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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Outubro, planejamento às avessas, sopas econômicas, molhos franceses




Caminho pelo parque com o cachorro, segurando a coleira enrolada na mão enluvada, afundando os pés em pilhas de folhas multicoloridas que craquelam e farfalham ao serem pisoteadas e movimentadas, sentindo o vento gelado na ponta do nariz, nas bochechas que se avermelham, nos cabelos ainda livres dos futuros gorros de lã. E nem acredito que o Outono já chegou novamente.

Depois de um veranico nas últimas semanas, que nos possibilitou andar por aí de camiseta e até suar um bocado durante as corridas matinais, as temperaturas despencaram outra vez e prometem continuar em queda livre pelos próximos meses.

De um dia para o outro, os caixotes de melancias nos mercados foram substituídos por caixotes de variados tipos de abóbora, as abobrinhas e os pêssegos dobraram de preço, e as peras e as romãs ressurgiram das cinzas.

OUTONO!
Voltamos de fato à velha rotina dos lanches escolares, e da eterna busca pela boa alimentação das crianças na escola, tentando não enlouquecer muito quando seu filho passa o verão inteiro pedindo por maçãs, e quando elas chegam, ele diz que não gosta de comer maçã na escola.

Dai-me paciência.

Quem passa por aqui desde os primórdios desse inglório blog já acostumou com meus infindáveis posts falando que estou buscando (ainda mais) um jeito de diminuir a conta do mercado e tornar a vida na cozinha mais fácil. Fazer o quê? Eu sou assim mesmo, estou sempre buscando um jeito novo de fazer as coisas e procurando melhorar como ser humano-pessoa-mãe-mulher-indivíduo-sujeito-transeunte.

Em tempo: quem lê pode achar que estamos sempre endividados com a conta do mercado, com essa minha nóia de diminuir a conta. A verdade é que sempre estivemos bem abaixo da média de consumo de mercado de uma família de quatro pessoas de classe média, tanto em São Paulo quanto aqui em Toronto, mas principalmente aqui, onde a média é de 200 dólares canadenses por semana SÓ em comida, segundo pesquisa do governo. Gasto menos do que isso, incluindo produtos de limpeza e comida do cachorro. Só bebida alcoólica que não entra na conta, pois como aqui só se compra bebida em loja especializada, fica fácil dividir a categoria no orçamento. (Alguém tem interesse em post sobre supermercado e da transformação da compra em refeições? Se sim, levanta a mão).

Enfim.

O ponto é que acredito que sempre haja espaço para melhorias.

E na minha infindável pesquisa internet afora por ideias para variar a lancheira da criançada (meu marido rola de rir de ver meu histórico de YouTube cheio de video de lancheira), caí nos videos de Meal Planning. Meu Eu Curioso e Filha de Engenheiro imediatamente pensou: ok, por que não?

Eu gosto de planejar bem as compras, e tenho uma lista no Keep com todos os itens de consumo regular mensal com os preços médios ao lado, devidamente compartilhada com o marido para que nenhum dos dois compre a mais coisa que não precisa ou compre mais caro do que o preço usual. Lembra? Filha de engenheiro e casada com homem de marketing. É muita planilha à minha volta me influenciando.

Enfim, de novo.

Como dizia, gosto de planejar, mas não a ponto de ter porcionado até o lanchinho da meia-noite depois da cerveja, e por isso mesmo resolvi testar o método mais hard core. Vai que funciona!

Fui lá feliz e contente, avaliei o conteúdo da despensa e da geladeira, e escolhi os jantares da semana, os almoços das crianças, os snacks deles, e meus almoços e snacks, fiz a lista e fui às compras. Naquele início de outono, com os últimos tomates em promoção, os últimos pêssegos, foi uma luta brutal contra minha vontade de encher o carrinho com tudo aquilo que eu não veria de novo pelos próximos seis meses e de fato me ater à lista. Mas consegui. Pelo menos naquela semana.

Os snacks foram todos fáceis, pois eu vario os lanches das crianças sempre pensando em algo doce, algo salgado, um legume, uma fruta, e eu meio que como sempre a mesma coisa todo dia quando estou sozinha. (Alguém tem interesse numa versão escrita de um daqueles videos de you tube "o que eu como em um dia?" hahaha, se sim, levanta a mão de novo.)

E os jantares escolhidos, considerando que nos fins de semana normalmente improvisamos, comemos fora ou fazemos alguma espécie de sanduíche, foram:
  • Pimentões recheados, porque eu tinha arroz já pronto e uns pimentões que já começavam a querer murchar. 
  • Curry de lentilhas com couve e arroz, porque eu tinha lentilhas congeladas, leite de coco, e um maço de couve precisando ser preparado. 
  • Risotto de alho-poró
  • Farfalle al pesto, porque eu tinha CERTEZA ABSOLUTA de que havia uma porção de pesto ainda congelada.
  • Pizza, porque toda sexta-feira tem pizza
 Deixei a lista das receitas na geladeira, e me senti muito virtuosa com minha diminuta lista de compras. E então a semana começou.

Calhou que durante o fim de semana sobrara pizza e não me lembro mais o quê, e acabei não preparando os pimentões recheados. O arroz e os pimentões continuavam sobrando ali, murchando e implorando uso. No dia que eu reservara para fazer o curry de lentilhas, resolvi que ao invés de colocar a couve no curry, colocaria os pimentões que precisavam ser usados, mas considerei que eles não combinariam tão bem com as lentilhas e, de supetão, voltei as lentilhas ao congelador e tirei para bancada o pote de grão-de-bico. O arroz que eu tinha na geladeira não era o bastante para acompanhar o curry, e já que teria de preparar mais, resolvi já de cara preparar bastante outra vez e dar outro uso para o arroz velho.

E a primeira refeição da semana foi um panelão imenso de curry de grão-de-bico e pimentão, preparado com a refoga de cebola, alho e gengibre no azeite, com canela, cardamomo, pimenta-calabresa, pimenta-do-reino, cúrcuma, grãos de cominho, de coentro, de mostarda, folha de louro, tudo até dourar. Entra o pimentão em cubos até amaciar, e então o grão de bico com seu caldo, cozinhando até reduzir o caldo um pouco. Entra o leite de coco e cozinha até apurar. Um punhado generoso de coentro cobre tudo e sirvo com arroz e uma colherada de iogurte, que as crianças adoram colocar em tudo o que é apimentado para aliviar o ardor. Já falei sobre meus curries AQUI.

O que sobrou do curry com arroz já deixei em potes, garantindo a marmita do marido pela semana toda.

Vai comer curry até enjoar.

Ok, o planejamento começou mal.

O dia seguinte era o dia do Risotto de Alho-poró. Que no frigir dos ovos me deu uma preguiça, porque já havíamos comido arroz no dia anterior e eu ainda tinha arroz velho na geladeira esperando um destino. Suspirei, joguei fora aquela ideia e resolvi preparar uma sopa francesa de alho-poró, ervilhas (que sempre tenho no freezer) e alface (que eu comprara para preparar uma salada de almoço mas que acabara não usando ainda).

 

A sopa não poderia ser mais simples, pois basta colocar tudo na panela de uma vez, cozinhar e bater no liquidificador. Gostosa e leve, ótima para aquele friozinho que vinha e não vinha.

POTAGE SAINT-GERMAIN
(Do livro I Know How to Cook, the Ginette Mathiot)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 60g alho poró fatiado (cerca de metade de um pequeno)
  • 1 pé de alface, rasgado em pedaços pequenos ou fatiado grosso
  • sal
  • 500g ervilhas (pode ser congelada)
  • 1 gema de ovo
  • 4 colh. (sopa) de creme de leite ou sour cream
  • 2 colh. (sopa) generosas de manteiga

Preparo:
  1. Coloque na panela o alho poró e o alface e cubra com 6 1/3 xic. de água. Tempere com uma pitada de sal e leve à fervura, fervendo em fogo baixo por 10 minutos, sem tampa.
  2. Junte as ervilhas e cozinhe por mais 10 minutos.
  3. Num potinho, misture a gema ao creme e reserve. 
  4. Na hora de servir, bata a sopa num liquidificador ou com hand blender até a consistência desejada (pode ser lisa ou pedaçuda - fiz lisa desta vez, mas acho que deixaria mais pedaçuda na próxima). Desligue o fogo, junte o creme reservado e a manteiga, acerte o sal e sirva imediatamente.   

Os croûtons, acredite ou não, foram feitos com as bordas da pizza que minha filha e meu marido nunca comem. Ao invés de jogar fora, corto, torro e guardo num pote. Na eventualidade de uma sopa ou de uma salada, basta dourar em azeite e alho. Afinal, como diz minha filha, pizza é só um pão com cobertura. A borda, que não tem cobertura, é só pão e ponto. Vira croûton e dos bons.

Já que eu ia fatiar alho-poró e lavá-los para a sopa, pois eles vieram bem cheios de terra, achei que seria inteligente já fatiá-los e lavar todos os três logo de uma vez, apesar de usar apenas metade de um para aquele jantar. Enquanto a sopa fervia, botei o restante do alho-poró fatiado na panela com azeite, manteiga e tomilho, e deixei ali, até quase desmanchar, deglaceando a panela com um pouco de água, tampando e deixando que cozinhasse até quase virar purê. Então guardei num pote para que virasse recheio de torta depois. Na empolgação, resolvi fazer o mesmo com a maior parte do enorme pé de couve crespa que eu comprara, antes que começasse a murchar e melar. Refogadinha com alho, foi também para um pote.


E pronto, mais uma refeição do meu planejamento fora para a cucuia.

No dia seguinte, é claro, como eu já tinha o recheio para uma torta pronto, resolvi fazer a massa para estrear a forma de quiche, que não aguentei e acabei comprando na Ikea. Confesso, eu poderia continuar usando a assadeira retangular, mas eu ficava doida na hora de servir os pedaços e ver que os pedaços dos cantos tinham mais bordinha (parte favorita das crianças, ao contrário da borda da pizza) do que os das retas. Pet Peeve novo revelado: quiche tem que ser redondo pra todo mundo ter a mesma quantidade de borda e recheio. Egalité na quiche francesa, CLARO!

Para acompanhar o quiche de alho-poró, uma salada de alface, salsão e o último tomate da geladeira.


  
 E o que fazer com aquela couve preparada e aquele arroz fazendo aniversário? Coloquei no processador com ovos, parmesão, mozzarella ralada, salsinha, cebola picada, e um pouco de farinha para dar liga, temperei e pulsei umas duas ou três vezes, só para misturar e triturar uma parte do arroz, bem pouco, apenas para que os grãos grudassem e eu conseguisse transformá-las em bolinhas. Temperei-as com um fio de azeite e levei-as à AirFryer (marido continua na Philips e trouxe uma para casa, e hoje mordo a língua, pois a danada é ótima para fazer bolinhos como esse).

Os bolinhos da foto são de outra semana, que eu preparara usando talos de dente de leão. Como as crianças adoraram, apesar do amargor dos talos, escondidinho sob a doçura do queijo, achei que com couve também iriam bem, e o que havia de arroz e couve foi o bastante para que os dois levassem de almoço escolar cinco bolinhos cada por dois dias seguidos, para chuchar no ketchup.


Vou sentir saudades desses tomates. Tchau, tomates!!
Mas nem tudo estava perdido. Havia ainda UMA refeição para cumprir à risca e acreditar que meu Meal Planning funcionara afinal:o macarrão com pesto. Abro meu freezer contente apenas para constatar que... tipo... não. Não era pesto, era clara de ovo congelada. 

F*ck.

Cato os tomates-cereja que eu comprara para Laura levar de lanche e transformo em molho, refogando em azeite e um punhado de cebolinhas picadas (que também sempre tenho no freezer), incrementando com ervilhas no final. 

 

A única coisa que ficou no lugar foi a pizza mesmo.

Nos almoços das crianças ainda consegui me manter mais ou menos dentro do planejado, mas os snacks acabaram sofrendo imensa influência dos quereres de cada um e do que tinha disponível no fim das contas, Laura comera no café da manhã todos os kiwis que eu reservara para o lanche, eu usara os tomates-cereja no jantar, nenhum dos dois quis levar hommus com salsão, e foi isso aí. Eu queria ter feito crepes para mandar enroladinho em bananas e uma "Nutella" de sementes que achei no mercado (porque as crianças não podem levar Nutella de verdade para a escola, já que é uma Nut-Free School - meus olhos rolando enquanto escrevo isso, que eu sei que povo aqui tem alergias, mas isso de Nut Free me atrapalha horrores). Mas, claro, não fiz, não deu tempo, porque estávamos com visitas em casa, e acabei transformando as bananas em bolo - um bolo MUITO bom, por sinal, e esse canal também foi responsável pela nova receita de pão de queijo que ando fazendo, já que é uma bela adaptação com ingredientes canadenses. 



