terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Grissini, controle, expectativas

Tenho boas lembranças de um reveillon numa Era Pré-Filhos em que meu marido e eu passamos sozinhos, no sofá, vendo desenhos japoneses e bebendo espumante. Um reveillon em que nos livráramos dessa estranha pressão social de "se divertir horrores como se não houvesse amanhã" na passagem de ano e simplesmente descansamos. Foi um dos melhores até hoje, pois passamos tempo juntos, tranquilos, e rimos um bocado.

Na tentativa de reviver aquele momento, decidi que não faria ceia nem coisa nenhuma. Quer dizer... alguma coisa. Comprei alguns embutidos italianos, uns queijinhos, uvas, e resolvi que prepararia apenas duas coisas: grissini (para acompanhar o prosciutto, enroladinho) e focaccia col formaggio, receita que me fora enviada por minha cunhada, há meses, e que eu ainda não tivera o momento perfeito para testar.

A ideia era ficar nos petiscos a noite toda, esperando o momento fatídico dos fogos dos vizinhos, que acordariam as crianças e assustariam os cachorros.

As crianças eram a usual Unidade de Caos pela casa, enquanto eu rolava os palitinhos de massa sob as palmas, na cozinha, o mais longos possível, criando em minha mente uma imagem de um centro de mesa impressionante, de grissini esguios, retos, muito altos. Na minha mente, eu já me orgulhava daquele resultado distante.

Antes disso, a massa da focaccia descansava, esperando para ser aberta. Eu, que acho que sei muita coisa sobre um monte de assuntos, fiquei surpresa quando vi que a focaccia não levava fermento. Criara em minha cabeça toda uma concepção daquela receita que eu lera na diagonal meses antes, achando que produziria uma focaccia tradicional, fofinha, recheada de queijo, e de repente me encontrava à deriva culinária, sem saber exatamente como a coisa toda se desenvolveria.

Nisso, Allex entra na cozinha, ao telefone, e me anuncia que um amigo nosso passará o reveillon conosco. Fiquei contente, mas me perdi um pouco, pensando se haveria comida o bastante, e se eu poderia preparar mais alguma coisa. Então, ele emendou: "E ele vai fazer risotto de frutos do mar." Aquilo que tirou do centro por um instante. Não estou acostumada a ter pessoas cozinhando para mim [constatação, aliás, que me deixou triste por um lado, pois queria que as pessoas cozinhassem para mim às vezes; e por outro, com um sentimento de gratidão que se desenvolveu ainda mais depois de provar o risotto, que ficou delicioso]. Isso quer dizer: não sei como agir quando alguém diz que vai fazer jantar pra mim na minha casa. Também não sei receber presente nem elogio. Dá pra ver um problema bom para discutir com minha terapeuta imaginária. [Por que diabos minha terapeuta imaginária seria especificamente uma mulher também é bom pra discutir com minha terapeuta imaginária. Louca de pedra.]

Enquanto procuro meu marido para espezinhá-lo a respeito da limpeza da casa, percebo que a Unidade de Caos rapidamente tornou-se a Liga da Birra, e me vi berrando com Thomas para parar de correr alucinadamente com a espada atrás dos cachorros, e tentando manter Laura afastada do forno quente enquanto tentava colocar os grissini no forno. Seguro um palito longuíssimo de massa com as pontas dos dedos e imediatamente percebo que fui megalomaníaca em minhas pretensões, uma vez que os grissini são definitivamente maiores que meu forno.
¬_¬

Com a massa nas duas mãos, porta do forno aberta, e meu pé mantendo minha filha cheia de determinação a apenas quinze centímetros de uma queimadura grave, berrei três palvrões de boca cheia e joguei a massa ali dentro como consegui. Uma vez o primeiro palito jogado torto, os outros não tinham como caber retos, e, emburrada, saí acomodando os grissini de qualquer jeito. Alguns em L, alguns como galhos, alguns como serpentes.

Pronto, estava arruinada minha visão perfeita de um centro de mesa imponente e grissini profissionais. A Martha Stewart dentro de mim me olhou com desdém e desaprovação.

