terça-feira, 29 de maio de 2012

Orzetto alla Trentina

Um dia eu encontro uma sopa italiana que fotografe bem. :P
O dia estava cinzento e chuvoso, pisos de pedra molhada refletindo o céu prateado, e Trento era linda e calma. Minha cunhada e seu marido foram nos buscar na estação de trem e haviam reservado um almoço em um restaurante típico trentino. É sempre um bom sinal dar de cara com o dono do restaurante terminando um enorme prato de spaghetti no balcão do restaurante.
 Minha cunhada nos avisou que comprara uma seleção de antipasti para a noite (maravilhoso Speck, Prosciutto, deliciosa Sopressa Veneta e uma Mozzarella e Ricotta fresquíssimas, de chorar de boas*); e por isso fomos direto ao prato principal.

Tão bom antipasto, que me lembrei de fotografar apenas quando já havíamos comido metade.
Quando pedi pelo Orzetto alla Trentina, o marido de minha cunhada ficou inconformado: "Mas é comida de dieta!" E eu, pensando apenas na cevada (orzo), dei de ombros e pedi mesmo assim. Não sei exatamente o que esperava que fosse. Apenas sei que quando o prato de sopa de cevada com batatas e cenouras foi colocado à minha frente, senti aquela espécie de vergonha que se sente quando se dá conta de que você foi o idiota que pediu a pior coisa do cardápio.

Veja bem: eu ADORO sopa de cevada com legumes. Mas essa me parecia familiar demais, do tipo "faço em casa todo dia", e me soou como um desperdício de refeição de férias, principalmente ao olhar o apetitoso Strangolapretti do Allex: pequenas almôndegas de pão, queijo e verdura cozidas e banhadas num mar de manteiga.

Essa coisa linda de ver montanhas em torno da cidade...
Quando provei de minha sopa, ela estava gostosa. Mas confirmou meu temor: tinha gosto de sopa feita em casa; particularmente na MINHA casa. Já estava olhando com olhos gulosos os pratos ao meu lado, quando, de repente, o senhor comedor de spaghetti aproximou-se de mim, para ralar uma comedida mas certeira porção de queijo sobre minha sopa. Experimentei de novo.

Era outra sopa. Completamente outra. E de repente eu estava feliz novamente com meu prato, e pensando como um único ingrediente pode trazer todos os outros para um mesmo coro harmônico. E como era bom aquele queijo. E raspei meu prato com a ajuda de belos nacos de pão. Tão focada, esqueci-me de perguntar que queijo era.

E fiquei com aquilo na cabeça, aquilo do bom ingrediente, e como um queijo de pacote, pura serragem, não teria feito absolutamente nada por aquele prato. No fim, no entanto, era um conjunto de bons indivíduos: um caldo que tinha gosto de caseiro, cenouras doces, batatas com gosto de batatas (e só quem come batatas com gosto de batatas pode saber quão não-batatas algumas batatas são), grãos de cevada macios mas al dente, um perfume de ervas aromáticas, uma base de cebola dourada em azeite. Não consegui sentir qualquer nuance de carne, no entanto, então me surpreendi ao vê-la na receita de Marcella Hazan, ao pesquisar em casa, e não me senti menos autêntica ao omiti-la na versão que preparei em casa.

A sopa repetida agora em São Paulo ficou igualzinha àquela, e ainda que o parmesão uruguaio não tenha a complexidade de sabor e a doçura do queijo que foi esparsamente polvilhado sobre meu prato em Trento, o efeito de comunhão com os outros sabores foi o mesmo.

Vinha evitando preparar sopas para o pequeno caçador de perigos, pois querendo comer sozinho, pressentia o caos abominável. Mas ele adorou seu orzetto alla trentina, e raspou o prato, comendo boa parte dela quase sozinho, com mamãe ajudando a levar a colher para o lado certo.

