouco para bater no liqüidificador). Como eles são um pouco fibrosos, o purê não ficará homogêneo. Junte 4 colh. (sopa) do creme de ovos ao purê de talos e bata novamente.
  6. Retire a base do quiche do forno. Misture os talos remanescentes ao creme de ovos e despeje-os sobre a massa. Deposite no centro da torta o purê de talos e vá espalhando-o devagar com a ponta de um garfo, fazendo um desenho irregular, mas não misturando totalmente. Volte ao forno e asse por mais 25 minutos, ou até que a massa esteja dourada e quebradiça e o recheio esteja firme e ligeiramente dourado.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Rocambole de natal: se quiser algo bem feito, faça você mesmo! (Updated)



Depois da ecatombe do rocambole de natal, eu não quis me dar por vencida. Recusei-me a acreditar que tudo fazia parte de um complô do universo para me deixar de mau humor, e por isso resolvi colocar a mão na massa e correr atrás do prejuízo. Eu teria um rocambole de natal! Ah, teria sim!

Primeiro, precisava de uma base de rocambole confiável. Não estava disposta a testar mais novas receitas. Encontrei em meu caderno um papel de recados avulso, onde escrevera certa vez a receita em francês de um rocambole de damascos que minha irmã preparara. Ela gosta de cozinhar, mas o faz uma vez a cada seis meses. De modo que estava certa de que se ela produzira um rocambole saboroso e perfeito com aquela receita, mesmo não tendo muita prática, aquela era a base que eu estava procurando.

Contudo, a massa era branca, para um recheio de geléia, o que me obrigou a trocar um pouco da farinha por cacau belga (como fazer isso corretamente você vê aqui); só um pouco, pois não queria uma massa amarga. De imediato a receita revelou-se mais sensata que a de (teoricamente) Hermé. Bate as gemas com açúcar, bate as claras com açúcar, mistura com cuidado, incorpora farinha e cacau. Simples, com mais ou menos a mesma quantidade de ovos, mas metade da farinha e do açúcar, o que quer dizer que a massa ficou muito macia e aerada. Acrescentei também aroma de baunilha, que não constava na massa original. Desta vez a massa espalhou-se maravilhosamente pela assadeira, e comportou-se à perfeição no forno. Enquanto isso, apenas para tirar a pulga atrás da orelha, telefonei à minha mãe, exímia fazedora de rocamboles de doce-de-leite e de goiabada. "Não, Ana, a receita estava errada, você não pode deixar esfriar para desenformar, senão o bolo fica com textura de biscoito champagne!" A-há!

Desenformei tão logo tirei a massa do forno, imediatamente virando-a sobre outra folha de papel manteiga polvilhada com açúcar, segundo indicações maternas. Fiz a ganache rapidamente (ganache como sempre faço, sem manteiga, apenas chocolate e creme de leite fresco) e aromatizei com um pouco de Cointreau. Misturei as cascas de laranja e abacaxi cristalizado em cubinhos. Despi o bolo do papel manteiga ainda grudado, impressionada com a fofura da massa. Respinguei um pouco de Cointreau e espalhei a ganache, agora uma quantidade adequada, tomando cuidado para não levá-la muito às bordas. Enrolei com cuidado o bolo ainda morno (novamente, segundo indicações de mãe), e outra vez senti-me extasiada ao ver a facilidade com que a massa deixava-se enrolar, sem em momento nenhum ameaçar rachar ou quebrar. Embrulhei em filme plástico e levei à geladeira enquanto preparava a cobertura.

A receita do rocambole original, do Larousse, pedia uma nova ganache, feita com creme ao invés de leite, para a cobertura. Mas eu queria algo mais úmido, mais doce, mais pegajoso, que compensasse com sua doçura a presença das frutas cristalizadas, que talvez não agradassem a todo mundo. Cobertura de brigadeiro! Apanhei a caixinha de leite condensado que viera na cesta de natal e fiz um brigadeiro firme, que afinei com creme de leite fresco e, novamente, aromatizei com Cointreau. Espalhei a mistura sobre o rocambole sem muita preocupação estética, deixando que o excesso escorresse para o fundo do prato para ser comido às colheradas depois. Decorei com mais um pouco de cascas de laranja e voltei à geladeira.