Resetei a criança. ["Resetar a criança" é como Allex e eu chamamos o ato de colocar Laura de volta no cercadinho aberto, pois aquele é o marco zero do qual ela partirá, determinada, em sua viagem engatinhenta de volta ao lugar de onde a tiramos em primeiro lugar. Um bebê com uma missão.]

Hora de fazer a focaccia. Thomas continua correndo atrás dos cachorros com a espada, até a hora em que decidimos tirá-la dele, o que causa toda uma onda de birras alucinantes.

A massa da focaccia é aberta como massa de strudel. Familiar, mas estranho. Não há menção do tamanho da assadeira, então apanho uma que acho apropriada, mas sobra muita massa nas laterais. Guardo o excedente para tentar abrir novamente no dia seguinte (funciona, aliás), já que a massa que eu estendi já rasgou e não pode ser transferida para uma assadeira maior. Distribuo o queijo stracchino, pensando como teria sido fácil simplesmente usar catupiry no lugar, estendo a massa por cima, pincelo com azeite, sal, e vai para o forno.

Birras e berros.

Thomas apanha uma cadeira, se empoleira sobre a mesa e começa a servir-se sozinho de tudo, e precisamos controlá-lo antes que coma todo o queijo sem que a visita sequer tenha visto tudo arrumadinho. Meu cenho está franzido há tanto tempo, que desenvolvo uma dor de cabeça pontual no centro da testa. Enquanto Allex cuida da Laura e dou banho no Thomas, a focaccia queima no forno.

Aquela visão do que eu chamara de "focaccia-queijo-quente" em minha mente se desvanece dolorosamente. Tia Martha na minha cabeça, agora, já nem me considera digna de sua atenção, e desaparece para assombrar outra pessoa control-freak.
O cozinheiro. :)
Quando finalmente consigo colocar as crianças para dormir, entro na cozinha e encontro gente limpando camarões, picando cebola, aquecendo caldo, contando anedotas, rindo. Os acepipes foram retirados da mesa da sala e levados à cozinha, e eu respiro fundo, preparo um Negroni com uma das únicas duas doses de Campari restantes na garrafa [porque eu planejei tanto aquele drink, que comprei o Gin e o Vermute, e esqueci de verificar se havia Campari em casa]. Provo um pedaço da focaccia mequetrefe, e ficou gostosinha, apesar de tostada. Olho para aqueles grissini tortos como decoração moderna de floricultura e lembro que Thomas adorou comê-los. Por dias eu veria o moleque com grissini roubados na mão, a qualquer hora do dia.
Focaccia tostada ali na esquerda, cortada em quadradinhos. Tão tostada, coitada, que usei de torrada para os outros queijos.
Pensei no prazer do lado mais Joselito do Universo em subverter todos os planos da pessoa controladora. E em como planejamento engessa sua vida e impede que você aproveite justamente os imprevistos, as decisões de última hora, o acaso.
Um Negroni, um Americano e uma cerveja do Iron Maden depois.

Foi delicioso ter outra pessoa cozinhando para mim, e melhor ainda comer o resultado da empreitada. A noite foi melhor do que eu havia planejado, e os fogos, surpreendentemente, não acordaram as crianças.
Risotto de frutos do mar.

Para esse ano, menos controle, menos expectativas. Mais amigos. Mais grissini tortos.

Xô, Martha. Hello, Nigella.


GRISSINI TORINESI
(do ótimo The Italian Baker, de Carol Field.)
Faz 20-22 grissini muito compridos, ou mais, menores.

