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quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Nem só de doces vive essa casa: risotto de limão, agrião e salmão defumado (Updated)

Queria fazer alguma coisa com aquela meia xícara de creme de leite fresco que restara da feitura do sorvete, e não conseguia decidir o quê. Enquanto qualquer outro ser humano pensaria em bater chantilly para tomar com café (ou pelo menos o ser humano com quem casei), eu segui o raciocínio: creme de leite, fettuccine Alfredo, fettuccine com molho de limão, hum... creme de leite com limão, risotto de limão com creme de leite, azedinho, amarguinho, agrião, rúcula, hum... risotto de limão com agrião e rúcula, ficaria ótimo com um peixe grelhado, mas não estou com paciência...salmão, salmão defumado, risotto de limão ao creme de leite, agrião e rúcula com salmão defumado! Jantar!


RISOTTO DE LIMÃO AO CREME DE LEITE, AGRIÃO E RÚCULA, COM SALMÃO DEFUMADO
Tempo de preparo: 20 minutos
Rendimento: 4 porções


Ingredientes:
  • 2 xíc. de arroz arbóreo
  • 1 litro de caldo de legumes
  • 2 colh. (sopa) de azeite
  • 1 cebola grande picada
  • 1 limão
  • 1/2 xíc. de creme de leite fresco
  • 50g de manteiga
  • 100g de parmesão ralado
  • 100g de agrião e rúcula
  • 100g de salmão defumado
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Aqueça o caldo de legumes numa panela. Em outra, grande, aqueça o azeite. Junte a cebola e refogue em fogo médio, até que amoleça e comece a dourar.
  2. Acrescente o arroz e mexa bem, em fogo médio-alto, até que os grãos fiquem translúcidos. Junte uma concha de caldo de legumes e mexa bem, para que o arroz absorva todo o líquido.
  3. Abaixe o fogo para mínimo e prossiga acrescentando conchas, mexendo sempre, esperando que quase todo o líquido tenha sido absorvido antes de juntar mais. Faça isso por cerca de 15-17 minutos, até que o arroz esteja cozido e al dente.
  4. Desligue o fogo. Misture as raspas da casca do limão e suco de uma metade, o creme de leite, o queijo parmesão, a manteiga, sal e pimenta. Misture bem e prove o tempero, ajustando se necessário. O risotto estiver muito líquido, junte um pouco mais de queijo, mas deixe-o um pouco mais molenga que o normal, para que as folhas sejam misturadas depois mais facilmente. Tampe e deixe descansar por 5 minutos.
  5. Na hora de servir, misture metade das folhas de agrião e rúcula, inteiras, sem os talos mais grossos, e metade do salmão defumado. Sirva as porções nos pratos, espalhe algumas tiras de salmão e faça por cima um montinho com as folhas. (Pode-se polvilhar por cima mais raspas de limão, se houver.)
[UPDATE: Preciso admitir que não consegui fotografar o prato ontem à noite; esta é a sobra, que comi no almoço, por isso não está tão molinho e esparramado quanto deveria. Risotto requentado é um pecado, mas, se for preciso fazê-lo, requente-o no vapor; microondas terminará de arruinar a textura do arroz.]

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Uma refeição natureba. Eh, quer dizer... italiana.


Daí que o marido andava meio ressabiado com isso de feijão azuki no café da manhã e qualquer coisa sem glúten, sem lactose, com inhame e painço no jantar. Ainda que eu estivesse me divertindo horrores com os experimentos mega-naturebas, achei que, ok, talvez estivesse abusando da boa vontade do restante da família, que não cozinha e portanto não escolhe. ;)

Calhou de eu ter sido altamente influenciada pelos vídeos recomendados pelo leitor querido Edu Piloni, e quando vi, estava passando minhas noites assistindo a séries e documentários sobre a culinária italiana, com todos, TODOS, os meus livros de cozinha italiana no colo, folheando, relendo, planejando cardápios que eu não preparava havia tempos ou que eu nunca preparara por conta do pseudo-vegetarianismo.

Sou tão influenciável na cozinha, que chega ao ridículo de ter visto a Rita Lobo preparando molho à bolonhesa, e agora acordo e vou dormir pensando nisso, e estou só esperando uma boa oportunidade para preparar o que será o meu primeiro ragù alla bolognese EVER. (O que me surpreende muito, quando paro pra pensar, mas eu já era pseudo-vegetariana quando comecei a cozinhar de verdade e juntei os trapos.)

Sorte da pimpolhada, que voltou a se refestelar com sabores mais familiares, e azar do marido, pobrezinho, que anda trabalhando até altas horas da noite e não tem provado nada da minha comida, desde que eu voltei a cozinhar à italiana. :(

No entanto, se o povo aqui de casa achava que meu retorno às origens era garantia de macarrão todo dia, enganou-se um bocado. Se existe uma cozinha que consegue ser altamente natureba, se você deixar a superficialidade e mergulhar nos legumes, é a italiana.

Um cozido de ervilhas-tortas parece mais natureba do que gostoso, mas o sabor me surpreendeu maravilhosamente. Comi colheradas fartas dos legumes caudalosos, suculentos e perfumados sobre o arroz branco, e, depois, as sobras, sobre polenta veneziana, cozida com leite, o que a torna tão cremosa quanto um purezinho de batatas.

O gratinado de abobrinhas foi feito com certo preconceito. Em geral, não entendo por que alguém cozinharia uma abobrinha no vapor, se pode dourá-la em azeite. No entanto, o prato ficou delicioso, as abobrinhas muito macias, contrastando com o crocantinho da cobertura de pão, queijo e ervas. As sobras foram misturadas a ovos e um pouco mais de queijo, para uma frittata saborosíssima, acompanhada por uma saladinha verde, agora que os pimpolhos viraram, finalmente, devoradores de alface.

A receita original do cozido de ervilhas pedia por guanciale, que é uma carne que vem da bochecha do porco, muito usada nos molhos all' amatriciana e carbonara, em Roma. Na última vez que fui à Itália, pude experimentar o molho feito assim, e, apesar de a descrição da wikipedia dizer que o sabor é mais forte, eu achei o resultado mais suave em sabor e textura do que quando o prato é feito com pancetta ou bacon. Talvez por não ser defumado. Como eu tinha toucinho fresco no freezer, usei uma fatia dele, sem a pele, com ótimos resultados. Se não quiser usar o toucinho ou não encontrar nem guanciale nem pancetta italiana, use um pouquinho de bacon. O sabor do defumado vai ficar mais forte, mas acho que ficará igualmente gostoso.

ZUCCHINE GRATINATE CON OLIVE
(Da revista La Cucina Italiana)
Rendimento: 4 porções grandes ou 6 menores

Ingredientes:

  • 350g abobrinhas em rodelas finas
  • 40g queijo parmesão ralado fino
  • 4 fatias de pão amanhecido ou um punhado de farinha de rosca feita em casa
  • 10 azeitonas sem caroço (pretas ou verdes), cortadas em fatias
  • cebolinha
  • tomilho fresco (só as folhas)
  • manjerona fresca (só as folhas)
  • salsinha fresca
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Cozinhe as abobrinhas no vapor até mais ou menos a metade do cozimento. Elas devem estar cozidas, mas ainda firmes. (Alternativamente, use o microondas.)
  2. No processador, moa o pão amanhecido junto com as ervas e o queijo. (Ou pique na faca as ervas e misture ao queijo e à farinha de rosca, que foi o que eu fiz.)
  3. Numa travessa grande e rasa, disponha as fatias de abobrinha como escamas de peixe. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Espalhe as azeitonas e polvilhe com a mistura de pão e ervas. Tempere com um fio de azeite e leve ao grill do forno por 10 minutos, até que doure. Se você não tiver grill, coloque em forno bem quente. 

.....


TACCOLE IN UMIDO DI POMODORO
(Da revista La Cucina Italiana)
Rendimento: 4 porções fartas, para acompanhar algum carboidrato que absorva o caldo, como arroz, couscous ou polenta.

Ingredientes:

  • azeite de oliva
  • 1 folha de louro
  • 500g ervilha-torta, sem as pontas e filamentos
  • 200g polpa de tomate (usei 2 tomates frescos bem maduros, picadinhos)
  • 40g toucinho sem a pele, cortado em pedaços pequenos (ou bacon, ou pancetta italiana, ou guanciale, se encontrar)
  • 1 talo de aipo em cubinhos
  • 1 cenoura média em cubinhos
  • 1 cebola em cubinhos
  • 1 colh. (chá) açúcar
  • 400g caldo de legumes
  • manjerona fresca (só as folhas)
  • farinha-de-rosca para polvilhar por cima
  • queijo parmesão para ralar por cima
  • sal e pimenta-do-reino


Preparo:

  1. Cozinhe as ervilhas-tortas em água fervente e salgada por 10 minutos, com uma colher de azeite e uma folha de louro. 
  2. Enquanto isso, numa panela grande, refogue o restante dos legumes e o toucinho em um fio de azeite, até amaciar e começar a dourar. 
  3. Escorra as ervilhas e junte-as ao refogado, misturando bem.
  4. Junte a polpa de tomate, a manjerona, o açúcar, o caldo de legumes, e tempere com um pouco de sal e pimenta. Cozinhe em fogo médio-baixo por cerca 40 minutos para que o caldo reduza um pouco.
  5. Sirva bem quente, polvilhado de farinha-de-rosca e parmesão, e mais um fio de azeite.  





segunda-feira, 23 de março de 2015

Uma sopa de quiabo e como eu reduzi minha conta de supermercado comendo melhor


á escrevi duzentas vezes ao longo desses anos o modo como organizava minhas compras, minha despensa, minha rotina na cozinha. Mas nada culminou tanto em uma melhora na minha alimentação e na minha conta bancária quanto meus hábitos mais recentes.