O resultado é esse que vocês podem ver, muito mais delicioso do que imaginara que ficaria, muito mais fácil do que a receita do livro e muito mais apetitosa. Para quem gosta de chocolate com laranja, é um prato cheio! E o bom da cobertura de brigadeiro é que ela continua cremosa e pegajosa, mesmo deixada na geladeira.

ROCAMBOLE DE NATAL: A VINGANÇA
(inspirado por uma receita do Larousse do Chocolate)
Tempo de preparo: 1 hora
endimento: 8 a 10 porções


Ingredientes:
(bolo)
  • 6 ovos extra-grandes orgânicos
  • 90g de farinha de trigo
  • 30g de cacau em pó belga
  • 200g + 1 colh. (sopa) de açúcar cristal orgânico
  • 1/2 colh. (sopa) de açúcar baunilhado
  • 1/2 colh. (chá) de essência de baunilha
(recheio)
  • 150g de chocolate meio-amargo para cobertura Callebaut
  • 100g de creme de leite fresco
  • 1/4 xíc. de abacaxi cristalizado em cubinhos
  • 1/2 xíc. de casca de laranja cristalizada picada
  • 1/2 colh. (chá) de Cointreau ou outro licor de laranja
(cobertura)
  • 200g de leite condensado
  • 100g de creme de leite fresco
  • 10g de manteiga
  • 1 colh. (sopa) de cacau em pó belga
  • 1/2 colh. (chá) de Cointreau ou outro licor de laranja
(decoração)
  • cascas de laranja cristalizadas
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC. Forre uma assadeira grande para pão-de-ló com papel-manteiga. Não é preciso untar.
  2. Coloque 3 ovos inteiros mais 3 gemas (reserve as claras) em uma tigela. Junte 2/3 do açúcar comum, o baunilhado e a essência de baunilha e misture com um fouet (ou na batedeira) até que fique untuoso e leve. Reserve.
  3. Monte as 3 claras em neve com o restante do açúcar, até formar picos firmes (vire de ponta-cabeça; as claras devem permanecer no lugar). Junte delicadamente com uma espátula as claras batidas à mistura de ovos e gemas, até que fique homogêneo.
  4. Peneire a farinha e o cacau sobre a mistura e incorpore-os com cuidado, usando uma espátula. Espalhe a mistura sobre o papel-manteiga, deixando com mais ou menos 1cm de altura. Leve ao forno por 15 minutos.
  5. Espalhe a colher de açúcar remanescente sobre a massa assada. Cubra com uma segunda folha de papel-manteiga e vire o bolo sobre uma bancada, desenformando-o. Deixe-o amornar, enquanto você prepara o recheio (isso fará com que o bolo fique novamente de altura uniforme, caso haja partes mais infladas e abauladas do que outras).
  6. Aqueça o creme de leite até o ponto de fervura. Desligue o fogo e misture o chocolate picado, mexendo bem para derretê-lo completamente. Junte o Cointreau e as frutas.
  7. Retire o primeiro papel-manteiga do bolo ainda morno, com cuidado (o bolo é bastante fofo, e dobras no papel podem acabar puxando pedaços da massa). Respingue um pouco do licor sobre a massa, a gosto, apenas para aromatizá-lo. Espalhe a ganache com as frutas de modo uniforme, evitando ir muito em direção às bordas, para que o recheio não vaze quando o bolo for enrolado. Parecerá pouco recheio, mas não é.
  8. Com ajuda do papel-manteiga de baixo, suba uma das extremidades do bolo e comece a enrolá-lo. Vá empurrando o bolo, puxando o papel, de forma que ele se enrole quase sozinho, auxiliando com a outra mão. Quando todo enrolado, embrulhe-o cuidadosamente em filme plástico e leve-o à geladeira.
  9. Prepare a cobertura fazendo um brigadeiro razoavelmente firme com o leite condensado, o cacau e a manteiga, em fogo baixo. Desligue o fogo e junte o creme de leite e o Cointreau. Deixe amornar por 5 minutos. Retire o bolo da geladeira, retire o filme plástico e cubra o bolo com o brigadeiro ainda morno, decorando com as tiras de casca de laranja. Mantenha na geladeira até a hora de servir.
[UPDATE: Olha a tosquice... demorei um zilhão de anos para me dar conta de que a receita de rocambole de natal tratava-se da Bûche de Noël, aquele rocambole com cara de tronco de árvore caído... Se tivesse me dado conta, teria feito a decoração do danado mais condizente com o tema...]