ORZETTO ALLA TRENTINA
(Adaptado do ótimo Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica, de Marcella Hazan)
Tempo de preparo: cerca de 1 hora
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 1 1/4 xic. cevadinha
  • 500ml caldo de legumes caseiro
  • 1/4 xic. + 2 colh. (sopa) azeite de oliva extravirgem
  • 1/2 xic. cebola picada
  • 1/2 colh. (chá) alecrim seco ou 1 colh. (chá) alecrim fresco picado
  • 1 colh. (chá) salsinha picada
  • 1 batata média
  • 2 cenouras pequenas ou 1 grande
  • sal e pimenta-do-reino a gosto
  • queijo parmesão de boa qualidade (do tipo saboroso o suficiente para comer pedacinhos depois da refeição)

Preparo:
  1. Coloque a cevada e o caldo em uma panela grande e termine de completar com água até que haja uns 7-8cm de líquido por cima da cevada. Leve à fervura branda e cozinhe por cerca de meia hora, ou até que a cevada esteja cozida mas não empapada.
  2. Enquanto isso, numa frigideira pequena, aqueça todo o azeite e refogue a cebola em fogo médio, até que doure, sem queimar. Junte o alecrim e a salsa, mexa bem e depois de um minuto, desligue o fogo. 
  3. Descasque a batata e a cenoura, lave em água fria, seque e corte em cubinhos pequenos (para que cozinhem rápido). Cada um deve render cerca de 2/3 xícara.
  4. Quando a cevada estiver no ponto, junte a batata, a cenoura e o conteúdo da frigideira, temperando com sal e pimenta a gosto. Seja generoso com a pimenta, mas vá acrescentando o sal aos poucos, para que a sopa não continue reduzindo e acabe salgada demais. 
  5. Continue cozinhando por mais trinta minutos, ou até que as batatas e as cenouras estejam macias, acrescentando mais água se a sopa parecer muito seca. Ela não deve ficar nem muito grossa, nem muito rala.
  6. Sirva imediatamente, polvilhada com parmesão e mais um fio de azeite. (A sopa pode ser preparada com um ou dois dias de antecedência e reaquecida, mas o parmesão só deve ir ao prato na hora de servir.)

* Que eu não sou vegetariana propriamente dita todo mundo sabe, pois vira-e-mexe aparecem receitas de peixe por aqui. Mas como até hoje eu me torturava por, durante minha primeira viagem à Itália, ter ido a Parma e não ter comido Prosciutto, resolvi mandar minha "dieta 90% vegetariana" (acho que esse é um termo mais correto) e me esbaldar com os emutidos italianos. Estava tudo uma delícia, mas com certeza me deu uma base de comparação de como meu corpo funciona – ou NÃO funciona – com consumo diário de carne, mesmo em pequenas porções.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O melhor iogurte do mundo – de verdade. Mesmo. Palavra.

Você, meu amigo, que acha que dá trabalho fazer iogurte em casa, olhe para o lado. Estou prestes a lhe dar mais trabalho ainda. Mas nunca mexer uma colher por vinte minutos valeu tanto a pena. Coloque uma música, apanhe um livro fino que você possa ler de pé, e tenha fé de que esse iogurte estragará seu paladar para sempre.

E você, minha amiga, que faz molhos de salada com iogurte porque é mais "light" que maionese, desvie você também o olhar, pois esse iogurte é o resultado da redução de um monte de leite ralo em algo gordo e maravilhoso, quase um pudim, quase um queijo.

Agora você que andava desistindo do iogurte caseiro, porque o marido reclama que ele não tem a mesma consistência firme do sem graça industrializado; você, ah você, que jogou muitas sobremesas no lixo quando elas pediam por "greek style yogurt" e tanto o nosso caseiro quanto o básico industrial simplesmente não serviam para o trabalho... ah. Esse post é seu. Esse iogurte é para você. Esse iogurte que fica com uma linda e espessa camada de gordura por cima, um queijinho delicioso, e cremoso por baixo, esse iogurte que de fato vira uma linda montanha branca por cima das frutas no prato, esse iogurte que nem mesmo precisa de mel, mas com mel vira sobremesa... esse iogurte fará você comprar uma passagem para a Irlanda para abraçar Darina Allen, essa mulher linda que sabe exatamente do que o mundo precisa.