Como mencionei no post anterior, o ambiente me influenciou um bocado. Quando você tem acesso a frutas e legumes orgânicos de qualidade mas não tem a mesma sorte com laticínios e carnes, você começa a comprar mais de um do que do outro. De repente, o centro do seu prato vira o legume ao invés da proteína, de qualquer espécie. E para dar mais força a esses legumes, você se mune de grãos e cereais e castanhas e sementes, que servem de coadjuvantes para que o legume possa ter uma performance brilhante. O arroz, o feijão, a quinua, a cevada, viram veículo para transportar melhor o sabor dos legumes, ao invés de tratar o brócolis como acompanhamento do arroz. Inverti tudo.

Daí que, ao contrário de outras épocas em que tentei me alimentar mais de grãos integrais, mas deixei estragar sacos inteiros de cevadinha, parei de usar os grãos e farinhas integrais apenas em pratos especiais para isso e os incorporei de vez ao meu dia-a-dia. Comecei a tentar usar a maior quantidade de legumes por refeição e a maior quantidade de grãos e farinhas integrais por semana possíveis. E evitar usar a farinha branca como se a guardasse para uma ocasião especial – ou seja, o contrário.

E a comida no supermercado ficou tão cara, que parei de comprar enlatados e comecei a fazer tudo em casa. O tomate orgânico da feira de fato ficou o mesmo preço do italiano enlatado. Nunca mais comprei tomate em lata. Ou feijões. Iogurte é feito em casa. Queijo cottage é feito em casa. Pão é feito em casa, a não ser pelo ocarional pão francês, quando não deu tempo de fazer mais. Não compro sucos, mas também não faço. Fruta é pra comer de dentada, não pra beber. Quando é pra beber, vira vitamina, que é lanche ou café da manhã, e não acompanhamento pra mais comida. Suco, só limonada. Limonada rende e não estufa a barriga durante a refeição. De resto, só água. Ou chá. Feito em casa, com pouco ou nenhum açúcar. Chá gelado dá pra fazer de litro, e dura uma semana na geladeira. As crianças levam pra escola. De hibisco, de erva-doce, de chá-verde com laranja, preto com limão, de hortelã, de casca de abacaxi...

Comecei a ler livros sobre como as pessoas se alimentavam durante a guerra e tive vergonha de deixar comida estragar. Pirei com a possibilidade de usar mais dos alimentos do que eu usava. E comecei a usar cascas de vegetais e aparas para fazer caldo de legumes, comecei a congelar a água do cozimento de feijões e grãos e verduras para usar em sopas, ensopados, para cozinhar arroz, e assim economizar água da torneira e consumir mais sabores e nutrientes. Comecei a cozinhar com partes de alimentos que eu não sabia que podiam ser consumidos, como a casca da manga, da banana, talos de espinafre e de couve, folhas de cenoura, de beterraba, de nabo, de rabanete... Isso transforma a cenoura que você compra em dois ingredientes diferentes, e vai fazendo render suas refeições e cortando sua conta do mercado. Não precisa comprar espinafre quando as folhas de beterraba estão bonitas, por exemplo.

Ao mesmo tempo em que voltei a comer carne, me interessei pela cozinha vegan, macrobiótica, sem glúten, natureba em geral. E comecei a ver boas substituições e opções. E, ao invés de ir ao mercado comprar leite, comecei a suar as amêndoas que tinha em casa para fazer leite de amêndoas, e ao invés de comprar farinha de trigo, comecei a usar outras farinhas diferentes. Essa gama de opções em casa me fez ir menos ao supermercado. Indo menos ao supermercado para comprar um item que faltava, comprei menos por impulso daquilo de que minha despensa não precisava. De quebra, tornei minha comida ainda mais variada.

E, impulsionada pela condição árida da minha conta bancária de ilustradora no ano passado, quando, por conta da Copa do Mundo, quase nada de trabalho apareceu, comecei a passar uma semana por mês sem ir ao mercado ou à feira. Nesta uma semana sem compras, dou-me a missão de dar fim a tudo que permanece abandonado no freezer ou na despensa. Seja uma sopa de legumes esquecida, seja aqueles últimos 50g de macarrão de arroz que não dá nem pra uma porção, seja o vidrinho de pasta de trufas que minha irmã me trouxe de viagem e que estava fadado a ser guardado para uma ocasião especial até enfim estragar. Esse hábito diminui muito seu desperdício, pois você de fato faz a rapa no armário e na geladeira, estimula sua criatividade e evita que você compre itens supérfluos, duplicados, caros, desnecessários. Faz você olhar para aquele vidro de qualquer coisa em conserva que você comprou há quatro anos e julgava suuuuuper importante para a sua cozinha e descobrir que não, você nunca mais precisa comprar aquilo de novo. Faz você parar de ficar economizando ingrediente especial para uma ocasião especial pra convidados especiais, e começa a transformar o almoço de terça feira em algo especial por causa daquele ingrediente diferente. Mesmo que seja só pra você.

Certo dia, resolvi fazer as contas e descobri que andava gastando 30% menos em comida, apesar de comprar quase tudo orgânico e de qualidade. Quase caí sentada de espanto.

30% é muita coisa. Principalmente quando você lembra que alimenta duas bocas a mais.

A verdade é que cozinhar em casa é mais barato. E cozinhar legumes é mais barato. E cozinhar saudável é mais barato. A verdade é que você não precisa comprar um pacote de 20 reais de quinua pra comer bem. Arroz integral tá mais que bom e é mais em conta. Não precisa de queijo importado. Um cottage feito em casa sai o preço de um litro de leite. Infinitamente mais em conta do que a porcaria cheia de goma vendida em potes plásticos. E melhor pro seu corpinho lindo e da sua família.

De vez em quando me dou um presente. Saí e comprei um salame artesanal de porquinhos felizes. Bem mais caro que um da grande indústria. Mas bem mais gostoso. Bem melhor para meu corpinho, para o da minha família e, claro, para os porquinhos que viraram salame.

Continuo comprando macarrão de grano duro italiano. Mas faço menos macarrão.

Gasto uma fábula em cacau orgânico. Mas cozinho menos doces.

Dá trabalho? Bom, trabalhar para ganhar dinheiro também dá. Se é para ter trabalho, prefiro um que me dê saúde. Trabalhar mais para pagar por conveniências que te deixam, no fim, doente... hmmm... prefiro não. Ganho menos mas faço leite de coco em casa.

Houve gente no facebook que me perguntou sobre minha rotina de compras. Então lá vai: uma vez por mês, mais ou menos, dou uma abastecida nos grãos, leguminosas, castanhas e sementes. Se puder, já cozinho pacotes inteiros de feijões e congelo em porções de 500ml. Só me abasteço de novo quando realmente estou sem opções. Enquanto houver mais de duas variedades de grãos ou feijões, não compro mais nenhum. O objetivo é sempre limpar a despensa e o freezer. Acabo indo ao mercado para compras mais pontuais durante a semana, como para comprar leite, manteiga ou café, itens que não podem esperar eu acabar com a geladeira para sair para comprar. Mas tento não comprar mais nada além do item faltante, a não ser que seja uma promoção fenomenal, como quando encontrei bom chocolate orgânico por metade do preço de um belga. Mas minha regra é só ceder a essas promoções quando são itens que duram bastante. Vou à feira, na banca de orgânicos, uma vez por semana. E compro verduras e frutas e ervas para um batalhão. Quanto mais variedade, melhor. Lá também compro ovos. No mesmo dia já "processo" tudo o que dura mais assim: lavo e seco todas as ervas e verduras, já boto aparas no saco do caldo de legumes no freezer, asso beterrabas, separo folhas de espinafre dos talos (que, assim como as cenouras e outras raízes, duram mais sem as folhas), pelo e congelo tomates muito maduros.

E aí vai a dica: assim que tenho tudo organizado, faço uma lista de todos os itens frescos na cozinha (legumes, verduras, frutas, laticínios ou outros produtos que estragam rápido) e deixo na porta da geladeira. Isso me ajuda a visualizar melhor o que tenho para o almoço sem precisar abrir a geladeira e, de repente, esquecer a berinjela que ficou embaixo do alface. Também corro para o Eat Your Books, ou a internet, e tento encontrar alguns pratos que usem uma boa variedade daquilo que comprei, começando a procurar sempre pelos itens que estragam mais rápido ou que são mais especiais. Escolho alguns pratos para fazer durante a semana e anoto embaixo da lista de produtos na porta da geladeira. Assim, num dia mais atrapalhado, eu consigo em lembrar do que planejara cozinhar e consigo me manter organizada, preparar partes com antecedência, etc.

