segunda-feira, 6 de outubro de 2008

PADARIA DE DOMINGO 24: pão de centeio integral


Sexta-feira foi meu aniversário. Tinha planos de fazer bolos. Não apenas um bolo de aniversário, de avelãs e chocolate, mas também um pequeno, mármore, simplesinho, para levar na corrida. Nem uma coisa, nem outra. Fui consumida pelo trabalho e pela dieta. Pelo trabalho, porque novos jobs e novos esquemas, diferentes da minha vida normal de freelancer, criaram rotinas às quais estou custando um pouco a me adaptar. Pela dieta, porque após dois meses cravados, apesar de excelentes e visíveis resultados, tenho me sentido incrivelmente beligerante. Tudo me irrita. A explicação da nutricionista é simples falta de carboidratos. Boring... A explicação ayurvédica é que meu corpo está consumindo um combustível ruim, acumulado nas minhas gordurinhas, e seria mais ou menos como queimar pneus (literalmente, nesse caso) ao invés de ervas aromáticas. A fumaça que sai não é agradável. Gosto mais da minha explicação: minha porção má, antes diluída numa Ana Elisa maior, agora está ficando mais concentrada; como um xarope de ruindade.

Estou irritada por não poder cozinhar qualquer coisa que eu queira, irritada com a nova rotina, irritada com determinados clientes e determinadas situações de trabalho, irritada com fornecedores que mandam provas erradas e mandam as mesma provas erradas para o cliente errado, irritada com o tempo ruim que me faz passear com o cachorro na chuva três vezes por dia, irritada porque passei meu aniversário correndo e resolvendo pepinos, mesmo tendo adiantado todas as minhas tarefas para passar a manhã de sexta bundando... suficientemente irritada para querer arrancar a cabeça de algumas pessoas (uma em especial) com os dentes; bastante nervosa para não ter paciência para cozinhar nada que preste além de gororobas de dieta que (garanto) apesar de comíveis, ninguém quer ver por aqui; e mais do que enfurecida para olhar bem nos olhos de pessoas que:
1. Acham que são o centro do universo;
2. Me mandam e-mails mal-educados e impessoais, como se eu fosse SAC de empresa;
3. Não se lembram que nem todos são milionários como eles;
4. Acham que meu cachorro é corrimão;
5. Ficam tentando passar colegas de trabalho para trás na frente do cliente...
...e fazer uma pergunta meramente retórica que aprendi com um amigo sem papas na língua, escandindo sílabas:

"Você é idiota?"

No meio disso, tenho tido muito pouca paciência até mesmo com esse blog, que costumava ser fonte de prazer para mim.

Noutro dia, apanhei uma folha de caderno e escrevi em letras garrafais: "NÃO SE IRRITE", e colei na parede atrás do computador, para que aquele virasse meu mantra e eu me lembrasse de respirar fundo antes de mandar as pessoas para a p*ta que pariu.

Tem funcionado... um pouquinho.

Outro fator calmante é o cão. Cãozinho fofo e gigante, que vem todo peludo balançando seu rabo-espanador-derruba-coisas, tentando melhorar meu humor com lambidas, pulando no meu colo quando estou em frente ao computador, desavisada, como se ele não pesasse 20kg. Ele me acalma. Não há criatura no mundo com menos maldade no coração; ao contrário da dona, ultimamente.

Outras coisas que me fazem relaxar e esquecer a raiva são as flores surgindo por causa da primavera, que parecem iridescentes contra o céu prateado de chuva; passear pela rua com o cão e me deparar com uma amoreira ou pitangueira carregada e sair comendo frutinhas direto do galho, assim, como se eu não estivesse no meio de São Paulo; passar o sábado inteiro pós-aniversário com meu marido, sem pensar em trabalho, tomando café da manhã num lugar gostoso, passeando pela rua para aproveitar uma brecha de sol, indo ao cinema; sentar no sofá de pernas cruzadas no domingo, com uma xícara de chá, e folhear meus livros novos que chegaram todos antes do meu aniversário; e fazer pão.


Pão me deixa de bom humor. O processo, o cheiro que a casa ganha por horas. E não dá para fazer pão com raiva. Quem quereria comer um pão raivoso?

A receita é a mesma da outra vez, mas substituindo o mel por 8g de extrato de malte (1 colh. (chá)), a farinha de trigo para pães por farinha integral e aumentando a quantidade de água em 1 colh. (sopa).

domingo, 28 de setembro de 2008

PADARIA DE DOMINGO 23: focaccia de alecrim

Havia muito tempo que estava esperando pela oportunidade de preparar uma focaccia. Toda hora é hora? Talvez. Mas focacce, ao contrário de outros pães, não se conservam bem. Boas focacce devem ser saboreadas no mesmo dia em que são feitas. A visita dos sogros me pareceu a desculpa perfeita. Comecei-a de manhã cedo, antes do primeiro passeio do cão, e quando meus sogros chegaram ela ainda estava morna do forno, macia e deliciosamente aromática.