O que foi que nós aprendemos essa semana, amiguinhos?

Que meu negócio é mesmo o improviso, e que na minha cozinha a comida sai mais gostosa quando eu preparo o que quero comer aquele dia. Que sim, é MUITO prático você deixar já prontos os ingredientes que você sabe que se preparam sempre da mesma forma, como a couve e o alho-poró, ou ter leguminosas cozidas no freezer, ou preparar arroz de batelada, até como comentei no último post. Mas que é muito difícil, sem saber como vai ser seu dia durante a semana, se comprometer a um determinado cardápio assim, sem arredar pé. Já fiz isso na minha vida, e sempre me lasquei, pois ficava estressada por querer preparar um cozido de três horas nos quarenta minutos que haviam sobrado, ou me frustrava quando todo mundo queria pedir pizza em dia que eu planejara fazer torta.

Cada cozinheiro, no fim, tem um ritmo e um jeito diferente, e TÁ TUDO BEM. Eu, aparentemente, faço mais o estilo Rapa de Geladeira. Sou ótima de planejar, mas péssima pra implementar o plano (na cozinha e na vida, aliás). Mas me dá uma geladeira cheia de resto que parece não ter lé com cré, e eu crio uma refeição para quatro pessoas. E eu adoro isso! :)

No fim, foi uma semana divertida, mas descobri que meal planning rígido assim não é mesmo para mim.

Em contra partida, o que ficou evidente, com minha diminuta lista de compras para essas refeições da semana, é o quanto tendemos a overbuy. Seja por FOMO (Fear of Missing Out), que nos faz querer ter aquele ingrediente "pro caso de...", ou seja por falta de conhecimento detalhado de seu próprio padrão de consumo... toda vez que uma fruta estraga na fruteira ou uma garrafa de creme de leite vence na geladeira, pode não ser fruto de sua inabilidade de cozinhar ou reaproveitar alimentos, mas simplesmente porque você não precisava ter comprado aquilo aquela semana. O fato de eu saber que toda semana teremos duas noites de macarrão e uma noite de pizza, que uma noite pelo menos arroz será o acompanhamento, coisa que era impensável para meu estilo de cozinha no Brasil, me ajuda a não comprar a mais, salvo naquela semana louca de verão em que fui hipnotizada pela abundância e variedade do mercado. E esse semana de planejamento, mesmo não tendo seguido à risca NENHUM prato planejado, me fez ver que, de fato, é preciso MUITO POUCA comida por semana para manter minha família. Bem menos do que eu comprava no Brasil.

Lembro principalmente da minha época confeiteira-louca, em que passava os fins de semana preparando bolos e biscoitos e pães e tortas e sorvetes, e achava que tinha de ter sempre na despensa diversas farinhas e chocolates e toda sorte de ingredientes especiais...

Meu deus, como eu comprava mais do que precisava! E COZINHAVA mais do que precisava. Consequentemente, todo mundo comia a mais também.

Hoje, NUNCA tenho chocolate em casa. Quando quero um doce com chocolate, coloco na lista da semana e compro a quantidade exata de chocolate quando for o dia de mercado.
Tipo meu bolo de aniversário de sempre. O clássico.

De novo, menos opções em casa baixam minha ansiedade, menos comida estraga, é mais fácil decidir o que preparar no dia.Vamos então voltar para o que estava funcionando. Eu adoro mexer em time que está ganhando, mas não tenho nenhum problema em admitir que fiz porcaria e voltar atrás. Seja gerenciando cozinha ou criando filho, não existe solução mágica nem fórmula única: você sabe o que funciona para você, e se não estiver funcionando, tem toda a liberdade de tentar outros caminhos.

E O QUE MAIS SAIU DESSA COZINHA ESSE MÊS?

Tenho feito muitos poucos doces merecedores de um post. Desde que me mudei sinto que uma das coisas das quais me desapeguei foi da Ana-Confeiteira-Louca-Obcessiva. Principalmente porque as crianças estão fora o dia todo, prefiro mandar um bolo com frutas do que um bolo de chocolate para a escola, e durante o verão meio que tentei mandar apenas frutas mesmo, sem nenhum doce. Ninguém fica chateado se não tem sobremesa depois do jantar, e de fim de semana costumávamos levar as crianças para tomar sorvete, então parece que não teria muito bem motivo para ficar fazendo bolos e biscoitos e tortas e pudins dia sim, dia não, como era no Brasil. Converso sempre com uma amiga que acredita na influencia do ambiente: uma cozinha te dá mais vontade de cozinhar isso ou aquilo do que outra. E acho que ela tem razão. Tudo aqui me impele à praticidade. Não sinto falta de preparações complexas, nem no fazer, nem no paladar. É estranho, mas é bom. O bolo de sempre está bom. Às vezes faço algo diferente, mas desde que seja super simples, e de preferência que as crianças possam fazer junto.

No entanto, tenho me arriscado a voltar a algumas técnicas básicas que eu sentia que não havia dominado completamente ainda. O ventinho gelado no rosto e nas mãos me joga de volta às carnes. Mas mesmo elas acabo não preparando muito. Primeiro porque carnes boas são caras. Segundo, porque não tenho tempo de preparar um assado durante a semana, ou os pratos que realmente gostaria de tentar, e durante o fim de semana minha vontade de ir para a cozinha desaparece. Nesse momento, o marido que aprendeu a fazer waffles e é o responsável pelos cachorros-quentes de linguiça e pelos hambúrgueres caseiros, toma conta. Eu entro na cozinha para tomar meu café e bater uma porção de maionese fresquinha para os sanduíches.


Isso de voltar a fazer maionese começou a me empolgar, no entanto. Vi um episódio de Mind of a Chef, com a chef Gabrielle Hamilton, em que ela preparava meu café da manhã favorito, Eggs Benedict, e dizia: o que faz esse molho funcionar é a acidez; tem acidez suficiente no início para estabilizar as gemas para receberem toda essa manteiga. E seu método para molho Hollandaise era completamente diferente de tudo o que eu vira até então. Primeiro, tentei aplicar isso à maionese, que andara talhando miseravelmente nas últimas trinta e duas vezes que eu a preparara. Eu achava que era o tipo de óleo, que era o ovo gelado de geladeira... nunca pensei que fosse simplesmente pouca mostarda. Olhei para a gema na tigela e coloquei uma colher de sopa de mostarda de Dijon, quase do tamanho da gema, ainda gelada de geladeira. E comecei a incorporar o óleo (3/4 xic - 1 xic, dependendo do tamanho da gema), uma colher de sopa por vez. E foi assim que comecei a acertar a maionese SEMPRE. Tenho feito toda semana e fica sempre perfeita. Limão para temperar, sal e pimenta do reino e NHAM! Enquanto havia tomates, meu almoço foi uma fatia de pão dourada no azeite, uma passadela generosa de maionese caseira e fatias de tomate bem maduro e doce, temperado com sal e pimenta. Perfeição.

Isso me animou a tentar seu Hollandaise. Eis um molho que eu NUNCA conseguira acertar, principalmente porque todo mundo dizia que só funcionava em grande quantidade. Nada de fazer só uma xícara de hollandaise, como faço com a maionese. Afe. Mas O MÉTODO DELA parecia ótimo para pequenas porções, além de ser menos cheio de fricote, sem bater tigela em banho-maria e afins. Numa manhã de sábado em que o marido fora viajar a trabalho, resolvi me aventurar e preparar eggs benedict para as crianças. Ok, eu não tinha english muffins nem bacon canadense (ironicamente), então usei metades de bagels e Black Forest Ham. Há um tempo já que tenho me aperfeiçoado na arte do ovo poché, e descobri que o ovo grudado no fundo e espalhado era mera culpa da água em temperatura errada. Ela tem que estar realmente quase naquele ponto de começar fervura brava, quando as bolhas começam a fazer pequenas torres finas subindo à superfície. Se as bolinhas no fundo da panela estiverem muito pequeninas, a água não está quente o bastante e o ovo vai espalhar no fundo. Na temperatura certa, ele não encosta no fundo e o próprio movimento de ebulição leve da água envelopa o ovo na própria clara. Não precisa nem fazer o redemoinho. Uso uma caçarola larga, e coloco vários ovos ali, em sentido horário para saber qual tirar primeiro, e todos saem perfeitos.


Fiz um terço da receita do Hollandaise, que achei suficiente para nós três, com um pouco de sobra. E funcionou tão maravilhosamente bem, o molho ficou tão incrivelmente sedoso e saboroso, que as crianças acharam graça dos meus pulinhos e minha risada. Os bagels, no fim, ficaram muito grandes para esse preparo, mas as crianças pediram o resto do molho e chucharam não apenas o resto de seus bagels mas os outros que surrupiaram de cima da bancada, até que não houvesse mais molho. 

Por conta desse sucesso, num almoço solitário, resolvi fazer ainda um ovo que eu nunca preparara antes, e que de tanto aparecer nos últimos Masterchefs, me causara curiosidade: o ovo Mollet. Lembrei na hora de uma receita do livro da Heloísa Bacellar, de ovo mollet com molho Meurette, que na época em que eu comprei o livro (há mais de dez anos) me parecia tão trabalhoso, que nunca me aventurei a tentar. Como não tinha mais o da Heloísa, catei meu livro francês I Know How to Cook, dividi mentalmente a receita de sauce Meurette para compor apenas meu prato, e pus-me ao trabalho. E trabalho que nada! Você coloca a água dos ovos para ferver em uma panela e o molho em outra. Enquanto o molho cozinha, você descasca os ovos e doura os pães, e em quinze a vinte minutos o prato está pronto, dependendo de quantos ovos está fazendo e da sua destreza na cozinha.


Servi meu sauce Meurette sobre o ovo Mollet e cogumelos refogados sobre uma torrada integral esfregada com alho, e digo que foi uma refeição simples e sensacional. Meu molho não ficou vermelho porque o único vinho que tinha em casa naquele  momento era o Marsala. É o tipo de prato que quero preparar para as crianças, que amam ovos moles e cogumelos. Nham, nham, nham.

OEUF MOLLET EN MEURETTE 
(Ligeiramente adaptado do livro I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 6 ovos
  • 3 xic. vinho tinto 
  • 1 cebola pequena, picada
  • 1 galho de tomilho
  • 1 folha de louro
  • 2 ramos de salsinha
  • 1/3 xic. manteiga em temperatura ambiente, mais um pouco para dourar o pão
  • 1 1/2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • sal e pimenta do reino
  • 6 fatias de pão
  • 1/2 dente de alho

Preparo:
  1. Cozinhe os ovos: leve uma panela pequena com água bastante para cobrir os ovos à fervura, tempere com uma pitada de sal, e deixe uma tigela com água gelada reservada ao lado. Coloque os ovos na água com uma escumadeira e cozinhe por 5 minutos. Retire com a escumadeira e coloque imediatamente os ovos na água gelada, para parar o cozimento. Quando estiverem frios o bastante para tocá-los, descasque CUIDADOSAMENTE, pois eles estarão bem mais moles do que um ovo cozido normal. Reserve num prato. 
  2. Numa frigideira, coloque o vinho, cebola e as ervas e leve à fervura. Abaixe o fogo e cozinhe até que reduza pela metade (se estiver fazendo uma quantidade menor do que a receita, isso acontece MUITO rápido).
  3. Misture 2 colh. (sopa) da manteiga com a farinha para formar uma pastinha e junte ao molho, misturando com um fouet para incorporar e não formar bolotas. Ferva por 1 minuto até que engrosse.
  4. Com o fouet, misture o restante da manteiga e passe por uma peneira para uma tigela, descartando os sólidos. (Eu apenas tirei as ervas e servi com as cebolas, porque, convenhamos, eu queria comê-las.) Tempere com sal e pimenta e reserve.
  5. Em outra frigideira, derreta um pouco de manteiga e e doure os pães. Esfregue o dente de alho nas fatias douradas, e coloque uma em cada prato. Coloque o ovo descascado cuidadosamente por cima e cubra com o molho.(Salsinha picada por cima foi fricote meu.)

E o que mais?

Teve ESSE PÃO integral com aveia da Deb do Smitten Kitchen que foi devorado sumariamente, tão bom. Pense num pão macio.
Também para quem não gosta de desperdiçar nada... Havia comprado um saco imenso de peras, pois elas surgem e vão embora tão rápido quanto o sol do inverno Norueguês. As peras daqui são super doces e saborosas, mas por algum motivo, Laura decidiu que não gosta de pera e Thomas... bem, Thomas não gosta de fruta. Ê fase. Quem lembra de foto do Thomas se esbaldando com tudo quanto é fruta quando pequeno não reconheceria o menino hoje. 

