sábado, 22 de setembro de 2012

Pão de Como e de chuva


Chove. Finalmente. Não que eu reclame dos dias de céu azul de brigadeiro e sol no meu quintal. Mas minha pobre pele seca e branca feito lençol agradece alguns momentos frescos embaixo de um telhado, e uma desculpa para não deixar meu moleque branquelo-bicho-de-goiaba tostando lá fora enquanto corre atrás de formigas. (Ele ainda não foi picado por nenhuma, e fico só esperando o momento em que ele vai aprender que formigas não são assim tão divertidas.)

Acho difícil pensar num cheiro mais relaxante que o de terra molhada de chuva. Senti falta disso. Tantos anos acostumada ao cheiro do asfalto quente exalando vapores sob a chuva fria. Esse perfume fresco da grama molhada agora me é tão querido talvez por ser tão nostalgico. Por lembrar os fins de semana frustrados na chácara, com oito anos, quando tudo o que eu queria era sair para brincar, mas chovia. As árvores e verduras lá fora pareciam aliviadas, refrescadas, suspirando. Algumas gotas gordas produziam ruídos estalados ao se chocarem com folhas maiores e mais espessas. Do lado de dentro, protegidas pelas paredes de tijolos, duas crianças, dois pais e dois avós procuravam o que fazer para se entreter numa casinha bastante pequena. Se fosse domingo muito cedo, eu assistiria ao Globo Rural na nossa televisãozinha portátil de 13 polegadas. Se fosse mais tarde, sentaríamos à mesa de jantar e jogaríamos rouba-monte com meus avós. Ou poderia levar minhas revistinhas de colorir para o terraço e ficar ali mais perto do que estava lá fora, mas ainda sob a proteção do telhado, maldizendo a brisa fria e úmida que virava as páginas da revista.

Talvez por isso eu passe boa parte do meu dia com essa sensação de estar quase de férias. Mesmo não estando numa chácara. Mesmo sendo uma casa de condomínio, cercada imediatamente por outras casas, é frequente esse sentimento de isolamento silencioso, o perfume das plantas, o ar com cheiro de ar, o céu imenso e horizontal sobre a minha cabeça.

Aliás, retiro o que eu disse – principalmente num dia de chuva, é fácil pensar num perfume relaxante: pão quente recém-saído do forno. Este, do excelente livro The Italian Baker,  eu já havia feito outras vezes, mas como nunca me lembrava de começar o fermento na noite anterior, acabava optando pelo menor tempo de fermentação indicado na receita. Grande erro. Ele fica tão melhor fermentando durante a noite; sua massa fica mais leve, saborosa e com mais estrutura, crescendo mais, dourando melhor e criando uma casca mais quebradiça. Delicioso no café da manhã preguiçoso, com requeijão (ando com vontade do meu requeijão caseiro) ou numa bruschetta na hora do almoço. Excelente amanhecido numa pappa al pomodoro ou numa panzanella.

Mas então pára de chover de novo. O pequeno maratonista de corredores acorda e saio eu correndo também atrás dele, antes que ele escale a mesa de centro, dê uma vassourada no cachorro (ele oscila entre vassouradas e abraços no bicho, e o Gnocchi, coitado, não entende lhufas) ou arranque meu manjericão da terra, com raiz e tudo. E o cliente liga querendo fazer um conference call com mais meia dúzia, e lá estou eu discutindo briefing, arrancando a vassoura da mão do moleque e tentando fazer o cachorro parar de comer as folhas do meu pé de berinjela. E a sensação de férias desaparece. Ainda bem que tem pão quentinho. 