Ingredientes:
  • 1 3/4 colh. (chá) / (5g) fermento biológico seco
  • 1 colh. (sopa) / (21g) extrato de malte (vendido em lojas de produtos naturais
  • 1 1/4 xic. / (300g) água morna
  • 2 colh. (sopa) / (30g) azeite de oliva (e mais para pincelar)
  • 3 3/4 xic. / (500g) farinha de trigo, de preferência orgânica
  • 1 1/2 colh. (chá) / (7,5g) sal
  • 1/2 xic. / (85g) semolina

Preparo:
  1. Misture o fermento, o malte e a água numa tigela e deixe descansar por 10 minutos, até espumar.
  2. Misture o azeite. Junte a farinha e o sal e misture até formar uma massa.
  3. Despeje na bancada e sove até que fique elástica, aveludada e macia, por cerca de 8-10 minutos.
  4. Achate a massa em formato retangular (cerca de 35x10cm) em uma bancada levemente enfarinhada. Pincele ligeiramente com azeite, cubra com filme plástico e deixe fermentar até dobrar de volume, cerca de 1 hora.
  5. Polvilhe a massa com um pouco de semolina. Com uma faca ou cortador, corte a massa em 4 porções iguais, mantendo todas com 10cm de comprimento. E então, cada pedaço em 5, ainda mantendo os 10cm, cada uma com a largura aproximada de um dedo gordo.
  6. Você pode rolar a massa como cobrinhas (não enfarinhe a bancada) para alongá-la ou simplesmente apanhar as pontas e esticá-las até o tamanho de sua assadeira ou pedra de forno. Coloque os palitos de massa numa assadeira untada, vários centímetros distantes uns dos outros, enquanto prossegue com os outros grissini.
  7. Não há necessidade de uma segunda fermentação. Se estiver usando uma pedra no forno, pré-aqueça o forno a 230ºC cerca de 30 minutos antes de assar os grissini. Senão, asse na própria assadeira em que estão. Asse-os por cerca de 20 minutos. 
  8. Os grissini se mantém crocantes por dias.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Pici e resoluções


A perspectiva de meu filho entrar em férias por dois meses inteiros fazia os cabelos atrás de minha nuca se arrepiarem. Dois meses com duas crianças em casa e trabalho para fazer. Tinha planos para "delargar" a criançada o maior tempo possível nas casas das avós. Com Thomas saracoteando pela casa loucamente e Laura engatinhando como quem tem uma missão, não parecia que teria sossego o bastante para pintar coisa alguma.

E minha sogra foi viajar e deixou a cadelinha conosco. Já com 7 anos (acho) e não muito costume de ficar com crianças ou ter um gramado, foi aquele deus-nos-acuda na primeira semana, de recolher "presentinho" do gramado antes que o bebê chegasse perto e vigiar constantemente para que o bichinho não avançasse na Laura-puxa-rabo ou no Thomas-corre-atrás-latindo-com-espada-na-mão.

Acrescido a isso o montante de compromissos de fim de ano e pequenos-grandes contratempos de cunho pessoal, a primeira semana de férias não teve nada de relaxante. Daí que nada -NADA- saiu como eu queria, e minha longa lista de quitutes de natal ficou restrita a:

  • Spekulatius: ficaram bons, feitos pré-crise-de-férias; acabaram antes de preparar qualquer outra coisa;
  • Torrone: ficaram uma droga; as claras desinflaram quando a calda de mel estava na temperatura certa, e tive de reaquecer tudo enquanto batia mais claras, e o mel cristalizou, e o torrone ficou pastoso;
  • Panforte nero: ficou ótimo, e foi o maior orgulho ver o Pequeno-Devorador-de-Frutas-Secas comendo aquele doce tão "adulto" como se fosse chocolate. Mas foi feito em novembro e deixado "maturar" até o Natal, então não conta. Pré-crise;
  • Panettone: esqueci de macerar as frutas na noite anterior e na hora de incorporar as cascas de laranja... descobri que haviam acabado e não tinha mais no supermercado, assim como nenhuma outra fruta cristalizada. Tive de substituir com o que tinha e não ficou nem de perto saboroso como o do ano passado. Queimou na base e ficou com o miolo ressecado. Crise se instalando;