Como já tinha bolo pronto e eu não queria desperdiçar as peras, transformei-as nessa compota da Alice Medrich, e agora a criançada tem colocado pera em calda no mingau, no sorvete, e, principalmente, no iogurte, pois o contraste do doce melífero e perfumado da compota e o azedinho do iogurte faz com que isso pareça sobremesa de restaurante cinco estrelas. Um abuso de bom. Tanto, que quando as peras acabaram mas o caldo ainda era abundante, voltei-o para a panela e cozinhei mais peras frescas nele. E todo mundo ficou contente por ter mais peras em calda pra comer. Vai entender.


PERAS EM CALDA
(Do livro Sinfully Easy Delicious Desserts, de Alice Medrich) 

Ingredientes:
  • 1/2 colh. (chá) sementes de erva-doce
  • 1 1/3 xic. água
  • 2/3 xic. suco de limão siciliano
  • 1 3/4 xic. açúcar
  • 4-5 peras maduras mas ainda firmes, cortadas em quartos e com as sementes removidas

Preparo:
  1. Combine a água, o suco de limão, as sementes e o açúcar numa panela e leve à fervura em fogo alto. Abaixe o fogo e cozinhe por cinco minutos. 
  2. Junte as peras, cubra com uma tigela ou pires de diâmetro pouco menor que a panela, para mantê-las afundadas na calda, e cozinhe em fogo baixo por 3-5 minutos, dependendo da firmeza das frutas.
  3. Remova a panela do fogo. Deixe que esfriem, sem remover o pires, por 1 hora. Então passe para um recipiente com tampa e leve à geladeira até a hora de servir. A compota dura cerca de uma semana, e se melhora conforme os dias passam. 
 Nisso de reaproveitamento, acompanhei um passeio de escola de Thomas a uma fazenda, onde as crianças colheram diversos vegetais que os professores então decidiram cozinhar para que as crianças experimentassem. Quando comentei com a professora sobre não esquecer de usar as folhas dos nabos e da erva-doce, ela disse: "Não teremos tempo de consumir tudo isso, eu acho. Quer as folhas para você?"

Ieeeei! Claro!

No mesmo dia as folhas de nabo, com seus talos, foram branqueadas até amaciarem, e então refogadas em nacos generosos de manteiga e alho. Acompanharam batatas-doce assadas e um arroz de forno em que usei as partes externas da erva-doce, machucadinhas, que a professora havia descartado com as folhagens. Fatiei essas partes fino e caramelizei com cebolas, incorporando ao arroz de transantontem com ovo, parmesão, salsinha e folhas de erva-doce. Parmesão polvilhado por cima e nacos de manteiga, e forno nele até dourar. 


O resto das folhas de erva-doce (que eram MUITAS) viraram um pesto sem queijo, apenas com alho, pinolis e azeite, que bati no processador e congelei, para usar em massas, legumes e para esfregar num peixe da próxima vez.

Falando em economia doméstica, a sopa abaixo parece pouca coisa mas é deliciosa e fez muito sucesso com as crianças. Também do livro francês. Chama-se, justamente, Soupe Économique! Você leva à fervura 6 1/2 xic. de caldo caseiro (qualquer caldo! usei o meu de legumes, mas um de carne ou galinha deve ficar sensacional!) junta 500g de batatas raladas com casca (raladas na parte grossa do ralador) e cozinha por 10 minutos ou até que a batata esteja macia e quase desmanchando no caldo, que automaticamente engrossa com o amido da batata. Na hora de servir, basta juntar 2 generosas colheres (sopa) manteiga e acertar o sal e a pimenta. Servi com o que restara da focaccia al rosmarino que eu preparara no dia anterior, pois ter algo para chuchar na sopa sempre foi o segredo para as crianças experimentarem a sopa e começarem a comê-la sem queimarem as bocas com o caldo muito quente.

(As fotos dos jantares tendem a ficar mais feias agora com a luz artificial, já que o sol anda se pondo mais cedo.)


Por último, a família que veio visitar também trouxe junto um presente de minha amiga querida do coração lá do Brasil, que é ceramista e tem um talento incrível. Já tomo meus cafés de meio da manhã numa xícara sua, minhas frutas ficam dispostas sobre um prato seu, azul e branco, e ela agora fez para mim um prato para minhas torradas de almoço, para que estejamos mais juntas, de alguma forma, e não tenhamos tantas saudades de nossos extensos chás com bolo, cheios de boa conversa. 

Dêem uma olhada no trabalho dela e do ATELIÊ GAROA, na sua loja e em seu Instagram: @ateliegaroa


quarta-feira, 28 de junho de 2017

Diário da mudança, café da manhã para encher de Maple Syrup e, para bom entendedor, meia música basta



Quando vieram levar embora nossa mesa de jantar e todas as oito cadeiras da casa, olhei para o espaço vazio na sala, para o rostinho atônito dos meus filhos, e lhes disse, empolgada: "Êeeeee! Um mês de piquenique!!!"

Eles acharam ótimo. Mas logo decidiram que era mais fácil comer na mesinha verde-limão, onde os dois, assim, um de frente para o outro, sentados numa mobília que lhes respeita a proporção, com louça, talheres, guardanapo de pano, pareciam clientes de um mini-restaurante. Morri de fofura.

"Vem fazer companhia pra gente, mamãe!", pediu Laura. E lá fui eu sentar no chão em frente a eles, com meu prato raso, garfo e faca, e o Gnocchi curioso passando com o rabo peludo balançando no meu prato e querendo lamber meu rosto, como ele sempre tenta toda vez que um ser humano resolve dividir o chão com ele.

Rapidamente percebi que isso não daria certo. Então veio um novo anúncio: "Ó, galera, a partir de hoje a gente só come em tigela. One bowl dinners. Ok?" Assim, só um garfo resolve a vida e dá pra comer até em pé, sem correr o risco do cachorro pisar bem no meio do seu prato enquanto você tenta cortar seus legumes.

Exemplo disso foi o Kedgeree do Jamie Oliver, que eu sempre faço para aproveitar sobras de peixe grelhado, frito, empanado, assado, o que for. Fica uma delícia e transforma dois filés de peixe ressecados de geladeira em uma refeição deliciosa para quatro pessoas novamente. Recomendo.


Uns dias depois, meu filho voltou de um passeio da escola à feira do bairro com uma enorme melancia, feliz da vida, e quando ele me pediu suco de melancia, eu disse sim automaticamente, até me dar conta de que não tinha mais liquidificador. Ou mixer. Ou processador. Ou batedeira.
Era já noite escura e não havia nada para o lanche da escola no dia seguinte. Pensei em fazer de novo aquele pound cake de louro e laranja, mas lembrei que tinha uma forma só e não era de bolo inglês. Pensei em outras receitas, mas também lembrei que não tinha nada mais para fazer o bolo além de uma tigela e uma colher de pau. Então puxei da memória o bolo de iogurte de sempre, e, tendo já preparado um dele na semana anterior na versão chocolate (substituindo 1/2 xic. de farinha por cacau em pó, omitindo a casca de laranja e acrescentando uma barra de 100g de chocolate ao leite picado), fiz num piscar de olhos mais uma versão, desta vez com baunilha e extrato de amêndoas. Eu e minha tigela e minha colher. Até pensei... o próximo vou transformar em bolo mármore para terminar de usar o restinho do cacau em pó.

Porque agora tem disso: preciso usar a despensa toda. Mas não é mais como das outras vezes, em que eu precisava esvaziar a geladeira, fazer meu Angel Food Cake com todas as claras congeladas, mas colocar minhas farinhas e temperos numa caixa e levar de carro até a casa nova. Eu abro a gaveta de temperos e sei que aquelas sementes de mostarda não têm a menor chance: eu não vou conseguir usá-las em um mês. E não posso fazer mostarda com elas, pois não há tempo de maturar o condimento ou consumi-lo. É estranho jogar fora as aparas de frutas e legumes ao invés de congelá-las para geleias e caldos. Meu freezer está vazio. Isso nunca aconteceu.

Mais estranho é entrar em casa e se sentir estapeada pela sensação de caos. Há livros empilhados, caixas com itens de cozinha para serem vendidos, mangás separados em fardos, brinquedos para serem doados, os poucos móveis que restam estão fora de lugar, e não há meios de trazer uma noção de ordem a tudo aquilo.

Conforme vou vendendo as coisas e levando ao correio, o vazio vai trazendo paz. O espaço vazio, que normalmente traz inquietude quando nos mudamos para um lugar novo, o espaço vazio que não vemos a hora de ocupar com coisas para apaziguar aquela palpitação no peito, esse espaço vazio me traz calma. Mostra que as coisas estão caminhando. Percebo como hoje gosto mais de espaço do que de móveis. Como quero ter tão menos do que eu tinha no meu próximo lar.

Mas uma coisa é ter poucas coisas que servem a você. Outra é você se ver sem aquelas coisas que não parecem importantes mas faziam parte da sua rotina invisível, aquela parte do seu dia que você faz automaticamente, sem pensar, como prometer suco de melancia para o seu filho. E daí que você entra em casa e pela oitava vez se vê zonza, segurando sua bolsa na ponta dos dedos, se movendo pela sala como uma galinha sem cabeça, confusa, simplesmente porque NÃO TEM ONDE DEIXAR SUA BOLSA. o_O

Isso é ridículo.

Mas eu me pego atordoada pela rotina invisível quebrada, e de repente parece que você tem que voltar a prestar atenção a tudo o que faz novamente. Toda vez que entra em casa tem que procurar um novo espaço vazio para depositar sua bolsa.

Dã.

As crianças às vezes surtam. "Mamãaaaaae! Você NÃO PODE vender as forminhas de picolé!!!" Aí vai mamãe explicar que a gente está vendendo tudo o que não cabe na mala, e que vai usar esse dinheiro para comprar novamente aquilo de que realmente precisamos.

Aí eles apanham um saco e brincam de escolher o que vão levar e o que vão vender. "Mamãe, eu não vou levar meu carrinho de boneca. Ele é muito grande. Eu vou dar para uma menina que não tem. Uma menina da França. Porque as meninas na França não têm carrinho de boneca."

Não, eu NÃO VOU para a França. Sabe-se lá porque diabos ela encasquetou com a França ou com esse problema grave de ausência de carrinhos de boneca que aparentemente acontece por lá. o_O

De qualquer forma, as crianças estão empolgadas. Mas a ansiedade e a insegurança gerada por toda essa movimentação em casa as faz mais agitadas, mais cansadas, um pouco mais briguentas. Há toda uma dose extra de paciência que preciso resgatar dentro de mim para lidar com os dois nesse momento.

Passo meus dias tirando coisas de dentro dos móveis, limpando, embalando, levando ao correio, recebendo gente que leva embora meus armários. Aquele vazio na casa se torna intermitente, pois o caos se instaura a cada armário que vai embora, deixando seu conteúdo no chão da sala, e então esse conteúdo é separado, limpo, embalado, enviado a outras pessoas.

Allex sugere que usemos o método Lean 5S para lidar com a bagunça. Eu fico fula, dizendo que é o que tento fazer na nossa casa há quase dez anos e ninguém deixa. o_O Mas vamos lá. Há muito o que fazer na casa ainda antes de entregá-la ao proprietário. Fiz então o canto do UT - A Fronteira Final (lembra do UT?), e o canto do Vai Na Mala, em polos opostos da sala. Porque isso de ficar separando as coisas que ficam em cada cômodo não estava dando uma noção exata do que teríamos de levar. Já veio o primeiro susto: é muita coisa. Quando a gente brinca de ilha deserta, se convence de que consegue levar só dois livros com você. Quando tira tudo da estante o bicho pega: muitos dos livros são edições que você não acha mais, ou traduções que você gosta muito.

Quando criança, meus pais tinham O Tesouro da Juventude, uma enciclopédia que eu adorava, que continha uma tradução do monólogo de Hamlet feita por Machado de Assis que eu sabia de cor, e versões originais dos contos de fada, com direito a toda a violência e lições de moral típicas das histórias antigas - a Cinderella do Tesouro da Juventude botava Game of Thrones no chinelo, com olhos furados por pássaros e calcanhares serrados fora. Até hoje me dá uma tristeza por terem mandado embora aqueles livros. Nunca mais achei essas histórias ou aquela linda tradução de Hamlet em lugar nenhum. Hoje sei bem quais livros são substituíveis, recompráveis, e quais devem ser mantidos com você.

Convenço-me então de que aquela pilha enorme é apenas uma pré-seleção. Ou que talvez eu precise sim que meus pais levem uma caixa de livros para mim quando forem visitar. >_<

Aviso as crianças que quando o sofá for embora, vamos usar o banco do jardim para ver TV na sala. Tempos estranhos. Compram minha cama. Resta apenas meu colchão.