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Meu natal frutado



Não, não é "frustrado", não foi erro de digitação. É "frutado" mesmo. Porque enquanto discorri cansativamente a respeito de natais na minha tia e afins, os natais na casa de meus pais, quando passávamos apenas nós quatro, passaram batido. Verdade seja dita: minha mãe nunca foi lá muito doceira. Alguns bolos aqui e acolá, brigadeiro no aniversário. Por isso, além do tender, do arroz com passas, da farofa fresquinha, da salada, sempre havia na mesa de natal cestas e mais cestas de frutas frescas: pêssegos, ameixas, nectarinas, nêsperas, damascos, uvas e cerejas. Eu achava lindas aquelas cores fortes e harmônicas em fruteiras de cristal sobre a toalha de mesa vermelha. Passávamos a tarde toda, enquanto meus pais arrumavam a casa, beliscando das uvas e das cerejas, esperando pelos pratos principais da ceia. Isso sem contar com as tigelinhas de nozes, castanhas e pistaches que meu pai deixava espalhados pela casa toda, para a conveniência de todos. Nada me traz mais para casa novamente, para os natais íntimos e aconchegantes da minha família, como uma tigela de frutas da estação. Quando vi essas cerejas no mercado, das vermelhas e das amarelas, não resisti a trazê-las para casa, colocá-las em uma tigela branca e deixá-las sobre a mesa, para ir beliscando, enquanto a ceia do natal não chega.

Cesta de natal boa prá cachorro



Só o Gnocchi para gostar de cesta de natal de empresa (ele adora destruir qualquer coisa feita de papelão). Acho-as engraçadíssimas, pois sempre me perguntei o que faria se um dia tivesse de preparar uma ceia de natal inteira apenas com o que as empresas de cestas colocam no caixote.

Desta vez, resolvi botar a cachola para funcionar, ainda que não vá de fato fazer nada disso (porque não como salame, coisas industrializadas com glutamato monossódico, azeite de terceira, vinho porcaria e porque o Allex não come — como já ficou muito bem estabelecido aqui — nozes). Se eu tivesse, realmente, que bolar um cardápio apenas com o que há aqui, o que diabos eu faria?