  • Bûche de Nöel: de última hora, decidi preparar o bolo, com medo de que o torrone tivesse ficado ruim (check!), o panforte tivesse mofado embrulhado nesse calorão por um mês (nope!), o Panettone estivesse sem graça (check!) e todo mundo ficasse sem sobremesa, única coisa da qual eu havia ficado encarregada esse ano. Aí... o bolo do rocambole foi fácil de fazer mas ressecou. A mousse do recheio não firmou. Na hora de enrolar, o bolo quebrou todo e a mousse vazou toda pra fora. A ganache, maravilhosa (mesma desse bolo aqui), salvou tudo e deixou com cara de alguma coisa que valia a pena ser comida. Os cogumelos da decoração... era pra ser aquela coisa linda, com farinha de castanha, o que em inglês produziriam... "chestnut mushrooms"! Nhóin. *_* Bom, eu li a receita com pressa e coloquei no forno por 2 horas a 200 graus. Acontece que eu coloquei a 200 graus Celsius, e a receita era em Farenheit. Em meia hora, só faltavam os bombeiros aparecerem para ver que fumaça preta era aquela que invadira toda a cozinha. No meio do caos pré-Natal, resolvi tentar de novo. Desta vez, resolvi que o passo de incorporar o açúcar e a farinha de castanha com uma espátula no final obviamente era uma frescura, e meti tudo na batedeira. Lixo. As claras desinflaram e eu quis quebrar minha própria cabeça idiota com a batedeira. Determinada, tentei pela última vez, com a última clara descongelada que eu tinha e sem a farinha de castanha. Enquanto estava no forno, conformada com a terceira derrota, cortei alguns damascos ao meio. Já que eu não teria cogumelos, faria outro tipo de fungo de madeira no meu bolo-tronco. Mas, milagre dos milagres, os cogumelinhos deram certo e ficaram ótimos, e compuseram, junto com a "neve" de coco ralado, a coisa mais bonita que já saiu da minha cozinha. Só que o gosto do bolo ficou sem graça. #Fail. Crise no ápice.
Passado o Natal, conforme as crianças foram se acostumando ao novo cãozinho e eu me acostumando à bagunça, dei-me conta de que não era apenas meu filho que estava de férias. Meus clientes também. E, deixando as crianças na avó, primeiro Thomas, depois Laura, percebi que os dois já haviam de tal forma criado entre si uma espécie de Liga-Épica-de-Destruição-e-Risada, uma Unidade de Caos, que era estranho estar com um e não com outro. A interação dos dois trazia alegria para a casa.

Então eu relaxei.

Decidi que ao invés de me culpar por não estar pintando joça nenhuma, aproveitaria essa fase fofa dos filhotes que não volta mais, integralmente. Ligo o computador só pra ter certeza de que não há trabalho a ser feito e então corro atrás deles, divirto-me com suas idiossincrasias, a lógica bizarra de criança, a correria, a barulheira, a cachorrada latindo, a Pequena Unidade de Caos. E percebi que conquanto não criasse uma expectativa com relação a meu dia e minhas atividades particulares, tudo correria bem e o único stress seria fazer Thomas comer seu brócolis.

Decidi que acabaria com essa ideia idiota de preparar trocentos doces natalinos e me ateria, a partir de então, a panforte (que eu de fato adoro e é muito fácil de fazer, além de poder ser feito com imensa antecedência) e talvez panettone, mas que agora a diversão seria preparar coisas que nunca fiz antes, sem a pressão de uma lista tão grande de afazeres numa época já tão atribulada.

Decidi que está na hora de voltar correr. Como der, quando der, o quanto der. Mas botar as pernas em movimento é prioridade, uma vez que não quero que meu visto temporário no País das Pelancas Pós-Bebês vire cidadania.

