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quinta-feira, 20 de julho de 2017

Crepes de centeio, uma casa sem coisa nenhuma

Prometo que vou voltar a tirar fotos bonitas para o blog. 😛
"Mamãaaae! Mas agora não tem mais espaço pra fazer a massa do pão! Como você vai fazer, mamãaaaae???"

Ah, Laura. Acho que não vai ter pão de jeito nenhum, agora que meu forno resolveu cometer suicídio, num ato de revolta contra o fato de ser o único eletrodoméstico da casa que não será vendido. Vê-se logo por quê. Foi bom, no fim das contas, o danado desistir da vida, pois assim pude terminar de me livrar de assadeiras e travessas refratárias que não tinham mais nenhuma função. Ainda que seja uma dor de cabeça ter que pensar em refeições que possam ser feitas exclusivamente na chama do fogão.

Na cozinha, há ainda aquele móvel de madeira com tampo de granito, que será doado sabe-se lá pra quem. Ele anda acomodando os últimos copos e pratos e as únicas duas tigelas da casa, as de vidro. Nesta semana requentei na frigideira os últimos waffles congelados e fiz a última leva de panquecas com o que sobrou da farinha branca. Cada farinha que acaba faz seu respectivo pote de vidro sumir para a pilha do UT - A Fronteira Final. Sobre o tal móvel, jaz ainda a cafeteira e o kettle, porque ninguém aqui sobrevive sem café e sem chá. Sem sofá, ok. Sem café, de jeito nenhum.

Thomas comenta com Laura durante o jantar: "Olha só... estão acabando as coisas de cozinha para cozinhar... E o alimento também." - Afinal, a geladeira tem só o mínimo necessário para dois dias, para podermos limpar tudo e entregá-la rapidamente. Também porque mamãe anda sem nenhuma paciência para grandes aventuras culinárias. Sanduíche, por favor.

Almoço e janto de pé, apoiada à pia, pois agora que o frio chegou, é impossível sentar no chão sem congelar a busanfa.

A mesa do jardim veio para a cozinha para acomodar os últimos itens da despensa. A mesinha verde está lá, o mini-restaurante das crianças, e vira e mexe paro para tomar meu chá com bolo ali, mal acomodada naquela cadeirinha miniatura, e rio de mim mesma, dessa situação ridícula em que nos colocamos.

Prometo sim. 😣

 Chá com bolo sim, pois enquanto ainda tinha alguns ingredientes, usei o forno de minha mãe para preparar O TAL BOLO DE IOGURTE, que ganhou versão mármore, de chocolate e laranja (bastou separar 1/3 da massa, juntando 1/4 xic de cacau - o que sobrara - a ela, e ao resto, raspas de laranja e uma dose generosa de Cointreau, e então despejar alternado na forma, fazendo o zigzag com a faca antes de levar ao forno) e versão limão com sementes de papoula (juntando o suco e as raspas de 1 limão à massa e o que eu tinha de sementes de papoula ainda, cerca de 3 colh. de sopa). Agora que minha farinha e minha paciência acabaram, acabaram também os bolos.

Você nunca sabe o quanto vai sentir falta de um sofá até passar um mês sentando num banco de jardim. Lembra aquela sensação Hygge delicinha? Não há meia luz, chá e mantinha que sobreviva a uma bunda listrada de ripa de madeira. Não consegui ler um único livro nos últimos dois meses.

E quando você se livra dos móveis, as tralhas parecem brotar de fendas no chão.

"Eu tenho poucas coisas", sempre proferi, orgulhosa. Mentira, mentira, mentira. Percebi que a rotina invisível, aquela que a gente repete ad infinitum sem pensar a respeito, contém muitos objetos invisíveis também. E vão aparecendo pentes, e elásticos, e cabos, e vasos, e caixinhas, e potes, e clips, e papéis, muuuuuitos papéis. E lanternas, e canecas, e lápis, e canetas, e mais cabos, e mais papéis, e enfeites de Natal, e trabalhos de escola, e recortes de revista, e porta-incenso, e adaptadores de tomada, e colheres de pau, e bolinhas de plástico, de borracha, de tênis, meu deus, por que essa casa tem tantas bolas???

Enfim, as crianças separaram o que gostavam muito e fizeram uma pilha de coisas que achavam chatas. Para minha surpresa, Laura se livrou de todos os vestidos de princesa e, dois dias depois, pediu para cortar os cabelos bem curtos de novo. Foi uma estranha surpresa, mas confirmou a teoria do pai de que essa coisa toda de princesa era mais influência das amigas da escola do que gosto pessoal. Thomas separou dinossauros que não queria mais. Então pediram que eu terminasse de fazer a rapa, e assim fiz. E mesmo separando para doar e vender mais de 2/3 dos brinquedos e livros, dei-me conta de que eles AINDA tinham MUITOS brinquedos. E que daquele monte todo, não havia mais do que 6 que Allex e eu havíamos dado. Prova cabal de que de fato, durante esses anos, ninguém nos ouviu quando pedimos para não darem presentes fora de Natal e aniversário.

Quando as crianças voltaram da avó, sequer perguntaram onde tinham ido parar tudo o que não estava mais em seu quarto. Demorou mais de uma semana para me perguntarem sobre o paradeiro de dois ou três itens específicos. Expliquei. Rolou um momento chateado. Distraíram-se com outras coisas. Passou. 

Depois que tudo foi mais ou menos separado, o que vai e o que fica, chegou o momento de fazer o quebra-cabeça das malas. Aquela pilha toda de roupas, livros meus, do Allex, das crianças, brinquedos, objetos, sketchbooks, foi separada em novas pilhas de 30kg. Primeira surpresa: poderemos levar todos os nossos livros na primeira viagem. Segunda surpresa: é mais fácil levantar um kettlebell de 32kg do que uma caixa de livros de 32kg. 😓

A ideia de levar tudo em caixas é econômica mas pouco prática quando se têm dois adultos para carregarem dois carrinhos de malas, mochilas nas costas e duas crianças empolgadas por aeroportos cheios, e por isso vamos pela rota do saco à vácuo e malas novas. Porque temos 120kg de livros, sketchbooks, HQs, mas temos apenas 45kg de roupas e sapatos da família toda. A gente vê logo qual é a prioridade aqui em casa. hahaha. :)

Além disso, não ajuda em nada chegar no seu país novo e dar mau jeito nas costas tentando tirar da esteira do aeroporto uma caixa em movimento de 30kg de livros sem alça nenhuma.

No quebra-cabeça, você se dá conta de que talvez aquela primeira seleção tenha sido excessivamente emocional, e acaba abandonando para trás mais alguns livros, a panela verde da le Creuset, pilhas de desenhos de quinze anos atrás. Mas percebe que aquele pinguim de geladeira velho e lascado que você e seu marido compraram quando juntaram os trapos PRECISA ir junto, para habitar todas as geladeiras do seu futuro.

Então você olha em volta e percebe que as coisas estão meio que encaminhadas, tudo que importava já foi vendido, o que resta pode ser doado sem problemas, e basta apanhar um dia com as crianças nos avós para terminar de jogar fora todas as mini tralhas da rotina invisível que continuam por aí.

E agora? E agora?

Agora é hora de marcar de ver os amigos e dizer tchau.

:(

E se já era difícil fazer isso por si só, ainda complica no meio das viagens para São Paulo para ir a cartórios, as traduções de documentos, venda de carro, entrega de móveis, contratação de mão de obra para consertar a casa alugada, busca por um apartamento para ficar no primeiro mês em Toronto, trâmites para levar o Gnocchi na segunda viagem...

Eu tinha lido sobre essa fase em outros blogs de gente que se mudou para outro país, mas sempre achei que isso era causado por procrastinação da parte dos envolvidos. Morde a língua, sua tosca. É simplesmente muita coisa para fazer mesmo. E da mesma forma como eu não via toda essa trabalheira no processo dos outros, há sempre amigos e familiares sem a menor noção do que você está passando e que acham que você está no sofá vendo seriado e esperando o dia do embarque, e que o horário esdrúxulo que você escolheu para tentar encontrar com a pessoa é mero capricho seu. 😒

Num dia, eu sentei no chão da casa.

Eram três da tarde. Eu não conseguia mais me lembrar do que precisava terminar de fazer àquele dia, meu corpo doía inteiro e eu me sentia exausta como se tivesse feito uma trilha de 90km montanha acima. Dei-me conta de que se me deitasse naquele momento, dormiria por 24 horas direto. Estava irritada, distribuindo impropérios a quem ousasse qualquer tentativa de comunicação. Eu tinha vontade de chorar de puro cansaço, como uma criança.

Mesmo assim, levantei-me, apanhei a agenda onde tinha anotado tudo o que precisava ser feito, e continuei, vendo o mundo através de uma névoa anestesiante que me permitia terminar as tarefas sem no entanto me dar conta delas.

E naquele fim de semana, parei tudo e passeei. Levamos as crianças ao Butantã, onde eles queriam muito ir havia tempos, fomos comer feijoada num bar que gostamos (morri de orgulho de ver a pimpolhada comendo orelha de porco), e saí com minha irmã para bater papo e tomar Spritz. Recarregar as energias é bom.

Hoje, de novo, vi que todos aqui precisavam de um tempo. Ao invés de passar minha tarde desmontando os últimos móveis vendidos e empacotando coisas, passei três horas no parquinho com a pimpolhada e mais duas passeando os cachorros. Chegaram todos exaustos em casa, mas muito mais felizes e tranquilos do que nos últimos tempos, com todos trancafiados no meio dessa imensa desordem desestruturada que virou minha casa.

Banho quente, desenho e sanduíche.

Não vai dar tempo de ver todo mundo. Não vai dar tempo de fazer tudo o que eu gostaria.

E por não estar dando tempo de cozinhar muita coisa, resolvi usar toda a farinha de centeio que tinha em casa nesses crepes. Tinha ficado cabreira com a possibilidade de jogar fora a farinha de centeio por não poder mais fazer pães no meu forno quebrado, e achei que esses crepes que eu preparara pela primeira vez nos primórdios desse blog seriam a redenção. E foram. Fáceis de preparar como qualquer massa de crepe, mas a receita rende 20 unidades grandes, feitas numa frigideira de 30cm. Preparei metade dos crepes num dia, e durante a semana fui preparando mais conforme a necessidade.

Na primeira noite, recheei com couve refogada, queijo estepe e cebola roxa. No dia seguinte, esquentei os crepes e servi com limão e açúcar, e ninguém reparou que não se tratava da receita de sempre de farinha branca. Aliás, ficaram fantásticos com algumas peras super maduras que caramelizei rapidamente num breve surto de firulice culinária. Quando acabaram e vi que ainda tinha farinha de centeio, não tive dúvidas e fiz de novo a mesma receita. E servi os crepes como se fossem wraps, com alface, tomate, queijo gruyère e presunto cru. Terminei com meio pezinho de radicchio refogando-o em cebola roxa e usando como recheio de um crepe apenas para mim, com queijo  gruyère derretido e nozes picadas. Fantasticamente práticos e versáteis, esse tigelão de massa de crepe de centeio na minha geladeira me salvou nas últimas duas semanas.