Gnocchi já está super adaptado à gaiola. Logo no primeiro dia se enfiou lá dentro e dormiu a noite toda, o que nos deixou muito mais tranquilos. Ele adorou seu novo cantinho e acho que fará bem a viagem.

Estou imensamente feliz por estar vendendo todas as minhas obras. Restam muito poucas, e acho que vou conseguir viajar apenas com meus sketchbooks e meus desenhos de infância, para começar toda uma nova fase de pintura por lá.

Neste fim de semana, entrego minhas panelas WMF a quem as comprou, com dor no coração. São panelas maravilhosas. Mas não faz o menor sentido levá-las comigo. Eu sei que com meus panelões vermelho e verde e com as outras duas frigideiras que ficam pelo menos esse mês aqui em casa, consigo cozinhar tudo. Mas é estranho não usar a panela de vapor ou a leiteira. Novamente, uma quebra da sua rotina invisível.

As refeições têm sido extremamente simples. Usando o que tem na despensa ao máximo, e com apenas uma bancadinha para trabalhar. Logo vêm gente pegar minha estante da despensa, e então esse espaço diminuirá ainda mais. Uma grande cozinha vazia sem ter onde apoiar a tigela do bolo. Prometi às crianças que vamos comer pastel na feira toda quinta e domingo até o dia da viagem. Deu-me uma súbita vontade de queijo minas, requeijão e farofa. Farofa de verdade, feita com farinha de mandioca, cebola, uma tonelada de manteiga... não essas farofas compradas prontas, com gosto de serragem e sal. Vai entender como funciona a cabeça da gente. Água de coco e caldo de cana. Só penso nisso. E tenho planos para uma comida mais relaxada e divertida nesse mês de julho.

Estou ansiosa para o fim das aulas, daqui a alguns dias. Para eliminar pelo menos essa correria de manhã e poder tomar café da manhã com calma com as crianças. Novamente inventar mais um pouco, pois esse semestre, com Thomas no primeiro ano, entrando meia hora mais cedo na escola, quebrou completamente esse nosso hábito do café variado.

Para inspirar vocês nos cafés da manhã das férias, deixo aqui um apanhado das ideias de café da manhã do meu finado Facebook, que ainda estão com os textos originais dos posts. Única coisa que guardei daquela época. Um monte de panquecas e mingaus para besuntar de Maple Syrup.

Vamos ver se por aqui conseguimos fazer um repeteco disso tudo. O objetivo é acabar com o garrafão de Maple que Allex trouxe de viagem. Ele ri da minha cara quando sirvo o xarope sobre as panquecas das crianças, dizendo que ando muito perdulária agora que sei que vou poder comprar disso mais barato depois da mudança. Aliás, por incrível que pareça, Maple Syrup barato e a perspectiva de panquecas e waffles todas as manhãs tem sido o grande selling point da mudança para as crianças. ^_^

E vamos nessa. Respira fundo. Faltam pouco mais de trinta dias. E dia 4 de agosto vamos de casa até o aeroporto ouvindo essa música:

https://www.youtube.com/watch?v=CiCselxgw8s

Para bom entendedor, meia música basta. Quem adivinhar para onde vamos ganha um pirulito de nabo. ;)

OBRIGADA A TODOS pela força, pelo carinho, pelos emails de incentivo, pelas histórias, por nos ajudar nessa transição com cada comprinha de nossas coisas e minhas obras. Fiquei realmente emocionada com a reação de todos vocês. Num mundo que anda tão frio e capenga em termos de empatia, vocês me surpreenderam positivamente e encheram meus olhos de lágrimas.
VOCÊS SÃO SENSACIONAIS!!!  

Agora, de volta à nossa programação normal... ;)

 
Panqueca básica de iogurte

Sexta-feira de panquecas de iogurte. 1 de tudo: 1xic de farinha, 1 colh(sopa) rasinha de fermento, 1 colh (sopa) rasa de açúcar, 1 pitada de sal, 1 xic de iogurte, 1 ovo, 1 colh. (Sopa) manteiga.

Panquecas de banana e quinoa

Usando bananas que estavam na geladeira e me esperaram ir e vir de Trinidad. Dá pra imaginar o estado das pobrezinhas. A parte seca das panquecas leva 3/4xic de farinha de trigo, 1/4xic de farinha de quinua, 1 colh (Sopa) de fermento, 1 pitada de canela e 1 pitada de sal. Parte liquida, 1 ovo, 3/4xic de leite e 1colh (sopa) de manteiga, derretida. Misture secos com molhados e junte 2 bananas bem amassadas, de preferencia já de casca bem marrom. As bananas nesse estado não estão estragadas. Apenas difíceis de comer. ;) Mas elas assim já começando a escurecer por dentro dão às panquecas um sabor caramelado delicioso, que combina bem com os tons terrosos da quinua.


Panquecas de trigo sarraceno

Quando você já não lembra mais se já publicou uma receita ou não... De qualquer forma, essa panqueca de trigo sarraceno vale um repeteco.  :) Numa tigela, 1/2xic de farinha branca, 1/2xic de farinha de sarraceno, 3/4 colh (sopa) fermento, 1/4 colh (Cha) de bicarbonato, 1 pitada de sal. Em outra, 1 ovo, 1 xic de iogurte natural, 1 colh (sopa) de óleo vegetal e outra de melado. Só misturar tudo e dourar em um fio de óleo em porções de 1/4xic.

Panquecas de sarraceno e pera

Panqueca de sarraceno e pera, adaptado do livro lindo da Kim boyce, good to the grain. Uma pera ralada, com seus sucos, um ovo, uma colher de manteiga derretida, 1/4 xic de farinha integral, 1/4 xic de farinha comum, 1/2 xic de farinha de sarraceno, 1 colh sopa rasa de fermento, 2 de açúcar e uma pitada de sal. Leite, começo com meia xícara e acrescento mais conforme a suculência da pera. Delícia absoluta.
German Puff Pancake

Fim de semana teve café da manha diferente: German puff pancake. Basta derreter 3 colh(sopa) de manteiga numa frigideira de 23cm, juntar 1 maçã grande em fatias finas, polvilhada com 1 colh (sopa) de açúcar mascavo, 1 colh (cha) de canela e um pouco de noz moscada. Cozinhe por dois minutos. Em uma tigela, bata 3 ovos, 3/4 xic de leite e 3/4 xic de farinha. Despeje sobre as maçãs e leve ao forno preaquecido a 190oC por 15-20 minutos, ate que esteja inflado e dourado nas laterais. Aí é só espremer umlimaozinho por cima, polvilhar açúcar e mandar ver. Delicioso. De um livro ótimo, mas comum titulo ridículo: yummy mummy.

Waffles com chocolate


Crêpes doces

Outra opção delicia para o café da manhã, principalmente no fim de semana, quando se tem mais tempo. Você prepara a massa dos crepes na noite anterior, deixa ela descansando na geladeira durante a noite, e cozinha de manhã. Só misturar 1 1/2xic de farinha, 1 pitada de açúcar e de sal, 2 ovos e cerca de 2 1/4 xic de leite, misturando ate ficar homogêneo e com consistência de creme de leite fresco, sem bater demais, para os crepes não ficarem borrachudos. Deixe descansar durante a noite na geladeira (isso hidrata e relaxa a farinha e melhora o resultado dos crepes) e no dia seguinte junte mais umas colheradas de leite, se a mistura tiver engrossado muito. Esquente um pouquinho de manteiga numa frigideira de 23cm e cozinhe porções de cerca de 1/3xic de massa, dos dois lados. Recheie como quiser. Eu comi com ricotta e mel. Marido e crianças preferiram apenas uma espremidinha de limão e açúcar de confeiteiro polvilhado por cima. Do lindo livro da Rachel Khoo, The Little Paris Kitchen.

Crepioca

É só misturar 1 ovo, 2 colheres de goma para tapioca, 2 colheres de ricotta ou cottage e uma pitada de sal. Levar à frigideira quente com um pouco de manteiga, coberta com tampa até que firme o bastante para virar com espátula e dourar do outro lado. Receita do meu treinador de Kettlebell, e eu sei que isso virou a comida fit da moda por um bom tempo, mas é uma delícia: parece um pão de queijo de frigideira. :D

Mingau de aveia básico

Eu não canso de postar mingau por aqui, pois é uma das minhas coisas favoritas no mundo. Meus filhos comeram mingau de tudo que é jeito na época em que estavam desmamando, e continuam gostando. Assim, aveia cozida em água com bananas, uvas passas, linhaça, papoula, sal e canela, e depois coberta de mais banana, um naco de manteiga, um nada de leite frio e adoçada com mel, é clássico dos clássicos aqui em casa.

Mingau de trigo sarraceno

Trigo sarraceno cozido em água por uns 10 minutos, junto com frutas secas picadas (no meu caso, Cranberries e damascos orgânicos, marronzinhos e com gosto de caramelo), canela em pau, extrato de baunilha, uma pitada de sal, um nadinha de semente de cardamomo e uma ralada de gengibre fresco. No potinho, acompanhado de um pouco de leite, melado de cana e figos frescos. Do livro Vegetarian Everyday, lá do blog Green Kitchen Stories. Bom dia.

Mingau de sarraceno, coco e chocolate

Mingau de sarraceno de novo. Desta vez batido com linhaça, cozido em leite de coco, água e açúcar baunilha do, e servido com nozes picadas, iogurte e gotas de chocolate.

Mingau de feijão azuki

Estranho comer feijão no café da manhã. Mas gostoso. Pra quem gosta de mingau que parece apenas naturalmente doce. Fãs de Sucrilhos, olhem para o lado. Cozinhe 90g de feijão azuki em 6xic de água até ficar macio, bata no liquidificador deixando um pouco pedaçudo, misture 1/4xic de açúcar, 1/4xic de farinha de arroz glutinoso e cozinhe até engrossar. Coma com passas e nozes picadas. Essa quantidade serviu um adulto e duas crianças curiosas. A receita original estava no Serious Eats:http://www.seriouseats.com/recipes/2010/01/seriously-asian-korean-red-bean-porridge.html

Mingau de aveia com marmelos

Nem só de banana e canela vive um mingau. Aveia em lâminas cozida em agua e leite, com marmelo poche e castanhas de baru picadinhas. Um pouquinho de iogurte natural por cima para arrematar. Marmelos poche feitos assim: http://www.lacucinetta.com.br/2010/05/compre-marmelos-compre-marmelos-compre.html

Iogurte com sarraceno e figos dourados

Figos dourados em quase nada de manteiga, iogurte caseiro, nozes picadas, trigo sarraceno e mel. Bom dia. :)


Iogurte com geleia de nectarina

Simples: um pouco de iogurte caseiro, uma colher de geleia de nectarina, gengibre e cardamomo. 900g nectarinas, descascadas e sem caroço, 3/4 xic açúcar orgânico, suco de um limão, 1 colh sopa gengibre fresco ralado, 4 bagas de cardamomo moídas no pilão. Cozinhar tudo ate dar o ponto quase como uma goiabada cremosa.


Iogurte, frutas e trigo sarraceno cru

Parece esquisito, mas o trigo sarraceno cru assim sobre frutas, iogurte e mel fica uma delícia, crocante como granola.

Suco de pepino, maçã e hortelã

Suco de pepino, maçã e hortelã, de um livro da Heloísa Bacelar que eu adoro, mas que seria ainda melhor com um índice remissivo. Suquinho acompanhou o iogurte com granola das crianças e foi para o lanche da escola. Me sentindo muito virtuosa hoje. 
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Tartine de Abacate e Grapefruit
 
Pão caseiro tostado, fatias de abacate, segmentos de grapefruit, sal e azeite. Estranho mas bom. O abacate cremoso e gorduroso contrasta com o amargor refrescante do grapefruit. Delícia. 


Tartine de morango e iogurte

Pão caseiro tostado, uma colherada de iogurte, morangos fatiados, menta fresca e um polvilhar de açúcar baunilhado. PERFEITO.

Granola

Às vezes gosto de tomar café da manhã mais tarde, com criança na escola e cachorro passeado. Fui dormir ontem à noite contente em saber que tinha iogurte e granola caseiros pro dia seguinte. Uso sempre uma receita da revista do Jamie Oliver. Misturo 2 colh (sopa) de algum óleo vegetal, 6 colh (sopa) mel, 300g de aveia laminada, e um punhado de quaisquer sementes e castanhas que houver em casa. Espalho numa assadeira e levo ao forno a 180oC por 15 minutos. Junto um punhado de frutas secas e asso por mais 10 minutos. Deixo esfriar e guardo num pote fechado. O da foto tem uvas passas, goji berries (também caí nesse conto), castanha de caju, linhaça e sementes de girassol e melão.
(Post republicado. Fui editar o outro e acabei excluindo sem querer. :P)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Soufflé de queijo para um dia qualquer (desde que tenham ovos)

Vamos começar usando a imaginação: pense num soufflé de queijo, clássico, douradinho, leve, uniformemente inflado, capa de revista. Foi isso que imaginei quando decidi preparar soufflé de queijo para o jantar. O resultado, no entanto, foi inesperado. [Inesperado? Mesmo? Sejamos sinceros: eu tinha certeza de que não sairia com cara de capa de revista.] Meu soufflé é o soufflé do homem-elefante: desproporcionalmente inflado, o danado vazou no forno por algum motivo e espalhou-se pelas laterais da tigela como um cogumelo nuclear. Bizarrice pura. Mas inacreditavelmente leve e gostoso, mesmo assim, e o Gnocchi adorou comer os pedaços que queimaram no chão do forno.

