segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Risotto cor de rosa, de folha de beterraba


Eu já andava morrendo de vontade de fazer risotto. Principalmente porque os dois pimpolhos adoram e comem mesmo quando ele é completamente verde e cheio de legumes dentro. E porque adoro usar as sobras para arancini, apesar de, hoje em dia, nunca sobrar risotto (1 xícara de arroz arbóreo produz jantar o bastante para dois adultos e duas crianças).

Daí que, no usual "dia de processamento" da feira, já assara meia dúzia de beterrabas, e andava com risotto de beterraba na cabeça. Depois de ver a Rita Lobo preparando também (de um jeito que achei mais trabalhoso, mas que também deve ficar bom), aí não deu jeito. Eu PRECISAVA de risotto de beterraba no fim de semana.

Só que...

Quando abri a geladeira para apanhar as beterrabas, bati os olhos na tigela com suas folhas. Lindas, verde-esmeralda, com talos de rubi.

E mudei de ideia. Pois não queria deixá-las murcharem, e as beterrabas já cozidas, assim na geladeira, se conservam por mais tempo do que as folhas cruas no gavetão.

Lembrei-me de uma massa que adoro, da Alice Waters, e resolvi usá-la de inspiração para o risotto. E decidi que não queria que os verdes das folhas interferissem na cor do risotto. Imaginei o quanto os talos vermelhos tingiriam o arroz, se nada ou se como as beterrabas, e por isso usei-os separadamente.

Enquanto mexia o risotto, senti um delicioso conforto no peito ao ver os talos tingindo gradualmente os grãos. Já perto do fim do cozimento, aquele rosa antigo e elegante me trouxe lembranças estranhas. Talvez porque eu já andasse pensando em alguns pratos bonitos que meus pais têm guardados, presentes de casamento que nunca usam, e que eu estava com intenções de surrupiar para minha casa... talvez por isso aquele risotto tenha me lembrado... um vaso. Dois, aliás.


O primeiro, um vaso rosa como o risotto, de formas angulosas, numa mistura de partes de um rosa leitoso e outras brilhantes e translúcidas, que minha avó materna tinha em casa e que eu sempre achei... hmmm... meio... feio. Minha mãe adorava o tal vaso, e eu nunca entendi  muito bem por quê.

O segundo, um vaso verde fluorescente, em forma de taça de campeonato, cravejado de bolinhas, que meus pais ganharam de presente de casamento sabe-se lá de quem. Eles sabem. Eu não me lembro. O caso é que o tal do vaso é uma ode à feiura. Por muitos anos tentei convencer meus pais a usá-lo de alguma forma, e a gente tentava por planta dentro, e a gente tentava por num canto e no outro, e no fim ele ficou trancafiado durante as últimas três décadas no armário da sala, e todas as vezes que meus pais resolvem fazer uma limpeza nas tralhas, eu me pergunto por que diabos aquilo ainda está lá.

Ambos os vasos, diziam, eram de Murano. O cor-de-rosa era até mais "usável". Dependendo da sua sala, fica ok. O verde, meu deus, era de imaginar o que se passara na cabeça do cara que soprou aquele vidro.

Lembro-me de quando fui a Murano, única vez, com a intenção de substituir o vaso verde feio da minha mãe por outro mais bonito. Claro, caí pra trás com os preços de tudo aquilo que eu achava bonito, e com o fato de que meu pobre dinheirinho só podia comprar outro vaso verde-feio para minha mãe. Ahn... deixa pra lá.

Talvez seja mais fácil produzir um risotto verde-vaso-feio-de-mãe, da mesma forma como eu fizera um risotto rosa-vaso-feio-de-vó.

O risotto é com certeza mais bonito. E mais gostoso. Os talos das folhas dão uma suave doçura ao risotto, reforçada pelo salsão da base e pelas frutas secas, e contrastam com o ligeiro amargor das folhas refogadas em alho. Apenas um pouco de hortelã fresca para refrescar.