Agora faltam mais duas semanas. >_<

Vou dormir o sono dos justos naquele avião. 

CREPES DE CENTEIO 
(Do sempre bom blog 101 Cookbooks, da Heidi Swanson, ainda que eu tenha conhecido essa receita pela primeira vez no livro dela - Super Natural Everyday). 

Ingredientes:
  • 1 1/2 xic. farinha de centeio
  • 2 1/2 xic. farinha de trigo 
  • 1 colh. (chá) rasa de sal
  • 6 ovos grandes
  • 4 xic. água ou mais se precisar

Preparo:
  1. Misture todos os ingredientes em um tigela BEM grande. Eu acho mais fácil misturar todos os ingredientes secos numa tigela, bater os ovos e um pouco da água em outra, e ir misturando os líquidos aos secos aos poucos, com um fouet, e então incorporando o restante da água aos poucos. Isso evita os grumos e a necessidade de passar por uma peneira. Se restarem grumos muito grandes, fazer o quê?, passe por uma peneira. Se os grumos forem pequenos, ignore, pois não vai fazer diferença depois de cozido. 
  2. Você pode deixar a massa na geladeira, coberta, por até uma semana e ir usando conforme a necessidade. Basta misturar de novo antes de usar. 
  3. Na hora de fazer os crepes, aqueça BEM uma frigideira. Eu uso uma grande, de 26-30cm, mas pode-se usar qualquer tamanho de frigideira, desde que se adeque a quantidade de massa usada para cada crepe.
  4. Derreta uma colherinha de manteiga nela, girando a frigideira para ter certeza de que a manteiga cobrirá toda a superfície. MANTEIGA evita que o crepe grude. Óleo ou azeite parece não ser tão eficiente. Toda vez que um crepe começar a grudar, unte novamente com um naquinho de manteiga antes do próximo crepe (geralmente coloco mais manteiga a cada 4 crepes).
  5. Retire a frigideira do fogo e, se estiver usando uma frigideira grande como a minha, despeje no centro 1/2 xic rasa de massa, e imediatamente comece a entortar a frigideira para os lados, num movimento giratório horário ou anti-horário, para que a massa escorra como os ponteiros de um relógio e recubra todo o fundo da frigideira.
  6. Pare de girar assim que a massa parar de escorrer. Volte ao fogo médio-alto e cozinhe até que as beiradas comecem a se soltar, sinal de que a massa desgrudou da panela e está sequinha. Com uma espátula de silicone, termine de soltar as beiradas, deslize a espátula por baixo do crepe até o centro, e rapidamente e com confiança, erga-o e vire-o para cozinhar do outro lado. Dependendo da espessura do crepe, deve demorar cerca de 2 minutos do primeiro lado e 30 segundos do outro.
  7. Retire da frigideira e coloque num prato ou numa grade. Repita com o restante da massa. Para uma frigideira pequena e crepes pequeninos, cerca de 16-20cm, use não mais que 1/4xic. de massa por crepe. O primeiro sempre sai meio porcaria e mais engordurado de manteiga. Os seguintes se corrigem e saem bons. Prática traz a perfeição.
  8. Uma vez feitos os crepes, você pode deixar que esfriem. Empilhe-os sobre um prato grande, cubra-os com filme plástico e deixe-os na geladeira para serem usados depois. Eles ficam bem assim por uns 4 dias. Basta colocá-los na frigideira quente um por um para aquecê-los, rechear metade dele e fechá-los, até que o recheio fique igualmente quente e a superfície externa do crepe, dourada. Ou recheie os crepes frios, disponha numa travessa refratária untada e leve ao forno médio por uns 15-20 minutos, dependendo do recheio.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Pão de queijo francês, bolo de fubá americano, ler livros, seguir vidas


Faz já quase um ano daquelas férias de julho sem televisão que mudaram o jeito como fazemos as coisas aqui e como enxergamos nossa casa. A televisão com certeza voltou, pois ela sempre volta, mas uma mente expandida por boas idéias nunca mais volta ao tamanho original.

Naquela época, com a televisão desligada, começamos a passar muito mais tempo do lado de fora e, quando do lado de dentro, muito mais tempo juntos. Havia algo, no entanto, que me incomodava um bocado havia tempos, mas o qual não me dava ao trabalho de mudar, e que, tendo o empurrãozinho final daquelas férias, finalmente consegui: voltei a ler como lia antigamente. Um livro depois do outro, o que cair na minha mão, romance, sociologia, filosofia, Saramago, José de Alencar, ficção científica, best seller, livro técnico de arte, o que for. Felicidade pura, voltar a ler, hábito que andava em suspensão desde o nascimento dos meus filhos.

Preciso admitir que o que me impedia era pura preguiça. Os dias terminavam cansados, e eu buscava aquele entretenimento fácil debilitador de cérebros da televisão e da internet. Meu tempo andava dominado de tarefas e trabalhos e eu não conseguia nem me dar cinco minutos nem enxergar esse precioso intervalo de tempo em minha rotina para ler meia dúzia de páginas.

Foi daí que as noites sem tv se tornaram noites de leitura. E uma vez que você termina um livro bom em três dias, a empolgação é tanta que você não consegue parar mais.

Nesse meio tempo descobri tardiamente o canal da Tatiana Feltrin, da qual virei absoluta fã. E não se passou muito tempo de TV retornada até que eu estivesse de novo sentada ao sofá assistindo vídeos sobre os livros que os outros leram. Ficava encantada, fazia notas mentais sobre ler esse ou aquele volume, mas no frigir dos ovos o que eu estava fazendo de fato era parando de ler e vivendo uma vida imaginária através dos feitos dos outros.

O mesmo aconteceu quando descobri meu blog favorito, Seis Mais Dois, da Maria Cordeiro. Li de cabo a rabo, concordando com tudo, achando linda aquela vida tranquila, natural, aquelas sextas-feiras em família, aqueles jantares com amigos, aqueles piqueniques no parque, aquela simplicidade dos pães e bolachas descomplicadas de todo dia. Amei tudo aquilo, quis aquele ritmo de vida para mim, e tão logo acabei de ler o post mais recente, saí internet afora buscando outros blogs que fossem semelhantes, para suprir aquela minha carência por mais inspiração, mais vidas que não eram minhas para preencher os espaços dos meus dias, para que eu pudesse sonhar em ser assim um dia e criar aquela perigosa fantasia de que, porque eu tomara conhecimento daquela vida, a tal vida era minha também.

Aí eu tomei uns tabefes da vida que era minha e voltei a meditar.

Meditação, essa coisa linda. Dizia meu guru de Kriya Yoga que meditar é como colocar gasolina no carro: você nunca pode estar tão ocupado a ponto de esquecer de parar para abastecer. ;)

E assim mesmo parece funcionar. Os pensamentos ficam mais claros, e parece que você consegue enxergar as coisas de uma forma mais ordenada.

E numa noite dessas, quando eu procurava enfadonhamente ao que assistir no YouTube (o bom e velho zapear canais e perder tempo valioso de vida fazendo nada de bom), ao escolher um video antigo do Tiny Little Things, ocorreu um estalo no meu cérebro. Assim, como se alguém tivesse atirado um pedregulho na parte de trás da minha cabeça e me chamado de idiota. Lá estava eu, assistindo a um video de alguém falando sobre um livro que eu tinha na minha estante e nunca tinha lido na vida. Tinha a noite toda pela frente, e estava prestes a me contentar em ouvir sobre a incrível experiência que aquela pessoa tinha tido ao ler a história ao invés de eu mesma apanhar o livro e lê-la.

A sensação de desperdício de vida foi tão assustadora, que desliguei a TV imediatamente, arranquei o livro da estante e comecei a leitura. Pensei: Tatiana consegue ler 100 páginas por dia. Como ? Ah, ela não tem filhos, ela lê no ônibus a caminho do trabalho. Todas aquelas desculpas que a gente se dá para os outros conseguirem algo e nós não. Mas e daí? Quanto tempo eu de fato tenho no meu dia em que não estou ativamente com as crianças, ou trabalhando ou em alguma tarefa? Comecei a andar com um livro na bolsa o tempo todo. Até mesmo para apanhar as crianças na escola. Comecei a chegar dez minutos mais cedo apenas para me sentar no banco em frente ao portão e ler mais meia dúzia de páginas antes do sinal da saída tocar. Continuo não conseguindo ler 100 páginas por dia, a não ser que o Allex chegue tarde do trabalho. Senão, sinto muito, livros, mas ainda prefiro a agradável companhia do meu marido. :)

Isso do livro na mão o tempo todo, enquanto mexo o risotto, enquanto as crianças brincam no parquinho, enquanto espero um documento no cartório, fez-me sentir infinitamente mais feliz durante o meu dia. Eram cinco minutinhos só meus, imersa em uma atividade que gosto muito, mesmo que outras coisas estivessem acontecendo concomitantemente.

E então comecei a olhar em volta. As crianças pedindo para brincar um pouco mais na escola antes de irem para casa. Ok. Abro meu livro, leio mais um pouco. Sem pressa. Ergo os olhos. É uma escola. O único livro à vista está em minhas mãos. Adultos, jovens e crianças tem aparelhos eletrônicos nas mãos. Senti-me novamente com quinze anos, matando aula para ler Senhor dos Anéis no corredor.

Pensei em pedaços de uma conversa com a coordenadora. Quando veio um comunicado dizendo que Thomas teria de fazer lições de matemática num tablet. Fui ter com ela, incomodada. Ele tem seis anos. Já tem lição de casa todos os dias. Não precisa ficar mais tempo estudando, ainda mais na frente de uma tela. Precisa ter tempo de brincar. Ele ainda é uma criança. Além disso, nós não temos um tablet.

Ela explicou que o programa de matemática era todo lúdico e divertido e extremamente pedagógico, e que os exercícios eram de quebra-cabeças e lógica. Eu expliquei que lúdico e divertido e extremamente pedagógico é montar quebra-cabeças de verdade, de papel, de madeira, de 200 peças, em que as peças não se encaixam magicamente ao arrastar de um dedo, em que você precisa separar as peças por tipo e pensar numa estratégia. E que mais divertido era aprender lógica e probabilidade jogando Zombie Dice e Dungeon Roll com o pai, ou livros de RPG com a mãe, somando dados e descobrindo se sua soma de 12 é suficiente para matar o ogro que tem 7 de força. Ou fazer frações calculando uma receita de bolo. Quantas medidas de 1/3 de xícara cabem em 1 xícara? Matemática que permite lamber a tigela no final. Lúdico, divertido e extremamente pedagógico é entender no mundo de verdade a aplicação daquilo que se aprende no livro da escola. É mexer com diferentes materiais para criar coordenação motora fina ao invés de exercitar unicamente o dedo indicador em riste e respostas automáticas de uma tela fria com cores berrantes.