Quando fui à feira semana passada e vi os quiabos, pequenos e bonitos, lembrei do espinafre que estava na geladeira e precisava ser usado A.S.A.P. Imediatamente pensei na sopa que tomara na viagem a Trinidad e Tobago. Aproveitei que tinha de passar no mercado para comprar leite, e comprei também um coco seco para fazer leite de coco. Chegando em casa, apanhei o livro de cozinha Trini que comprara lá e descobri que a receita levava carne de porco e caranguejo e fiz o que mais tem me ajudado a economizar hoje em dia: adaptei com o que tinha em casa. Isso é novo para mim. Morei a vida toda a dez passos de bons mercados e, se faltasse um ingrediente super específico, frufru e caro, eu corria para comprar. Hoje, não mais. Se só faltou UM ingrediente para o almoço, e dá pra adaptar, eu NÃO SAIO para comprar. É o único momento da minha vida em que acho a preguiça um benefício.

Transformei a sopa num caldo vegan. Usei óleo de coco no lugar de manteiga, refoguei tudo (coisa que não se faz em cozinha africana normalmente, descobri, e a sopa original faz parte da origem africana em Trinidad), mudei proporções segundo o que eu tinha (mais quiabo do que espinafre), e o resultado foi uma sopa deliciosa, que Madame Bochechas repetiu e repetiu e repetiu (ela adora quiabo, e come inclusive cru). Meu Matador de Dragões gostou e queria comer mais, mas a pimenta que coloquei por engano era mais forte do que eu previa, e o pouco que ele conseguiu comer foi acompanhado de um grande copo de leite. O único que comeu mas não gostou foi o marido. Pudera, ele odeia quiabo. E essa é uma sopa para adoradores de quiabo. Sua textura tem uma ligeira viscosidade e seu sabor é um equilíbrio delicioso entre o quiabo, o espinafre e o coco. Pretendo fazê-la muitas vezes mais. Desta vez foi acompanhada de pão sueco caseiro. Outra coisa infinitamente mais barata de fazer em casa (e fácil). Pagar 9 reais em meia dúzia de lascas de pão sueco ninguém merece.


SOPA DE QUIABO E ESPINAFRE
Rendimento: 4 porções pequenas, como entrada ou para ter um acompanhamento

Ingredientes:

  • 1 colh. (sopa) óleo de coco
  • 1 cebola picada
  • 2 dentes de alho picados
  • 1/2 pimenta fresca, picada (com ou sem sementes, variedade à sua escolha)
  • 2-3 ramos de tomilho fresco, só as folhas
  • 250-300g de quiabo, cortado em rodelas, cabinhos descartados
  • 2 xícaras de folhas frescas e espinafre, apertadas na xícara para medir
  • 1 xic. leite de coco (de preferência caseiro)
  • 1 xic. água
  • sal e pimenta-do-reino a gosto
  • um punhado de cebolinha picada


Preparo:

  1. Aqueça o óleo de coco numa panela média, em fogo médio e junte o alho, a cebola, a pimenta e o tomilho. Misture bem e polvilhe uma pitada de sal. Refogue, mexendo às vezes, até a cebola murchar um pouco. 
  2. Junte o quiabo em rodelas e misture bem por um minuto ou dois, até que o quiabo esteja bem encoberto de tempero.'
  3. Junte o espinafre, misture uma ou duas vezes, e acrescente o leite de coco e a água. Misture, deixe levantar fervura, abaixe o fogo e tampe. Cozinhe por cerca de 15-20 minutos, até que o quiabo esteja bem macio e a sopa mais encorpada. 
  4. Junte metade da cebolinha e bata no liquidificador até que fique homogêneo. Volte à panela, acerte o tempero de sal e pimenta, aqueça novamente e sirva, quente, polvilhada com cebolinha.  

A receita do pão sueco vai de brinde, depois do povo pedir pelo facebook. As crianças adoraram levar de lanche na escola, pois é salgado e crocante. Perfeito com queijos e maçãs. Se seus filhos não estão acostumados aos sabores fortes de especiarias, omita ou diminua o cominho, que tem um gosto bastante assertivo nesse pão.

PÃO SUECO DE CENTEIO
(Quase nada adaptado do EXCELENTE Vegetarian Everyday, de David Frenkiel e Luise Vindahl, do blog Green Kitchen Stories)
Rendimento: 12 pães

Ingredientes: 

  • 1 xic. água morna
  • 2 colh. (chá) sal marinho
  • 3 colh. (chá) fermento ativo seco
  • 2 colh. (sopa) sementes de cominho
  • 1/2 xic. buttermilk (os autores dizem que pode-se usar kefir, mas usei soro do queijo cottage, e você pode juntar leite com uma colherinha de vinagre, ou afinar iogurte natural com água)
  • 1 2/3 xic. farinha integral de centeio
  • 1 1/2 xic. farinha integral de trigo (original era spelta, que não se encontra por aqui)
  • 1/4 xic. sementes de linhaça, esmagadas num pilão
  • 2 colh. (sopa) flor de sal ou qualquer sal de grânulos maiores


Preparo:

  1. Numa tigela média, coloque a água, o sal, o fermento, metade das sementes de cominho e misture. Junte o buttermilk. 
  2. Numa outra tigela, misture as farinhas. Junte metade delas à mistura líquida. Gradualmente junte mais das farinhas, misturando até que você consiga sovar. Dependendo da textura das suas farinhas, ou da umidade do ar no dia, talvez seja preciso colocar mais farinha de trigo integral. Acrescente bem aos poucos. A massa não pode grudar nas mãos, mas também não pode ficar seca como massa de macarrão. 
  3. Sove por alguns minutos dentro da tigela. Então divida em 12 bolinhas iguais, coloque numa superfície enfarinhada e cubra com um pano úmido. Deixe descansar por 1 hora.
  4. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Coloque uma das bolinhas numa folha de papel-manteiga e abra com um rolo, até virar um disco de 20cm. Os discos devem ficar BEM finos. Corte um circulozinho no dentro, para garantir que vai ficar crocante por igual (não jogue fora, você pode assar todos os circulozinhos no final, como biscoitinhos). Polvilhe com a linhaça moída, sementes de cominho e sal. Espete o disco com um garfo, por toda a superfície, e transfira para a assadeira. Repita com o restante. 
  5. Dependendo da assadeira, podem caber de 2-3 pães por vez. Asse cada assadeira por 8-10 minutos, até que estejam castanhos e crocantes. Fique de olho, pois queimam muito rápido
  6. Transfira para uma grade para que esfriem. Frios, guardados em pote hermético, duram meses. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Como um supermercado vira refeição e a simplicidade dos ingredientes

De uma cervejaria artesanal aqui perto.

 Quem estava esperando um post de Natal aqui, lascou-se.

O Natal anda devagar quase parando. Ainda mais porque meus pais (💓) vieram visitar por dez dias no início de Dezembro, e eu é que não ia ficar enfurnada na cozinha - fui é passear. Hoje foi o primeiro dia em que assei biscoitos, os Spekulatius de sempre, porque marido pediu e porque a receita é simples o bastante (e certeira) para triplicar e presentear os professores que foram mais que pacientes e carinhosos com meus filhos nesse semestre.

Aquela lambança de um biscoito por semana, panetone, panforte, torroni e o caramba... eh... cansei.

Além disso, se você me perguntar o que vou preparar de ceia de Natal, a resposta será um sonoro "não sei!". Passei os últimos trinta dias matutando no cardápio, sem chegar a conclusão nenhuma. Será  o primeiro Natal que passaremos apenas nós quatro, e, sem ter uma multidão para alimentar, confesso estar meio perdida. Pensei em vários cortes de carne diferentes de diferentes animais, mas mesmo o mercado municipal não tem aquilo que eu desejava. Então, no melhor estilo Vida Tranquila, dei de ombros e decidi que vou cozinhar o que eu encontrar de interessante no mercado orgânico uns dias antes: ao invés de correr todos os açougues de Toronto e me estressar procurando especificidades, vou na lei do mínimo esforço. Tenho zero interesse de transformar o que deveria ser um bom momento em família numa fonte inesgotável de estresse culinário. Qualquer coisa que encontrar vai bem com batatas. E ficando na cozinha italiana e francesa, nada pedirá temperos exóticos que me façam sair explorando ansiosamente supermercados de outras vizinhanças.

Enfim.

Sou melhor com comida de todo dia do que com comida de festa.

Então estou tentando aplicar à comida de festa a mesma estratégia que uso com a de todo dia.

Porque toda semana, aqui, é sempre igual. Chega sábado e domingo, e eu dou uma vasculhada rápida na geladeira, na despensa e no freezer em busca do que há e do que falta.