Resisti o quanto pude a essa receita, acostumada a simplesmente abrir o leite UHT em caixinha, aquecê-lo a 46ºC, misturar o iogurte e esperar oito horas. Mas o leite UHT começou a me deixar cismada, principalmente depois do texto de Darina na seção dos laticínios de seu lindo livro, em que ela explica que enquanto o leite cru (ou, até certo ponto, o pasteurizado), se deixado em temperatura ambiente, azeda, transformando-se em outro produto consumível, o leite UHT simplesmente apodrece. Também li vários estudos a respeito de como a ultra-pasteurização do leite mata justamente as boas bactérias de que precisamos e que nos ajudam a absorver determinados nutrientes, e pronto, a neurose estava instalada.

Passei a comprar leite pasteurizado, de garrafa, uma vez que é a única opção. O leite pasteurizado é mais versátil e mais saboroso – com ele você pode fazer queijos, coisa a que o UHT não se presta. Mas mesmo o pasteurizado às vezes pode ter sido aquecido a uma temperatura maior do que deveria, e seu coalho não será forte o bastante para a produção de mozzarella, por exemplo. Acredite, eu tentei. Mas para produzir bom iogurte com o leite pasteurizado, não basta aquecê-lo a 46ºC. É preciso primeito levá-lo à fervura, e então deixar que esfrie a 46ºC, para aí juntar o iogurte e esperar as 8 horas. Ainda que para chegar ao ponto de que gosto, às vezes demoram 10 horas. Bom, eu já estava tendo cinco minutos a mais de "trabalho" do que o normal.

Mas há um problema que não se pode resolver com leite de supermercado: a gordura.

É na gordura que está todo o sabor e a textura. Meu marido, aficcionado por café, durante toda a nossa viagem de férias, observou atentamente os movimentos dos baristas italianos, para aprender os "truques" do cappuccino perfeito. De fato, aprendeu alguns, como bater a jarrinha na bancada para terminar de separar toda a espuma do leite. Mas apenas lá é que ele compreendeu o que eu sempre lhe dissera: cappuccino italiano não precisa de açúcar. E ele, que sempre usa dois pacotinhos, de fato não abriu nenhum. E voltando para casa, apesar da técnica perfeita, a espuma de nossos cappuccinos simplesmente não era tão naturalmente doce e cremosa.

Por quê??
Gordura.

O leite italiano tem mais gordura. Ou melhor: quando as fábricas italianas desnatam todo o leite e o pasteurizam, reincorporam uma maior porcentagem de gordura do que as fábricas brasileiras. Gordura, afinal, é cara. Espero que você saiba, e se não souber, saiba agora: o leite desnatado só é mais caro por uma questão de marketing. Você não se sente idiota, agora? Compre leite integral.

Mas e agora, meu deus? Como vou ter um iogurte maravilhosamente gordo se meu pobre leitinho brasuca é ralo feito água?

Reduzindo o leite e incorporando creme de leite antes de adicionar o iogurte. Gênio. Darina, eu te amo. Allex anda até pensando em misturar creme ao leite para fazer o cappuccino, mas isso é algo a ser experimentado. Algo me diz que pode talhar.

Uma vez que já estava tendo o "enorme trabalho" de aquecer o leite e deixá-lo esfriar, e ainda com o gosto na ponta da língua dos laticínios italianos, resolvi, enfim, testar a receita "trabalhosa" de iogurte.