Houve um incômodo. Ela quis defender o povo que criou o material pedagógico. Defendeu-se dizendo que o povo da quinta série estava indo mal em português e que por isso eles tinham se empenhado em estimular mais as crianças. Perguntei-lhe porque não estimulavam MENOS. Perguntei-lhe em que espaço da rotina de uma criança de 11 anos que tinha aulas de manhã e à tarde, lições de casa todos os dias, trabalhos todas as semanas e provas aos sábados, haveria um momento de suficiente tédio para que ela de fato escolhesse buscar na instante um livro para ler por prazer. Se todo o tempo dela era ocupado por leitura obrigatória de assuntos que de fato não lhe interessavam. Perguntei por que não faziam uma parceria com uma livraria para montar um stand na porta da escola, onde fica visível, onde atrai olhares, já que não há uma única livraria em nosso bairro. Recebi de volta uma resposta atravessada, dizendo que havia sim uma livraria mas fechara por falta de público, e encerrei a conversa aí, pensando no verdadeiro significado daquela sentença.

Atravessei o pátio da escola carregando meu José de Alencar velho e esfarelento e olhando em volta as crianças que usavam seus "tablets pedagógicos" para ver bobagens na internet. Pensei em algumas crianças de quatro anos que conheço que já sabem ligar o computador e escolher videos de youtube sem supervisão. Suspirei alto, sentei-me no banco e abri meu livro, esperando o sinal tocar. Às vezes meu ouvido captava a conversa dos adultos ao meu lado conversando sobre Candy Crush.

O sinal tocou, as crianças apareceram. Era sexta-feira e cada uma trazia um livro novo para ler no fim de semana. Ás vezes são livros legais, e muitas vezes são livros muito ruins. Mas eles vêm sempre felizes pedindo para ler antes do almoço, e depois do almoço, e depois do desenho, e antes de dormir. E antes de dormir Thomas pede para ler O Pequeno Príncipe de novo. Ou Como Treinar Seu Dragão pela terceira vez. E Laura apanha Pippi Meialonga e abre no colo e insiste em ela mesma ler a história, passando o dedo nas letras ao contrário e inventando as frases segundo a alternância entre sua memória e sua imaginação. E fico maravilhada com a riqueza de sua imaginação. E as palavras que eles conhecem, e as histórias que eles criam enquanto brincam e enquanto desenham. E me lembro do maior elogio que já recebi do meu marido, quando comentei sobre isso com ele: "Ana, o desenho-animado vem pronto; mas quando você lê O Hobbit e o Thomas escuta uma frase como "...e ele fez um cumprimento à moda dos anões", ele precisa criar na mente dele como diabos seria esse cumprimento e porque seria assim e não de outro jeito; eles criam assim porque você lê para eles todo dia livros legais."

Quem é mãe sabe que são raros os momentos em que ganhamos crédito pelo saldo positivo, então isso me deixou muito, muito feliz. De vez em quando a gente faz algo certo.

Dois dias depois ele me enviou um cartoon da New Yorker que eu nunca mais encontrei e procurei muito para ilustrar esse texto. O cartoon mostrava dois bancos de praça. Um com o pai lendo o jornal e as crianças lendo livros, e outro com o pai ao celular e as crianças com tablets e games. E o pai do celular perguntava: "Como você consegue fazê-los ler?"

Já dizia meu guru de yoga: viva pelo exemplo.

Da mesma forma como lemos blogs e vemos videos para nos inspirar, as crianças nos observam para nos imitarem. Se a única coisa que eles vêm em nossas mãos é um celular, não é difícil adivinhar o que eles farão para fingirem serem adultos. É preciso dar o exemplo. E é por isso que, ao invés de reservar minha noite, com crianças na cama, para ler em paz, eu me esforço para encaixar pequenos intervalos de leitura no meu dia, quando eles passam por mim no meio de uma brincadeira de velho-oeste e vêm me perguntar o que eu estou lendo e se posso ler em voz alta para eles. Nessa brincadeira de curiosidade infantil, numa tarde em que Laura cochilava no sofá, Thomas se aninhou comigo na poltrona e leu comigo oito contos do Neil Gaiman, atento e de olhos encantados, até se acabarem os contos apropriados para sua idade.

É importante para mim que eles peguem amor aos livros, pois acho que isso abre um mundo maravilhoso ao mesmo tempo que mantém seus pés bem firmes no chão. Traz possibilidades de fantasia mas também de aprendizado real e prático. Estimula a curiosidade, e melhora sua concentração muito mais do que qualquer texto eletrônico recheado de distrativos hiperlinks.

Tento o máximo que posso buscar respostas para suas perguntas nos livros ao invés de buscar na internet, outra briga, aliás, que tenho com a escola. Pois se você quer saber quantas pernas tem uma formiga, basta escrever "pernas" e "formiga" no google e apertar o Enter. Você sequer precisa formular saber formular uma pergunta coerente. Numa biblioteca, precisa começar raciocinando: formiga é um bicho. Que bicho? Inseto. Onde encontro informações sobre insetos? Seção de biologia. Qual livro? Qual página? E nem sempre você encontra nos livros uma resposta pronta. Às vezes precisa cruzar informações e desenvolver sua própria hipótese. Sabe isso que a gente costumava fazer o tempo todo? Pensar?

Como quase tudo hoje em dia, parece que nosso cérebro se beneficia quando temos mais trabalho.

Ironia das ironias, enquanto escrevia esse texto, nesse exato ponto, a internet desapareceu, deu tilt, e fiquei 2 dias sem a bendita em casa. Quem mais sentiu falta fui eu, pois não conseguia resolver meus assuntos de trabalho apropriadamente e fiquei justamente sem o meu filme de quinta-feira. O universo jogando na minha cara aquilo mesmo que eu estava escrevendo. As crianças aceitaram rapidamente que não haveria desenho àquela tarde e, enquanto eu discutia com o provedor de internet ao telefone, eles cataram um quebra-cabeças de mapa-mundi, levaram para a sala e ficaram montando e deliberando a respeito dos países que eles gostariam de visitar, os lugares onde moram pessoas que conhecemos, de onde vem a comida chinesa, se há dragões na Noruega e se precisa ou não de avião para chegar ao Japão, que, segundo Thomas, é o lugar especial dele, onde quer e vai morar um dia.

Enfim. Exemplos. Inspiração.

Nós somos como crianças buscando inspiração constante em quem acreditamos ter algo mais bem resolvido que nós. Seja a realização de um guru de yoga, seja a vida descomplicada de uma numerosa família portuguesa, seja alguém que lê oito livros ao mesmo tempo. Mas ao contrário das crianças, que não vêm a hora de partir para a ação e nos imitar, tentar sem vergonha ser como nós, nós, os adultos, parecemos nos refrear e nos contentar em apenas viver através dos outros. Colecionamos centenas de fotos do Pinterest de casas que não são as nossas, lemos sobre hábitos que não colocamos em prática, guardamos no coração ansioso essa vida potencial, porque um dia eu vou fazer isso, um dia eu chego lá, amanhã quem sabe, se minha rotina fosse diferente, segunda feira eu começo, mês que vem eu vou ter tempo, assim que eu terminar esse projeto vai dar pra começar, pena que eu nunca termino esse projeto.

Baumann diz que nessa nossa sociedade líquida procuramos incessantemente gurus (elementos externos a nós) para resolver nossas vidas e criamos metas inalcançáveis (ou metas alcançáveis cuja realização postergamos o quanto possível), pois enquanto temos uma meta, nos sentimos mais firmes no chão. O que acontece quando atingimos nosso peso ideal? O que fazemos quando terminamos de escrever aquele livro? O que eu faço quando já aprendi a costurar? O que eu faço quando finalmente fizer a minha viagem dos sonhos? O que eu faço com esse vazio imenso que sobra quando não há mais o que perseguir? Não é o medo de falhar que paralisa a maior parte das pessoas, mas o medo de conseguir.

Uuuuuuuuuuh.
Profundo, isso.

Enfim. Exemplos. Inspiração.

É preciso ser mais como nossos filhos e dar a cara a bater, enfiar o pé na jaca, guardar menos as experiências para o amanhã e simplesmente desligar a televisão e catar aquele livro de uma vez por todas. Começar alguma coisa e terminar o que se começou.

Inspiração é ótimo. Eu continuo assistindo ao canal da Tatiana e continuo lendo avidamente os posts da Maria. É fácil cair de novo na armadilha de maravilhar-se com o tempo que ela passa com os filhotes, e mergulhar na internet atrás de mais inspiração. Mais fácil ainda é ter o que admiramos tanto naquela vida: basta desligar o monitor e chamar as crianças para jogar um jogo de tabuleiro no tapete da sala. Ao invés de passar o resto do dia enfurnada no computador buscando mais dos reality shows que me viciam, eu leio um post, sinto-me feliz, e chamo as crianças para fazer um bolo.

Isso aconteceu duas vezes. E naquele dia eu tinha planos para fazer um bolo de milho da Dorie Greenspan, quando eu ainda tinha o livro comigo. É muito gostoso cozinhar com as crianças, se você desapegar um pouco da perfeição do resultado e estiver disposto a limpar um pouco de sujeira depois. (Mas em pouco tempo eles aprendem a quebrar os ovos sem que explodam e a não jogar farinha para todo lado, e o máximo que se deve fazer é mandar todo mundo lavar as mãos e a cara depois de enfiar a cabeça inteira na tigela do bolo. E se você tiver um pouco de TOC, basta deixar todos os ingredientes já medidos, e não tem risco de alguma mãozinha enfiar na massa uma xícara a mais de farinha.)

Esse bolo de milho, ouso dizer, correndo o risco de tomar pedradas dos leitores, botou no chinelo a maioria dos bolos de fubá que já fiz com receitas brasileiras. Melhor textura que já vi num bolo exclusivamente de farinha de milho. Nada esfarelento, super úmido. Não sei se de fato precisa dos grãos de milho. Mas muito, muito bom. Quem diria, bolo de fubá americano. ;) Sem preconceitos, povo. Com figos frescos e uma colherada de mel serviria facilmente de sobremesa para amigos.

A segunda vez, interessantemente, foi justo ontem, durante a ausência de internet. Estava um dia lindo, e eu queria muito levá-las ao parquinho ou brincar lá fora. Mas um torcicolo acachapante me impedia  e mesmo o relaxante muscular que eu tomara não fizera nem cócegas. Meio de mal humor, catei o celular e comecei a torrar minha franquia de internet fuçando por aí. Lá fui eu de novo do SeisMaisDois para ler o post novo. E de novo comecei a mergulhar, mergulhar, mergulhar. Ouvi as crianças fazendo sabe-se lá o quê no quintal, e de novo aquilo me despertou.