Simplificar a cozinha foi um ato de amor próprio. O que um dia fora uma aventura deliciosa, uma empolgante exploração de sabores e técnicas desconhecidas na busca da minha identidade na cozinha, ao longo do tempo tornou-se um fardo, um peso nos ombros provocado pela pressão da nutricionista louca e da chef megalomaníaca dentro de mim, impulsionada pelo mundinho internetístico que me fazia sentir sempre incapaz e insatisfeita com a comida que eu colocava à mesa. Levanta a mão quem segue no Instagram as mães hipster-vegan-gluten-free-quarenta-e-sete-tipos-de-castanha-dentro-de-um prato e não fica depois se sentindo uma mãe nhanha e uma cozinheira meleta porque o seu filho nunca experimentou falafel de moyashi  com queijo de semente de abacate e molho de umbu e sal do himalaia, e agora o paladar dele está arruinado para sempre e ele com certeza não vai mais ser uma pessoa incrível quando crescer.

o/

Parar de surtar na batatinha com essas coisas e voltar a comer comida foi a melhor coisa que fiz por mim e pela minha família. Eu continuo adorando várias receitas que aprendi nas minhas fases naturebas mais enlouquecidas, assim como aprendi horrores quando tinha uma obsessão doida por confeitaria francesa e técnicas complicadas.

Mas basta.

Chega uma hora na vida que você só quer curtir seu macarrãozinho. Com glúten.

A cozinha ficou mais fácil de gerenciar, a lista de compras diminuiu e ficou mais barata, e, a não ser quando coloco nozes nas coisas, não ouço mais nenhum mimimi da família. É mais fácil reutilizar as sobras, há menos itens perecíveis com os quais me preocupar, o desperdício é zero, eu passo menos tempo do meu dia pensando em comida e mais tempo... fazendo qualquer outra coisa, e todo mundo está saudável e feliz.

Ainda tenho a tendência de overthink. Pensar demais e me inventar preocupação é minha maldição, e tenho que lutar contra isso constantemente. No caso, cortar os gatilhos para esse comportamento é o que mais funciona para mim e me dá paz de espírito. Razão pela qual sumi do Instagram, para quem estiver se perguntando. Internet em geral alimenta meu monstro.

Chega de alimentar o monstro.

Prefiro alimentar minha família.

A lista que deixo no Keep é essa, de tudo o que é essencial na minha cozinha. Deixo a lista na ordem em que encontro os produtos no meu mercado. Os itens em azul são aqueles que eu compro quase que invariavelmente toda semana.
  • 3 tipos de fruta (quantidades depende da fruta)
  • 2 tipos de legumes (idem)
  • 2 tipos de folhas (idem)
  • Cebolas
  • Alho
  • Salsão / Aipo
  • Cenouras
  • Salsinha
  • Cebolinhas
  • Avocados
  • Limas /limões
  • 500g de algum grão, normalmente arroz
  • 500g de qualquer tipo de leguminosa (grão de bico, feijão ou lentilha)
  • milho para pipoca
  • 1kg de aveia laminada 
  • 4 litros de leite
  • Iogurte integral (eu compro um pote de 1,75kg, e sai o mesmo preço de fazer o meu e esse é muito bom)
  • Creme de leite fresco (um potinho de 500ml)
  • 1 ou 2 tabletes de manteiga (cada um vem com 450g; depende das receitas a fazer na semana)
  • 500g queijo cheddar branco
  • 500g queijo mozzarella para a pizza
  • 1kg de parmesão
  • 2 caixas de ovos com 12 unidades cada
  • 1 pacote de 250g de prosciutto ou bacon (que uso essencialmente para refogar com cebola e dar gosto a pratos simples)
  • 1 pacote de cereal matinal (tem uma marca orgânica de que gosto muito que usa vários grãos integrais e não tem quase nada de açúcar)
  • 5kg de farinha ( normalmente trigo branca, mas pode ser integral também)
  • 1kg de alguma farinha especial (polvilho, trigo sarraceno, centeio ou farinha de milho para polenta)
  • Cacau em pó (que é mais versátil para ter sempre do que barras de chocolate)
  • Fermento químico
  • Fermento biológico seco
  • Bicarbonato de sódio
  • 2 pacotes de macarrão (de 450g cada)
  • 1 lata de tomate pelado (de 750g, dá para o molho da pizza e mais algum preparo)
  • Azeite de oliva
  • Óleo de semente de uva (que uso quando não quero o gosto forte do azeite, ou para frituras)
  • Vinagre de maçã
  • Tahini (resquício da minha onda uber-natureba, mas que adoro)
  • Manteiga de amendoim natural (que adoro comer no iogurte com frutas)
  • Mostarda de Dijon
  • Ketchup
  • Azeitonas
  • Mel
  • Melado de cana
  • Sal
  • Pimenta-do-reino
  • Açúcar
  • Açúcar mascavo 
  • Extrato de baunilha
  • Café em grão
  • Chás variados
  • 1 pacote grande de chips de tortillas de milho sem sal
  • pão e/ou tortillas de trigo frescas

É  claro que às vezes coloco na lista itens especiais, como um chocolate, um peixe, uma erva diferente, castanhas. Mas essa lista é, via de regra, o que eu faço questão de ter sempre em casa para o bom funcionamento da minha cozinha e da minha sanidade.

Então chega sábado e domingo, varro com os olhos os armários da cozinha e tico no aplicativo tudo o que ainda tem (mesmo que seja bem pouquinho, porque só compro mais quando REALMENTE não tem mais) e tudo o que acabou. Aí entra o pulo do gato: ANTES de botar TUDO o que falta na lista, eu faço o exercício mental (e essa é minha parte favorita, acreditem) de tentar criar refeições com o que há no armário, no freezer e na despensa, como se fosse impossível ir ao mercado àquela semana. Há semanas em que consigo cozinhar apenas com o que está ali, por mais vazia que a geladeira pareça, e vou ao mercado apenas para a manteiga e o leite do café da manhã. Há outras em que todos os vidros e prateleiras estão vazios (por conta do esforço em usar o que tem dos outros dias) e volto de fato carregada da lista toda ali em cima. Mas isso é bem mais raro.

Sabendo quantas refeições consigo produzir com o que tenho, sei exatamente o que eu de fato preciso comprar da lista para completar as refeições que faltam. Anoto as refeições num quadrinho na geladeira, mais o menos na ordem do que vai estragar mais rápido para aquilo que pode esperar mais. E faço a listinha do Keep.

O mais comum é que eu volte do mercado mais ou menos assim, faltando apenas o saco de batatas e o leite, que esqueci de fotografar:

Em sentido horário: couve-flor, lentilhas, cevadinha, creme de leite fresco, ovos, azeitonas pretas, broccolini, folhas de mostarda, cenouras, alho, echalotas (compra de impulso), avocados, grapefuit, 3 tipos diferentes de maçã (duas de cada) e bananas.

 Parece pouco para a semana, mas é preciso lembrar que só faço os jantares. Allex sempre leva de almoço a porção que costuma sobrar do jantar anterior, e o almoço das crianças varia entre diferentes tipos de sanduíche, macarrão com legumes e queijo, ou algum bolinho feito com sobras de grãos e legumes. O meu almoço também faz uso de sobras e quase sempre uma fatia de pão, como mostrei no post anterior. Também isso não costuma contar para o final de semana, quando saímos para comer ou inventamos alguma porcaria no improviso. Fim de semana é dia de almoçar sanduíche, jantar pipoca, e descansar a cabeça.

O cardápio inventado vai para o quadrinho da geladeira. Se eu tiver qualquer ideia diferente para os almoços das crianças e o meu, anoto embaixo.
  
Naquela semana, em que eu tinha umas três linguiças que haviam sobrado dos cachorros-quentes do fim de semana, pensei nas lentilhas e alguma verdura escura. O flyer do mercado dizia que as folhas de mostarda estavam em promoção, então elas foram as escolhidas. Também em promoção estavam os broccolini e a cevadinha. Logo, decidi não comprar arroz aquela semana e levar cevadinha no lugar, que havia muito tempo não comia. Levei o bastante para o jantar com as sobras e mais um tanto para produzir orzotto na semana seguinte.

A promoção se estendia às couves-flor, que eram mais em conta se levadas em par. Uma delas virou aquele bolo de couve-flor maravilhoso do Ottolenghi, e outra virou cobertura de pizza, cheia de azeitonas pretas, segundo a receita do Jim Lahey

Eu pretendia assar as batatas com ervilhas num tray bake, mas de última hora resolvi cozinhá-las e misturá-las a um pouco daquele pesto de folha de erva-doce que ainda havia no freezer. Acompanhei com ovos fritos e um purê de ervilha que estava uma delícia, mas que as crianças não gostaram. (Uns dias depois, o purê de ervilha recusado foi misturado a ovos e farinha e fermento e transformado em  panquequinhas para o lanche da escola. Sucesso.)

Os abacates foram para meu almoço junto com aquele grapefruit pequeno, as maçãs foram para os lanches da escola, e as bananas viraram bolo. O creme de leite e os ovos viraram sorvete de baunilha e a despensa estava novamente vazia no domingo seguinte. 
 