Foi na Liguria, região no noroeste da Itália, onde provei minha primeira focaccia. Estava fazendo o percurso de Cinque Terre, um caminho de 12km (se não me falha a memória) por entre os vinhedos da costa, passando por 5 vilarejos protegidos pela Unesco. Estava frio, chovia, e eu tentava não escorregar nas pedras enquanto equilibrava o guarda-chuva em uma mão e a máquina fotográfica em outra. A fome apertou quando cheguei ao terceiro vilarejo empoleirado em um penhasco, Corniglia, e decidi que era hora de comer alguma coisa. Comecei a andar pelas ruelas íngremes e becos, até ser atraída por um aroma fantástico que flutuava no ar, e que me levou a passos leves até uma casa de paredes de pedra, de portas abertas e luzes apagadas, com um pequeno balcão de madeira pintada de verde-bandeira, com focacce de diversas coberturas.


Escolhi um pedaço quadrado, do tamanho de um azulejo, fofo e quente, coberto de escarola refogada e mozzarella. Pode ter sido apenas o efeito do lugar, do cheiro do Mar Mediterrâneo atrás de mim, do silêncio sepulcral do vilarejo, mas nunca haverá focaccia melhor que aquela.

Vê-se então o desafio que é encontrar uma que me agrade hoje em dia, tendo tão marcada em minha mente a lembrança da focaccia perfeita.

Esta receita de Marcella Hazan não deve nada a ninguém. É fácil e deliciosa. E o truque consiste em espalhar o alecrim apenas no meio do cozimento, para que ele não esturrique. Claro, com cuidadinho. As folhas estariam mais uniformemente espalhadas sobre a focaccia na foto, se eu não tivesse queimado o dorso da mão no grelhador e soltado todas de uma vez. Ossos do ofício.

Disse no início do texto e repito: faça-a para comer no mesmo dia, e se for muito, faça meia receita. Outra variação clássica é substituir o alecrim pela sálvia.


FOCACCIA CON IL ROSMARINO
(do livro Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica, de Marcela Hazan)
Tempo de preparo: 2h30-3h
Rendimento: 1 focaccia grande, de 35x45cm, para 6 pessoas


Ingredientes:
  • 1 tablete de fermento ativo fresco
  • 2 xíc. de água
  • 6 1/2 xíc. de farinha de trigo
  • 2 colh. (sopa) de azeite de oliva
  • 1 colh. (sopa) de sal
(na hora de assar)
  • azeite para untar a forma
  • 1/4 xíc. de azeite de oliva extra-virgem
  • 2 colh. (sopa) de água
  • 1 colh. (chá) de sal
  • ramos de alecrim fresco
Preparo:
  1. Dissolva o fermento em 1/2 xíc. de água. Misture a 1 xíc. da farinha e mexa bem. Adicione o azeite, o sal, 3/4 xíc. de água e metade da farinha restante. Misture bem, até obter uma massa macia, compacta mas não grudenta demais.
  2. Vá juntando o restante da farinha e da água aos poucos, verificando o ponto, para que não fique nem demasiado seca, nem grudenta.
  3. Sove por uns 10 minutos, até que ela fique elástica. Forme uma bola e coloque em uma tigela untada com pouco azeite, deixando fermentar em local morno por 1h30.
  4. Pré-aqueça o forno a 235ºC. Unte uma assadeira de aproximadamente 35x45cm e coloque a massa ali, apertando-a com os punhos e esticando-a até que ela preencha toda a assadeira, mantendo-a com uma altura uniforme. Cubra com um pano úmido e deixe descansar por 45 minutos.
  5. Fure a massa em vários pontos com as pontas dos dedos, afundando bem. Bata com um garfo o 1/4 de xíc. de azeite, a água e o sal e despeje devagar sobre a massa, ajudando a espalhar com um pincel, deixando que a mistura empoce nos furos.
  6. Coloque a focaccia no forno e asse por 15 minutos. Abra o forno, espalhe o alecrim fresco, feche e asse por mais 7-8 minutos, ou até que a focaccia esteja dourada. Retire a focaccia da forma com uma espátula e deixe que esfrie um pouco. Sirva quente ou em temperatura ambiente, no mesmo dia.

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails