quarta-feira, 20 de junho de 2012

Torta de mirtilos e sour cream


Patrícia sempre atesta que o Bon Appétit Desserts é um de seus livros favoritos. É uma vergonha, portanto, que aquele enorme volume não saia tanto da estante quanto deveria. Principalmente por ter sido uma recomendação sua. Bem, como tudo o que já preparei do livro, esta torta foi um sucesso. Se você sabe abrir uma massa e misturar ingredientes numa tigela com uma colher, então você sabe fazer essa torta de mirtilos e sour cream.

Acho uma pena apenas ter de usar essência artificial de amêndoas, porque aqui no Brasil simplesmente não existe a alternativa natural. Isso sempre me pega de jeito e me deixa com muita raiva, acreditando que nós brasileiros somos muito tontos mesmo, pois nossa exigência com qualidade é quase nula, não apenas no que se refere à comida. Como, no entanto, estou num momento da minha vida em que estou tentando evitar o acúmulo de pensamentos e sentimentos raivosos, vou relevar esse fato e simplesmente lembrar de pedir ao próximo amigo ou parente viajante um vidrinho de extrato natural.

Por quê? Porque apesar do sabor da amêndoa de fato complementar lindamente o recheio de mirtilos, umas gotinhas a mais e você cai no desagradável reino do marzipan vagabundo e todo o retrogosto de plástico que isso representa. Então, vá bem com calma com a essência aqui, vá juntando 1/4 de colher de chá por vez e experimentando, pois algumas essências artificiais são bem potentes. Você quer apenas uma nuance, um perfume, e não gosto de hidratante. Na dúvida, troque por extrato natural de baunilha, que não há como errar.

Fora esse detalhe da essência, essa torta é deliciosa em temperatura ambiente ou mesmo depois de um ou dois dias de geladeira, quando ela vira alvo fácil dos assaltos comilões de meio de tarde. Eu, que sou fã de tortas de fruta, principalmente as de recheio cremoso, corro o risco de devorar metade dela enquanto morro de preguiça nessas tardes cinzentas e chuvosas, assistindo a episódios de Girls, meu novo seriado favorito, e que, na minha opinião, é infinitamente mais interessante e inteligente que Sex and The City – que eu gostava, na época, vi inteiro, mas sempre me fazia sentir... estranha. Inadequada, principalmente.

Andei mesmo desenvolvendo uma teoria de que parte da culpa de a mulherada andar tão tresloucada e autodestrutiva é culpa da imagem feminina projetada pelo seriado e almejada pela maioria das mulheres hoje. Mas pode ser só uma viagem minha. Confesso que sou muito mais fã da imagem da escritora do Girls, que... bem... me parece mais próxima da realidade. Quão triste é o fato de me identificar com Hannah e não com Carrie? Não sei. Talvez não muito, na verdade.

Dicas preciosas:
  • para fazer o sour cream (creme azedo), preencha quase toda uma xícara de creme de leite fresco / pasteurizado e termine de preencher os mililitros faltantes com vinagre branco ou suco de limão. Misture bem e deixe pelo menos meia hora em temperatura ambiente. (Se um dia quiser aquele sour cream mais grosso, para comer com nachos, deixe umas duas ou três horas.) Não se deixe enganar por aquela marca de sour cream que andou aparecendo no mercado. Ela é cheia de espessantes e porcarias. :P  
  • não apresse a massa. Tenho feito as melhores tortas da minha vida agora que parei de teimar contra o relógio e a temperatura e realmente deixei a massa gelar o suficiente antes de abri-la. Se a manteiga começar a derreter e grudar enquanto você abre a massa, grandes são as chances de que ela continue derretendo no forno e a massa fique dura e seca, com uma poça de manteiga derretita no fundo da forma. Gelada e firme, a manteiga derrete na hora certa, criando lindos bolsões de gordura e ar na massa e deixando-a leve e flocosa, ligeiramente crocante e derretendo na boca. 
  • Ainda no caso dessa torta, não espere as bordas ficarem muito douradas antes de colocar o recheio, ou elas virarão carvão antes que o recheio firme. 
  • Sente-se no sofá, embaixo de uma coberta, assista a Girls e se sirva de um enorme pedaço de torta.
TORTA DE MIRTILOS E SOUR CREAM
 (do excelente Bon Appétit Desserts)