Dê-se vinte minutos para mexer essa panela. Uma de fundo bem grosso, para o leite não queimar. Não desgrude os olhos, ou o leite sobe (e se subir, mande um f*da-se e continue a receita – acredite, aconteceu comigo). Use para começar qualquer iogurte natural integral que seja constituído apenas de leite e fermentos lácteos (no meu mercado, o da Batavo foi o escolhido). Fuja de qualquer goma ou amido. Em cinco horas você terá um iogurte de fazer chorar de tão bom. Separe todas as receitas que pedem por Greek Yogurt e faça a festa. Imagino um labneh feito com essa maravilha, como deve ficar. Esse é o iogurte que vai fazer seu filho para de botar açúcar no iogurte natural (memórias de infância...).

IOGURTE INTEGRAL DEFINITIVO
Tempo de preparo: 30 minutos + 5 horas de descanso
Rendimento: cerca de 6 xícaras

Ingredientes:
  • 2,5l de leite integral
  • 1 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 1 xic. iogurte integral natural (se usar o caseiro, tenha certeza de que está bem fresco, ou o resultado será viscoso)

Preparo:
  1. Coloque o leite numa panela grande de inox e de fundo bem grosso (panela larga é melhor, para facilitar a evaporação). Leve à fervura, abaixe o fogo para o mínimo e mexa o tempo todo com uma colher, mantendo a fevrura branda e deixando que o leite evapore até reduzir 1/3 do seu volume inicial. (Você terá cerca de 1,6litros na panela.)
  2. Desligue o fogo, derrame o leite numa tigela grande de cerâmica ou vidro e junte o creme de leite, mexendo até que esteja bem incorporado. Deixe esfriar até 46ºC ou até que você consiga manter seu dedo mergulhado no leite por no máximo 10 segundos. 
  3. Junte o iogurte e mexa bem para distribuí-lo. Cubra com um filme plástico, enrole a tigela numa toalha ou manta (ou coloque numa sacola térmica) e deixe por no mínimo 5 horas, ou durante a noite. 
  4. O iogurte terá uma camada firme e espessa por cima e uma camada mais cremosa por baixo, com um pouco de soro. Leve à geladeira e consuma em no máximo 10 dias. 
Obs: se você costuma colocar o iogurte em uma garrafa ou pote estreito, NÃO faça isso com esse iogurte. Use uma tigela e mantenha seu iogurte nela, pois ele é realmente espesso e você não conseguirá tirá-lo da garrafa. :P

terça-feira, 15 de maio de 2012

Panquecas de legumes para meu filho que eu apertei até quase explodir

Voltei de viagem para descobrir que meu pequeno causador de confusões tinha crescido um bocado. Um belo bocado. Durante nossa ausência, ele esticou mais um tanto bastante para perder uma meia dúzia de roupas, passou a não mais andar, mas correr por aí, outros dois dentinhos seus apareceram, e suas mãozinhas parecem patinhas de filhote de labrador, grandes e gordinhas, indicando que mais uma espichada de tamanho está por vir.

Não apenas isso. Num dia em que minha mãe descascava uma maçã para cortá-la em pedacinhos pequeninos, ele surrupiou a fruta de sua mão, deu-lhe uma dentada e saiu andando por aí, comendo maçã feito adulto. Espanto. o_O

Aparentemente, os únicos que ficaram choramingando de saudades fomos nós, pois ele se divertiu e aprontou com as duas avós e sequer nos procurou. Talvez tenha sido de fato bom não deixá-lo voltar ao apartamento vazio, e ficar apenas nessa rotina nova. Não houve nenhuma "ansiedade de separação", a não ser pela mãe bobona que chorou no táxi para o aeroporto. ¬_¬

"Ele é muito independente!", disse minha mãe.

Aliás, foi ela quem teve a presença de espírito de lembrar que nossa geladeira estava completamente vazia, e foi um doce ao estocá-la com algumas frutas e verduras, pão e leite um dia antes de nossa chegada. Fui buscar o pequeno na casa da avó e enquanto ele saracoteava pela casa, redescobrindo os brinquedos que não levara com ele, resolvi preparar o jantar.