"Quem quer fazer um bolo com a mamãaaaaaeeeee???"

Diga-me se esse bolo não ficou lindo. :)
Lembrando do bolo de alecrim da Maria, resolvi testar um bolo de louro e laranja do David Leibovitz, cuja receita eu anotara antes de vender o livro. Mal sabia eu que havia encontrado o melhor e mais fácil pound cake que já fiz. Eu AMO pound cakes. São meus bolos favoritos, por conta da textura compacta. Quero muito depois omitir o louro e a laranja e simplesmente fazer um pound cake de baunilha usando essa receita, que além de tudo não precisa de batedeira. :) O truque de colocar uma linha de manteiga no centro do bolo produziu o pound cake mais lindo da minha vida. (Aliás, eu cortei a manteiga gelada em tirinhas bem fininhas com uma faca afiada e montei a linha, ao invés de às colheradas ou com saco de confeitar, como ele sugere.)

Laura veio correndo me ajudar a fazer o bolo, quebrou os ovos,  misturou tudo, ajudou a lamber a tigela no fim e depois a cobrir com o glacê aromático e crocante. E não fui só eu que adorei. Achei que as crianças estranhariam o sabor do louro, que fica bem forte, mas o bolo fez um sucesso estrondoso.

A foto não faz jus ao bolo. Mas tiver de correr pra fotografar antes que ele acabasse.

Inspiração não serve de nada se não inspirar ação. Se não fizer você se mexer, não é inspiração, é entretenimento, é distração. Inspiração de nada serve se só te traz aquela nostalgia melancólica de algo que você nunca viveu.



Noutro momento desses, inspirada pelos blogs minimalistas, embalando os livros que vendera, pensei na receita de gougères do livro da Dorie Greenspan que já estava empacotado para o correio. Deu-me uma vontade imensa de gougéres, e me dei conta de que já fizera éclairs e profiteroles, mas nunca sua versão salgada. Antes que me arrependesse de me despedir do livro, lembrei-me que havia uma receita no I Know How to Cook, minha bibliazinha de cozinha francesa. Em pouco mais de meia hora havia gougères quentinhas saindo do forno, que a pimpolhada recheou com manteiga e devorou no lanche da tarde. Consegui guardar alguns para comer depois com uma tacinha de vinho, versão sanduichinho, com manteiga, uma fatia fina de tomate bem maduro e folhinhas de rúcula. Os dois que sobraram foram de lanche da escola no dia seguinte, exatamente como meus sanduichinhos adultos, pois apesar de serem preparados exatamente como os nossos pães-de-queijo, os gougères se conservam maravilhosamente bem de um dia para o outro. Pão de queijo francês perfeito para o lanche da escola, Fica a dica.


Encerro o texto aqui, com essas receitas deliciosas, pois está na hora de buscar as crianças na escola e eu quero aqueles meus dez minutinhos para terminar de ler A Luneta Mágica, do Joaquim Manuel de Macedo. Que livrinho bom!

Torcendo para que esse texto inspire a ação de muita gente. ;)

(Disclaimer: aqui todo mundo lê bastante mas todos vêm TV e jogam video-game - com supervisão.)

BOLO DUPLO DE MILHO
(Do livro Baking Chez Moi, da Dorie Greenspan)
Rendimento: 1 bolo em forma de bolo inglês

Ingredientes:
  • 1 3/4xic (203g) farinha de milho
  •  1 1/2 colh (chá) fermento químico em pó
  • 1/2colh (chá) sal
  • 1/2colh (cha) grãos de coentro moídos
  • 115g manteiga em temperatura ambiente
  • 1 xic (200g) açúcar
  • 3 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 3 colh (sopa) leite integral
  • 1 xic. (125g) grãos de milho frescos cozidos, descongelados ou em lata (escorridos e secos em papel toalha)

Preparo:
  1. Unte uma forma de bolo inglês de uns 22cm, enfarinhe e coloque a forma sobre uma assadeira. Pré-aqueça o forno a 180oC.
  2. Numa tigela, misture com um fouet a farinha de milho, fermento, sal e coentro. 
  3. Na batedeira, bata a manteiga em velocidade média, até que fique cremosa. Adicione o açúcar aos poucos e bata por 2 minutos, até que esteja bem misturado. Não tem problema se ficar um pouco granuloso.
  4. Junte os ovos, um a um, batendo bem a cada adição.
  5. Em velocidade baixa, junte os ingredientes secos. Como o milho não tem glúten, não precisa se preocupar se bater demais, mas você só precisa de uma massa amarela e uniforme. Junte o leite.  
  6. Adicione o milho e misture com uma espátula para espalhar bem os grãos.  Aproveite para verificar se não ficou nenhum ingrediente seco mal misturado no fundo da tigela.
  7. Derrame na forma, alisando a superfície para que fique uniformemente espalhado. Leve ao forno por 55-65 minutos, até que uma faca saia seca do meio. Se depois de 30-40 minutos, o bolo estiver dourando demais, cubra com um telhadinho de papel alumínio, solto. 
  8. Transfira o bolo para uma grade e deixe que esfrie por 5 minutos pelo menos antes de tentar desenformar.

BOLO INGLÊS DE LOURO E LARANJA
(Do livro My Paris Kitchen, de David Lebovitz)
Rendimento: 1 bolo inglês

Ingredientes:
(bolo)
  • 6 colh. (sopa) (90g) manteiga + 1 colh (sopa)
  • 10 folhas de louro, frescas ou secas
  • 1 2/3 xic. farinha de trigo
  • 1 xic açúcar
  • 1 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/2 colh (chá) sal
  • 3 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 1/2 xic creme azedo (sour cream: creme de leite fresco + 1 colherinha de vinagre, deixado por algumas horas em temperatura ambiente)
  • Casca ralada de 1 laranja
  • 1/2 colh (chá) extrato natural da baunilha
(glacê)
  • 1 xic açucar de confeiteiro, peneirado
  • 1 1/2 - 2 1/2 colh (sopa) suco de laranja fresco
  • 1 colh (chá) licor de laranja, como Grand Marnier ou Cointreau

Preparo:
  1. Numa panela pequena, derreta os 90g de manteiga com 3 folhas de louro. Desligue o fogo, tampe e deixe em infusão por 1 hora. 
  2. Pré-aqueça o forno a 180oC. Unte com manteiga uma forma de bolo inglês de uns 22cm de lado, enfarinhe e forre o fundo com papel-manteiga. 
  3. Passe um pouco de manteiga em uma das faces das folhas de louro restantes (o jeito mais fácil é simplesmente esfregar de leve a folha na superfície do tablete de manteiga) e posicione as folhas no fundo da forma, com a parte amanteigada virada para baixo. As folhas não serão comidas. Elas apenas darão sabor ao bolo. Na hora de cortar as fatias, elas são descartadas.
  4. Numa tigela grande, misture a farinha, o açúcar, o fermento e o sal. 
  5. Em outra tigela, misture os ovos, o creme, as raspas de laranja e a baunilha até que fique homogêneo.
  6. Reaqueça a manteiga da panela, para que se liquefaça novamente e descarte as folhas. 
  7. Use uma espátula para misturar os ovos à farinha apenas até que esteja homogêneo. Então junte a manteiga e misture até que a manteiga seja absorvida. 
  8. Derrame na forma com cuidado para não mover as folhas. Alise a massa com a espátula. Então, disponha a manteiga restante por cima da massa, fazendo uma linha central no sentido do comprimento. (Achei mais fácil cortar tiras bem finas da manteiga do que fazer às colheradas). 
  9. Leve ao forno por 40-50 minutos, até que uma faca inserida no centro saia limpo. 
  10. Deixe que esfrie por 10 minutos sobre uma grade e então desenforme, retirando o papel manteiga da parte debaixo. 
  11. Quando esfriar, prepare o glacê, misturando todos os ingredientes até obter uma pasta lisa e opaca e que escorra devagar pelo bolo. Espalhe por cima do bolo e deixe que solidifique completamente. 
 GOUGÈRES
(Do livro I Know How to Cook, de Ginette Mathiot)
Rendimento: 6 porções (cerca de 3 por pessoa, dependendo do tamanho)

Ingredientes:
  • 1/2 xic manteiga sem sal (cerca de 100g)
  • 1 colh (chá) sal
  • 1 xic. farinha (cerca de 125g)
  • 4 ovos grandes, batidos
  • 1 3/4xic queijo Gruyère ralado 

Preparo:
  1. Numa panela grande, aqueça 1/2 xic água, a manteiga e o sal até que a manteiga tenha derretido, e então deixe abrir fervura. 
  2. Imediatamente e de uma vez, adicione a farinha, misturando energicamente com uma colher de pau. Abaixe o fogo para o mínimo e continue batendo por cerca de 1 minuto, até que a mistura se desprenda facilmente das laterais da panela. 
  3. Unte um prato grande com um pouco de manteiga e espalhe ali a massa e deixe que esfrie até temperatura ambiente. 
  4. Volte a massa para a panela desligada e junte os ovos gradualmente, até obter uma massa lisa, uniforme e brilhante. (Essa é a massa choux salgada. Se junto do sal, você usar 1 1/2 colh (sopa) de açúcar, voilà, você tem a pâte à choux doce para éclairs e profiteroles).
  5. Junte o queijo, misturando até que ele esteja bem espalhado. 
  6. Pré-aqueça o forno a 220oC. Unte uma assadeira grande com manteiga. 
  7. Com um saco de confeitar, ou uma colher, disponha porções de massa do tamanho de ovos pequenos, dando alguns centímetros de espaço para que os pãezinhos inflem. 
  8. Coloque a assadeira no forno e imediatamente reduza a temperatura para 205oC. Asse por 15-20 minutos para gougères individuais como esse, até que fiquem bem inflados e mais dourados do que você deixaria pães de queijo brasileiros. Atenção, pois se não assarem o suficiente (como aconteceu com minha primeira leva, que achei que já estavam dourados o bastante), eles desinflam. 
  9. Retire e sirva-os com o recheio que quiser, quentes ou em temperatura ambiente. Guarde os restantes embrulhados num pano de prato para que se conservem frescos até o dia seguinte. 

quinta-feira, 2 de março de 2017

Um mês de Dorie Greenspan, a bizarrice do Hygge, livros e coisas que se vão

 

Daí que num dia desses caí num artigo bizarro sobre um livro dinamarquês sobre HYGGE. O artigo dizia que o tal livro seria tão influenciador de comportamento quanto o livro da japonesa que ensina a dobrar roupa havia sido no ano passado. Curiosa que sou com relação a comportamento de massa e estilo de vida de outros povos, fui atrás para saber do que se tratava, e... fiquei preocupada com a humanidade.