A lista de itens da cesta é a seguinte:
  • 1 pacote de macarrão
  • 1 pacote de farofa de mandioca pronta
  • 1 salame
  • 1 provolone
  • nozes
  • castanhas-do-pará
  • uvas-passas
  • frutas cristalizadas sortidas
  • ameixas secas
  • 1 pacote de amendoim japonês
  • 1 pacotinho de amendoim coberto de chocolate
  • 1 lata de pêssegos em calda
  • 1 panettone
  • 1 pacote de bolachas champagne
  • 1 caixa de bombons
  • 1 pacote de azeitonas verdes
  • 1 salgadinho de queijo
  • 1 torrone
  • 1 pacote de palitos de chocolate
  • 1 pacote de balas de caramelo
  • 1 vidro de geléia de goiaba
  • 1 caixinha de creme de leite
  • 1 caixinha de leite condensado
  • 1 pacote de mistura pronta para bolo de chocolate
  • 1 latinha de azeite
  • 1 garrafa de vinho "de mesa suave" (exatamente a classificação de vinhos brasileiros da qual você deve fugir, porque quer dizer que o vinho foi feito com uvas não viníferas)
  • 1 garrafa de cidra
  • 1 garrafa de suco concentrado de caju
O movimento mais óbvio é abrir o pacote de salgadinhos e o de amendoim japonês e deixar ali de aperitivo, junto com um pouco das nozes e castanhas-do-pará caramelizadas no forno e com o queijo e as azeitonas no azeite. Para beber, bateria os pêssegos em calda e misturaria à cidra, para um bellini abrasileirado. Para as crianças, suco de caju. A farofa pronta, misturaria com um pouco de passas e frutas cristalizadas. Cortaria o salame em cubinhos, refogaria no azeite, juntaria um pouco do vinho porqueira para reduzir bem e faria disso meu molho para o macarrão, se eu comesse carne e... bem... se eu não tivesse outra opção. Sobremesa é o que não falta nessa cesta; é um absurdo a quantidade de doce que veio nela! O pessoal que monta as cestas gosta de um natal bastante enjoativo! O panettone eu deixaria quieto, porque é da Bauducco. Se fosse porqueira, viraria outra coisa. Assim, de cabeça, talvez eu fizesse um pavê bem enjoativo (ou um "triffle" para quem anda viciado em programa da Nigella): bolachas champagne, creme de leite misturado ao leite condensado e às ameixas secas picadas. Se minha geladeira tivesse o que falta à receita, prepararia o tal bolo de chocolate semi-pronto, e cobriria, ainda no forno, com uma farofa dos palitos de chocolate. Só porque o Claude Troisgros fez um estranhíssimo panettone de chocolate e goiabada, eu rechearia o bolo de chocolate com a geléia de goiaba. Serviria os bombons, as balas e os amendoins cobertos de chocolate na hora do cafezinho, e comeria o torrone enquanto lavo louça, porque eu adoro torrone.

É, só forçando um pouco a barra mesmo. Mas fiquei curiosa! Alguém por aí teria outras idéias de refeição usando todos os ingredientes da cesta?
; )

E hoje estava indo tudo tão bem... (Updated)

Ao contrário de ontem, meu dia começou ótimo. Tomei café-da-manhã com calma, fui passear com o cachorro, e resolvi que estrearia o livro Larousse do Chocolate, que comprara faz um tempo, com uma receita de Pierre Hermé para Rocambole de Natal, para terminar de usar as passas que tinha na geladeira e alimentar meu desejo por doces, agora que o panettone acabou.

Parecia tudo muito, muito simples. Macerar as uvas no rum, preparar o bolo, a ganache, rechear, enrolar, botar na geladeira e cobrir com mais ganache no dia seguinte. Nada que uma pessoa com um pouco de experiência não dê conta.

Macerei as uvas passas e comecei o bolo. Esse é um daqueles livros que faz você pipocar de um lado a outro dele, usando sempre a mesma receita de bolo xyz, e a mesma receita de cobertura, fazendo com que você calcule as quantidades proporcionalmente. Até aí, nenhuma novidade. A base do rocambole, ao contrário do que eu esperava, não era um pão-de-ló, mas uma "massa de biscoito de chocolate com farinha", segundo estava escrito no livro. Ok, vamos lá. Pierre é quem manda. Minhas claras em neve estavam lindas, e até o momento de incorporá-las à mistura de manteiga e ovos, tudo ia muito bem. Então era chegada a hora de incorporar os ingredientes secos: 100g de farinha e 100g de cacau em pó. Ahn... sim, 100g de cacau em pó. Você também acha muito? Bom, eu resolvi confiar na receita. E o que eu obtive foi a massa de biscoitos mais espessa e grudenta que já vi na vida. "Despeje na assadeira até atingir a altura de 1cm", dizia. "Despejar???" Só pode ser erro de tradução. Tive de ESPALHAR a mistura com uma espátula, fazendo uma força incrível para alisá-la e deixá-la uniforme sobre a folha de papel-vegetal que dançava na assadeira. E quase quebrei minha espátula, fazendo isso.

Deixei no forno por 8 minutos, o tempo mínimo indicado na receita, e, para falar a verdade, quando tirei a massaroca de lá ela até tinha cara de algo que poderia dar certo. Estava assada e ligeiramente inflada. Deixei que esfriasse antes de virá-la de ponta cabeça e "desenformá-la" (ou seja, retirar o vegetal da base, que saiu com incrível facilidade). Tudo segundo o texto do livro, ipsis literis.