Sabia que não queria preparar nada italiano. O sabor da comida de férias deveria perdurar por mais um tempo, e era melhor buscar inspiração em outro lugar. Havia cenouras e abobrinhas e ovos na geladeira, então antes que fizesse mais uma fritatta, abri meu atual livro favorito, How to Cook Everything Vegetarian, e dei de cara com essas panquecas "estilo coreano". Bingo! Além de poder usar tudo o que tinha em mãos, era rápido de preparar e Thomas comeria tranquilamente com as mãos, o que é sempre uma garantia de refeição sem balbúrdia e frustração.

Usei 100% farinha de trigo, pois a farinha de arroz acabara (o livro indica 50% de cada uma), e uma cebola comum bem miudinha (quase uma echalota) no lugar das cebolinhas que não tinha. Apenas quando a massa estava pronta e os legumes ralados, dei-me conta de que apesar do sono e da luz cinzenta vinda lá de fora, ainda eram quatro da tarde. Ah, o fuso horário. Fechei tudo em potes, meti-os na geladeira e fui apertar mais uma vez meu pimpolho gostoso, de quem senti tantas saudades.

Na hora do jantar, foi apenas uma questão de juntar os legumes à massa de panqueca (que não leva fermento, então pode ficar até de um dia para o outro na geladeira) e cozinhar os grandes discos até ficarem dourados e macios. Cortei-as em triângulos e, se Thomas fosse mais velho, deixaria que os mergulhasse no shoyu um a um antes de saboreá-los. Como não sou boba nem nada, temperei as panquecas ainda bem quentes com o shoyu e deixei que elas absorvessem o molho antes de dar os bocados a ele. O pequeno raspou o prato e foi brincar, e de repente eu estava de volta à minha antiga rotina. Mas agora revigorada e morrendo ainda mais de amores pelo meu cavaleiro ítalo-germânico comedor de maçãs.

PANQUECAS DE LEGUMES
(ligeiramente adaptadas do How to Cook Everything Vegetarian, de Mark Bittman)
Tempo de preparo: 30 minutos
Rendimento: 6-8 porções como apetitivo ou entrada, e 3-4 porções como prato principal.

Ingredientes:
  • 2 xic. de farinha de trigo branca orgânica
  • 2 ovos grandes, orgânicos
  • 1 colh. (sopa) óleo vegetal (mais um pouco para fritar)
  • 1 1/2 xic. água
  • 2 cenouras médias, raladas grosso
  • 1 abobrinha pequena, ralada grosso
  • 1/4 xic. cebola picada
  • shoyu para servir
Preparo:
  1. Junte numa tigela a farinha, os ovos, o óleo e a água e misture com um batedor de arame até que fique homogêneo. Deixe descansar por cerca de meia hora. Se deixar de um dia para o outro, pode ser que seja preciso acrescentar mais uma ou duas colheres de água para que a textura volte ao normal (como massa de panqueca comum, nem muito líquida nem muito firme).
  2. Junte os legumes à massa.
  3. Aqueça um fio de óleo em uma frigideira grande. Quando estiver bem quente, derrame 1/4 da massa na frigideira, espalhando para formar um círculo grande, de cerca de 20cm. Deixe em fogo médio até que doure de um lado e as laterais pareçam sequinhas, e então vire a panqueca com uma espátula, dourando o outro lado. Repita com o restante da massa. 
  4. Corte em triângulos e sirva quente, com shoyu para mergulhar.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Hambúrguer que não é fast food

Fico irritada toda vez que me pego me sentindo culpada em jantar um hambúrguer ou me pego calculando meu prato em termos de carboidratos e proteínas. É como se falhasse comigo mesma. Caí na pegadinha. Entrei no sistema. Tô lá comprando iogurte que faz ir ao banheiro e botando brócolis no prato porque é "funcional", e não porque é gostoso.