Então, vamos lá. Imagine um soufflé de revista, já que qualquer coisa que você imagine será melhor do que o objeto de minha fotografia. E, afinal, soufflés perfeitos são todos iguais e todo mundo já os viu. Agora imagine a textura macia, aerada, cremosa, com gostinho de ovos e queijo, dissolvendo na língua. Ok, estamos chegando em algum lugar agora.

A receita apanhei de um livro que adoro: I Know How To Cook, o "Dona Benta", o "Joy of Cooking" das mulheres francesas de várias gerações. Qualquer livro que me diga que escargot e soufflé é culinária caseira me deixa enfeitiçada. Mas por que não seria, afinal? Uma vez passado o terror das claras em neve que todo cozinheiro principiante tem, você se dá conta de que soufflé é na verdade um prato muito simples: molho béchamel grosso acrescido de gemas e claras em neve. E queijo, nesse caso. Mas poderia ser espinafre. Ou cenoura. Ou batata-doce. Ou o que quiser.

E lá vou eu adicionar mais um prato cheio de ovos ao meu repertório, só para tornar esse ingrediente ainda mais indispensável na minha cozinha do que já é. E noutro dia mesmo fiquei matutando, pois fizera essa lista uma vez, há muitos anos: as dez coisas sem as quais não sei o que fazer na cozinha.
E pensei se muita coisa havia mudado...


  1. Creme de leite fresco: vira doce, vira salgado, vira queijo, substitui molho branco, vira sour cream, crème fraîche, mascarpone, engrossa iogurte; não sei cozinhar sem um litro de creme na geladeira.
  2. Farinha de trigo: alguma, qualquer uma, branca ou integral. Passo até sem macarrão em casa, porque se tiver a dupla ovo e farinha, você faz macarrão, spätzle, massa de torta, panqueca, bolo, biscoito, qualquer coisa remotamente comestível. Ando buscando algum lugar que me venda farinha branca orgânica em sacas de 5 ou 10kg a um preço mais em conta, porque o que eu uso de farinha todo mês é um absurdo.
  3. Parmesão. Quem me dera fosse Parmigiano-Reggiano ou mesmo Grana Padano. Não dá pra ir à zona cerealista o tempo todo e não dá para comprar essas maravilhas no supermercado daqui. Então ando buscando alternativas de bom custo-benefício, nacionais ou importadas, pois eis outro item que vai de quilo aqui em casa, inclusive a casca, que, quando não está encerada (com aquela capa colorida ou qualquer película que você consiga descascar), congelo para colocar em sopas para dar sabor e corpo. Pode não ter nenhum outro tipo de queijo em casa o mês todo (raridade), mas parmesão, quando acaba, é um deus-nos-acuda.
  4. Manteiga sem sal: vai na torta, no pão, no bolo, no biscoito, e se pudesse comprar em blocos de 1 ou 2 quilos, como fazia quando morava em São Paulo, compraria. Fico louca com a quantidade de papelzinho metalizado não-reciclável que embala os parcos 200g de manteiga, então pelo menos ando dando uma de Nigella e guardando os papéis na geladeira para untar formas antes que vão irremediavelmente para o lixo comum. [Aliás, fiquem espertos na hora de comprar manteiga e leiam os ingredientes, que devem ser apenas "creme de leite" ou no máximo "creme de leite" e algum texto como "cultura láctea", o que quer dizer que o leite foi fermentado em algum momento, o que dá um sabor diferente (e gostoso) à manteiga. Mas há marcas famosinhas que andam metendo corantes na manteiga para deixá-la mais amarela, o que só me faz pensar que tipo de porcaria fizeram no produto para precisarem enganar o consumidor dessa forma. Pesquisando, descobri que a Pat Feldman já escreveu muito bem sobre isso aqui.]
  5. Ervas frescas. Começou quando conheci Jamie Oliver, há trocentos anos, e achei novidade aquilo de meter ervas em tudo, acostumada a essa cozinha PF de só temperar as coisas com sal. Desde então, virou prioridade ter sempre ervas frescas na cozinha (hoje tenho no quintal alecrim, sálvia, tomilho, estragão, três tipos de manjericão, cebolinha, salsinha, manjerona, hortelã e menta; coentro não vinga, não sei por quê). Acho estranho não meter uma erva fresca em alguma parte do preparo da comida e meu paladar sente falta quando não há nenhuma.
  6. Azeite. Poderia ser outro óleo, mas realmente prefiro o sabor do azeite para cozinhar e temperar saladas em geral. Ando menos chatinha com a coisa italiana, no entanto, e comprando alguns mais em conta, espanhóis e portugueses, muito gostosos. Mas ainda queria ir na zona cerealista e comprar de garrafão.
  7. Tomate. Já passei muita semana a pão com queijo quando mais nova, mas agora com crianças, a nutricionista-neurótica dentro de mim fica louca se não houver nada que tenha vindo da terra no prato dos pimpolhos. E com tomate, dá pra improvisar muita coisa. Como parei de comprar tomate em lata e comecei a congelar passata feita com os tomates orgânicos que compro na feira (que estão mais baratos que tomate italiano em lata), melhor ainda. Percebi como a gente para de tratar tomate como algo natural quando ele vem de uma latinha ou de um vidrinho.
  8. Café em grão. Porque eu não funciono sem café de manhã cedo, depois de ir dormir tarde e ser acordada às 6h pelo meu adorável Cavaleiro-Madrugador-Acorda-com-as-Galinhas-Ítalo-Germânico. E se eu não funciono, não cozinho.
  9. Pimenta-do-reino moída na hora. Admito, coloco em tudo e é bizarro quando vou pegar o moedor e ele está vazio.
  10. Ovos orgânicos, finalmente: agora com mais 2 glutões em casa, vão de 4-5 dúzias por mês, senão mais. Aquela fritatta de 6 ovos que costumava ser requentada no jantar agora vai toda num almoço só. Além disso, a comida preferida do Matador de Dragões é ovo frito.
É. As coisas não mudaram muito. Ficaram mais naturebas ainda do que já eram, e também mais simples, já que não considero mais arroz arbóreo e couscous marroquino uma prioridade absoluta na minha cozinha. Bom, mais simples a não ser na hora de comprar ovos, coisa que tenho de fazer em São Paulo, já que os supermercados daqui não vendem do orgânico e minha banquinha de feira está com o fornecimento interrompido. Do jeito que anda, pra manter a produção de soufflé de queijo, estou pensando seriamente em arranjar umas galinhas. o_O

SOUFFLÉ DE QUEIJO
(Do lindo lindo I Know How To Cook, de Ginette Mathiot)
Tempo de preparo: 25 minutos + 45 minutos de forno
Rendimento: serve 4 pessoas famintas ou 6 mais comedidas

Ingredientes:
  • 1/2 xic. manteiga sem sal + manteiga extra para untar a forma
  • 3/4 xic. farinha de trigo
  • 2 xic. leite integral
  • 1 xic. queijo tipo Gruyère ralado grosso
  • 5 ovos grandes, orgânicos
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte generosamente com manteiga uma forma grande de soufflé ou 6 formas individuais. [Obs: a forma que eu uso tem 16cm de diâmetro, é daquelas branquinhas, de cerâmica, caneladinhas, paredes retas, forma de soufflé mesmo. Mas OBVIAMENTE é pequena para essa receita, que não menciona o tamanho da forma a ser usada, porque aparentemente qualquer pessoa francesa saberia que um soufflé para seis pessoas não cabe numa forma de 16cm. Então, use uma maior. Se eu tivesse uma, usaria uma de 20cm (tá na minha lista de itens desejados, junto com uma forma de bolo inglês de 25x12cm).]
  2. Faça um béchamel grosso: aqueça o leite numa panelinha e, em outra panela média, derreta a manteiga. Junte toda a farinha à manteiga e misture bem com uma colher de pau, em fogo baixo, até que você sinta um cheiro suave de nozes (2-3 minutos). Você pode fazer essa próxima parte com o fogo desligado se sua panela tiver o fundo muito fino: junte um pouquinho do leite (não mais que 1/4 de xícara). Misture bem com um fouet, para desfazer as pelotas. Só junte mais um pouco de leite (sempre pequena quantidade) quando todo o leite tiver sido absorvido pela farinha. Misture muito bem com o fouet. Vá fazendo isso até que todo o leite tiver sido incorporado. Até as últimas adições, você vai achar que está uma massaroca e que aquilo nunca vai virar um "molho". Mas vira. Quando tiver adicionado todo o leite, você terá um molho branco espesso e liso. Volte para o fogo baixo, tempere com sal e pimenta-do-reino e cozinhe, misturando, até que engrosse (tempo total de cozimento, incluindo o tempo que levou para acrescentar o leite, é de cerca de 10 minutos). Retire do fogo.
  3. Junte o queijo ralado ao béchamel quente e misture bem com uma colher de pau para que o queijo derreta. Deixe esfriar por alguns minutos. 
  4. Separe os ovos. Quando o béchamel estiver suficientemente morno para não cozinhar os ovos, junte as gemas, misturando bem e rapidamente. 
  5. Na batedeira, bata as claras até que estejam com picos firmes mas ainda brilhantes. Pegue algumas colheradas das claras em neve e junte ao béchamel, misturando bem com uma colher de pau, sem se importar em manter o ar das claras. A intenção aqui é apenas tornar o béchamel mais leve para facilitar a incorporação das claras em neve. Aliás, use essa técnica para bolos também. Então apanhe uma parte das claras e, com uma espátula, incorpore rápida mas delicadamente ao béchamel, girando a o recipiente e puxando a massa do fundo para o topo com a espátula. Vá juntando o restante das claras conforme forem sumindo na massa, e tenha certeza de não ver nenhum pedacinho de clara não misturada na massa. Acerte o tempero de sal e pimenta.
  6. Despeje a mistura na forma com cuidado, ajudando com a espátula, aproximando o mais possível a tigela ou panela da forma (despejar de uma altura grande destrói as bolhas de ar). Alise a superfície com a espátula (a forma deve estar cheia até quase o topo) e leve ao forno por 30 minutos. Suba a temperatura para 220ºC e asse por mais 15 minutos. (Se estiver usando formas individuais o tempo é de 10 minutos + 5-10 minutos na temperatura mais alta.) O soufflé deve estar inflado e dourado. Sirva imediatamente, acompanhado de uma salada.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Simples é bom. Como o desperdício me ensinou a cozinhar. E um Clafoutis pra se divertir.



Eu sofro de um caso sério de FOMO (Fear of Missing Out), e desta vez não é nem culpa da Internet. Sim, as redes sociais e o acompanhar constante de blogs de estilo de vida e sites de cozinha e viagem com certeza intensificam essa sensação de não estar sendo / fazendo / experimentando o bastante, mas confesso que isso é mesmo um problema intrínseco à minha personalidade, muito antes do advento da conexão discada.

Há quem diga (eu digo) que é culpa dos planetas: isso de ser Libriana com ascendente em Gêmeos não me ajuda em nada na hora de tomar decisões. Se quiser me ver num momento simples de angústia, pergunte-me se quero jantar pizza ou japonês. Se eu decidir por pizza e você me perguntar quais coberturas eu quero combinar em cima da minha, partindo de um cardápio com trinta e duas opções, eu sento num cantinho e choro. Metaforicamente, é claro.

Passei os seis meses de frio dessa terra estranha ansiando pelos meses de calor que trariam alguma variedade de volta à minha mesa, um frescor, um verde que não fosse couve, cores que não viessem de beterrabas. A Primavera custou a chegar. Com a última neve em Abril (argh!), aqueles lindos ingredientes primaveris ainda eram caros e não pareciam combinar com as temperaturas geladas lá fora. Foi apenas quando os termômetros começaram a estabilizar nos vinte graus, e o calor começou a aumentar, que os preços dos aspargos e das cerejas tiveram o efeito inverso, despencando de uma forma tão convidativa quanto os gramados ensolarados nos parques.