O livro fala sobre o estilo de vida dinamarquês, e como esse povo cercado de inverno por todos os lados faz para ser (segundo aqueles pseudo-estudos que surgem do nada), o povo mais feliz do mundo. O livro vende que o segredo para a felicidade eterna é uma vida caseira, cercada de gente da qual você gosta, em momentos gostosos em que você de fato está com essas pessoas e não com seus celulares, e, principalmente, o habito de chegar em casa, colocar uma roupa confortável, fazer um chá, acender umas velas e ficar aconchegadinho num canto gostoso do sofá, à meia luz, lendo um bom livro.

Oi.

Prazer.

Meu nome é Obviedade.

Fiquei em choque ao ver quanta gente está escrevendo a respeito, fazendo videos a respeito, como se o ato de ficar gostoso no sofá, com uma calça de moletom, um chá, um livro e uma luz aconchegante fosse uma grande novidade no reino do bem-estar.

Brinquei com o marido que eu sou a pessoa mais Hygge do mundo. Porque eu faço isso toda santa noite desde que me conheço por gente. Que mundo bizarro é esse, em que você precisa de um livro pra ensiná-lo a simplesmente relaxar a bisteca e curtir um momento em paz num cantinho aconchegante? O povo está assim TÃO alucinado que não sabe mais relaxar?  o_O

Bom.

Ainda bem, eu ainda sei relaxar, então não devo estar tão louca assim. Naquela foto ali em cima, eu tinha acendido uma velinha perfumada que minha mãe me deu de Natal, e estava aconchegadinha em uma de suas mantas. Acho que aprendi a arte do aconchego com ela. Ela que continua produzindo mantas de sofá e xales de bebê, feitos à mão, cheias de amor, de uma tal forma que eu não conheço uma pessoa que, tendo uma de suas mantas, não sinta ciúmes da mesma quando outra pessoa resolve usá-la. O exemplo mais próximo que tenho é meu marido: morre de ciúmes da manta verde que ganhou da sogra há quinze anos, quando ela a tricoutou para que ele se enrolasse para jogar video-game no inverno. Tá vendo? Hygge. Minha mãe é dinamarquesa e nem sabe. ;)

Quem tiver curiosidade, pode fuçar no Instagram da mamãe, cheia de mantas uma mais linda que a outra, todas à venda (ela envia pelo correio!): @ceciliagaiarsa

E foi num dia destes, aconchegadinha no sofá, que resolvi fuçar nos livros parados na estante. 

Depois das semanas de janeiro em que consegui alimentar a família (muito bem) por quase meio mês usando só o freezer e a despensa, sem ter que ir à feira ou ao mercado, resolvi unir o útil ao agradável e testar um livro do qual cozinhara pouco, E AO MESMO TEMPO, testar um outro jeito de planejar as refeições. Eu sempre fui de fuçar nos livros, escolher algumas receitas para fazer e meio que girar em torno delas durante a semana, mas sempre depois de ir à feira e comprar o que eu bem quisesse. Daí que sempre apareciam receitas interessantes às quais faltavam dois ou três ingredientes, e eu saía para comprar os tais itens, o que acabava estourando meu orçamento no fim do mês.

E manter-se no orçamento tem sido uma coisa muito importante aqui em casa.

Eu já tinha decidido vender os livros da Dorie Greenspan sobre comida francesa e mais outros aqui de casa, mas resolvi que antes eu queria cozinhar deles algumas coisas que nunca tinha preparado, para desencargo de consciência. Abri o danado e selecionei umas doze receitas com ingredientes mais ou menos em comum e que não envolvessem nada exorbitantemente caro, fiz a lista de compras, e prometi a mim mesma tentar não fugir daquilo até o fim do mês, e ver o que eu conseguiria produzir na cozinha com as sobras daquelas receitas feitas inteiras e se isso me faria economizar algumas patacas.

A lista das receitas selecionadas do livro, em princípio, foi essa:
- Tourteau de Chèvre (que eu não fiz)
- Gougères (que eu não fiz ainda)
- Pissaladière
- Corn soup
- Côte d´Azur Cure All Soup (que não fiz)
- Orange Scented Lentil Soup
- Chuncky Beats and Icy Red Onions
- Couscous Salad
- Eggplant "Tartine"
- Roast Chicken for the Paresseux (que eu não fiz)
- Fresh Orange Pork Tenderloin
- Boeuf à la Mode
- Roasted Salmon and Lentils
- Swiss Chard Pancakes (Farçous)
- Salted Butter Breakups
- Honey Spiced Madeleines

E a lista de compras de ingredientes, esta aqui, considerando alguns poucos itens que eu já tinha em casa, como grão de bico no freezer, por exemplo:
- Queijo Gruyère (um nacional qualquer)
- Cebolas (um monte, por causa da Pissaladière)
- Cenouras
- Salsão
- Batatas
- Pepinos
- Berinjelas
- Beterrabas
- Tomates Cereja
- Pimentões coloridos
- Azeitonas Pretas
- Azeitonas Verdes
- Anchovas
- Laranjas
- Extrato de tomate (que eu fiz ao invés de comprar)
- Lentilhas
- Couscous marroquino
- Farinha de trigo
- Tomilho (o meu morreu)
- Milho verde
- Coentro
- Lombo de porco
- Frango (acabei não comprando)
- Salmão
- Acém (acabei comprando músculo de novilho orgânico)
- Folhas de salada

Fui às compras, então, e resisti bravamente à tentação de comprar qualquer item fora da lista que não fossem os básicos leite, manteiga, ovos e farinha. Confesso que senti dificuldade na banca de orgânicos da feira. Como resistir a lindos chuchus e abobrinhas? Só que não estavam na lista e eu não escolhera fazer nada do livro que levasse chuchu ou abobrinha. Mordi o dedo, contive a tremedeira e consegui me ater à lista. Ufa.

Ter a lista das receitas colada ali na geladeira e todos os itens necessários já comprados tornou minha rotina de cozinha muito mais fácil. Escolhia já no dia anterior o que fazer de almoço e jantar de acordo com o tempo que eu teria para cozinhar, e já pensava se as sobras poderiam ser congeladas ou reaproveitadas de outra forma já no dia seguinte. Nisso, o livro ajudou bastante, tendo pequenas notas sobre a conservação do prato ou quais partes poderiam ser feitas com antecedência. Todos os ingredientes estavam ali, dos principais aos temperinhos, e não ter de ir outra vez ao supermercado já foi grande fator de economia.

No dia das compras me planejei para "processar" tudo o que podia e que sabia que estragaria mais rápido, ou mesmo preparar pratos inteiros para ir direto ao freezer, como foi o caso da sopa de milho. Fiz a sopa no momento que as espigas estavam mais frescas e ela foi inteira direto para o freezer, em porções suficientes para dois diferentes jantares para dois adultos e duas crianças. A sopa só foi consumida no meio e no fim do mês, e foi muito prático ter aquilo ali já pronto. Ela era deliciosa, cremosa, adocicada, e a farofinha de bacon por cima ficou muito boa. Super diferente de outras sopas de milho? De fato não, mas muito boa.

CORN SOUP
Rendimento: diz 4 porções, mas somos em 4 e comemos duas vezes. Nossas porções de sopa são pequenas, no entanto, nunca comemos mais que 2 conchas cada um.

Ingredientes: 
  • 3 espigas de milho, debulhadas (reserve a espiga)
  • 3 xic. leite
  • 2 colh (sopa) manteiga
  • 1 cebola grande, picada
  • 1 talo médio de salsão, fatiado fino
  • 1 cenoura média, descascada e fatiada fino
  • 1 dente de alho, picado
  • 2 xic. água
  • 2 ramos de tomilho
  • 2 ramos de alecrim
  • 1 folha de louro
  • Pimenta-do-reino branca moída na hora
(guarnição)
  • cebolinha picada
  • 1 pitada de pimenta caiena 
  • 2 tiras de bacon cozido até ficar crocante e picadinho

Preparo:
  1. Coloque as espigas reservadas no leite e leve à fervura. Desligue, cubra a panela e deixe em infusão enquanto prepara o resto da sopa. 
  2. Em outra panela grande, derreta a manteiga. Junte a cebola, uma pitada de sal e cozinhe em fogo baixo, por 5 minutos, até que a cebola amacie bem mas não doure. Junte o salsão, a cenouta, grãos de milho, alho e sal e cozinhe até que os legumes estejam macios. 
  3. Junte a água, o leite com as espigas, as ervas, e 1 colh (chá) de sal. Leve à fervura, abaixe o fogo e e cozinhe por 20 minutos. 
  4. Retire as espigas, o louro e quaisquer ervas que você consiga pescar fora e descarte. Bata a sopa no liquidificador com cuidado. Acerte o tempero e sirva com a guarnição. Sem a guarnição, a sopa congela maravilhosamente.

Em seguida, apanhei os tomates ultra-maduros que eu comprara mais baratos na banquinha de orgânicos e pelei, tirei as sementes, cortei e joguei na panela com sal na proporção de 1 colh.(sopa) de sal para cada 1kg de tomate. É muito? Claro que é. Mas o objetivo é conservar meu extrato de tomate por 1 ano. Cozinhei até os tomates desmancharem, até o molho reduzir a um terço de seu volume, e então bati no liquidificador para ficar bem liso. Espalhei numa assadeira o mais uniformemente possível e levei ao forno bem baixo por meia hora. Nesse tempo, espalhei novamente, juntando o molho reduzido un pouco mais pro canto, limpando a parte exposta da assadeira com um papel-toalha, e voltando ao forno. E assim, de meia em meia hora, juntando, limpando, juntando limpando, até aqueles 4kg de tomates iniciais virarem um potinho de 3/4xic. Espesso, brilhante, de um impressionante vermelho escuro. Coloquei num pote esterilizado, cobri de azeite e levei à geladeira, onde meu extratinho vai durar um ano, desde que eu cubra de azeite sempre que pegar umas colheres.

Essa receita não era da Dorie, mas de um livro de cozinha calabresa que eu já vendi. Mas como a carne assada dela pedia extrato de tomate, achei que valia a pena fazer o meu, delicioso, orgânico, sem porcarias, antes da carne.

E a carne ficou muito boa. Usei músculo de novilho, orgânico, que estava num preço muito bom, e essa foi a carne braseada que fiz que ficou mais saborosa e macia. Não era quase em nada diferente das outras receitas básicas de carne braseada no vinho, a não ser pelo fato de ela marinar no vinho e com todos os legumes durante a noite e depois ser cozida por umas 2-3 horas no forno nesse caldo. Também as anchovas e o extrato de tomate contribuem bem para o umami do prato. Muito bom. Muito mesmo. Mas dado que o resto do processo é o mesmo das receitas mais clássicas francesas e italianas, apenas pensei que da próxima vez que fizer qualquer uma delas, vou mariná-la no vinho antes de cortá-la em pedaços e incluir na refoga dos legumes as tais anchovinhas. As fotos que achei internet afora, procurando um link para a receita, mostram uma linda carne fatiada. A minha se desmanchou inteira ao tentar cortá-la, o que eu não considero de modo algum um defeito. :)

Achei besta ficar usando uma frigideira para fazer tudo e transferir para o panelão, coisa que eu só faria se minha caçarola não pudesse ir direto no fogo. Como podia, selei tudo na caçarola mesmo. Não usei conhaque, pois n~~ao tinha (deglacei com água mesmo) e não usei caldo de carne, pois acho um pleonasmo usar caldo de carne numa carne que já vai cozinhar com os legumes e ervas que dariam sabor ao caldo. 