Enquanto via a pimpolhada comer com gosto, fiquei matutando. Estou quase pensando em pegar o tal vaso verde pra mim, porque ele é tão esquisito, que é capaz de gerar assunto se você deixá-lo assim, em cima da mesa, como se fosse coisa bonita. ;)

RISOTTO DE FOLHAS DE BETERRABA
Rendimento: 4 porções pequenas ou como primo piatto

Ingredientes:

  • 1 maço de folhas de beterrabas, com os talos
  • 1 dente de alho, picado
  • azeite de oliva
  • 1 cebola, picada
  • 1 talo pequeno de salsão, picado
  • 1 xic. arroz arbóreo
  • 1/2 xic. vinho branco
  • 1 litro de caldo de legumes caseiro
  • 1/4 xic. uvas passas ou cranberries
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado 
  • 1 colh. (sopa) cheia de manteiga
  • algumas folhas de hortelã ou menta fresca, em tirinhas finas
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora


Preparo:



  1. Separe os talos vermelhos das folhas verdes. Pique os talos em pedacinhos pequenos e reserve. Corte as folhas em tirinhas finas, como couve. 
  2. Aqueça um fio de azeite em uma frigideira grande e junte o alho picado. Quando começar a perfumar, junte as folhas de beterraba, uma pitada de sal, e refogue em fogo médio até que murchem bem. Desligue o fogo e ajuste o tempero. Reserve.
  3. Aqueça o caldo até a fervura branda. Separe algumas colheres do caldo numa tigelinha e coloque ali as passas ou cranberries, para reidratarem. Reserve.
  4. Numa panela grande, aqueça mais um fio de azeite e junte a cebola e o salsão. Refogue em fogo até que amaciem bem, sem deixar dourar. Aumente o fogo, junte os talos de beterraba picados e o arroz e misture bem,  até que os grãos de arroz estejam ligeiramente translúcidos.
  5. Junte o vinho, mexendo bem, deixando evaporar.
  6. Junte duas conchas de caldo, mexa constantemente, em fogo baixo, até que o líquido reduza pela metade. Junte mais duas conchas e repita o processo até que o arroz esteja cozido (experimente, e se, ao morder, grudar no seu dente, ainda está cru; se estiver macio mas ainda resistente, está no ponto). Caso o caldo acabe durante o cozimento, use água quente. Se sobrar, não tem problema, use para outro prato.
  7. Quando o arroz estiver cozido, junte o parmesão, a manteiga, a hortelã e as passas, e misture bem. Acerte o tempero. Se o risotto estiver muito firme, acrescente mais uma concha de caldo para soltá-lo um pouco, pois ao descansar ele continua absorvendo líquido. Desligue o fogo, tampe e deixe descansar por 5 minutos.
  8. Enquanto isso, dê uma aquecidinha nas folhas de beterraba. Sirva o risotto com as folhas refogadas por cima e um pouquinho de parmesão, se quiser.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Outro pão de centeio, chocolate e ameixa e mãe incrédula


Dia desses, tendo colocado cacau demais num prato para rolar minhas seis míseras mini-trufinhas feitas de madrugada para reaproveitar um resto de ganache que usara no delicioso bolo de agrião da Marcella, resolvi fazer um agrado para as crianças e servir leite com chocolate de manhã cedo. Explico: apesar do vício em Toddy e Ovomaltine do pai, meus filhos nunca tomaram leite com achocolatado na vida (pelo menos não em casa). Eles adoram leite puro, integral, e é isso o que bebem todo santo dia no café-da-manhã, desde que largaram o peito. E estão tão acostumados a ver o pai tomar leite com achocolatado de manhã, que nem pedem. Aliás, não me lembro de terem pedido pra provar sequer uma vez.

Fui toda feliz e contente produzir um achocolatadozinho com cacau belga e açúcar mascavo, assim, no improviso. Quando coloquei a bebida na frente da Laura, ela vibrou. Já Thomas, quem eu achava que adoraria a novidade... recusou veementemente.

"Num quéo."
"Mas é leite com chocolate, Thomas."
"Num quéo letch cucáti. Quéo letch."
"Não quer chocolate???" – mãe incrédula, aqui.
"Dão. Dãaaao, dão."