O Verão trouxe tudo aquilo que no Brasil parecia comum e sem graça, tem o ano todo, ninguém liga muito: abobrinhas, vagens, berinjelas, melancias, melões, alfaces, milho na espiga. Você nunca se empolgou com uma abobrinha? Fique seis meses sem uma, aí a gente conversa.

Saíram as cerejas e vieram os morangos, os mirtilos, as framboesas, as amoras, e então os pêssegos e as nectarinas e uma fabulosa variedade de ameixas. E as vagens vêm amarelas, verdes e roxas. E os dentes-de-leão vêm vermelhos. Há cinco variedades de rabanetes no mercado. Há melancias de casca tão escura quanto o céu à noite e outras de polpa amarelo-forte. Há manjericão genovês, manjericão gigante, manjericão tailandês. Há tomates de todas as formas e cores e tamanhos. Há batatas jovens de nomes que nunca vi, algumas roxas (mas que não são doces), outras de cascas manchadas, há batatas Viking, batatas Mozart, batatas Fingerling. Há berinjelas gigantes e brancas como um ovo de avestruz. E outras pequeninas e esverdeadas. Há pimentões para combinar com qualquer cor de prato que você tenha em casa. Há legumes e verduras tão coloridos, que têm seu nome precedido do epíteto "Rainbow".

E uma ida ao supermercado ou ao Farmer´s Market, de repente, parece uma visita ao saldão do outlet multimarcas em véspera de Natal. Eu não sei nem o que olhar primeiro.

Tenho minha lista. Depois de um ano aqui, finalmente sou dona de minha cozinha. Sei exatamente o que a gente consome e em qual ritmo. A busca por uma rotina na mudança brusca que lhe tira o chão, e a necessidade do simples e do conforto em momentos emocionalmente complicados e desconfortáveis, transformou minha cozinha num ambiente mais previsível e ordenado, com cardápios um pouco mais fixos, que me permitiram entender melhor nosso padrão de consumo e alimentação.

Sei o que vale a pena comprar no atacado e o que vale a pena pegar em pequenas quantidades toda semana. Sei também exatamente quantas patacas posso gastar toda semana no horti-fruti. Lá vou eu com meu folhetinho do mercado com todas as frutas e verduras em promoção. A meta é comprar três frutas, dois legumes, duas verduras, e repor qualquer básico que esteja faltando, como salsão, cenoura, cebola e alho, salsinha, cebolinha e coisas como pepino e abacate que são consumidos feito água aqui em casa. Lá vou eu, acreditando em minha disciplina e força de vontade zen. E lá me lasco, assim que vejo que já tenho ameixas, melancia e amoras pretas na cesta, mas os pêssegos estão num preço incríiiiiiivel, e pode ser que semana que vem eles não estejam mais aí, afinal, as cerejas sumiram de um dia para o outro, e aquele melão óoooootimo de duas semanas atrás também não deu mais as caras. E pego minhas vagens roxas, minha acelga suíça de talos amarelos, meu pézinho de alface (eita! tá pequeno, essa semana!), e meus tomates coloridos, mas então vejo aqueles pepinos pequeninos que há tempos eu queria transformar em picles, e lembro que precisava de folha de repolho para cobri-los, e olha lá! O repolho está por 99 centavos o pound! Pô! Mas será que levo mesmo essas ameixas? Estão mais baratas porque é época, ou porque não estão tão boas quanto as outras? Porque não pego as outras, amarelas, Mirabeille, que ainda estão aí e a Laura adorou? Será que vou mesmo deixas os pêssegos? As nectarinas estão mais doces que as ameixas? E morango? O morango está sumindo. Vixe. Morango. Será que levo abobrinha de novo? Seis meses sem abobrinha, Ana, seis meses! Nunca comi berinjela branca. Será que tem o  mesmo gosto? Vou levar manjericão. Fiz muito pouco pesto nesse verão, e preciso fazer mais pesto. Cogumelos. Não, péra, deixa os cogumelos para o Outono, que combina mais. Ai! Meu! Deus! Olha aquelas batatas roxas!!! Eu lembro da receita do primeiro livro do Jamie Oliver usando aquelas batatas roxas e eu achava que eram batatas doces e não eram! Caraca!!! Ieeeei! PRECISO EXPERIMENTAR! PODE NÃO TER MAIS SEMANA QUE VEM!

Lou-ca.

Nunca mais na vida critico gente enlouquecida em Shopping com vinte e oito sacolas. Tá? Nunca mais.

Quando cheguei em casa e coloquei tudo na fruteira e na geladeira, tendo carregado uma melancia inteira dentro da minha mochila, porque eu não aguentava mais o peso das duas imensas sacolas da Ikea rasgando meus dedos, Allex começou a rir. "Caramba! O que aconteceu? Estamos estocando para a guerra?"

Pois é. Só que não. Ainda bem.

No dia seguinte, comento com minha amiga: "Eu sou minha melhor versão sob restrição, isso com certeza. Essa abundância de opções me deixa completamente desbaratinada. No Inverno, quando eram só batatas, couve e maçã, eu resolvia a compra da semana em quinze minutos, voltava pra casa e já sabia tudo o que ia cozinhar todos os dias, e a parte mais divertida era criar pratos diferentes com aqueles mesmos ingredientes, pra não enjoar, não encher o saco. Agora, minha geladeira tá tão entulhada que eu não consigo enxergar a luzinha no fundo, e pareço daquelas mulheres com closets do tamanho de quartos de hotel, que dizem que não têm o que vestir: olho para a comida e não sei o que cozinhar."

De fato, fiquei longos períodos de tempo em pé em frente à geladeira aberta, braço apoiado à porta, escaneando todas as frutas e verduras ali e tentando montar na minha mente o melhor quebra-cabeça culinário. A acelga suíça vai murchar antes do repolho, tenho que usar antes. Mas tenho dois tipos de batata e os rabanetes, que vão começar a soltar raízes por conta da umidade. Hmmm... os tomates que deixei na fruteira para amadurecerem estão passando do ponto. Não vou abrir a melancia, porque essa geladeira queima tudo, congela tudo, então vou oferecer as uvas e as amoras antes para as crianças. O que eu faço com essa acelga? Gratin de novo? Afe, a gente comeu gratin semana passada. Mas não quero fazer torta. Tá quente demais para abrir massa. Meu Deus! As crianças voltam às aulas daqui a dois dias! O que elas vão levar de snack?? Rabanete? Hmmm...

Acho muito difícil não cair nessa pegadinha, e acho difícil porque sempre caio quando a oferta é muita. No Inverno, a restrição de comprar apenas "Local" e "Da Estação" (que por conta dessas duas qualidades, também existem em abundância, e, portanto, estão sempre "Em Promoção" - win-win situation), evitava olhar para aquela abobrinha vinda do outro hemisfério e custando um quilo de ouro. Mas no Verão, TUDO é local e da estação, e tudo está com preços relativamente bons. Que é que eu faço? Convenço-me de que todas aquelas verduras vão durar duas semanas, então está tudo bem. Mas a verdade é que compro mais perecíveis do que consigo consumir em uma semana, e acabo preparando legume acompanhado de legume em todas as refeições para não deixar nada estragar, e acabo esquecendo de usar os feijões e o arroz da despensa, que normalmente entram justamente para "dar sustância" e baratear a refeição. Daí que na última semana do mês, acabou a verba do horti-fruti, e rola solto um arroz-feijão-e-ovo, ou spaghetti cacio e pepe. É para essas semanas de prato bege, que eu acabo guardando sempre um potinho de pesto no freezer ou ervilhas congeladas. Ou pelo menos um pouco de salsinha para ter algum frescor no prato. A parte boa é que quando vira o mês, todo mundo está louco para comer salada de novo. ;)

O fato é que eu nunca tinha DE FATO me dado conta disso tudo. 

Daí que durante o último mês assisti a um excelente programa da TV canadense, meio que sem querer, pois eu estava procurando informações sobre a segunda temporada do The Great Canadian Baking Show. O programa, chamado Back In Time for Dinner, mostrava uma família típica canadense, que concordara em ver sua casa, suas roupas e seus hábitos (principalmente alimentares) transformados por uma semana como se vivessem na década de 40. E depois 50 e 60, e assim sucessivamente até os tempos atuais. A série, que depois descobri que se trata da versão canadense do original da BBC britânica (a versão original tem no YouTube!), é muito bem produzida, e mostra a progressão da indústria alimentícia, o impacto da tecnologia e das guerras na produção e disponibilidade de comida, e sobre a relação estreita entre comida e as relações familiares. É muito bom.

Uma das coisas mais interessantes da série, para mim, foi ver a economia doméstica não apenas em tempos de guerra, mas no momento em que a classe média britânica e norte-americana se viu sem a ajuda (cozinheira e empregada) que costumavam ter antes. Foi toda uma geração de mulheres se vendo sozinhas na cozinha, sem nenhum conhecimento ou orientação, tendo que fazer duzentos gramas de carne render uma semana toda para cinco pessoas, correndo o risco de serem multadas ou irem para a cadeia por jogar no lixo uma fatia de pão.

Faz pensar no desperdício de comida, na dureza da guerra e da pobreza, na importância que ganha um prato de comida (lembro as histórias de Marcella Hazan em sua autobiografia), mas essas foram elucubrações minhas e que sei que todos terão ao assistir ao programa. O ponto desse texto é outro, na verdade. Porque ao assistir àquilo, lembrei-me de um livrinho ótimo que li há muitos anos atrás, justamente a respeito da economia doméstica na época da guerra: Como Cozinhar Um Lobo, de M.K.Fisher, livro que já devo ter mencionado aqui, em tantos posts em que falei sobre desperdício de comida. (O modo como ela pedia para que se raspasse com a faquinha qualquer restinho de manteiga que pudesse ter caído do pão, para que pudesse ser usada em outra refeição faz você pensar naquele resto de macarrão que ninguém quis e que você jogou no lixo despreocupadamente.) 

Durante as guerras, os governos criaram cartilhas ensinando como transformar quase nada em uma refeição para sua família. Uma vez ganhei de um amigo uma dessas cartilhas britânicas. Foi esclarecedor ler aquelas palavras e aquelas receitas, não porque eu quisesse implantar uma economia de guerra aqui em casa - ainda que exista sim a piada interna de que nossa despensa parece uma de 1940, mas porque me fez repensar completamente o modo como eu enxergava os ingredientes e montava meus cardápios.

Foi naquele momento em que comecei a pensar minha cozinha com a seguinte restrição: não pode haver desperdício.

Durante anos, esforcei-me, dentro de toda a minha esquizofrenia culinária, alterando completamente a despensa cada vez que conhecia novos sabores e gastronomias, sempre sem muita rotina no que eu decidia cozinhar, a nunca jogar fora o que podia se transformar em refeição. Até chegar ao ponto em que meu lixo da cozinha só contivesse partes realmente não comestíveis. Foi preciso devagarinho educar a família a nunca se servir de mais do que se vai comer, que é melhor repetir do que jogar fora. Pegue pouco, digo às crianças, e depois, se estiver com fome ainda, você pode se servir de mais, ou esperar pela sobremesa. E nunca há sobras no prato a ir para a lixeira. Se sobrou Maple Syrup no prato, repito sempre, é porque tem Maple demais para pouca panqueca. Certa vez, para ilustrar o tamanho do desperdício, cheguei a juntar todo o xarope restante em seus pratos num medidor. Havia mais de três colheres de sopa de Maple Syrup ali, indo para o ralo. Ao ver a quantidade ali numa medida que eles compreendiam, passaram a ser mais cuidadosos na hora de se servirem. Quando exageram, alerto mas não estresso a respeito: boto as minhas panquecas em seus pratos e deixo que elas absorvam aquela pocinha açucarada enquanto eles saem para brincar.

O que finalmente me dei conta, assistindo àquele programa, foi como essa meta de não desperdiçar me ajudou a entender a cozinha, mudou meu olhar em relação à comida e, invariavelmente, tornou-me uma cozinheira melhor, mais prática, mais rápida, e com certeza mais econômica. E percebi que essa é a parte difícil: PENSAR a cozinha. Quando converso com amigos que eu considero ótimos cozinheiros, que gostam de preparar bolos e tortas e criar boas refeições, as reclamações são sempre as mesmas: como é difícil pensar os cardápios todos os dias, criar esse quebra-cabeças com a sua despensa. Seguir a receita é fácil. Executar a técnica aprendida é fácil. Olhar a geladeira e criar algo com o que está lá: essa é a parte complicada.

E é CLARO que é complicada. Porque esse é o tipo de coisa que se aprendia com sua família, observando e ajudando, você via sua avó transformando o arroz de ontem em bolinho, fritando as aparas de massa fresca de macarrão, polvilhando açúcar e servindo de lanche. Ou que se aprende na prática, ao longo de anos cozinhando e cozinhando e cozinhando. Há dez anos atrás, eu precisava dos meus 267 livros de cozinha e mais duas dúzias de sites e blogs para me dizer o que fazer com uma berinjela. Hoje, confesso, quase nunca abro os poucos livros que trouxe, a não ser que a memória traga à tona aquela receita que eu vira um dia enquanto folheava  o livro há meses atrás e que parecia usar os ingredientes que eu tenho.