Ingredientes: 
(massa)
  • 1 1/4 xic. farinha de trigo
  • 1/2 xic. (115g) manteiga sem sal, gelada, cortada em cubos
  • 2 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico
  • 1 pitada de sal
  • 3 colh. (sopa) ou mais de água gelada
(recheio)
  • 1 xic. sour cream
  • 3/4 xic. açúcar cristal orgânico
  • 2 1/2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1 ovo grande, orgânico, levemente batido
  • 3/4 colh. (chá) essência de amêndoas (ou menos, de acordo com o gosto)
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 2 1/2 xic. de mirtilos (frescos ou ainda congelados)
(farofa)
  • 6 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1/4 xic. manteiga sem sal, gelada, cortada em cubos
  • 1/3 xic. nozes pecã picadas
  • 2 colh. (sopa) açúcar cristal orgânico

Preparo:
  1. Misture a farinha, manteiga, açúcar e sal no processador até que fique com textura de de farofa grossa. (Ou use os dedos, ou garfos, rapidamente, para não derreter a manteiga.)
  2. Junte a água gelada e misture apenas até que a farinha pareça toda umedecida. (Não espere formar uma bola no processador; pois isso quase sempre sova em excesso a massa e ela acaba encolhendo no forno.)
  3. Junte as bolinhas soltas de massa com as mãos e aperte-as juntas até que fique uma massa coesa. 
  4. Embrulhe em filme plástico e leve à geladeira por no mínimo 30 minutos e no máximo 1 dia. (Tenho embrulhado em papel alumínio, de modo que eu possa usar o mesmo alumínio para cobrir a torta com os feijões no forno, evitando o desperdício do filme plástico.)
  5. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Abra a massa com o rolo numa superfície ligeiramente enfarinhada até que forme um disco de 33cm.
  6. Transfira para uma forma de torta (de preferência de vidro refratário) de 22-23cm. Apare o excesso, deixando uma borda de 1cm, mais ou menos e arrumando a borda de um modo decorativo, se souber como. Congele por 10 minutos. 
  7. Forre a torta com papel alumínio, inclusive as bordas, e preencha a cavidade com feijões. Asse até que as laterais estejam firmes o bastante para que não tombem, cerca de 15 minutos. Remova os feijões e o alumínio.
  8. Numa tigela, misture o sour cream, açúcar, farinha, ovo, essência e sal. Junte os mirtilos. Despeje dentro da massa da tortae asse até que o recheio esteja apenas o bastante firme para que a farofa não afunde depois, cerca de 25 minutos.
  9. Use seus dedos para formar uma farofa com a farinha e a manteiga restantes. Misture as pecãs e o açúcar. Polvilhe uniformememte sobre a torta e asse novamente, por cerca de 12 minutos, até que a farofa esteja ligeiramente dourada. Esfrie a torta completamente numa grade e sirva em temperatura ambiente.  
[UPDATE: Giuliana, querida leitora, enviou-me nesse meio tempo o seguinte link, ensinando a produzir extrato caseiro de amêndoas da mesma forma que o de baunilha:
http://www.glueandglitter.com/main/2012/04/16/homemade-almond-extract/
 Vou testar com certeza, e achei que valeria dividir o link com vocês também. ]

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Cavalinha marinada com beterrabas e um blog


Buscando uma receita melhor de cream cheese caseiro na net, um site levando a outro, levando a mais outro, acabei por acaso no Tipsy Baker, um blog americano de culinária sem receitas. A autora percorre toda a sua enorme coleção de livros de culinária, preparando pratos e fazendo uma crítica ao volume, quase sempre bastante justa e frequentemente bem humorada. Além de uma leitura divertida, é uma boa referência (ainda que não uma palavra final) antes de decidir por comprar ou não determinado livro.

Foi muito interessante, no entanto, ler suas críticas a respeito de livros que também tenho. Fui obrigada a concordar com o que ela diz sobre os livros da David Tanis, que são lindos mas nem sempre práticos para o dia-a-dia. No entanto, enquanto ela não conseguiu encontrar nada ali que valesse o livro, para mim o que vale é a lembrança de que às vezes basta um punhado de uvas de sobremesa ou um belo pedaço de um bom queijo. Em meio a ingredientes caros e cardápios montados, uma ideia de simplicidade fica sobrevoando seus pensamentos.

Foi o A Platter of Figs que me ensinou a cozinhar ovos decentemente, com lindas gemas cor-de-laranja e cremosas, e minha receita favorita de repolho cozido saiu do Heart of The Artichoke. Isso é o bastante para mim.

O efeito mais intrigante de ler as críticas, contudo, foi a vontade que tive de abrir novamente alguns dos livros que andavam empoeirados na estante. Foi o caso de Tender, do Nigel Slater, que ela julga lindíssimo mas nada essencial. Mais informações botânicas do que eu gostaria de ter ao estar morando num apartamento onde não posso plantar aspargos. Mas indiscutivelmente um lindo livro.