Fazer o quê? Vou reclamar que o pimpolho prefere leite puro? Neh. Mas fiquei chateadinha de querer fazer algo fofo e ele não querer provar. Como diz meu marido, expectativa é uma b*sta.

Mas em qualquer outro prato que eu coloque chocolate, o mocinho alucina. Se o bolo tiver cobertura, ele primeiro come toda a cobertura, pra então ir ao bolo. Se tiver gotinhas na massa, ele vai cavocando com a ponta do dedo, retirando todos os pontinhos de chocolate para comê-los primeiro.

E foi isso o que aconteceu com esse pão.

Sorte que ele é tão gostoso, que não foi só o chocolate que foi devorado.

O pãozinho foi feito inspirado naqueles outros, que eram bons, mas levavam muito pouco centeio para o meu gosto, e eram mais densos. Eu queria um pão fofo e com o gosto mais pronunciado do centeio, que eu adoro. Também queria a farinha integral, não apenas pelas fibras, mas porque ela fica uma delícia com chocolate.

Ele ficou fantástico torrado com manteiga e fiquei imaginando, se tivesse sobrado, que daria um bread and butter pudding fantástico.

PÃO FOFINHO DE CENTEIO, CHOCOLATE E AMEIXA
Tempo de preparo: cerca de 3 horas
Rendimento: 1 pão médio

Ingredientes:

  • 300ml água
  • 45g açúcar
  • 2 1/4 colh.(chá) fermento biológico seco instantâneo
  • 300g farinha de trigo branca
  • 100g farinha de centeio
  • 100g farinha integral fina (se for muito grosseira, peneire, pese a parte peneirada até dar os 100g e polvilhe as fibras restantes sobre o pão antes de ir ao forno)
  • 10g sal
  • 1 ovo
  • 45g manteiga, de preferência em temperatura ambiente
  • 1/2 xic. chocolate picado ou gotas de chocolate amargo (56-70%)
  • 1/2 xic. ameixa picada em quartos


Preparo:

  1. Numa tigela grande, misture a água morna, o açúcar e o fermento. Junte as duas farinhas, o sal, o ovo e a manteiga, e misture bem com as mãos, usando os dedos para tentar incorporar de modo uniforme todos os ingredientes. 
  2. Quando formar mais ou menos uma bola, despeje numa bancada e sove por cerca de dez minutos, até que a massa esteja lisa e macia. Evite incorporar mais farinha; se a massa estiver grudando um pouco, a sova e a fermentação vão torná-la menos grudenta. Se a massa estiver muito seca, coloque um pouco mais de água, uma colher por vez. Ela deve ser macia e úmida, mais para o pegajoso do que para o seco.  Um pouco pegajosa, inclusive, é bom. A farinha integral vai absorver muito dessa água durante a fermentação, e se a massa estiver sequinha antes, o pão vai ficar muito seco e denso no final. 
  3. Coloque em uma tigela untada com um fio de óleo, cubra a tigela com filme plástico e deixe fermentando por 1 hora em temperatura ambiente (21ºC – se estiver mais frio, espere mais tempo). A massa deve dobrar de volume.
  4. Despeje a massa na bancada, amasse com os punhos para achatá-la e espalhe sobre ela a ameixa e o chocolate. Dobre as abas da massa sobre ela mesma, encapsulando o recheio, e então sove um pouco, apenas até que o recheio pareça bem espalhado por toda a massa, como as frutas de um panettone. Molde a massa como uma bola bem firme. Coloque em uma assadeira grande, polvilhada com farinha, cubra com um pano e deixe fermentar por mais 1 hora, até que cresça novamente (talvez não cresça tanto, por conta do peso do recheio).
  5. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 180ºC. Retire o pano e leve ao forno por 30 minutos, ou até que a superfície esteja dourada e você ouça um som oco ao bater os nós dos dedos na parte debaixo do pão. Deixe esfriar completamente sobre uma grade antes de consumir.




Cozinhe isso também!

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