Isso não quer dizer nada. Não faz de ninguém melhor ou pior cozinheiro. Só tornou minha vida mais fácil. 

Se você não teve uma mãe, um pai, uma avó, um amigo para ensiná-lo o pulo do gato na cozinha, só a experiência vai trazer. Aprendi muito com minha mãe e com minhas avós, e até hoje lembro de meu pai me dizendo que  um bom cozinheiro não joga comida fora. Mas foi o livro de Tamar Adler, An Everlasting Meal, presente de uma leitora querida, que de fato mudou tudo. Trata-se de, grosso modo, um livro sobre sobras. O que fazer com o arroz que empapou, como usar o óleo do vidrinho de anchovas, como transformar um frango só em diversas refeições diferentes. Há quem diga (eu digo) que Tamar Adler é a M.K.Fisher na nossa geração. Se você lê em inglês, leia esse livro. Infelizmente, não acho que exista em português, mas deveria. (Tenho recomendado a todas as pessoas que vêm se queixar dessa dificuldade de pensar a cozinha, e até peguei o livro de novo na biblioteca para reler, pois o meu está com minha irmã, emprestado. Aliás, peguei todos os da M.K. Fisher também.)

O que esse livro me mostrou, e que foi genial na minha evolução como cozinheira, foi que as sobras são (voltando à metáfora do closet cheio de roupa e nada para vestir) uma espécie de peça obrigatória. Você tem que ir a esse evento, mas tem que ser de calça jeans. E o resto? Sei lá, mas tem que ser de jeans. É uma restrição que elimina uma decisão da sua vida e facilita tudo. As sobras funcionam do mesmo jeito: elas precisam ser usadas e já estão lá, muitas vezes já no meio do caminho, até poupando seu tempo na cozinha. São uma base já pronta e obrigatória para se construir algo novo em cima. O que dá pra fazer com a carne de panela que sobrou? Botar no sanduíche? Cobrir de purê e transformar em escondidinho? Misturar a molho de tomate e servir com macarrão? Ou com polenta? Juntar as carninhas a uma alface romana e alguns picles e fazer uma salada, guardando o caldinho da carne para dar sabor a um molho de massa ou uma sopa? Misturar aquela colherada de arroz que sobrou, temperar com coentro e rechear tortillas de trigo? Ou crepes? Que tal crepes de farinha de milho? Ideias infinitas. Mas a base está lá, e se você estiver no pique de ser criativo e construir algo novo ao invés de só requentar no microondas, a brincadeira fica bem mais fácil do que olhar a geladeira cheia de coisa nova e caçar receita para fazer tudo do zero, coisa que, pelo menos para mim, costumava ser mais estressante, porque achava mais receitas para um mesmo ingrediente e nada para outro, e começava a ficar aflita porque precisava de três abobrinhas mas só comprei duas, ou tenho iogurte mas não tenho sour cream, ou porque a receita pedia coentro e só comprei salsinha, ou porque não vou conseguir usar TODAS as berinjelas na torta e aí vai sobrar uma mísera berinjela e eu não queria que sobrasse porque depois vou ter de pensar o que fazer com ela, e ela vai murchar... enfim. Já viu.

Seja um arroz com feijão ou um peixe tchananans com verduras exóticas e molho complicado, minha mente se acostumou a esse quebra-cabeça, de pensar o que dá pra fazer com o que sobrar depois. Vida corrida de mãe (mas que também podia ser vida corrida de quem tem um emprego fora o dia todo e fica três horas no trânsito todo dia), ensinou-me a pensar além daquela refeição, e cozinhar alguns itens a mais para poder recombinar as sobras nos dias seguintes ou simplesmente congelar para uma semana bege de orçamento estourado. Essa restriçãozinha, que parece tão pequena, foi o que me tornou uma cozinheira mais inteligente. E há anos tenho esse desafio comigo mesma, que me faz sentir criativa e virtuosa: na última semana do mês só cozinho com o que tem em casa, até ver todos os potes da despensa e da geladeira vazios; nesses dias costumam sair os pratos mais interessantes, e recorro muito à cucina povera italiana, para transformar um maço de salsão ou meia dúzia de cebolas em algo delicioso, quando não há mais nada de fresco disponível. Acredite, você só pensa em salsão gratinado quando é só isso que sobrou na geladeira.

O não poder desperdiçar fez também com que ao longo dos anos as refeições fossem ficando mais tranquilas, com menos pressão para ter o Selo Internacional de Aprovação dos Chefs Nutricionistas Gourmets Convidados de Fim de Semana e Aquele Seu Primo que Cozinha Bem Doadores de Likes Infinitos da Suprema Rede Social Regente da Vida de Todos os Seres Humanos da Internet e Além.
Um jantar improvisado que parecia impossível para mim há dez anos atrás.

Afinal, tem vezes em que me sinto super esperta, transformando 1/4 de xícara de painço esquecido na despensa há um ano (porque nunca mais comprei painço), uma abobrinha, um ovo e um naco de queijo, em uma refeição para quatro pessoas (o ovo foi na receita dos crepes de sarraceno, que preparei enquanto o painço cozinhava; refoguei a abobrinha com cebola e alho até quase desmanchar, misturei ao painço e ao queijo e recheei os crepes, que foram ao forno com manteiga e foram acompanhados do que sobrara do - pequeno - pé de alface e meio tomate. Alimentou nós quatro e sobrou para o marido levar na marmita no dia seguinte). E tem vezes que pego meia porção de spaghetti, requento na frigideira com azeite e um punhado grande de ervilhas congeladas para dar volume, acompanho com a colher de sopa que sobrou da salada de ontem, e completo com uma torrada com a uma fatia de presunto e queijo que restava, passada no grill pra gratinar. Eu ri muito quando vi que a foto tinha ficado bonita. Porque é macarrão com pão.

Eu sei que normalmente as pessoas jogam fora a salada quando sobra só uma colherada. Mas eu guardo até a próxima refeição. Dependendo da folha, ela não perde muito a textura. Às vezes guardo a salada, mesmo que murchinha, para enfiar num sanduíche de queijo, quando não ligo para a textura e sim para o sabor.

O pior foi Laura, olhando para o prato, uma sobrancelha erguida, as mãos na cintura: "Mamãaaae! Macarrão com sanduíche?? Isso não faz o menor sentido! Macarrão NÃO TEM acompanhamento! A gente come ele sozinho!"

Toma essa.

"Não é pra fazer sentido, Laura. É pra ser comida. Parece ruim?"
"Não. Tá com uma cara gostosa."
"Então, pronto. Coma."

 E  a vida segue.
 
A melhor parte de aprender a pensar as sobras, os restos, as aparas, é relaxar e lembrar que não precisa ter vinte e quatro ingredientes, não precisa ter cara de restaurante, não precisa ter quinze super-foods virtuosos do momento. Pode ser só um prato de comida gostoso. Mesmo que seja macarrão com sanduíche. Ficou todo mundo alimentado para poder correr lá fora no parque nos últimos dias de férias. Não precisa mais que isso. A nossa geração que se encantou de novo com a cozinha como hobby e não como obrigação, que cresceu vendo os programas de culinária mais deliciosos de chefes famosos, e que depois foi massacrada por uma avalanche de informações nutricionais conflitantes e alertas de saúde, às vezes se perde um pouco nisso tudo, e acredita que cozinha é só técnica e receita exata e um amontoado de nutrientes.

Num outro livro de Tamar Adler (acho que recém-lançado, não sei, catei na biblioteca), ela comenta justo sobre isso, sobre a prisão que às vezes é se cozinhar com precisão: 100g disso, 1 colher de chá daquilo, cubinhos de 2cm. As receitas antigas não tinham medidas exatas e muitas vezes sequer instruções muito claras. Lembro sempre das receitas de minhas avós: farinha o quanto baste, coloque na forma e asse até ficar pronto, um cálice de leite, uma colher (qual colher???) de fermento, um pires de açúcar, ou tão somente uma lista de ingredientes, um título e NENHUMA instrução. Essa cozinha intuitiva, aprendida com a observação, com o cozinhar junto e absorver a experiência dos outros, é a coisa mais difícil de se conseguir hoje em dia. Mesmo. Demorei quinze anos para fazer pão sem medida nenhuma, ou pra saber quantos maços de espinafre cru equivalem ao bastante dele cozido para encher uma torta. Ou quanto de cada especiaria colocar no meu curry improvisado para aquela quantidade de lentilhas.

Mas todo mundo chega lá. Tamar Adler e M.K. Fisher me ajudaram muito nisso. E não desperdiçar nada foi o empurrão que eu precisava para continuar. Porque há momentos em que simplesmente não há receita de livro ou de internet que use o desconjunto absurdo de ingredientes e sobras do fundo da sua geladeira, e você tem que simplesmente se jogar e inventar alguma coisa, ao contrário de fazer o que eu fazia há anos atrás, que era sair ao mercado para comprar dez itens que compusessem um prato com aquela uma berinjela na geladeira. O que isso faz é gastar dinheiro e criar mais sobras. E você continua preso à receita. Eu costumava recalcular receitas para fazê-las todos os dias só para duas pessoas, quando não tinha filhos. Hoje, adoro preparar receitas que alimentam seis ou oito bocas, porque sei que terei muitas sobras para reaproveitar e que me pouparão MUITO tempo e trabalho nas próximas refeições.

A melhor coisa é se jogar na aventura de combinar o que tem disponível, usando o que você já sabe fazer como inspiração. Às vezes fica muito bom. Às vezes sua família que te ama come por pura educação (muitas vezes). Outras vezes, na tentativa de não desperdiçar cascas de bananas, você usa vários outros ingredientes para criar algo tão pouco comestível que tudo vai para o lixo mesmo assim, e você se sente uma nhaca, mas aprende que aquilo, daquele jeito, não dá muito certo e não faz mais. Não se sinta mal se ficar ruim. Noutro dia, ao invés de ler livros, Thomas me pediu para contar histórias de todas as comidas ruins que eu já preparara na vida. Olha... dava para virar a noite contando. Muitas dessas histórias viraram piadas de família. Ria, coma como for possível (ketchup serve pra isso), aprenda, siga em frente.

Mas quase sempre, tio Google está aí para receber com carinho as perguntas mais escalafobéticas no seu celular, enquanto volta da escola com as crianças já tarde, sabendo que daqui a uma hora o jantar precisa estar na mesa e que você não tem a mais parca ideia do que fazer: "O que fazer com 1 xícara de curry + 1 batata + meio pepino?" Sempre vai ter uma bizarrice por aí que sirva pelo menos de inspiração para aquela comida virar algo bom e não ir para o lixo. 

Senão, quase tudo pode ser transformado em sanduíche.



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ALGUMAS DICAS ÚTEIS E IMPERTINENTES...

 
Uma refeição típica resultado da compra exagerada de legumes: salada de batatas com rabanete e salsão, frittata de cenoura ralada e folhas de rabanete refogadas em cebola e manteiga, e salada de tomates.
Eu coloco de tudo na salada de batatas, dependendo do que tenho. Cenouras cozidas, salsão cru, rabanetes, pepinos, picles, alcaparras, cebolas, nabos, beterrabas, legumes cozidos... na hora de temperar, tento manter uma certa coerência entre ingredientes e nacionalidade da cozinha. Mas se já estiver uma mistureba, azeite, vinagre, sal e pimenta bastam.

Se sobrar tanta salada de batata, que não dá para comer tudo no dia seguinte, coloque tudo dentro de uma boa e velha torta de liquidificador ou transforme em um purê e junte a ovo e farinha e fermento e frite como panquequinhas em manteiga. Se sobrou super pouco, tipo mal dando pra uma pessoa, junte abacate, tomates, pepinos e alface, tempere com azeite e limão e se esbalde (foi meu almoço hoje).

Sobras de verduras ficam ótimas não só em frittatas, mas em massas de panqueca americana, sem açúcar. Tempere com sal e pimenta, misture às verduras à massa e frite. Comecei a fazer isso inspirada nessas blinis de agrião, que usavam fermento biológico.

Quando compro verduras e legumes a mais, pego um momento ocioso e preparo todos de um jeito básico: as folhas de rabanete já estavam refogadas e guardadas num potinho, esperando uso ao longo da semana.