As lentilhas com salsicha não têm segredo. Dourar as linguiças na panela até estarem cozidas, dourar cebola e alho na gordura das linguiças e mais um fio de azeite, e juntar as lentilhas já cozidas, misturando bem para os gostos apurarem. (No caso, minha lentilha sempre leva cenouras e louro.). Uma bela polvilhada de salsinha e um fio de vinagre e pronto. Servir. As folhas de mostarda foram branqueadas e puxadas no azeite e alho. Só.

No caso da cevadinha, eu tinha uma memória fugaz de um prato da Heidi Swanson com cevadinha e raspas de limão, temperada como se fosse um risotto. Primeiro branqueei o broccolini, e depois usei a água do legume para cozinhar a cevadinha. Quando ela estava no ponto, refoguei os broccolini em azeite, alho e pimenta calabresa, juntei a cevadinha com um pouco de caldo, para os gostos se misturarem, e quando o líquido evaporou quase todo, juntei uma bela quantidade de azeite, raspas de limão siciliano, uma espremida do limão para trazer acidez, e um belo punhado de parmesão ralado. O ovo frito é sempre meu acompanhamento favorito para completar uma refeição.



O jeito que melhor funciona para mim na hora de pensar no que fazer para comer, é fazer um quebra cabeças de PRINCIPAL + ACOMPANHAMENTO QUENTE + SALADA com o que tem na geladeira, tentando trocar os papéis dos legumes, como se fosse um jogo de combinações em que as posições não podem se repetir. Ou seja: quem é acompanhamento quente hoje, amanhã tem que ser salada ou principal. O brócolis pode ser o principal se estiver gratinado, por exemplo, e o arroz é o acompanhamento. Mas se o arroz, por sua vez, for de forno, com ovos e queijo, o brócolis e só refogado e acompanha. A cenoura num dia é cozida e temperada com manteiga, no outro dia vai dentro do soufflé, e no outro é raladinha como salada. Se o principal for mais robusto e já tiver legumes, pulo ou o acompanhamento quente ou a salada. 

Eu era muito fã de pratos únicos quando éramos só Allex e eu. Mas com crianças, é com certeza mais fácil pensar em pares ou trios de pratos. Se Laura ou Thomas teimam de não gostar de algo, tem sempre outro elemento no prato para mantê-los alimentados. A única obrigação deles é experimentar de tudo. Mas não precisam gostar nem precisam comer um monte do que não gostaram.(Aliás, sempre foi a melhor estratégia com os dois: eu dizia que só precisava experimentar, e que não precisava gostar; se não gostassem, não precisavam comer mais; mas se eles nem experimentassem, eu nunca saberia que eles não gostam, e então continuaria preparando aquilo TODOS OS DIAS; em contrapartida, se eles experimentassem e não gostassem e me dissessem, eu NUNCA MAIS faria aquilo para eles. FUNCIONA SEMPRE. E quase sempre eles acabam gostando.)

O fato de ter os pratos ali anotados não quer dizer que eu vá de fato prepará-los. Mas tendo eles ali, e sabendo quanto tempo eles levam para ficar prontos, posso trocar, misturar e reinventar, ou escolher de acordo com o meu dia o que é melhor preparar. Se o dia foi um lixo e eu mando tudo às favas e preparo um spaghetti cacio e pepe, não tem problema. Como comprei pouco, nada vai estragar só porque não usei naquele dia. Não há pressão. A cozinha é leve.

No fim, como disse, o exercício de criatividade quando há pouco na geladeira é o que mais empolga como cozinheira. Quem me recomendou o show Salt Fat Acid Heat, com certeza sabe o quando adorei o último episódio, quando Samin Nosrat diz que o que a faz feliz é cozinhar ingredientes simples, de todo dia, que estão disponíveis o ano todo, como cenouras e batatas. Demorei muito para entender esse prazer, contaminada pelos shows e livros de cozinha cheios de ingredientes exóticos e caros para o brasileiro médio. 

Daí que quando o Masterchef Profissionais propôs aquela prova de cozinhar com uma cebola como elemento principal, eu tive essa epifania: se você quer ser um bom cozinheiro, não precisa de nada mais do que cebola, cenoura e salsão. Não apenas como temperos, mas como elementos em si. Quantas refeições você consegue fazer numa semana, se tiver apenas esses três legumes em mãos? Inúmeras. 

Náo existe foto bonita de salsáo gratinado, ainda mais com essa nhaca de luz branca horrorosa do meu teto.
E houve mesmo uma semana depois desta das fotos, em os únicos legumes na minha geladeira eram esses três. E rolou clafoutis de cebola com cenouras vichy, teve risotto de salsão (super delicado) com caldo caseiro, teve arroz integral com salada de cenoura e um incrível salsão gratinado da Marcella Hazan, que estava delicioso. Sim, salsão gratinado. Você tira os filamentos mais duros dos talos externos de uns dois maços de salsão, corta em pedaços de uns sete centímetros e branqueia os pedaços em água fervente. Numa panela larga, você refoga um pouco de cebola e umas fatias picadas de prosciutto na manteiga e azeite, junta os pedaços de salsão, e um de pouco de caldo de carne, só o bastante para brasear. Eu não tinha caldo de carne, mas tinha o caldo do cozimento de grão de bico (que estava bem temperado e uma delícia), e foi isso que usei. Deixa o caldo ferver até quase sumir e o salsão ficar macio. Coloca os talos de salsão numa travessa refratária como se fossem canoinhas, espalhando as cebolas e prosciutto por cima. Polvilha generosamente de parmesão e leva ao forno médio-alto até formar uma casquinha dourada. MARAVILHOSO. Thomas, que não gosta de salsão cru, repetiu e pediu para fazer sempre. Laura, como sempre, para ser do contra, ama salsão cru, mas não gostou dele cozido. Minha sina. Eu faria sim isso de novo. Com simples cogumelos refogados e um panelão de arroz integral, foi uma refeição deliciosa.   

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Borcht com Pirochki, para quem não vive sem legumes


As coisas andam tão corridas, que esse era para ser um post de Reveillon, veja só. Com resoluções e o caramba. Engraçado como um mês depois você já se dá conta de que resoluções não levam a nada e que o melhor é simplesmente viver sua vida da melhor forma possível e não encanar muito com as coisas. [Viu? Isso era uma das resoluções, tentar ser menos dura, e levar as coisas de um jeito mais leve – só pra dizer que essa resolução tem beirado o impossível de manter.]

E tive mesmo de não encanar muito nos últimos meses, pois fui absorvida pelo trabalho durante as férias escolares, com direito a duas viagens internacionais que soaram bem mais interessantes do que foram de fato. Precisei de muita a ajuda de marido, mãe e sogra, para poder dar conta de tudo e basicamente qualquer atividade que eu tivesse planejado para janeiro (que era para ser minhas férias) teve que ser cancelada.

Agora o trabalho está um pouco mais tranquilo e as crianças voltaram para a escola, e estamos todos ainda nos adaptando à nova rotina, agora que a pequena Madame Bochechas também tem aulas. Consigo trabalhar a manhã toda, e um pouco mais à tarde, porque os dois cochilam após o almoço. (Aleluia!)

E tenho mais tempo para pensar melhor as refeições do meio da semana e até mesmo para voltar a fazer pão com regularidade.

E se as viagens a Trinidad não foram aquela coisa maravilhosa de dias no Caribe que as pessoas esperavam quando eu contava do trabalho, valeu para poder organizar a cabeça de novo e me dar conta de coisas nas quais não havia ainda prestado atenção.

Após uma reunião de três horas, o cliente pediu almoço para a equipe na sala de conferência antes da reunião seguinte... de três horas. Sempre que pediam comida no escritório a mistura era mais ou menos a mesma: algo indiano, algo chinês, algo com sotaque africano. Sempre um peixe ou uma carne com um molho doce e bem apimentado, algum curry, algum arroz ou macarrão chinês com legumes.

Muito gostoso. Comi bem todos os dias.

Mas não foi assim com todos nós. A equipe era chamada de "Nações Unidas", porque era composta de uma brasileira (eu), uma norueguesa, um romeno, um guatemalteco, um peruano e um chinês. O guatemalteco, logo notei, nunca comia nada. Naquele dia, havia um pãozinho indiano simples e delicioso, para ser comido junto com um curry que quase me fez lamber o prato. O rapaz comia apenas o pão.

O peruano lhe perguntou a respeito de sua dificuldade com a comida local.

"Não gosto de comida apimentada. Ou com muitos temperos. Não consigo comer."
"A comida na Guatemala não é apimentada?", perguntei.
"Não, é bem neutra de temperos, na verdade."

Pela localização geográfica, presumi que fosse muito quente na Guatemala, e que por isso, lá também, como todos os locais quentes, muita pimenta fosse usada. Mas não, a Guatemala é a "terra da primavera eterna", ele me explicou. E a comida reflete o clima ameno.

"Mas o que seria o básico da comida de lá? Do que você sente falta?", perguntou o peruano.
"Ah... feijão. Eu preciso de feijão. Se não tem feijão no meu prato, não é uma refeição", disse ele.
"Feijão? Hum... Para mim é arroz. Acho muito estranho não ter arroz. Fica faltando alguma coisa, não satisfaz", disse o peruano. "E você, Ana?"