Preparei a calda de canela e rum. Uma quantidade absurda para um bolo tão pequeno. Provavelmente o bolo absorverá tudo, imaginei. Ahn... não. Vi poças formando-se sobre a massa assada, e nada da calda adentrá-la e umedecê-la. Fiz-lhe pequenos furos, pensando que isso ajudaria, mas... ahn... não. Preparei a ganache com uma barra e meia de chocolate Lindt a 70% de cacau, leite integral aromatizado com canela e o quantia absurda de 160g de manteiga. Ao contrário de outras ganaches que eu já fizera em minha vida, essa não parecia querer firmar tão logo. E, mais uma vez, a quantidade requerida na receita era talvez três vezes superior ao que de fato era preciso para cobrir o bolo.

Hora de enrolá-lo, com muito, muito cuidado. Quem disse que o bicho tem alguma flexibilidade? Zero. Suas laterais ressequidas começaram a rachar tão logo puxei a massa para cima, e a ganache, encharcada pelo rum ainda empoçado sobre a massa, começou a escorrer para baixo e para as laterais. Larguei tudo, amaldiçoando o livro e o desperdício de 160g de chocolate Lindt, 5 ovos, 200g de manteiga, e 100g de cacau belga da melhor qualidade!!!

Sem falar no preço do livro! Estou absolutamente enfurecida, pois segui a receita a risca, não alterei absolutamente nada, a temperatura do forno estava perfeita, usei os melhores ingredientes e minhas melhores habilidades e deu tudo, TUDO errado.

Eu tinha altas expectativas com esse rocambole. Entendam que minha maior frustração nessa época do ano é morar num apartamento por demais pequeno para que eu possa comemorar nele o natal com minha família. E eu adoraria ser a anfitriã de uma festa de natal. Adoraria preparar um banquete para minha família. Como isso não acontecerá até que eu tenha dinheiro para comprar minha casa com quintal (sabe-se lá quando), meu prazer nesse época reside em pequenos momentos gastronômicos temáticos, como um panettone, um sorvete de nozes, um bolo com gostinho de fim de ano. Esse seria meu último doce antes da comilança do natal, na casa dos outros, pois não adianta ter doce em casa e chegar em casa refestelado, pois o doce há de estragar com certeza.

Foi tudo para o lixo: os bons ingredientes, o bom humor, a disposição para cozinhar, e quase (quase mesmo) que o livro também vai junto.

Se alguém por aí tem esse livro, por favor, dê-me uma luz: diga que não é dinheiro jogado fora! Diga que as receitas DÃO certo sim! Que não é apenas um embuste com o nome "Pierre Hermé" ao lado para enganar os pobres confeiteiros não profissionais!

: (

É... acho que meu anjo da guarda culinário entrou em férias coletivas... realmente...
Sabe o que é o pior? Comi um pedaço do bolo com a ganache, só para ver se daria para salvar de alguma forma, e o choque foi descobrir que o bolo ficara amargo demais, e a ganache, amanteigada e sem graça, e ambos, completamente sem gosto! Lixo, lixo, lixo.

[UPDATE: como sou turrona, no entanto, resolvi fazer o MEU rocambole de natal, à minha maneira. Apanhei uma outra receita de base de rocambole, transformei-a em base de chocolate, fiz minha ganache como sempre faço, misturei outras frutas, montei e... o resultado vocês verão daqui a pouco, quando o bichinho estiver bem firme na geladeira...]

:)

[UPDATE 2 - A MISSÃO: Depois do comentário da Bruna e de muita pesquisa na internet, concluí que só pode ter sido uma confluência de maus olhados a responsável pelo desastre culinário produzido pelo livro. De modo que assim que a comilança de natal na casa dos outros terminar, vou testar a receita mais dummy-proof do livro, de modo a redimi-lo.]

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Just a perfect day...