Não! Deus do céu, não!

A vida não pode ser uma eterna preocupação com a ciência da comida. Porque se você come um tomate como se fosse uma pílula, então seria mais prático partir de vez para comida de astronauta e admitir que você não gosta de comida de verdade. E pronto.

Confesso que foi difícil desligar em mim a preocupação com as proporções do prato depois que o pequeno devorador de bananas nasceu. Afinal, eu quero oferecer a ele a melhor alimentação possível sempre. Mas eu quero que ele olhe para seu prato e veja funcionalidade? Ou quero que ele veja em seu prato sensações, experiências, gostosuras, tempo aproveitado com família e amigos, natureza... enfim. Com certeza, a segunda opção.

Por isso, para mim, ultimamente, existe apenas uma regra: que esteja o mais próximo do estado natural possível. Que, se eu morasse numa fazenda, eu poderia produzir em casa. Se eu precisar de um laboratório científico e máscaras de proteção, então não compro, não como, não dou ao meu filho.* E ponto. E se um dia o almoço for apenas um prato de beterrabas gratinadas, e no outro for pizza de gorgonzola, não tem problema. Porque sei que no seguinte será quinua com três legumes diferentes, e no outro arroz integral, feijão e couve, e depois abóbora, espinafre e cevada, e curry com tofu e berinjela, e fritatta de radicchio, e, de alguma forma, a variação e o fato de ser tudo natural vai continuar tornando meu pequeno forte. E tem tornado. Meu pequeno touro, meu pequeno lenhador canadense, forte, saudável e incrivelmente sorridente.

Mas não conseguimos desprogramar tão rápido esse nosso cérebro mequetrefe que acaba, de um jeito ou de outro, absorvendo toda a porcariada que ouve por aí na televisão, nas revistas, na internet. E quando, na preguiça ou na gula (adoráveis pecados), decidimos que o jantar vai ser mesmo hambúrguer, é difícil não se senti um pouco culpada, pensando em toda aquela escarola saudável que jaz na gaveta de legumes.

Nesses momentos o hambúrguer vegetariano vem para salvar a pátria. Não aquele de proteína de soja texturizada, com gosto de coisa nenhuma (convenhamos que nem o orgânico tem muito sabor). Mas o feito em casa, numa combinação de várias coisinhas gostosas.

Venho testando várias receitas nos últimos meses, para definir minha favorita para deixar congelada para os momentos de jantar-desespero. E até o momento tenho duas campeãs em categorias diferentes. Uma, de feijão preto e aveia, emulou com perfeição a textura chamuscadinha e crocante por fora e suculenta por dentro que os hambúrgueres de carne de minha mãe tinham. E eles vão do freezer à panela com perfeição. Mas este da foto, com mais ingredientes, apesar de precisar de uma meia horinha para descongelar, é campeão em termos de sabor.

E quão maravilhoso é livrar-se da culpa do hambúrguer, ao se dar conta de que seu sanduíche é feito de pão, queijo, soja orgânica, beterrabas, amêndoas, aveia e gergelim? Pensou na beterraba, você já se sente comendo salada... ;) Ok, não é para tanto, mas a variedade com certeza ajuda.

A receita original levava cenouras, mas os hambúrgueres ficaram deliciosos com a beterraba em seu lugar, além de ficarem engraçadinhos cor-de-rosa. Bizarro mesmo é apertá-los com a espátula contra a frigideira e ver o suco da beterraba minar do hambúrguer, lembrando justamente o sangue da carne crua. Bom... fazer o quê?

Recomendo que se cozinhe todo o pacote de soja orgânica de uma vez e se deixe congelado para fazer mais hambúrgueres depois, pois a soja demora cerca de 3 horas para cozinhar, mesmo tendo ficado a noite inteira de molho. O que me faz querer testar a receita com feijão branco. Algo me diz que deve funcionar.