Pensei um pouco.

"Como brasileira, acho que seria a combinação dos dois. No Brasil, pelo menos no sudeste, acho que arroz e feijão juntos são muito importantes."

Eles pareceram satisfeitos com essa resposta, mas eu, não. Continuei a comer meu curry de vagens, chuchando o pãozinho no molho cremoso e apimentado, e matutando no assunto. O que torna minha refeição uma refeição de fato? O que não pode faltar no meu prato? Do que mais sinto falta quando estou fora da minha casa?

Carne? Não, não preciso de nenhuma.
Arroz? Neh.
Feijão? Neh.
Queijo? Nem isso.

A resposta me surpreendeu um bocado e me encheu de satisfação ao mesmo tempo: verduras. Preciso de verduras e legumes no meu prato. Sempre. Nem que seja apenas uma folha de alface num sanduíche de queijo. Um pouco de couve para acompanhar o arroz com feijão.

Uma vez fiz uma frittata de mortadela da Nigella, que, apesar de deliciosa, causou-me muita estranheza: depois de uma vida fazendo frittata de legumes e verduras, ver proteína com proteína daquele jeito me pareceu pesado e redundante, e senti falta de algo bem verde e leve para suavizar a refeição. Posso comer um prato inteirinho de verduras e legumes, e para mim é almoço completo. Mas um prato sem eles parece tragicamente abandonado no meio do caminho.

Essa constatação me deixou muito feliz comigo mesma. Como disse a meu marido outro dia, parece que hoje, mesmo comendo carne eventualmente, eu poderia ser uma vegetariana melhor do que jamais fui. Consegui chegar num ponto em que realmente estou satisfeita com a minha alimentação. Meu prato me faz levantar da mesa leve e cheia de energia.

E fico contente vendo os pimpolhos seguindo o mesmo caminho.

Depois de pastar um bocado com o Matador de Dragões nos seus Terríveis Dois Anos, quando ele não queria provar nada verde e empurrava o prato para longe, e berrava e não comia e me deixava louca, finalmente posso simplesmente preparar o almoço com a maior quantidade de legumes e verduras possíveis, e não ficar muito encanada se aquilo será aceito ou não pelas crianças.

Porque mesmo que sem entusiasmo, eles pelo menos provam. Um influenciado pelo outro. Madame Bochechas passou voando pela fase do "não quero-não gosto", já que quer imitar o irmão, e se o irmão está comendo quiabo, então ela vai comer quiabo também. Ou Laura recebe palmas por comer toda a couve, e o ciúmes faz com que Thomas leve um garfo cheio de couve à boca, pedindo palmas também.

Às vezes tenho que me refrear e não ficar tão encanada com o fato de eles comerem tudo do prato ou não. E simplesmente fazer festa por terem provado algo novo. As broncas acontecem mais quando a brincadeira é tanta à mesa, que cotovelos batem em garfos e comida sai voando pelos ares. Ou quando Laura resolve colocar comida atrás da orelha.

Mas de vez em quando eles me surpreendem. Muito. Como quando você coloca à frente deles uma tigela de Borcht e pasteizinhos de repolho e eles comem sem titubear, sem pedir ajuda, viram as tigelinhas na boca e pedem mais, chucham os pasteizinhos no caldo púrpura brilhante, perguntam o que são as sementinhas ali dentro (alcaravia), repetem os nomes como conseguem e se esbaldam, quase não deixando nada para papai e mamãe.  

Penso de novo nisso de "cardápio infantil" ou "paladar infantil" e acho tudo uma grande bobagem. Vejo os dois tomando sopa de beterraba com repolho e comendo frutas de sobremesa e fico contente, acreditanto que eles também vão sempre buscar colocar uma folhinha de alface dentro de seus sanduíches de queijo. E que, principalmente, no dia em que estiverem na Tailândia, ou no Japão, ou na França, ou na Alemanha, ou em qualquer lugar do mundo, ou mesmo na casa de um amigo, nunca vão passar fome ou recusar comida de um anfitrião generoso. E essa perspectiva me deixa muito feliz.

Esse Borcht é vegetariano, olhe só. Eu sempre achei que Borcht levasse uma tonelada de carne. Só que não. Pelo menos essa versão. Essa sopa é mais saborosa e mais leve do que parece. Em temperatura ambiente, foi refeição em dias de calor brutal. O certo é colocar creme azedo por cima, mas uma colherada generosa de iogurte firme também serve. E não deixe de fazer os pasteizinhos, que são fáceis e deliciosos. E tanto a sopa quanto os pastéis congelam maravilhosamente bem. Foi minha saída, pois só no meio do preparo dei-me conta de que fazia Borcht e Pirochki para DEZ PESSOAS. o_O

BORCHT com PIROCHKI (vegetariano)
(do livro Culinária Ilustrada Passo a Passo, Legumes e Verduras, da PubliFolha)
Rendimento: 8-10 porções

Ingredientes:
(Borcht)

  • 1 repolho de 1,5kg, cortado em quartos e fatiado bem fino
  • 2 cenouras médias, picadas
  • 3 cebolas médias, picadas
  • um punhado de endro, picado
  • um punhado de salsinha, picada
  • 750g tomates, pelados e picados grosseiramente
  • 6 beterrabas médias, cozidas (ou assadas), descascadas e raladas grosso
  • 60g manteiga
  • 2 litros de caldo de galinha ou água
  • 1 colh. (chá) açúcar
  • suco de 1 limão
  • 2-3 colh. (sopa) vinagre de vinho tinto
  • 125ml creme azedo (sour cream), para servir

(Pirochki)

  • 60g queijo minas
  • 2 colh.(chá) sementes de alcaravia (kümmel)
  • 175g farinha de trigo
  • 1 ovo
  • 60g manteiga sem sal, amolecida
  • 2 colh. (sopa) creme de leite
  • 1 ovo para pincelar


Preparo:

  1. Depois de picado o repolho, reserve 1/2 xic. de chá para rechear os pirochki.
  2. Para a massa dos pastéis, coloque a farinha numa tigela com a manteiga, o ovo e o creme de leite, 1/2 colh (chá) de sal e misture com a ponta dos dedos, juntando a farinha aos outros ingredientes aos poucos, até obter uma farofa grossa. Forme uma bola.
  3. Polvilhe uma superfície com farinha e sove a massa sobre ela por 1-2 minutos, até ficar bem lisa e soltar da superfície e dos dedos. 
  4. Embrulhe bem a massa em filme plástico e deixe na geladeira por 30 minutos. 
  5. Enquanto isso, faça a sopa. Derreta a manteiga em uma panela BEM GRANDE. Acrescente a cenoura e a cebola e cozinhe, mexendo, por uns 5 minutos, em fogo baixo, até os legumes fiquem macios, sem dourar. Retire 1/4 dos legumes passados na manteiga para o recheio dos pirochki.
  6. Junte à panela o repolho, a beterraba, o tomate, o caldo (ou água), açúcar, sal e pimenta a gosto e deixe abrir fervura.
  7. Abaixe o fogo e cozinhe por 45-60 minutos. Prove, corrija o tempero, se necessário, e adicione mais caldo ou água se a sopa estiver muito grossa (dependendo da panela, pode secar muito rápido, então fique de olho!). Desligue o fogo e reserve enquanto prepara os pirochki. Na hora de servir, junte as ervas picadas, o suco de limão e o vinagre e acerte o tempero. 
  8. Para o recheio dos pirochki, coloque o repolho reservado em uma tigela, cubra com água fervente e deixe ficar 2 minutos. Escorra, passe por água fria e escorra de novo, espremendo bem com as mãos. Pique finamente.
  9. Misture o repolho picado, o queijo, as sementes de alcaravia e as cenouras e cebolas refogadas. Tempere com sal e pimenta. 
  10. Polvilhe uma superfície com farinha e abra a massa com rolo até 3mm de espessura. Recorte discos de massa com um cortador ou um copo de borda fina. Deve render de 25-30 discos, mais ou menos. 
  11. Use uma colher de chá para colocar o recheio no centro dos pastéis. Pincele as bordas com um ovo batido com 1/2 colh. (chá) de sal. Feche bem os pasteizinhos em forma de meias-luas e coloque em uma assadeira. Pincele-os com o ovo batido. Leve à geladeira por 15 minutos.
  12. Aqueça o forno a 200ºC. Quando o forno estiver quente, asse os pastéis por 15-18 minutos, ou até que dourem. 
  13. Sirva os pastéis ao lado do borcht quente ou em temperatura ambiente, com uma colherada de creme azedo por cima. 






terça-feira, 2 de setembro de 2008

Bacalhau fresco: usando boas lembranças de inspiração


Já falei sobre o Boudin por aqui. Sobre seus pães fantásticos que me deixaram saudades. Já comentei também sobre legumes cozidos no ponto e como isso é prioritário para uma boa experiência em um restaurante, ao menos para mim. Também já escrevi sobre preconceito contra restaurantes, e como às vezes você se sente idiota por ter quase deixado escapulir a oportunidade de uma excelente refeição.