Acordei devagar, ainda que ao som histérico de dois despertadores. Sem abrir os olhos, rosto afundado no travesseiro de fronha nova, sentindo o peso do cachorro sobre uma de minhas pernas, estiquei o braço para desligar o alarme. Não precisei olhar para fora; pelo som, eu sabia que estava chovendo. Isso quer dizer que eu não correria àquela manhã, o que me irritou um bocado, já que faltara no dia anterior por não ter ouvido o toque do relógio.

Ainda de olhos fechados, concentrei-me na sensação desagradável de secura na boca e na garganta, fato que não mais ocorre desde que me treinei a respirar pelo nariz. Parece bobagem, mas eu tinha sérias dificuldades com isso, e dormir de boca aberta me dava sede e me fazia roncar. Engoli em seco e logo senti o ardor na garganta, narinas entupidas, pescoço dolorido. Abri os olhos, enfim, e levei as mãos ao maxilar, apalpando-os. Podia sentir os gânglios inchados sob a pele. Toda a minha cabeça parecia ter fechado temporariamente os caminhos de fluxo de fluidos e, por que não, de energia. Ela estava pesada, e por alguns minutos, não quis tirá-la do travesseiro.

Allex levantou-se para dar comida ao cão e começar seu dia, e eu fiquei ali, esparramada, letárgica, entupida, calculando mentalmente o tempo que tinha para o café-da-manhã, banho, pegar e-mails e sair, com uma hora de antecedência para a reunião na av. Faria Lima, que estaria completamente parada devido à chuva e à época de compras. Fiquei ligeiramente deprimida. Não queria sair da cama, que dirá sair de casa. Na chuva. Estava, no entanto, suficientemente doente para alimentar um mau humor constante até o fim do dia, mas não o bastante para faltar à reunião. Por isso levantei-me, devagar, tentando em vão esquivar-me das lambidas matinais do cachorro, que fica sempre à espreita, até nos levantarmos, pronto para dar o bote e dizer "bom dia" à sua maneira feliz e desastrada.

Minha voz soou rouca e irregular quando dei bom-dia ao marido. Meu mau humor desvaneceu-se suavemente quando ele me abraçou forte, como sempre me abraça de manhã, parecendo não ter me visto por décadas, como se dormir desse saudades. Enquanto minha micro-cafeteira individual estava no fogo, liguei o computador e comecei a ler os e-mails do dia. Lá estava o e-mail do cliente, pedindo que eu reenviasse o PDF da ilustração que eu lhe enviara ontem, mas com as correções, para que fosse anexado à apresentação da reunião daquele dia. Droga, eu fizera as correções, mas não digitalizara novamente, pois pretendia levá-la apenas em papel. Eu tinha 1 hora para fazer minhas torradas com requeijão, passar minha camisa, vestir-me, maquiar-me, arrumar o cabelo, escanear uma ilustração em folha super-A3 num scanner que só comporta A4, montar as quatro partes do desenho no Photoshop, ajustar o contraste, transformar em PDF, enviar ao cliente por e-mail, botar minhas tranqueiras na bolsa, fechar janelas, certificar-me de que o cão tem tudo do que precisa e não tem acesso a nada que ele possa destruir, ir até minha mãe, pegar o carro e dirigir enlouquecidamente até o prédio da reunião.

Estava já abrindo o portão do prédio, guarda-chuva em punho, quando o celular tocou em minha bolsa. Na tentativa de pegá-lo e fechar o guarda-chuva ao mesmo tempo, derrubei-o no chão de forma quase circense, e vi bateria para um lado, chip para o outro, corpo do celular aparentemente intacto no canto do hall. Corri para montar o aparelho novamente, reconfigurar data e hora e esperar o telefone tocar outra vez. Meio-toque e logo estava a escutar o cliente no outro lado da linha, avisando-me de que a reunião das 10h fora adiada para as 14h. Tudo bem? Tudo bem, fazer o quê?!

Subi de volta ao apartamento, sendo recebida pelo Gnocchi como se tivesse passado horas fora, mas tentando afastá-lo para que não sujasse ou rasgasse com suas unhas minha "roupa de reunião". Troquei a camisa impecável por uma camiseta velha, pendurando a peça bem passada em um cabide, para vesti-la outra vez mais tarde. Preparei um chá bem quente de camomila e resolvi terminar de tomar meu café-da-manhã com calma, servindo-me da penúltima fatia de panettone, ainda delicioso e razoavelmente úmido, para minha total surpresa (Bauducco que se cuide!).