PANE DI COMO
(do ótimo e recomendado The Italian Baker, de Carol Field)
Tempo de preparo: 4-8 horas para a esponja, 2h30 fermentação, 1h de forno
Rendimento: 2 pães redondos, médios

Ingredientes:
(esponja)
  • 1 colh.(chá) fermento biológico seco
  • 1 colh. (chá) extrato de malte
  • 1/3 xic. água morna
  • 2/3 xic. leite, em temperatura ambiente
  • 1 xic. menos 1 colh. (sopa) (aprox. 135g) de farinha de trigo orgânica
(massa)
  • 2 xic. (480g) água, em temperatura ambiente
  • cerca de 6 1/4 xic. (860g) farinha de trigo orgânica
  • 1 colh. (sopa) sal

Preparo:
  1. Numa tigela média, misture o fermento, o malte e a água. Deixe descansar por uns 10 minutos, ou até que espume. Junte o leite e a farinha e mexa com uma espátula ou colher de pau, até que fique bem homogêneo. Cubra com filme plástico e deixe em temperatura ambiente por no mínimo 4 horas, mas preferencialmente durante a noite. (Se a noite estiver quente, acima de qualquer coisa entre 19 e 21ºC, use água fria e leite gelado, para retardar a fermentação.)
  2. Se estiver fazendo o pão à mão, junte a água à esponja e misture e aperte entre os dedos, para dissolver a massa. Misture o sal à farinha e vá acrescentando dessa mistura à esponja cerca de 2 xic. por vez, mexendo bem a cada adição. Quando a massa estiver muito difícil de mexer com uma colher, comece a sovar com as mãos, acrescentando o restante da farinha com sal aos poucos. Sove bem por 4-5 minutos, até que esteja elástica, mas ainda úmida e ligeiramente pegajosa. Bata a massa vigorosamente contra a bancada, para desenvolver o glúten. Forme uma bola.
  3. Se estiver fazendo o pão na batedeira planetária, junte a água à esponja e bata com a pá em velocidade baixa até dissolver a esponja. Junte a farinha e o sal e misture por 2-3 minutos, até formar uma massa. Troque para o gancho e bata em velocidade média por cerca de 3-4 minutos, até que a massa esteja elástica mas ainda úmida e ligeiramente pegajosa. Termine de sovar à mão, polvilhando com pouca farinha para formar uma bola. 
  4. Coloque a bola numa tigela grande, untada de azeite, e cubra com filme-plástico. Deixe fermentar por cerca de 1h30, até que dobre de tamanho.
  5. Corte a bola em duas partes e forme duas bolas iguais. Coloque as bolas de cabeça para baixo em 2 tigelas iguais (de uns 20-21cm de diâmetro), forradas com panos de linho muito bem enfarinhados. Cubra com outros panos e deixe que fermentem por mais 1 hora, ou até que dobrem de tamanho, preenchendo bem as tigelas. 
  6. Trinta minutos antes das massas terminarem de fermentar, ligue o forno a 205ºC, com a pedra dentro. Na hora de assar, polvilhe a pedra com farinha de trigo ou, preferencialmente, de milho. Com cuidado, inverta as tigelas sobre a pedra, retire os panos e feche o forno. Asse por 1 hora, ou até que estejam dourados e soem ocos ao bater-lhes os nós dos dedos na parte de baixo.
  7. Dica: não ligue muito para o tempo de fermentação, e fique mais de olho no tamanho das massas; os pães que fiz que fermentaram por mais tempo – esponja durante a noite, e às vezes meia hora a mais em cada fermentação – criaram mais estrutura e não espalharam tanto dentro do forno, ficando mais altos. Com fermentação muito curta, eles espalham um bocado, e já aconteceu de meio que quererem "escorrer" para fora da pedra.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Frenesi e conservinha de abobrinha