Pois é, fazer o quê?! Esse post é sobre tudo isso. De novo.

Depois de um longo passeio à pé por San Francisco, saindo da Lombard Street (aquela rua famosa, cheia de curvas), percorrendo China Town, o bairro italiano e o centro comercial, estávamos na orla, vendo os lindos porém fedidos leões marinhos, quando, a despeito da puzza que dominava o ar, ficamos com fome. Saímos andando em busca de um bom restaurante onde comer e, depois de ler pelo menos 6 ou 7 cardápios suspeitos, decidimos que a exaustão nos guiaria e entramos, por fim, no bistrot que fica no andar superior da Boudin, a padaria Disney-style da cidade. O lugar parecia bastante formal, inconsistente com os ares lúdicos do andar superior, e sua decoração de madeira escura, toalhas brancas e talheres pesados intimidava um pouco duas mulheres com roupas confortáveis de turistas e que obviamente passaram a manhã inteira subindo e descendo ladeiras íngremes.

Chegaram os pãezinhos do couvert. Aaaaaaah... desses já falei, então não falo de novo.

Olhei o cardápio e imediatamente um prato me chamou a atenção: Black Cod com legumes. Hmmmm... bacalhau fresco: estava aí uma coisa que nunca provara na vida. Fiz meu pedido, acompanhado de um copo imenso de um chopp local de San Francisco (delicioso, denso, âmbar, opaco). Titia, mais comedida, pediu uma salada simples de tomates e parmesão.

Quando os pratos chegaram, tive uma surpresa: eles eram metade da porção que nos fora servida em nossa viagem até então. Diga-se de passagem, eles tinham o tamanho dos pratos de bons restaurantes de São Paulo, ao contrário daqueles onde vínhamos comendo, que serviam porções duplas (razão pela qual voltei mais pesadinha da viagem). Num primeiro olhar, não vi nada de muito especial no prato: o bacalhau branquinho, de pele negra, deitava-se sobre uma cama de mini-vegetais cozidos, embebidos em caldo de legumes. Uma grande folha de menta que parecia ter sido frita repousava sobre o peixe. Quando vi as cenouras e alho-porós bebês, imediatamente lembrei-me de um episódio de Kitchen Nightmares, em que Gordon repudia baby carrots. Tá vindo... tá vindo... Opa! Preconceito!

Por isso, decidi que sequer tiraria uma foto do prato. Por esse motivo e porque, como dissera, o ambiente intimidava um pouco... e eu fiquei com vergonhinha.

A primeira reação foi de minha tia. À primeira garfada, ela desprendeu uma interjeição de alegria, e pediu para que tirasse uma foto de sua salada, uma vez que os tomates, o queijo e todo resto estavam fantásticos.

Experimentei meu prato. O bacalhau estava divinamente bem preparado e temperado, a menta frita fora um toque excelente, e os vegetais-baby estavam tão deliciosos e bem cozidos que viraram referência eterna para mim. Apanhei a máquina, deixei a vergonha de lado e saí fotografando comida, pão, chopp, o diabo.

Anotei a mistura em meu caderno e prometi a mim mesma que tentaria reproduzir o prato em casa. O problema de fazê-lo, no entanto, é encontrar o danado do Black Cod por aqui. Por isso mesmo vibrei quando vi os filés de bacalhau fresco na geladeira do mercado. A-há! Vem com a mamãe, que você vai virar janta!

Infelizmente, o peixe fora filetado como pescada, e não tinham pele. E não fosse o cheiro suave e característico do bacalhau, acharia que comprei gato por lebre. Como vou adaptar isso, então? Resolvi usar uma técnica fácil mas que fica super metida à besta: cozinhar o peixe en papillote. Apanhei os alhos-poró pequenos, cortei-os ao meio no sentido do comprimento, lavei-os e os cozinhei por um ou dois minutos em caldo de legumes fervendo. Cortei as cenouras em tiras finas e fiz o mesmo, até que estivessem macias mas não desmanchando. O mesmo com alguns floretes de brócolis japonês e algumas de suas folhas. Por fim, cozinhei algumas ervilhas. Queria muito ter usado batatas, mas elas estão proibidas para mim.


Arranjei dois grandes retângulos de papel-manteiga e pincelei-os com um fiozinho de azeite. Montei duas camas de vegetais ainda encharcados de caldo sobre esse azeite, temperei com sal e pimenta e coloquei os filés de peixe, cortados em pedaços de 90g, para que todos cozinhassem por igual. Polvilhei sal, pimenta-do-reino, suco de limão, e um pouquinho de menta seca. Então piquei um punhado de salsinha e um dente de alho grande, misturando bem os dois, e espalhei essa mistura por cima de todo o peixe. Fechei bem os retângulos de papel-manteiga, amassando bem as bordas do papel para que o vapor não escapasse, coloquei os dois pacotinhos em uma assadeira e levei ao forno pré-aquecido a 220ºC por 10 minutos, até que os pacotes estivessem inflados e dourados nas bordas.

Meu marido não é fã de bacalhau salgado. O sabor que nos é mais familiar do bacalhau é muito mais sutil no peixe fresco, e desse ele gostou. Ficou tão bom que era inacreditável que estivesse mais dentro da dieta do que qualquer outra coisa que tenha preparado até então. Ficou igual ao do Boudin? Decerto não, ficou bastante diferente. No entanto, estou feliz de ter usado a lembrança do Black Cod como inspiração para esse prato. E resta ainda o desafio não cumprido, esperando por uma oportunidade...

terça-feira, 13 de maio de 2014

Caldo de abóbora japonesa, inhame e cogumelos com macarrão

Foto de improviso de um prato de improviso que ficou melhor que o planejado.
Você viu? Você viu como eu me safei no título? Não vou chamar de "sopa japonesa", porque sei que o original não é assim e não quero irritar ninguém hoje. O caso é que de vez em quando eu me empolgo na feira orgânica e levo para casa mais vegetais do que consigo consumir na semana, e então fico à procura, internet afora (incluindo o site que procura nos meus livros), algo que use a maior quantidade de qualquer coisa que eu tenha de uma vez só.

Quando caí nessa sopa, no site da Dona Martha, fui lendo os ingredientes e pirei. Tenho abóbora japonesa? Tenho. Tenho inhame? Tenho. Tenho cebolinha? Tenho. Tenho shoyu? E mirin? E kombu? E cogumelo shiitake seco? E cenoura? Tenho! Tenho! Tenho! Mas... nada de udon. O que eu tenho é um pacotão imenso de somen. E nada de nabo japonês. Ou acelga. Ou esse temperinho que mandam botar no final que não faço a mais tenra ideia do que seja. O mercado aqui do lado também não tinha. Aliás, fiquei triste de ouvir da funcionária que eles pararam de comprar nabo, porque não vendia. E eu sei que o inhame que eu tinha não era o japonês. Ou a cebolinha.

Resolvi trabalhar com o que tinha, pois era melhor meia sopa de um monte de coisa do que um monte de coisa estragando porque eu não quis usar em meia sopa. Principalmente os cogumelos, aliás, cujo sacão imenso comprei há muito tempo, para usar em várias receitas vegetarianas do livro do Mark Bittman, só para meu marido decidir, dois dias depois, que não gosta mais de cogumelos. Então, qualquer prato onde eu possa usá-los, mas que ele possa separar e não comer, está bom para mim. Preciso dar fim àquele sacolão.

Deixei os cogumelos de molho em água quente assim que voltei de deixar o Thomas na escola, e preparei todo o resto cerca de meia hora antes de buscá-lo. Como era muito caldo, resolvi cozinhar o macarrão em água separada. Assim, poderia requentar o caldo no dia seguinte ou congelá-lo, e só cozinhar mais macarrão na hora, direitinho, sem ter de catar fiozinho de macarrão desmanchando na panela.

Confesso que dessa vez olhei para o panelão e pensei: esses moleques não vão comer isso. O cheiro estava uma delícia, mas eu sei que forço a barra de vez em quando, que quando falo "macarrão", Thomas sempre espera molho de tomate por cima.

Para minha surpresa os dois atacaram seus potinhos sem pestanejarem. Laura, como sempre, usando as patinhas para catar tudo e levar à boca, o garfo às vezes numa das mãos como mero objeto de decoração. Thomas, pedindo ajuda com o somen escorregadio. Os dois comeram todos os legumes menos os cogumelos shiitake. E o menino pirou com a colher da sopa, principalmente quando disse que ele podia sorver o líquido fazendo barulhinho. Tomou tudo e pediu mais caldo.

O que eu achei? É tão gostoso, tão gostoso, que parei de comer e catei a câmera para tirar uma foto e postar aqui. Se essa meia sopa com macarrão errado ficou desse jeito, imagina com o udon e os legumes que faltaram? ^_^

Então, espero que os filhos e netos de japoneses por aqui não se ofendam com a adaptação. Aliás, até mesmo deixo aqui uma pergunta, pois, fora a espessura e textura das duas massas que são claramente diferentes, nunca entendi exatamente quando se usa o somen. Pois há pacotes de somen que mostram o macarrão sendo comido frio e outros que mostram dentro de uma sopinha quente. Se alguém souber, agradeço o esclarecimento. Pois no fim, eu uso quando a receita pede (não necessariamente uma receita japonesa), mas queria poder inventar em cima sem sentir as avós dos meus amigos japoneses revirando no túmulo.