A chuva aumentou conforme a manhã passou, e o cão começou a ficar histérico, sentindo falta de sua longa caminhada matutina. Apanhei alguns biscoitos caninos e aproveitei o tempo para treiná-lo. "Blaipdá!", dizia no meu alemão macarrônico, dando-lhe meio biscoito quando de fato ficava quieto no canto dele, esperando pelo meu comando.

A garganta continuava doendo, o chá em nada ajudara, e era preciso que eu começasse a preparar o almoço. Tudo o que havia na geladeira, porém, exigia muito pré-preparo, então resolvi dar uma de Allex e almoçar um "xis-egg" vegetariano. Coloquei o pequeno hambúrguer de soja na frigideira e, para não sujar mais panelas, quebrei um ovo diretamente ao seu lado. O cheiro pungente de enxofre atingiu minhas narinas como um soco, e amaldiçoei o mundo todo quando vi que o ovo estava completamente podre.

Joguei a mistura fétida no lixo, imediatamente fechando-o e tirando-o da casa antes que o cheiro impregnasse o ambiente. Lavei a frigideira e comecei tudo de novo, desta vez testando o ovo em um copo d´água antes de usá-lo (se o ovo afundar, está bom, se ficar de pé, está mais-ou-menos, e se flutuar, está podre).

Agora, faltando meia-hora para sair de casa, a chuva intensificou-se. Toda reunião dura no mínimo 3 horas: 1 hora para ir, 1 hora para a reunião de fato e 1 hora para voltar. No ritmo que anda meu dia, acredito que essa me tome cerca de 4 horas, o que quer dizer uma tarde inteira perdida. Com um maço lindo de espinafre orgânico na geladeira, tenho esperanças de voltar zen o suficiente para preparar o erbazzone reggiano (uma torta de espinafres da Reggio-Emilia) para o jantar. Tudo vai depender da quantidade (e tipo) de alterações que o cliente exigir com relação à ilustração e a quantidade de trânsito enfrentada ao voltar para casa. Pode ser que eu jogue a toalha de vez, admita que esse é um dia simplesmente horrível, e peça uma pizza.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O que eu preciso fazer para conseguir bons figos nessa cidade??

Adorava figos quando criança. Assim como com morangos e alcachofras, esperava ansiosamente a temporada dos figos. Lembro-me de como eram estranhos a meus olhos infantis, suas sementinhas parecendo micro-insetinhos no meio de sua carne avermelhada, mas como eram também doces e deliciosos, e eu os comia inteiros, com casca e tudo, de uma vez, a promessa de sua doçura suplantando seu visual pouco apetitoso.

Hoje continuo maluca por figos, e passo todo o ano ignorando as caixinhas fora de época vendidas a altos preços nas gôndolas de supermercado, e espero, pacientemente, pelos plantados e colhidos no tempo certo. No entanto, assim como com tantas outras lembranças de infância, o sabor dos figos parece esmaecido. Vejo caixas de figos colhidos muito verdes em feiras e supermercados, e mesmo quando os compro muito maduros, quase passados, continuam rescendendo a água, em nada similares aos gostos de minha memória. O que eu preciso fazer para conseguir bons figos? Plantá-los eu mesma?

Minha última esperança é com os orgânicos, que não encontro nos mercados. Talvez a ausência de pesticidas traga de volta o gosto melífero de que me lembro. Mas para isso preciso esperar até quinta-feira, para fazer o pedido de figos, pêssegos (estou curiosa para prová-los, pois pêssegos costumam ser carregados de agrotóxicos), ameixas e physallis (na modinha) orgânicas. E recebê-los, só mesmo na terça-feira. Vixe! Mas terça é dia 25. Hum... terei de esperar mais, então. Bom.. Fazer o quê?! É melhor comer nada a comer fruta sem gosto.

Cozinhe isso também!

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