BOEUF À LA MODE
Rendimento: de novo, diz que serve 6 pessoas, mas aqui em casa deu 1 refeição para os 4 e mais dois almoços só eu e as crianças. Pratos pequenos. Segredo da vida longa e da cintura estreita. ;)

Ingredientes:
  • 1 pedaço inteiro de acém com 1,7-2kg, limpo mas não totalmente sem gordura
  • sal e pimenta-do-reino
  • 1 cebola, em meias-luas finas
  • 1 cenoura. descascada e em pedaços
  • 1 talo de salsão, em pedaços
  • um bouquet garni com 1 folha de louro, as folhas do salsão, 2 ramos de salsinha, 1 ramo de alecrim, 2 ramos de tomilho, amarrados
  • 1 garrafa de vinho tinto (750ml)
  • 1 colh (sopa) azeite
  • 4 xic de caldo de carne (usei água e o caldo ficou muito saboroso assim)
  • 3 colh (sopa) óleo (usei azeite de novo)
  • 3 colh (sopa) conhaque (omiti)
  • 4 anchovas
  • 2 colh (sopa) extrato de tomate

Preparo: 


  1. Massageie a carne com sal e pimenta e coloque numa tigela bem grande ou ziploc bem grande. Junte os legumes, as ervas e o vinho, o azeite, misture e feche bem o ziploc ou cubra a tigela com filme. Leve à geladeira por toda a noite. 
  2. No dia seguinte, remova a carne da marinada e seque com papel-toalha. Deixe voltar à temperatura ambiente.
  3. Coe a marinada, reservando os legumes e ervas e colocando o líquido numa panela. Leve essa panela ao fogo alto e reduza pela metade, cerca de 10 minutos. Junte o caldo (ou água), leve à fervura novamente, desligue e reserve.
  4. Aqueça o forno a 180oC. Coloque a caçarola de ferro em fogo alto com 2 colh (sopa) de óleo. Sele bem a carne, dourando de todos os lados. Retire para um prato grande e tempere com sal e pimenta. 
  5. Coloque mais uma colher de óleo na e junte os legumes coados. Cozinhe por uns 10 minutos. Como eles estão úmidos, não vão pegar muita cor, mas vão pegar gosto. Tempere com sal e pimenta, junte o conhaque se estiver usando, raspando o fundo com uma colher de pau, e junte o conteúdo da panela à carne. 
  6. Volte o panelão para o fogo e misture 1/2 xic. do caldo reservado ao extrato de tomate e anchovas, amassando para dissolver tudo muito bem. Junte o restante do caldo, as ervas, sal e pimenta, coloque de volta a carne e os legumes e leve à fervura. 
  7. Desligue, cubra com papel alumínio, coloque a tampa por cima e leve ao forno por 1 hora. Você pode ou não abrir tudo pra ver como estão as coisas e virar a carne de quiser. Mas não precisa. Cozinhe por mais 1h30 ou 2h, (tempo total 2h30-3h) ou até que a carne esteja macia. 
  8. Experimente o molho. Retire a carne e reduza mais, se preferir. Descarte o bouquet-garni. Sirva a carne fatiada com purê de batatas.



A salada de beterrabas com cebolas era simples e não tinha nada de muito diferente a não ser o mel no vinaigrette de mostarda. Confesso que o mel de fato arredondou os sabores, trazendo a mostarda e a cebola mais para o universo adocicado da beterraba assada. Fez muito sucesso com as crianças, e prometi a mim mesma lembrar sempre do mel nas próximas vezes. Mas é só isso. Um vinaigrete de mostarda que leva uma colherinha de mel, em cima de beterrabas assadas e cebolas fatiadas e geladas. Outra que fez sucesso foram essas panquecas de espinafre, Farçous. Meramente uma panqueca de espinafre, feita nas mesmas proporções de uma panqueca americana, mas batida com algumas ervas, cebola e alho, e um pouco de espinafre (já que não havia swiss chard), que você meio que frita ao invés de fazer de só dourar. Apesar de não ter ficado convencida pela fritura, as panquecas ficam saborosas e de fato congelam fantasicamente bem. A receita inteira faz umas 40 unidades, e vão do freezer para uma assadeira e em menos de 5 minutos estão quentinhas para o almoço. MUITO práticas e renderam 3 refeições diferentes, com salada verde, com a tal salada de beterraba e com salada de tomates. Mas não acredito que vá usar de novo a receita do livro (porque faço panquecas assim sem receita) ou mesmo fritá-las, que achei que deu mais trabalho que o necessário.


A pissaladière foi uma receita que escolhi para criar base de comparação com outras que já fiz. E essa, acredito, foi a melhor de todas. Pequena, alimentou bem acompanhada de salada verde dois adultos e duas crianças numa única refeição. A massa é crocante e delicada, bem fina, e a cobertura de cebolas, ainda que clássica, estava bem temperada e numa boa proporção. Pode ser também que eu finalmente tenha aprendido a caramelizar cebolas, coisa que eu não tinha coragem de levar a cabo há dez anos atrás, quando morria de medo de queimá-las. ;) Fico sem saber, então. Thomas, que não é muito fã de cebolas, adorou e repetiu a pissaladière e decidiu que agora  não tem mais cisma com elas.

O lombo com laranja ficou delicioso, apesar de um prato feio, daí a não ter fotografia. Não sei se me convenceu aquele monte de casca e polpa de laranja no molho, mas o sabor estava muito bom e todos rasparam o prato. Talvez não Thomas, que achou a coisa toda meio esquisita. "Garçom, derrubaram suco no meu prato!", disse Allex, engraçadinho. Mas a verdade é o que sabor era muito bom e o prato é muito fácil e razoavelmente rápido. Ficou ótimo com arroz. Faria de novo? Acho que sim, mas talvez adaptando para aquele jeito que a Rita Lobo fez, na TV, só com o suco. A receita é bem parecida, a não ser pelas cascas e gomos que a Dorie usa e pelo fato de a Rita usar bacon e legumes.

Mas o que faria de novo mesmo é o curry basicão da página seguinte do livro, no qual usei a outra metade do lombo que sobrara. Esse sim ninguém estranhou e todo mundo lambeu a tigela. Mas curry é curry. É sempre bom e é sempre igual. O tipo de curry que faço a olho e com os pés nas costas, uma mão segurando a Laura e um olho no Thomas embaixo da mesa. O porco ficou muito bom mas confesso que sumiu um pouco ali: podia ser carne, podia ser frango, podia ser peixe, podia ser tofu, meio que o sabor continuaria o mesmo. Mas seria sempre delicioso. É curry, afinal. Acho que uma excelente receita-base para quem nunca faz curry.


E com o que sobrou de laranjas veio essa sopa de lentilhas, maravilhosa, diferente. Pimpolhada adorou o iogurte na sopa, e o desenho bonito do branco sobre o marrom austero dela. De novo, pense numa sopa de lentilhas com azeite, cebola, salsão, cenoura, caldo de legumes e lentilhas. Basicona. A única diferença foi colocar um pedaço de casca de laranja de 3x6cm, sem a parte branca, 6 grãos de pimenta-do-reino, 1 cravo e um pedaço de gengibre de uns 3cm, picado. (Isso para uma sopa usando 1 xic de lentilha). O pulo do gato é bater tudo no liquidificador junto, especiarias, casca e tudo. Ficou muito bom. O coentro para finalizar foi adição minha.



Para dar um tempo nas carnes, fiz a salada de couscous com pimentão, grão de bico e frutas secas, que ficou muito saborosa. Mas, novamente, tive a sensação de que não precisava de fato de uma receita de livro para executar aquele prato. Depois de tanto tempo cozinhando, aquela mistura de sabores era meio intuitiva. Ao menos Dorie não esconde isso e ela mesma menciona na nota o fato de a receita nunca ser feita da mesma forma, sendo constantemente improvisada. Ainda assim, um bom almoço, com direito a repeteco, pois faz muitas sobras.

Agora essa berinjela assada coberta de uma salada/vinaigrette de tomate, pepino, azeitonas e alcaparras me surpreendeu um bocado. Todos adoraram e o que eu acreditei que renderia sobras para o jantar, foi devorado imediatamente numa só refeição. Merece infinitos repetecos com infinitas variações. Só pincelar com azeite fatias grossas de berinjela e levar ao forno até dourar e ficar macia. E cobrir com essa saladinha de tudo isso aí picado: pepino, tomate-cereja, salsão, cebola, alho, azeitona verde, alcaparra, orégano, sal pimenta e vinagre. Fácil.

E outra que será repetida à exaustão foi essa misturebinha de fígado de frango. Não é patê, não é terrine, é só uma coisinha rápida para comer com o pão. Servi no almoço com uma salada de tomates mas depois me vi assaltando a geladeira tarde da noite para acabar com o que estava no potinho, tão, tão, tão bom. Não sei se foram as cebolas caramelizadas, se a pimenta-da-jamaica ou a mera sugestão de servir com maionese. Mas eu amei esse negócio e vou fazer pelo resto da vida. É só esquentar numa frigideira 1/2 xic. de azeite e fritar 2 cebolas picadas. Drene as cebolas e então doure 450g de fígados de frango limpos e cortados ao meio no óleo restante na frigideira, por uns 2 minutos cada lado, para que cozinhem mas ainda fiquem rosinha por dentro. Seque em papel toalha, deixe descansar um minutinho, pique grosseiramente e junte à cebola. Reserve o óleo da frigideira. Tempere o fígado e a cebola com sal e pimenta, 1/4 colh (chá) de pimenta-da-jamaica e 1-2 ovos cozidos picados. Se parecer muito seco, junte o óleo da frigideira. Aperte bem numa terrine ou potinho, cubra bem e gele por algumas horas. Sirva no pão com maionese caseira. Nham!

Aliás, essa receita não estava na minha lista. Mas quando fui visitar minha mãe, ela me deu uma bandejinha fígado congelado, e resolvi que aproveitaria para testá-la, ao invés de fazer o clássico patê de sempre ou o crostini de fígado à toscana de sempre. Esse aliás, foi um ponto incrivelmente positivo do livro: ele é muito coerente, e me vi cozinhando cem por cento do tempo dele, mesmo na hora de improvisar com as sobras.