Decidi que, depois de um ano de Facebook, eu não estava perdendo nada. Voltei a entrar em contato com dois ou três amigos que andavam distantes, mas a verdade é que se eu (ou eles) quiser manter esse contato, nossos telefones estão devidamente atualizados. Nesse um ano, saí menos com meus amigos do que em anos anteriores. Não por estar longe, não por ter dois filhos. Mas porque ficar comentando bobagens via internet me trazia a ilusão de que estávamos conversando, e me destituía da necessidade de de fato chamá-los para sair tanto quanto eu costumava. Além disso, o Facebook me mostrou que muitas das pessoas que eu admirava pensam cocô boa parte do dia. Facebook me deprime. Facebook me lembra constantemente que o mundo é um lugar nojento, enquanto eu faço uma força brutal para tentar me convencer de que há beleza nele. Então, depois de um ano desperdiçando meu tempo com essa viciante rede de solidão e narcisismo, decido que não quero mais fazer parte dela. Vou transformar minha página pessoal numa página exclusivamente de trabalho e boa noite. Amigos, vocês têm meu telefone.

Decidi terminar de me desapegar de algumas tralhas que só fazem peso a cada mudança de casa, como aqueles livros que a gente continua guardando, não porque você usa de referência ou pretende ler outra vez, mas porque ficam bem na estante, contam para os outros um pouco sobre você (ou o que você gostaria que os outros acreditassem sobre você). Hmmm... acho que ninguém precisa ficar olhando para aquele imenso dicionário de verbetes de filosofia para saber quem eu sou, e eu nunca – NUNCA – abri aquele dicionário em 17 anos. Estou à procura de bibliotecas que aceitem doações de livros diversos (por incrível que pareça, há muitas que não querem) ou boas redes de troca de livros (sugestões?) para começar a manter a leitura em dia sem gastar mais dinheiro ou entulhar mais a casa.

Aliás, decidi colocar a leitura em dia.

Decidi que de vez em quando faz bem para a cabeça me dar férias. Não exatamente férias para não fazer nada, mas férias da obrigação e pressão pessoal de fazer coisas.

Decidi que o fim de semana é um bom momento para preparar massas caseiras e que quero fazê-las mais vezes. A máquina de macarrão já estava acumulando poeira dentro do armário, e, unido ao fato de que meu filho em seus quase 3 anos nunca comera massa caseira, tudo me pareceu muito errado. Comecei já há algum tempo a voltar a fazer macarrão de fim de semana, primeiro um fettuccine básico na máquina, depois um com farinha de castanha (e molho de porcini, uma delícia), então de beterraba, então ravioli de berinjela e ricotta...

E me ocorreu que eu não necessariamente precisava usar a máquina, e poderia preparar outros tipos de massa, daqueles de velhinhas italianas em mesinhas de madeira em ruelas de vilarejos medievais.

Quão divertido é isso???

[Quão louca eu sou???]

MUITO divertido.

[Louca de pedra.]

A primeira massa sem máquina que fiz foi Pici, uma massa longa típica de Siena, na Toscana. Comi Pici na minha primeira viagem à Itália, há 9 anos, com um molho simples de alho, azeite e pimenta fresca, e era uma delícia. Era um restaurante pequeno que só servia comida tradicional e não tinha cardápio em inglês, razão pela qual o casal de americanos na mesa ao lado entrou em pânico e pediu minha ajuda para escolher um prato. Lembro-me de que a mulher não arriscou nenhuma outra indicação minha e acabou pedindo o mesmo que eu, apesar de ter avisado a respeito do "pepperoncino". Calhou que ela não era tão fã de pimenta quanto eu e passou o jantar todo de rosto vermelho e olhos lacrimejando, enquanto eu me deliciava com aquela massa fresca, de textura macia e resistente à mordida e o molho apimentado. De sobremesa, uma fatia de panforte, e talvez tenha sido justamente a presença do panforte na minha cozinha que tenha me levado a essa receita para o almoço de domingo.

Pici é uma excelente massa para quem nunca fez macarrão ou não tem máquina em casa. Ela é naturalmente rústica na aparência, então você não precisa se preocupar em criar uniformidade, e o processo é fácil até para uma criança. Você já brincou de fazer cobrinhas de massinha de modelar quando criança? Então você tem a habilidade necessária para fazer Pici.

O segredo, para mim, é a textura da massa: você deve senti-la úmida e macia, mas não pode grudar nos dedos. Se estiver craquelada ou esfarelada, está muito seca. Pense em argila macia. Isso vale para a massa de ovos também.