Folheando novamente suas páginas, buscando os ingredientes sazonais que me esperavam na cozinha, procurei algo diferente para cozinhar. E encontrei essa receita de cavalinhas (mackerel) marinadas em uma espécie de picles rápido de beterraba. Pareceu suficientemente diferente, eu tinha todos os ingredientes menos o peixe, e era exatamente o tipo de receita estranha tipo "o que eu comi na terça-feria com o que encontrei na geladeira" que ela mencionara no blog.

E lá fui eu. Primeiro fiquei contentíssima por levar minhas cavalinhas já limpas e filetadas para casa por apenas seis reais. Que maravilha é comprar peixes baratos para variar. Então, chegando em casa, liguei o forno para assar minhas beterrabas. E, ao ler a receita mais atentamente... percebi que comeria peixe frio. Hmmmm... ok, então. Era para ser um prato de verão, que coincidentemente tem ingredientes também disponíveis no outono. Bom... peixe frio, então.

Quando o peixe foi para a frigideira, o aroma foi... forte. Bastante forte. A casa toda ficou com o inconfundível cheiro do porto de Santos. [Segundo me lembro do porto de Santos há muitos anos atrás. Se algum santista lendo isso me disser que não, o porto de Santos não tem mais cheiro de porto de Santos, acredito e peço desculpas, mas você há de entender o por quê da comparação e me desculpar também.] Cavalinhas são um fishy fish. Então se você acha que salmão já empesteia o bastante sua casa, ignore essa receita. Se você gosta de comer algo gostoso independente da puzza que fique impregnada nas suas cortinas, vá em frente. ;)

Por um instante suspirei de alívio por ter decidido preparar aquele prato apenas para mim, pois Allex não suporta peixes fortes. Enquanto isso, o aroma da marinada, aquele caldo ácido e cheio de legumes e temperos estava inebriante. Ao menos para alguém que gosta de picles.

Quando me servi do peixe frio, marinado, percebi que seu cheiro não estava mais forte. E seu sabor parecia incrivelmente equilibrado pela acidez do caldo e pela doçura dos legumes. Mesmo num dia frio, aquele "peixe com salada" estava delicioso, e foi apenas por amor que consegui forças para guardar pedacinhos da pele crocante do peixe para meu cachorro salivando ao meu lado.

Referências são boas, mas como se pode ver, não são palavras finais. :)

CAVALINHAS MARINADAS COM BETERRABSAS
Tempo de preparo: 1h para assar as beterrabas, 20 min. para o restante e 30 minutos para deixar esfriar e marinar.
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 4 beterrabas médias
  • 4 cavalinhas, limpas e filetadas e com pele
  • 50ml vinagre de sidra
  • 120ml suco de limão
  • 2 folhas de louro
  • 1 cenoura pequena fatiada bem fino
  • 1 cebola fatiada bem fino
  • 1 dente de alho pequeno, descascado e ligeiramente esmagado
  • 1 colh. (chá) açúcar
  • 1 colh. (chá) sementes de coentro
  • 12 bagos de zimbro
  •  5 bagos de pimenta-do-reino
  • 80ml azeite de oliva
(Obs: o autor usa também 5 bagos de pimenta-do-reino branca, e endro/dill fresco; omiti ambos e não fizeram falta.)

Preparo:
  1. Aqueça o forno a 200ºC, lave bem as beterrabas com casca e embrulhe em papel alumínio. Leve ao forno por uns 50 minutos, até que estejam macias.
  2. Abra o embrulho, deixe que esfriem o bastante para que consiga manipulá-las, retire-lhes a casca e corte-as em fatias redondas.
  3. Numa panela pequena, coloque o vinagre, o suco, a cenoura, a cebola, o alho, o açúcar, o zimbro, o coentro e 150ml de água. Leve à fervura. 
  4. Junte a pimenta e 1 colh. (chá) sal. Junte o azeite e deixe ferver em fogo baixo por um minuto ou dois, até que a cebola pareça macia. Desligue o fogo.
  5. Aqueça um fio de azeite numa frigideira bem grande. Tempere os filés de cavalinha com sal e pimenta-do-reino moída na hora, e coloque-os na frigideira, pele para baixo. Cozinhe em fogo médio-alto até que as peles estejam bem douradas e desgrudem fácil da frigideira. Vire os filés e cozinhe do outro lado até que dourem um pouco. 
  6. Retire e disponha numa travessa rasa. Junte as fatias de beterraba à marinada e despeja-a sobre os peixes. Deixe que esfriem. Sirva com uma salada de agrião e/ou pão preto com manteiga.

Cozinhe isso também!

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