E assim de improviso saiu esse "cake" salgado de bacon, gruyére e figo seco, acompanhado de uma salada de tomate com molhinho de mostarda e iogurte. Um Cake Salé comum no preparo. O que sobrou virou piquenique na piscina do clube, cortado em cubinhos e acompanhado com tomatinhos cerejas e pepinos, e fatias grossas foram levadas de lanche da escola. As crianças adoraram e Laura AMOU comer "bolo" no almoço, sem ser de sobremesa. :)

Também rolou Spaetzle com ervas num domingo em que as crianças pediram linguiças na churrasqueira. E na lista de pratos para fazer no fim do mês, quando tudo o que é fresco já acabou na gaveta de legumes, sobrou ainda Gnocchi à la parisienne e gougère para acompanhar uma sopinha simples. Ainda não fiz nenhum dos dois, mas pretendo.

Até nos doces acabei me enveredando. O quatre-quarts, aquele bolo clássico francês, em que todos os ingredientes têm o mesmo peso, é muito fácil e foi devorado em duas sentadas. Achei confuso apenas Dorie mencionar que o topo fica bem dourado, quando o meu dourou apenas nas laterais, e todas as fotos que encontrei internet afora mostravam o mesmo domo pálido. Depois do quatre-quarts, fiz também sablés de chocolate e croquants, biscoitos que Thomas e Allex adoraram.  Menciono isso porque Laura, como sempre, preferiu comer bananas a biscoitos. Não há um único biscoito que eu tenha feito até hoje que ela de fato goste. Ela morde uma vez ou outra, diz que está satisfeita, que não gostou muito e vai pegar uma fruta. Essa é a única frescura alimentar dos meus filhos da qual eu não reclamo. ;)

Os sablés são os mesmos de sempre, ficaram bons mas iguais a quaisquer outros sablés de chocolate. Os croquants são bons para quando se quer usar claras congeladas: Basta misturar 2 claras a 1 1/4xic de açúcar, 1 xic. de castanhas picadas grosseiramente (usei avelãs e amêndoas) e 1/2 xic. + 1 colh(sopa) de farinha. Vai ficar uma massaroca nada ver com massa de biscoito. Coloque numa assadeira com silpat em porções de 1 colh (chá ) com espaço de 5cm entre elas. Tente deixar montinhos com forma de bolinhas. Leve ao forno a 205oC por 8 minutos ou até dourarem.

Foi um mês que correu muito fácil em matéria de culinária. O salmão feito num pedaço inteiro por 12 minutos no forno ficou no ponto perfeito, e as lentilhas que acompanhavam... bom, ficaram lentilhas. Os butter breakups ficaram maravilhosos, e depois vou fazê-los de novo para poder fotografar e colocá-los aqui no blog direitinho. As madeleines são madeleines comuns, mas com deliciosas especiarias e um gostinho de mel. Mas decidi que não faço madeleines com tanta frequência a ponto de querer manter aquela imensa forma de 36 madeleines. Então quem quiser comprá-la, está à venda.

O mês terminou e o resultado foi uma economia gigantesca no mercado, onde comprei apenas os itens da lista acima e mais leite, ovos, farinha e manteiga. Comemos muito bem, não gastamos muito, e agora posso mandar o livro de consciência limpa.

Mas Ana, por que diabos você vai vender o livro se você gostou dele?????

Porque apesar de tudo ter ficado muito bom, o livro é bem grande para o espaço que tenho para ele no momento, e ocorre que fora algumas ideias de sabores diferentes, a base das receitas é clássica e, de novo, já tenho meus livros clássicos de coração. Anoto as receitas que quero fazer de novo e desapego. Quando fizer uma carne braseada da Marcella Hazan, vou marinar a carne e juntar anchovas. O chopped liver eu já decorei na minha cabeça. Há ainda muitas outras receitas no livro que me interessaram, mas também há nos livros que escolhi manter, e agora estou numa fase em que realmente, de verdade, quero zerar, gabaritar, arrasar com os poucos livros que escolhi para serem meus livros clássicos da vida toda. O que não quer dizer que não pretenda continuar cozinhando de outras fontes e passando essas dicas a vocês também. Vocês, essas três pessoas queridas que ainda lêem o blog, depois que o youtube bombou e todo mundo parou de ler. ;) hahah

Se ainda resta alguém querendo pegar um livro usado mas muito bom, fica aqui a lista dos livros e tranqueiras que não tenho usado mesmo. Desapego monstro. Rumo à etapa final. ;)
As tranqueiras de cozinha Le Creuset estão todas fantasticamente excelentes, nem parece que usei tanto. Embalo tudo maravilhosamente bem para que nada quebre e faço reza brava. Hahaha.
Se alguém se interessar por alguma coisa, mande-me um email para lacucinetta@gmail.com com seu endereço completo para cálculo de frete, ok?

Como sempre, agradeço imensamente a todos que por todos esses anos acompanharam o meu acúmulo de livros e utensílios, e que agora estão ajudando na libertação dos mesmos. :D
Antes que alguém ache ruim, só posto isso aqui porque sei que aqui tem muita gente que gosta de cozinha, de livros, de formas, e que "me conhece" o bastante para saber que não estou sacaneando ninguém. O que não sair por aqui vai acabar sim no Mercado Livre e afins, mas acho sempre meio chateação vender e comprar de gente que a gente não conhece... :(

Novamente, obrigada! :D

Vou ali ficar toda "Hygge" com os livrinhos que sobraram, lendo um José de Alencar emprestado da mamãe e tomando um chazinho de erva-doce. ;)

R$50,00 + frete
SUZANNE GOIN - Sunday Suppers at Lucques (sobrecapa com sinais de uso, interior em excelente estado)
DAVID FRENKIEL & LOUISE VINDAHL - Green Kitchen Travels (excelente estado) 
DARINA ALLEN - Forgotten Skills of Cooking (capa rasgada na lombada, interior como novo)
STEPHANIE ALEXANDER &  MAGGIE BEER - Sabores da Toscana (em português de portugal) - pouquíssimos sinais de uso e excelene estado
KIM BOYCE - Good to the Grain (excelente estado)
NIGEL SLATER - Notes from the Larder (capa ligeiramente gasta, interior perfeito) 

R$35,00 + frete
FRANCINE SEGAN - Dolci - Italy´s Desserts (excelente estado)
FRANCES MAYES -In Tuscany (excelente estado)
JOHn SEYMOUR - The SElf Sufficient Life and How to Live It

R$25,00 + frete
MARC VEYRAT & GÉRARD GILBERT - La cuisine paysanne   (excelente - tamanho pocket, mas lindo, cheio de fotos)
THE MULTI-CULTURAL CUISINE OF TRINIDAD & TOBAGO & THE CARIBBEAN (novo)
MICHAEL POLLAN - Cooked 
THE ABC OF COOKERY (Livro produzido pelo governo britânico para educar as pessoas a cozinhar durante a primeira guerra)

TRANQUEIRAS:
MOEDOR de grãos de ferro Botini - R$65,00 + frete 
CANUDOS de alumínio para cannoli pequenos (10cm), 12 unidades - R$15,00 + frete
Forma de MUFFIN MINI com 24 cavidades, da Wilton - R$35,00 + frete
LE CREUSET - Cj de 6 ramequins com capacidade de 1xic, vermelhos, perfeito estado, como novos - R$270,00 + frete
LE CREUSET - Cj. de 8 ramequins com capacidade de 1/2xic, vermelhos, perfeito estado, como novos - R$240,00 + frete (R$30,00 cada)
LE CREUSET - 1 mini-cocotte com tampa, cor de laranja, capacidade de 1 xic., perfeito estado, como nova - R$55,00 + frete 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

TV quebrada e soufflé de chocolate

Foto tirada às pressas antes de o soufflé desinflar...
A cabeça anda fervilhando como nunca e tem sido difícil sentar em frente ao computador por tempo bastante para organizar todos os pensamentos. (Acho que há meses começo posts assim.)

As férias escolares foram maravilhosas. Jamais pensei que diria isso, mas sem uma viagem sequer, foram de fato maravilhosas.

Todos tiraram férias juntos: crianças, mamãe e papai, e juntos gozamos da total e completa ausência de compromissos e horários, podendo aproveitar ao máximo o silêncio das manhãs, o sol da tarde, o vento à noite, a grama nos pés, os abraços, os cafunés, as brincadeiras no quintal, as leituras na rede, o fogo crepitando na lareira, as sonecas ocasionais sem hora para acabar.

Foram dias de almoços sem pressa, de explorar trilhas, de aprender a escalar barrancos íngremes, subir em árvores, dias de parquinho, de se pendurar de ponta cabeça, de se escalavrar no asfalto em quedas de bicicleta, de sentar no tapete da sala para ler O Hobbit.

A televisão quebrou no primeiro dia de férias. E o que pareceu um castigo celeste a todos aqueles a quem contei o evento ("Como você vai fazer com as crianças, as férias inteiras sem tv???") revelou-se providencial e transformador.

As crianças aceitaram muito rapidamente a ausência da tv. E entendi que os verdadeiros dependentes necessitados de desintoxicação eram os adultos. Dei-me conta do quanto me apoiava na televisão, Santo Netflix da Paz Duradoura, nos momentos em que julgava que a presença das crianças pudesse ser um estorvo. "Como você vai fazer o jantar com eles correndo em volta?", perguntavam minhas caraminholas. E ficou claro que o único estorvo era a ansiedade que eu cultivava ao ficar presumindo possibilidades de incômodo. Na hora de preparar o jantar, eles sentavam-se à mesa para observar e muitas vezes ajudar. Picavam legumes, rasgavam alfaces, quebravam ovos, mexiam panelas, apanhavam na geladeira os ingredientes que eu requisitava, colocavam os pratos à mesa, os talheres sobre o guardanapo dobrado. Seu interesse era encantador, e enquanto eu não pretendesse ter pressa em terminar o processo, tudo fluía divertidamente como um comercial da tv quebrada. Em outras ocasiões, eu me via cozinhando em silêncio ou conversava com meu marido e as crianças permaneciam desaparecidas em algum canto da casa, imersas em suas brincadeiras e completamente alheias à nossa presença e o que quer que estivéssemos fazendo.

Não havia estorvo nenhum e rapidamente a ansiedade foi substituída por calma e a certeza de que meus filhos não precisavam ser "distraídos" da minha rotina, mas sim, precisavam participar dela.

Essa calma foi como uma chuva lenta de fim de tarde lavando a sujeira das janelas, e aos poucos meus olhos pareceram começar a enxergar os eventos como eles eram de fato, sem os velhos padrões maculando meu julgamento. Comecei a observar. E ao observar mais, passei a reagir menos.