O molho é improvisação minha, no entanto, já que não havia pimenta fresca. A quantidade de pimenta-calabresa torna o molho um bocado picante, mas as crianças rasparam o prato com gosto. Se achar mais apropriado, diminua a quantidade. (A massa deve ficar ótima com ragù, aliás.) 
 


PICI
(do ótimo Twelve: A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros)
Rendimento: 6 porções (quando preparei, fiz 4 porções, apenas reduzindo a receita para 2/3 dela. O molho sobra um pouco, nesse caso, mas nada que um pãozinho não resolva... :)

Ingredientes:
  • 600g farinha de trigo
  • 300ml água
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1/2 colh. (chá) sal

Preparo:
  1. Coloque a farinha numa tigela grande e faça um "fosso" no meio. Coloque ali o azeite, o sal e uma parte da água e comece a mexer com os dedos ou um garfo, para incorporar a farinha gradualmente. Vá juntando mais água conforme a farinha for absorvendo e quando formar uma massa, derrube na bancada e comece a sovar. A massa deve absorver toda a farinha e eventualmente parar de grudar nos dedos ou na bancada, mas não pode ficar craquelada ou esfarelada. Sove por uns dez minutos. A massa é mais pesada que massa de pão; use o peso do seu corpo para sovar, para não cansar os braços. Quando a massa estiver macia e uniforme, embrulhe em filme plástico e deixe descansar por 20-30 minutos, período durante o qual a farinha termina de absorver a água, o glúten relaxa e a massa fica mais suave e maleável – não pule esse descanso.
  2. Desembrulhe a massa e numa banca ligeiramente enfarinhada (se precisar) abra com um rolo em forma de retângulo estreito, com 1cm de altura. Corte tirinhas finas, de não mais de 1cm de largura. Uma a uma, abra rolando as palmas das mãos para frente e para trás, como quem faz cobrinhas de massinha, até obter fios bem compridos (corte ao meio se achar difícil manipulá-los quando muito longos) e quase tão finos quanto spaghetti grosso. Não se incomode se não ficar uniforme. O importante na hora de abrir é não enfarinhar sua bancada, ou você terá dificuldade de abrir os fios. Teoricamente a massa só estará grudando o bastante para criar atrito na bancada e alongar-se. 
  3. Conforme os fios forem ficando prontos, deixe-os numa assadeira grande e polvilhe bem com farinha, misturando-os com os dedos em garfo, para que não grudem uns nos outros. (Você pode deixá-los nas costas da cadeira, como fiz, mas tem que trabalhar rápido, pois conforme secam, podem romper-se com o peso pendurado). 
  4. Cozinhe em abundante água fervente com sal, misturando com um garfo assim que colocar os fios na água, para que não grudem. O Pici, por ser mais espesso, não vai cozinhar tão rápido quando fettuccine fresco, mas não vai demorar tanto quanto massa seca. Vá experimentando a cada minuto. Ele deve ter gosto de cozido, ter inchado um pouco e ter uma textura resistente à mordida. Cerca de 3-4 minutos. Escorra, misture imediatamente ao molho e sirva.

MOLHO COM PIMENTA CALABRESA
(improvisação minha)

Numa frigideira grande, aqueça em fogo médio uma colher (sopa) de azeite, 3 dentes de alho fatiados e 1 colh. (chá) pimenta calabresa seca (para um molho bem apimentado; você pode diminuir essa quantidade a gosto). Quando o alho soltar o aroma, junte duas latas de tomate italiano (ou 8 tomates frescos sem pele, picados), mexa bem com uma colher de pau,  quebrando os tomates em pedaços menores, abaixe o fogo e deixe apurar por cerca de 20 minutos, mexendo de vez em quando para não queimar, até que fique mais espesso. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto, uma colher (chá) vinagre de vinho branco, e, antes de escorrer a massa, junte 1/3 xic. da água do cozimento da massa, agora cheia de amido. Junte a massa escorrida, um fio de azeite e misture bem. Sirva polvilhado de parmesão

Cozinhe isso também!

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