HAMBÚRGUER DE BETERRABA, SOJA, AMÊNDOAS E GERGELIM
(livremente adaptado do livro O Livro Essencial da Cozinha Vegetariana)
Rendimento: cerca de 10 hambúrgueres

Ingredientes:
  • Cerca de 1 xic. soja orgânica em grão cozida, drenada
  • 125g amêndoas
  • 1 cebola picada
  • 1 beterraba média ou 2 pequenas raladas
  • 1 colh. (sopa) shoyu
  • 3 colh. (sopa) aveia em flocos
  • 1 ovo grande, orgânico
  • 3 colh. (sopa) farinha de aveia
  • 1 colh. (chá) cominho moído
  • 1 colh. (chá) sementes de coentro moídas
  • 3 colh. (sopa) gergelim

Preparo:
  1. Coloque num processador a soja, as amêndoas, a cebola, a beterraba, a aveia em flocos e o shoyu e processe por alguns minutos até que tudo esteja triturado grosseiramente.
  2. Transfira para uma tigela grande, junte o ovo, a farinha de aveia, o cominho, coentro e o gergelim e misture bem com uma colher ou com as mãos. (Experimente e verifique se precisa de mais shoyu.)
  3. Forme 10 hambúrgueres do mesmo tamanho (pequenos; mais semelhantes aos tamanhos dos congelados comprados prontos do que aqueles de lanchonetes chiques). Se quiser congelá-los, embrulhe-os individualmente em filme plástico. Senão, aqueça um fio de óleo numa frigideira de fundo grosso e frite por cerca de 5 minutos de cada lado, até que estejam bem chamuscadinhos por fora e cozidos por dentro.  
*[Só para esclarecer: não, no MEU turno, sob a MINHA supervisão, na MINHA casa, meu filho não vai comer Danoninho, Toddynho nem nada dessas porcarias. Se ele quiser comer na casa do amiguinho – e eu sei que vai – é problema dele. Mas não é porque ele vai comer na escola e na casa dos outros que vou deixá-lo se entupir de Trakinas e Coca-cola em casa. Não mesmo.]

OBS: Post programado para ser publicado durante minhas férias. Os comentários só vão ser moderados depois do dia 15 de maio.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Bolo de férias


Não há simplificação de vida que ganhe de merecidas férias. Principalmente quando você é freelancer, não tem férias pagas nem 13º salário, tem clientes com agendas e necessidades diferentes que não fazem pausas simultâneas, não tem babá, empregada ou passeador de cachorro... e não tira férias há quatro anos.

Ah, mas e as pausas de fim de ano?

Repetindo: "freelancer". Escritório no quarto. Imagine se você passasse suas férias inteiras olhando para uma fotografia da pilha de trabalho que espera por você na volta. Ou se suas férias fossem de fato no prédio da empresa.

Ah, mas e a viagem para Nova York?

Foi há 2 anos atrás. E foram cinco dias. Em feriado. Cinco dias não conta. Não são férias, é feriado. Justamente. E menos de uma semana não são férias. Não dá tempo ao cérebro relaxar. Simplesmente não dá.

Minha mãe já dizia quando eu era criança: "A família inteira tem férias; menos a mãe. Mãe nunca tira férias." Sempre achei que fosse um tremendo exagero, até dar de cara com a realidade. Mãe nunca tira férias. Principalmente se as férias forem em casa. Você pode não estar trabalhando no sentido convencional da palavra, mas a casa ainda precisa ser limpa, seu filho ainda precisa comer e tomar banho, seu cão ainda precisa sair para passear. E férias assim seria como seu chefe dizer que você está de férias: vai continuar fazendo todo o seu trabalho menos os memorandos de quinta-feira. ¬_¬

Not fair.

Freelancer precisa de férias. Mãe precisa de férias. All work and no fun makes Ana a dull girl. E eu acho que já usei essa aqui antes.