Bom caldinho para vocês. A receita abaixo está completa e correta, apenas traduzida do site da Dona Martha, que por sua vez tirou do livro Japanese Hot Pots. Minha versão omitiu o nabo, a acelga, o shimeji fresco e usou inhame brasileiro (o pequeno) e somen no lugar de udon.

CALDO DE ABÓBORA JAPONESA, INHAME E COGUMELOS COM MACARRÃO
(Original aqui.)
Rendimento: 4 porções generosas

Ingredientes:

  • 8 cogumelos shiitake secos
  • 1/2 xic. shoyu
  • 1/2 xic. mirin
  • 2 pedaços de 13cm de kombu
  • 1/2 abóbora japonesa (kabocha) pequena (cerca de 500g), descascada, sem sementes, e cortada em pedaços pequenos
  • 115g nabo japonês, descascado, cortado ao meio no sentido do comprimento e cortado em fatias de 1cm
  • 3 inhames japoneses pequenos (cerca de 250g), descascados, cortados em quartos e em pedaços menores se forem mais longos que 5cm
  • 1 cenoura média (cerca de 115g), descascada, cortada ao meio no sentido do comprimento e cortada em fatias de 1cm
  • 1 cebolinha japonesa, fatiada na diagonal, em pedaços de 1cm
  • 115g acelga, fatiada
  • 100g cogumelos shimeji, separados
  • 225g udon
  • Shichimi togarashi, para guarnecer


Preparo:

  1. Coloque os cogumelos shiitake secos em uma tigela, cubra com 5 xic. de água (quente ou fervendo, se não tiver tanto tempo) e deixe por 5 horas em temperatura ambiente. 
  2. Retire os cogumelos, reservando o caldo. Ao caldo, acrescente o shoyu e o mirin. Os cogumelos, apare os talos, se houver, descartando, e corte os chapéus na metade ou em quartos se forem grandes.
  3. Em uma panela grande (de preferência barro ou ferro esmaltado), coloque o kombu, e então cubra com a abóbora, o nabo, o inhame, a cenoura, a cebolinha, a acelga e os cogumelos frescos e os secos hidratados e cortados.
  4. Cubra com o caldo reservado, tampe a panela e leve à fervura. Abaixe para fogo médio e cozinhe por 10 minutos. Destampe, junte o macarrão e cozinhe até que o macarrão esteja cozido. (No meu caso, cozinhei os legumes por vinte minutos, e o macarrão sozinho, para que tudo estivesse no ponto certo, já que somen cozinha mais rápido.) Sirva imediatamente, guarnecido de shichimi togarashi.


quinta-feira, 11 de março de 2010

Capuns: parece onomatopéia mas não é

Quando vi essa receita na revista La Cucina Italiana, fiquei louca. Coisinhas gostosas, recheadas com outras coisinhas gostosas, cobertas de queijo derretido. Nham! E o nome, então? Como se alguma coisa despencasse na sua frente: CAPUNS!!!

Capuns é um prato ítalo-suíço, até onde eu sei, da região de Grigioni, e lá são feitos também com um tipo de carne seca bovina regional, omitida pela receita da revista. Devem ficar ótimos acompanhando uma carne, ainda que eu tenha servido apenas com uma saladinha de tomate, uma vez que os capuns já são bem substanciais por si sós.

As fotos da revista confirmaram uma suspeita antiga minha: de que a bietola italiana, que é frequentemente traduzida como "acelga", não é nossa acelga verde-clara e bojuda, com jeitinho de repolho, mas sim é mais próxima do que nós chamamos de couve-chinesa ou acelga-chinesa (que ao que parece também é o tal Chard, em inglês): aquela mais esguia, de folhas largas e escuras como nossa couve de feijoada, e de talos brancos e largos, unidos numa base arredondada e bonita. Faz sentido para mim, uma vez que essa couve/acelga chinesa é mais saborosa e amarga e combina mais com as receitas italianas do que nossa acelga grandalhona, que parece mais adepta das saladas. Aliás, também descobri recentemente que essa nossa acelga clarinha e grandona é o tal do Nappa Cabbage, e é o que se usa para preparar o coreano kimchi (que é uma delícia!). Aaaah! Muita informação de uma vez! :P

Mas é esse tipo de coisa que acaba me enlouquecendo em muitos livros de culinária traduzidos para o português. Vê-se logo que o tradutor não se deu ao trabalho de verificar essas pequenas mas cruciais diferenças. Imagine preparar uma torta di bietola usando a acelga repolhuda ao invés da couve chinesa. Totalmente outro prato, não é? E no entanto, lá está, bietola sempre traduzida como acelga, nappa cabbage traduzido como repolho branco, double cream virando creme duplo (no livro do Gordon Ramsay! "Creme duplo" nem é um termo, até onde eu sei!), e por aí vai. Imagino o quanto isso não deve atrapalhar quem não lê inglês e só pode cozinhar a partir de livros em português. É uma falta de cuidado que não dá para entender. Boas receitas podem ir para o vinagre por erros de tradução... Por isso acabo preferindo ter os livros no original e ter o trabalho de eu mesma traduzir, adaptar, buscar substituições nacionais. É mais garantido. Sei que EU, pelo menos, vou fazê-lo com atenção.

Bom... Lá vou eu me exaltando de novo.

Capuns.

Faça-os.

São uma delícia. De verdade. Fiquei tão obcecada pela receita, que quando vi que era necessário pão integral amanhecido, preparei uma fornada de pão integral e deixei um pedaço exposto na bancada de propósito, só para poder preparar os danados dos capuns. Com caldo caseiro, então... ficou ótimo. O caldo desse mês levou a água de cozimento dos feijões azuki, que eu havia congelado, o que lhe conferiu um gosto forte e encorpado, delicioso. Faça isso: sempre congele a água de cozimento dos feijões e a use para seus caldos de legumes! Tão bom... e nenhum nutriente se perde! :)

Você não precisa fazer seu próprio caldo e seu próprio pão para os capuns. Só lhes peço que não usem aquele pão de forma integral sem gosto, de saquinho. Usem um bom pão rústico, pois sendo ele o recheio, é prioritário que seja saboroso e tenha textura. Pode ser de centeio, também. Sem contar que, fenômeno que nunca entenderei, pão de forma de saquinho não amanhece... Bizarro... Faz-me lembrar do Michael Pollan dizendo "não coma nada que não apodreça". ;)

OBS: Mais uma vez, me sinto na obrigação de agradecer pelo carinho e compreensão que recebo da maioria de vocês. Tanto, que algumas estranhas grosserias surgidas de repente e sem propósito me enervam mas não me desestimulam a continuar por aqui, pois me prendo mais ao respeito e amizade de quase todos vocês. Grazie mille!

CAPUNS
(da revista La Cucina Italiana)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 4 porções (a foto mostra meia receita)


Ingredientes:
  • 300g caldo de legumes (uns 300ml, mais ou menos)
  • 200g pão integral amanhecido, moído no processador ou liquidificador em pedacinhos menores
  • 80g queijo Emental
  • 50g manteiga + um pouco p/ untar a forma
  • 12 folhas grandes e sem rasgos de couve chinesa
  • 2 ovos
  • 1 cebola grande, picada
  • manjerona
  • sal e pimenta-do-reino a gosto

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC e unte uma travessa refratária média com manteiga.
  2. Leve água salgada a ferver. Corte fora os talos brancos e duros das folhas que se destaquem para fora da folha (não jogue fora: use numa fritatta depois, ou no caldo de legumes). Mergulhe as folhas na água fervente com cuidado, poucas de cada vez, deixando por 1 minuto e retirando. Deixe-as secas abertas sobre um pano de prato.
  3. Derreta a manteiga em uma frigideira grande. Refogue a cebola picada até que amoleça e junte o pão moído. Cozinhe, mexendo sempre, por uns 5 minutos, até que o pão esteja ligeiramente dourado e aromático. Deixe esfriar.
  4. Em uma tigela, bata os ovos ligeiramente com algumas pitadas de manjerona, sal e pimenta. Quando o pão estiver frio, junte-o aos ovos e a 3/4 do queijo ralado. Misture bem. O pão absorverá toda a umidade.
  5. Coloque uma folha aberta à sua frente. Coloque uma colherada generosa do recheio de pão no centro da folha. Dobre as laterais por sobre o recheio. Dobre a parte inferior sobre o recheio e, aproveitando o movimento, termine de enrolar com cuidado o capun. Repita com os outros onze e os arranje na travessa untada.
  6. Despeje o caldo (frio ou morno) sobre os capuns e polvilhe com o restante do queijo. Leve ao forno por 20 minutos, ou até que o queijo esteja derretido e dourado (eu poderia ter deixado dourar mais, mas estava morrendo de fome! hehehe...). Sirva imediatamente, 3 capuns por pessoa.

Cozinhe isso também!

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