O quintal era feiosinho, até minha sogra aparecer com um lindo manacá que não pára de florir. Então, num frenesi de plantação, plantei gardênias. E romã, e meu pé de maracujá moribundo que me segue desde o primeiro apartamento. E um pessegueiro cujo galho solitário comprei por uma ninharia e achei que fosse morrer em uma semana, mas que está repleto de novos brotos. E como forração do vaso amplo, plantei alfaces e rúcula, para colher logo. E também num outro vaso grande, onde plantei duas batatas que estavam brotando na cozinha. E usei as jardineiras velhas e abandonadas que vieram com a casa para plantar minhas ervas: alecrim, cebolinha, sálvia, manjericão, tomilho, coentro, manjerona e duas mudinhas de espinafre, que a moça me garantiu que cresceriam a ponto de não precisar mais comprar espinafre na feira. As duas mudinhas de morango também me paqueraram direito, e ganharam uma jardineira com sol matutino e temperaturas amenas no terraço. E plantei berinjelas. E pitanga, que minha mãe plantou de uma sementinha que lhe dei, vinda de uma pitanga roubada de calçada de São Paulo. E uma enorme muda de limão siciliano, e uma pequenina de mirtilos. No fim do ano, o limão ganhará como forração em seu imenso vaso sementes de radicchio de Treviso, que minha cunhada me deu. As sementinhas de manjericão genovês já brotaram, e esperam o momento certo de serem transplantadas, para o mesmo vaso onde plantarei meus tomates (um repele a praga do outro). Ainda não sei onde colocarei os feijões rajados que germinaram num vidro na cozinha e as favas que estão chegando pelo correio, junto com os tais tomates (variedades selvagens, diferentes), os rabanetes-melancia, o tomatillo mexicano, o manjericão tailandês e as acelgas coloridas. Fiz um enorme vaso de melissas, confundindo com um de hortelã, e depois fiz um de hortelã, agora sim ele mesmo. Plantei begônias num canto sombreado. Há ainda uma bandejinha de pimentas sortidas que serão semeadas, pois eu quero mudas de jalapeño e habanero. E ainda quero plantar abobrinhas, muito mais pelas flores frescas que pelas ditas-cujas.



Frenesi de plantação.
E tem meu pinheiro, minha tuia-maçã, que está entrando no lugar de uma touceira que só servia para acumular aranhas e pernilongos.

Quem lê, pensa que moro num sítio. Quem me dera. Meu frenesi é em vasos, todos acumuladinhos contra as paredes ensolaradas. Vamos ver no que vai dar. Adoraria ter uma produção tão prodigiosa de frutos ou legumes a ponto de precisar produzir conservas para não colocar a perder os alimentos. No entanto, sei que se minhas duas mudinhas de berinjela produzirem cada uma um único fruto, ficarei um bocado contente.

Enquanto isso, minhas conservas vêm de geladeira cheia. É o que dá quando você diz aos amigos e família que podem "trazer o que quiserem para colocar na grelha", e, todos muito generosos trazem o bastante para cada um produzir seu próprio churrasco veggie. A geladeira lotou e quem me conhece sabe que geladeira cheia me dá siricutico. Daquelas que você abre a porta e não enxerga o que está no fundo. Você sabe que não vai dar tempo de consumir tudo, e se há algo que me enerva profundamente é jogar comida fora. Num ponto que já cheguei a usar a sardella que sobrou de um encontro com amigos como molho de macarrão. Só para não ir para o lixo. (Daí que pretendo me arranjar um minhocário, para unir o útil ao agradável, e o que não virar molho de macarrão ou caldo de legumes, pelo menos vira composto para adubar o jardim e, quem sabe, produzir mais de uma berinjela por muda.)

Nisso, me vi com uma braçada inteira de abobrinhas e lembrei imediatamente de uma conservinha rápida (rápida de fazer e de consumir) da Marcella Hazan, que sempre quisera preparar. Fiz o dobro da receita e ficou uma delícia (a transcrição abaixo é da quantidade original da receita), apesar de ter usado vinagre branco, pois não havia do tinto na despensa. A hortelã veio direto do quintal, essa sim, quentinha de sol e tinindo de fresca.

Retire as extremidades de meio quilo de abobrinhas, e corte-as em palitos finos, de de uns 6-7cm de comprimento. Coloque em uma frigideira grande com 1/3 xic. de azeite de oliva, 1/3 xic. de vinagre de vinho tinto (ou branco, como usei), 3 dentes de alho descascados e meio amassados e sal a gosto. Leve ao fogo baixo por cerca de 30 minutos, ou até que todo o vinagre tenha evaporado e as abobrinhas estejam macias, mas ainda um pouco firmes. Você vai saber que o vinagre evaporou porque o óleo que sobra começa a dourar os vegetais. Coloque numa tigela e misture a umas 10 folhas de hortelã fresca. Essa não é uma "conserva" propriamente dita, de meses ou de prateleira de armário: pode ser consumida na hora ou ficar até uma semana na geladeira, coberta.


Cozinhe isso também!

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