Clafoutis de acelga suíça com milho.
Foi o mesmo com esse clafoutis. Eu já tinha branqueado a acelga suíça (swiss chard), com medo de que murchasse. No fim, nessa receita, esse passo era desnecessário. Sem problemas, piquei e refoguei tudo, e no fim deu na mesma. Não tinha alho poró, então refoguei as partes brancas das cebolinhas super-crescidas que eu tinha no meu freezer e mais uma cebola. Não tinha queijo Gruyere, usei mozzarella. Não tinha dill, usei salsinha. Achei desnecessário o queijo parmesão por cima para dourar, já que tinha mozzarella flutuando na superfície da massa, então ignorei. Esse clafoutis pede crème fraîche, que até tem aqui pra comprar, mas eu não queria sair de casa de novo e nem gastar dinheiro, então usei metade iogurte, metade creme de leite. Dizia para fazer direto na frigideira com os legumes refogados, mas eu bem sei que tudo o que tem ovo GRUDA HORRORES se não tiver sido untado com manteiga, então transferi tudo para uma travessa untada.

Moral da história: ADAPTE. Adapte o quanto puder. Use o que você já sabe e confie mais nisso do que na receita. Substitua livremente ingredientes que você sabe que têm propriedades semelhantes uns com os outros. Esse clafoutis ficou um desbunde, super cremoso e saboroso, e eu tive de prometer sorvete de sobremesa para fazer as crianças pararem de se servir para que sobrasse um teco pra marmita do Allex no dia seguinte (que foi clafoutis e o que sobrou daquela salada de batata roxa).

O tempo é pouco? Salada. Salada no prato transforma uma omelete em refeição. Uma fatia grande de pão dourada do azeite, coberta com os legumes que sobraram de ontem vira refeição com uma salada do lado. Sempre tenho alface em casa e sempre tenho mostarda. Um vinaigrette de azeite, mostarda de dijon, vinagre, cebola picadinha, salsinha e cebolinha faz algumas folhas de alface ficarem robustas e satisfatórias, e é sempre assim que sirvo, pois é meu vinaigrette favorito e combina com tudo o mais que possa acompanhar o alface: o último rabanete da gaveta, cenoura ralada, um teco de pepino, umas batatas cozidas, o meio tomate que alguém esqueceu na geladeira, o talo de salsão.
Qualquer coisa vira refeição com uma salada do lado.
E não precisa ser só salada de alface. Comprara na feira uns cogumelos novos, e Thomas pediu para prepará-los no almoço, com ovos mexidos. Havia muito poucos cogumelos, no entanto, pois eu não esperava dar de cara com o Farmers Market e muito menos com aqueles cogumelos, e estava sem dinheiro na carteira. Os poucos dólares que tinha em moedas compraram dois punhados de Chanterelles. (Aquele tantinho ali na foto lá em cima, era o que eu tinha para transformar em almoço para mim e as crianças, considerando que os cogumelos tinham que ser a estrela do prato.) Chegando em casa, refoguei os cogumelos na manteiga e na cebola, polvilhei com salsinha, servi com os ovos mexidos, completei com uma fatia dourada de pão e... uma salada de tomates. Tomate, sal e azeite. Só. E pronto. Basta.

(Aliás, uma das coisas que mais me entristece nessa onda do sem glúten - a moda, e não sobre quem é de fato celíaco - é o fato de o pão ter sumido das mesas. Nada completa mais um prato que uma fatia de pão, sabem bem os povos lá do Mediterrâneo. Fez o panelão de comida, achou que é pouco? Uma bela fatia de pão dourada em azeite, esfregada com um dente de alho, vai bem com qualquer coisa, principalmente se houver um molho ali esquecido no prato, pronto para ser absorvido pelo miolo do pão.)


 Foram vários os dias de férias em que almoçamos milho grelhado e... uma salada de tomates. As espigas eram imensas e saborosas, e não precisavam de nada além de manteiga e sal. Os tomates vieram apenas para arrematar.


Faça crepes. Montes. O recheio que se coloca neles é super pouco (duas ou três colheres de sopa por crepe?) e faz a sobra de qualquer carne ou legume parecer algo novo e delicioso. Rende, e se sobrar, você pode servir com limão, açúcar e canela de sobremesa no dia seguinte, mesmo que a massa de crepe não leve açúcar. Ou enrolar com alface, queijo e maionese e cortar em rolinhos, e mandar de lanche para as crianças, como wrapps. Ou servir de sobremesa com sorvete e frutas. Ou congelar. Quando estiverem frios, coloque num ziplock e congele. Eles reaquecem na frigideira, um por um. Sobrou arroz e curry? Fica ótimo dentro dos crepes. Sobrou algo mais italiano, recheie os crepes, cubra com molho de tomate, queijo e forno. 

Enfim, faça crepes. Muitos.


Use a água de cozimento das coisas. Branqueou verduras? Use a mesma água para fazer o arroz, que ficará perfumado e nutritivo. Algumas verduras, como espinafre e acelga suíça, deixam a água metálica e preta se deixar que esfrie, então use a água ainda quente imediatamente.

Acelga suíça gratinada, arroz cozido na água da acelga, e a boa e velha salada de tomates.
Vai fazer macarrão com molho de tomates frescos? Pele o tomate na água do macarrão antes da massa entrar. Nunca entendi o povo na TV ter dois, três potes de água fervendo. Tem uma receita italiana de massa com erva-doce que faz isso: a água em que se cozinha a erva-doce (funcho) cozinha a massa em seguida, justamente para a massa pegar o sabor da verdura. Faça isso.

 Se não tiver nada com muita cara de elemento principal, gratine. Pegue sua verdura ou legume, meta no forno com um pouco de queijo e é isso. Esse gratin de verdura do Nigel Slater nada mais é do que verdura branqueada, coberta com um pouco de creme, mostarda e um punhado de queijo. É muito bom. E o creme que sobra no fundo da travessa fica SENSACIONAL sobre o arroz.

O feijão branco que eu descongelei, o molho de tomate que eu tinha pronto, um ovo para cada um cozido ali dentro. Achei pouco, então completei com uma fatia de pão e uma abobrinha refogada.
 Faça muito feijão de uma vez e congele. Tenha sempre molho de tomate. Se você estiver preparando qualquer outra coisa e tiver uma boca de fogão sobrando, vale a pena fazer um molho de tomate. Eu sempre tenho por conta da pizza de sexta-feira. Sei que uma vez por semana comeremos macarrão com o molho de tomate que sobrou da pizza (ou faremos pizza com o molho de tomate que sobrou do macarrão). Às vezes, junto uma sobra com a outra: o feijão de ontem, o molho de tomate de transantontem, e bum! Uma coisa nova. Ovos poché dentro disso tudo, e uma abobrinha refogada para completar, porque achei que tinha ficado pouco.
 Legumes refogados fazem uma porção de macarrão de ontem alimentar três bocas hoje.
 Tinha sobrado um nada de macarrão com molho de tomate, e eu não queria transformar em frittata de novo. Legumes. Refogue legumes o bastante para dar volume e misture à massa na panela até o macarrão ficar quente de novo. Se achar que o macarrão já tava meio passado e não vai rolar um repeteco assim, envolva em um bechamél ou creme de leite e queijo e leve ao forno. Gratinado e borbulhante, ninguém vai falar que o penne passou um pouquinho.

Descomplique.

Sabe arroz? Sabe feijão? Tá ótimo!

No fim das contas, depois de toda a loucura de ingredientes e cozinhas internacionais, e vegan-gluten-free-natureba pela qual minha cozinha passou, sempre que pergunto a meus filhos e meu marido quais são seus pratos favoritos de todos os tempos, a resposta é unânime: arroz, feijão, couve e ovo frito. (Com um empate técnico com spaghetti com molho de tomate.)

Simples é bom. Dá um abraço no simples e convida pra ficar, que ele é seu melhor amigo e você nem sabia.

Agora, GO CRAZY com esse clafoutis. Adorei as proporções do creme, e pretendo usar essa receita mais vezes com outros ingredientes. A quantidade de recheio parece imensa em relação ao creme, mas acho que foi isso que ficou tão bom. Você pode fazer numa travessa maior, mas isso quer dizer que vai cozinhar mais rápido: você QUER que ele fique CREMOSO, e não firme como uma frittata, e por isso gostei de assá-lo numa travessa pequena de paredes altas. Dourou em volta mas não ressecou por dentro. A receita está exatamente como fiz. Deixei na lista de ingredientes apenas o que considero "obrigatório", e meti nos processos a sugestão do que eu coloquei ou colocaria. Essa receita está escrita exatamente como eu penso, com todos os pensamentos que me ocorreram enquanto preparava a receita, de como poderia modificá-la ou adaptá-la.

Divirta-se.

CLAFOUTIS DE VERDURA E MILHO VERDE
(do NY Times - receita original AQUI.)

Ingredientes:
(creme)
  • ¾ xic. leite
  • ¾ xic. de crème fraìche, creme de leite, iogurte, sour cream ou uma mistura de quaisquer deles
  • 4 ovos grandes
  • 2 ½ colh. (sopa) farinha de trigo
  • salsinha picada a gosto ou qualquer outra erva que você goste e que combine com os seus legumes
  • sal a gosto (a receita original dá uma medida exata, mas isso vai depender muito do quanto você salgou seus legumes e de quão salgado é o queijo que está usando - experimente)
  • pimenta do reino a gosto
  • 1 xic. queijo ralado grosso (o que você tiver)
(Legumes)
  • um fio de azeite para refogar os legumes ou um naco de manteiga
  • 1 alho poró grande, ou uma cebola em rodelas ou meias luas finas
  • 2 xic. de milho verde fresco debulhado ou congelado (umas 2-3 espigas)
  • 1 dente de alho picado
  • 1 maço grande de acelga suíça, cortada grosseiramente (ou rasgue com a mão, em pedaços médios, como você rasgaria um pilha de contas vencidas - haha!) ou qualquer outra verdura verde escura que seja mais suave, como espinafre, folhas de mostarda ( se você gosta de amargo, acho que almeirão deve ficar ótimo e eu faria até mesmo com couve, branqueada antes de refogar, talvez, para que fique bem macia.)
Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 190oC. Unte com manteiga * uma forma refratária com capacidade para 2 litros (a minha quadrada tem 20cm e 5cm de altura).  
  2. Numa frigideira, aqueça o azeite ou manteiga ou qualquer gordura que esteja usando e junte a cebola ou alho-poró e uma pitada de sal para que eles liberem um pouco de água e não queimem antes de dourarem.
  3. Quando estiverem brilhantes e macios, junte o alho. Refogue, mexendo com uma colher de pau (sabe por que se pede colher de pau? Pra não riscar sua panela.) até que esteja tudo macio e começando a dourar.
  4. Junte o milho, uma pitada de sal (se quiser, um nadinha de pimenta calabresa fica ótimo), e mexa, recobrindo bem o milho com os temperos.
  5. Junte as verduras cortadas, uma pitada de sal para ajudar a murchá-las, misture, e cozinhe em fogo mais baixo até que as folhas estejam murchas e brilhantes. Cuidado com o fogo para não queimar as cebolas enquanto as folhas murcham por cima (já fiz isso várias vezes). Quando estiver tudo cozido, tire do fogo, experimente, acerte o sal e a pimenta a seu gosto e deixe de lado. 
  6. Numa tigela grande, bata os ovos com um fouet até que espumem um pouco. Junte o creme (ou a mistura que estiver usando) , o leite, e misture. Junte a farinha, misture com o fouet até que ela esteja incorporada, sem pelotas, e então o queijo. Salgue cuidadosamente, pensando em quão salgado é seu queijo. Junte a salsinha e quaisquer outras ervas, pimenta-do-reino e, se quiser, um pouco de noz-moscada ralada na hora, que vai bem com tudo que leva ovo, mas que não é obrigatório. Experimente e corrija o tempero. 
  7. Espalhe os legumes na travessa e cubra com o creme, dando uma cutucada para que o creme escorra por entre os legumes e para que os legumes flutuem um pouco no meio do creme e do queijo. Leve ao forno por 40 minutos, checando de vez em quando, dependendo do tamanho da sua forma. Quando estiver dourado nas bordas e parecer inflado e firme no meio, enfie uma faquinha no centro. Ele vai desinflar, mas a faca deve sair úmida e pegajosa de queijo. Se estiver completamente molhada e pingando, ainda está cru, e se estiver completamente limpa, assou demais - mas ainda vai ser gostoso, então nem comente nada e simplesmente tire do forno e manda o povo sentar pra comer. 
  8. Retire, espere uns cinco minutinhos para não queimar a boca de ninguém, e sirva com uma salada. 

* Um truque que aprendi com a Nigella: guardar os papéis que embrulham a manteiga para esfregar nas formas, assim você não gasta a manteiga para isso. Tenho um saco plástico na geladeira apenas para guardar as embalagens de manteiga até a hora de untar alguma coisa - a louca. 

Cozinhe isso também!

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