Por isso literalmente chorei quando meu marido me surpreendeu com uma viagem, assim, de supetão. Dez dias de férias. Não tanto quanto gostaríamos de ficar descansando a cachola, mas o máximo que supomos saudável para ficarmos longe do nosso pequeno caçador de perigos ocultos. Benditos avós à disposição para cuidar de netinho e cachorro.

Empolgada e precisando começar a pensar em esvaziar a geladeira, quis fazer um bolo de laranja. E lembrei-me imediatamente desta receita em que havia passado os olhos há meses atrás, quando ganhei o livro de aniversário. Acho que não há uma cultura ocidental que não tenha uma versão desse bolo, e ele é o símbolo máximo do bolo de vó, que recheia quase todas as infâncias. Bolo simples, de café-da-manhã, feito numa tigela só, sem batedeiras, sem ingredientes especiais, sem técnicas complicadas. Poderia tê-lo feito ainda mais simples, sem a casca de laranja, mas queria definitivamente usar minhas laranjas orgânicas logo, pequenas e doces.

No livro, a autora na verdade usa a batedeira, mas assim que liguei a máquina senti-me um pouco tola; o bolo obviamente poderia ser feito apenas com uma colher, e é como o farei das próximas vezes e como recomendo que você faça. Usei iogurte caseiro, e portanto não tinha um copinho plástico como recipiente-medida. Mas fiz todo ele com os 180ml indicados, cerca de 3/4 xic. A autora, no entanto, diz que o bolo dá certo mesmo usando copos de iogurte um pouco menores ou maiores (de 120 a 240ml), desde que o copo do iogurte seja usado como medida do restante, respeitando as proporções do bolo.

Mas não é apenas por conta de minhas férias que chamei esse bolo de "Bolo de Férias". Também porque mal coloquei o bolo no forno e a receita já estava gravada em meu cérebro para sempre, tornando-se a melhor receita de bolo do mundo para se fazer quando fora de casa, numa praia ou num sítio, quando se quer um bolo mas não se tem nenhum livro de receitas à disposição. E principalmente porque ele é de uma simplicidade de ingredientes e de preparo que traz um grande alívio para quem precisa de férias da cozinha complicada.

Bolo de férias. E porque a origem da receita dá a dica de onde estarei descansando e me inspirando para voltar cozinhando com força total.

Quando esse post for publicado, estarei no avião. Até a volta.  ^_^

TORTA DEI 7 VASETTI
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 10-12 porções

Ingredientes:
  • 1 copo de iogurte natural (de cerca de 180ml) – o copo vira a medida
  • 1 copo de azeite ou óleo vegetal
  • 2 copos de açúcar cristal orgânico
  • 3 copos de farinha de trigo branca orgânica
  • 3 ovos grandes, orgânicos
  • 2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • casca ralada de uma laranja grande orgânica, ou duas pequenas
Preparo:
  1. Unte com manteiga ou óleo uma forma redonda, de furo no meio, de capacidade para até 12 xícaras. Pré-aqueça o forno a 180ºC.
  2. Junte todos os ingredientes numa tigela e mexa com uma espátula ou colher de pau (ou na batedeira) até que fique homogêneo e sem grumos.
  3. Transfira para a forma preparada e leve ao forno imediatamente, por cerca de 45 minutos, ou até que um palito saia seco quando inserido no meio. 
  4. Retire do forno e deixe esfriar completamente antes de desenformar. 

Obs: como gosto de bolos de laranja bem úmidos, depois que o bolo esfriou e foi desenformado, aqueci numa panela o suco das laranjas que usei e a mesma quantidade de açúcar (cerca de 1/4 xíc.) apenas até que o açúcar dissolvesse. Fiz alguns furos pelo bolo e derramei a calda por cima, devagar, esperando que o bolo absorvesse toda a calda. Mas a calda não consta na receita original.

*OBS: Post programado para ser publicado durante minhas férias. Comentários só serão moderados após dia 15 de maio.

Cozinhe isso também!

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