Num fim de tarde, nos jardins do clube, após nosso piquenique, as crianças chapiscavam os dedos numa pequena fonte de água cristalina com pedras lisas ao fundo. Alguns passantes lançavam olhares de reprovação para aquela interação com o patrimônio do clube, mas eu apenas olhava em silêncio, lembrando-me de como também eu na mesma idade adorava brincar com fontes, e pensando na falta que faz um riacho. Como seria se houvesse um trecho de mato com um riacho limpo, um córrego que fosse, que eles pudessem explorar, enfiar os pés, cutucar as pedras, acariciar o limo, entender a água, fazer experiências e usar toda aquela curiosidade para desenvolver o potencial de seu espírito. Pensei nos parques públicos. Pensei nos lagos sujos. Deixei que enfiassem as mãos na água limpa da fonte até alcançar as pedras do fundo, pois aquele era seu riacho, o riacho de quem vive na cidade.

Naquele instante em que eu parabenizava a mim mesma por ser uma mãe legal (porque a gente sempre faz isso), os dois se viraram para o jardim, apanharam algumas folhas secas e retorcidas e jogaram na fonte. Meu corpo todo retesou-se e ergui um dedo acusador em sua direção, mas por algum motivo minha boca permaneceu aberta, as palavras duras de repreensão flutuando entre a língua e a garganta, sem soarem moralismos, vergonhas, lições de bom comportamento. E por um segundo, um micro segundo, observei. E naquele micro segundo meus filhos abriram sorrisos largos e ergueram seus olhos grandes e incandescentes de alegria para mim, e disseram: "Olha, mamãe! São barcos!!" E aqueles barcos carregaram sementes que eram bichos e flores que eram pessoas, através de um oceano vasto e cheio de perigos, enfrentando ondas e dragões marinhos, naquele espelho d´água de noventa centímetros, o grande oceano da cidade grande, o portal mágico para um mundo fantástico que poderia ter se arruinado e fechado para sempre ao mero soar de um retumbante "NÃO!".

Meu corpo relaxou, recolhi meu dedo, engoli meu julgamento e minha boca aberta sorriu, enquanto acompanhava a brincadeira. Houve mais olhares reprovadores em volta, mas não me importei. Quando outro elemento aleatório atraiu seu interesse, suas mãozinhas recolheram as folhas molhadas e as devolveram ao jardim sem que eu precisasse dizer nada, e enquanto corriam para longe, observei o oceano infinito retornado ao seu estado original de fontezinha de jardim, sem qualquer prejuízo ao patrimônio e, principalmente, sem nenhum prejuízo à imaginação das crianças.

Depois desse episódio, comecei a prestar mais atenção. A quebra da tv, que nos desintoxicou do hábito de ficar assistindo a bobagens no YouTube à noite, me jogou de volta aos livros com tamanha força que hoje me orgulho em ter novamente o mesmo ritmo de leitura de dez anos atrás, quando celulares só faziam ligações telefônicas, e uma hora de internet ligada custava uma fortuna. "Aqui e Agora! Atenção!", dizem os pássaros do Aldous Huxley, no excelente livro A Ilha. E é com atenção no Aqui e no Agora que você permanece, às vezes naturalmente, outras vezes, com algum esforço, quando tenta acompanhar as crianças com a mente despida dos antigos padrões e diretrizes que normalmente criam essa verborragia de NÃOs e PAREs.

Ao parar de presumir que as crianças sujarão a fonte, quebrarão os copos, matarão as joaninhas, cairão das cadeiras, cortarão os cabelos das bonecas, ao interromper essa torrente de preocupações e julgamentos, muitas das quais foram incutidas sem razão em nossas mentes por toda uma vida, podemos quebrar o hábito do NÃO irracional, o NÃO e o PARE cuspido sem dar chances à experiência, e de repente damos oportunidade às crianças de navegar barcos, de criar música com uma colher e dois copos com água, de sentir uma joaninha lhes fazer cócegas ao subir por seu braço, de ter a autonomia de pegar uma banana sobre a mesa ficando em pé na cadeira, de aprender a recortar formas sem nome em papéis e explorar a resistência de materiais (inclusive os cabelos da boneca), e colar tudo de volta para criar algo completamente novo. Sua alegria, sua curiosidade, seu olhar refrescante sobre aquilo que para nós é já maçante, torna-se nossa alegria e nossa curiosidade, e rejuvenesce nossa relação com o mundo.

Meu NÃO ficou mais ocasional e ganhou força por conta disso. Minha disciplina tornou-se uma educação mais tranquila e amorosa. Aos poucos tento deixar para trás alguns moldes que me engessavam e engessavam meu relacionamento com meus filhos. Tirei-os da natação depois de uma conversa em que me dei conta de que eles ansiavam pela piscina livre do clube, para brincar, e não queriam mais um adulto lhes dizendo como se mexer na água. Eles já sabem o que fazer se forem jogados dentro d´água, e por enquanto isso basta. Sem ir tanto a São Paulo, agora suas tardes são longas e seu tempo é vasto, e depois da escola não há mais pressa para almoçar nem horário para sair do parquinho.

E no parquinho, enquanto eles brincam na areia, cutucam flores e escalam a rampa do escorregador, eu leio, sem pressa. Mais um livro que me esperou por anos na estante, esperou que eu perdesse o interesse pela internet, pelo celular, pela expectativa dos outros, pela norma imposta de fora. E num dia de parquinho, já passando das cinco, pensei naquele conceito que ouço repetido à exaustão, de que para quem tem filhos o fim de tarde é o pior, pois estamos exaustos e as crianças começam a fazer birra. Conheço isso por experiência, pois foi o que vivi nos últimos cinco anos. Mas não nos últimos meses. Eram cinco e meia e as crianças brincavam, e eu lia meu livro, e havíamos feito uma infinidade de coisas àquela tarde depois da escola, e ainda assim sentia em minha veias uma energia vibrante que me propelia a voltar para casa e fazer o jantar, e ler para as crianças, e brincar mais um pouco e, ao invés de cair moribunda no sofá depois de eles dormirem, continuar produzindo, pintando, conversando, lendo mais. Está claro para mim que a exaustão que senti nos últimos cinco anos partiu de mim mesma e do modo com tentei controlar as coisas à minha volta. Do modo como deixei meus velhos padrões impulsionarem minhas ações e reações sem de fato me permitir estar presente e atenta. Sem me permitir desfrutar de fato da companhia de meus filhos e de tudo o que eles têm a oferecer. Até então eu estava "criando" meus filhos. Agora estamos vivendo juntos.

Naquela tarde, voltando para casa, comecei a preparar as vagens branqueadas e temperadas de muito azeite que acompanhariam um soufflé de queijo. Thomas se aproxima e me diz, como ele sempre diz, escandindo sílabas e colocando toda a tonicidade no início da frase, num tom de novidade e maravilhamento: "VOCÊ NUN-CA FEZ um soufflé de chocolate, mamãe!" Respondi que de fato nunca fizera. "Faz soufflé de chocolate, mamãe? Faz hoje?"

Eu pretendia dizer NÃO. Que faria outro dia. Que o jantar já era soufflé e que não fazia sentido. Mas novamente as palavras se dissolveram na minha boca antes de formarem som. Por que não?

POR QUE NÃO?

É a pergunta que mais figura em minha mente. E quase nunca a resposta se forma. E até minha filha de três anos sabe e repete aos quatro ventos que Porque Não e Porque Sim não são respostas.

Então separei mais ovos e preparei soufflé de chocolate pela primeira vez na vida, assim, de supetão. E descobri que soufflé de chocolate pode ser feito com antecedência, então fiz uma receita inteira e sobrou sofflé de chocolate para comer no dia seguinte também. Também descobri que soufflé de chocolate é perigosamente fácil de fazer e mais ainda de comer, principalmente essa receita da titia Alice Medrich, o que comprova que foi muito certeira a decisão de colocar esse livro de sobremesas fáceis dela na minha lista de Livros Para Levar Para uma Ilha Deserta.

E foi assim que uma tv quebrada nas férias produziu meu primeiro soufflé de chocolate e uma vida mais feliz.

E para quem já me perguntou sobre livros de "Parenting", indico de coração cheio de alegria o livro Calidad de Vida, da alemã Rebeca Wild. Sobre ritmos de desenvolvimento e qualidade de vida. Mudou meu jeito de ver meus filhos, a escola, e mesmo minha infância e minha vida adulta. Se quiser depois ler Vigiar e Punir, do Michel Foucault, será um ótimo contraponto.

SOUFFLÉ DE CACAO
(do sempre ótimo Sinfully Easy Delicious Desserts, da Alice Medrich)
Rendimento: 8 porções em ramequins de 150-180ml.

Ingredientes:
  • Manteiga amolecida e açúcar para os ramequins
  • 1/2 xic + 3 colh (sopa) açúcar
  • 2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1/8 colh (cha) sal
  • 2/3 xic leite
  • 1/2 xic cacao em pó (sem açucar)
  • 3 colh. (sopa) água
  • 2 ovos grandes, separados + 2 claras
  • 1 colh (chá) extrato de baunilha
  • 1/8 colh (chá) cremor tártaro (se não tiver, 1/2 colh (cha) suco de limão ou vinagre bastam - só é preciso algo ácido para estabilizar as claras)
  • 75g chocolate meio-amargo ou amargo picado finamente ou 1/2 xic chips de chocolate

Preparo:
  1. Coloque a grade do forno no terço inferior e pré-aqueça a 190oC. 
  2. Unte com manteiga todos os ramequins e polvilhe açúcar no interior para recobrir e o fundo e as paredes, descartando o excesso.Posicione os ramequins sobre uma assadeira grande. 
  3. Com um fouet, misture 1/2 xic do açúcar com a farinha e o sal em uma panela pequena. Junte um pouco do leite para formar uma pasta grossa. Então continue adicionando o restante do leite, mexendo para não empelotar.
  4. Ligue o fogo médio-baixo, mexendo com uma colher de pau até que surjam bolhas nas laterais. Então continue cozinhando, mexendo sempre para não pegar no fundo, até que engrosse um pouco, cerca de 2 minutos. 
  5. Despeje a mistura numa tigela grande. Junte o cacau, água, GEMAS de ovo e baunilha e misture para formar uma pasta grossa. Reserve.
  6. Numa batedeira, bata as quatro claras com o cremor tártaro em velocidade média até que picos moles apareçam ao se levantar o batedor. Gradualmente junte as 3 colheres de açúcar restantes, batendo em velocidade alta até que as claras estejam firmes, mas não ressecadas.
  7. Incorpore cerca de 1/4 das claras na pasta de cacau de forma grosseira, para tornar a massa mais leve. Junte o restante das claras e então incorpore rápida e delicadamente com a espátula. Junte o chocolate picado. 
  8. Divida a massa entre os ramequins, até que estejam quase completamente cheios. Nesse ponto, os soufflés podem ser refrigerados por até 24 horas, cobertos com filme plástico. Para assar, basta retirar o filme e ir direto ao forno, deixando uns 3 minutos a mais. 
  9. Asse os soufflés por 12 minutos até que inflem (eles podem rachar no topo)e um palito inserido no meio saia com apenas um pouquinho de massa espessa grudada. Sirva imediatamente. 

Cozinhe isso também!

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