quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Risotto de cogumelos Porcini



Assim que acrescentei os cogumelos e sua água à panela de risotto, um aroma de terra e outono muito familiar atingiu-me em cheio, e não pude deixar de fechar os olhos, inconscientemente, para aspirar o mais profundamente possível aqueles cheiros. Era o cheiro que eu sentira nos restaurantes da Itália, naquele maravilhoso mês de outubro de 2004, quando o tempo começava a esfriar e me permitia usar meu recém-comprado chapéu de lã preta, no melhor estilo Audrey Hepburn. Comera risotti de Porcini, polenta com Porcini, pizzas de Porcini, bruschette, antipasti, e uma infinidade de modos de comer esse sensacional e inigualável cogumelo. Voltando ao Brasil, arrependi-me profundamente por não ter trazido um saco inteiro deles secos, sem saber que, mantidos na geladeira, eles duram uma vida toda.

Aqui, paga-se uma pequena fortuna por um envelopinho com 10g de pedaços muito vagabundos de cogumelos esfarelados e amarronzados. Aprendi bem com Marcella Hazan e seus livros que bons Porcini secos são predominantemente creme e em pedaços grandes. O que quer dizer que você está comprando seus chapéus, e não seus talos. Encontrara pacotes imensos nos empórios a preços proibitivos, e, por isso, nunca me aventurei a comprá-los. A única ocasião que me lembro de ter comido excelentes Porcini aqui no Brasil foi quando visitei pela primeira vez o restaurante Piselli, que nos servira uma entrada de polenta macia, com lascas da mesma crocantes e enormes e suculentas tiras do cogumelo. Mas em minha segunda visita eles já haviam substituído os caros ingredientes por uma seleção igualmente satisfatória de cogumelos selvagens.

Quando minha sogra voltou da Itália e me presenteou com uma bandejinha de 50g de Porcini secos, quase chorei de felicidade. Eles eram creme como Marcella recomenda. Guardei-os na geladeira e, toda semana, olhava-os. Hoje farei algo com eles. Não, hoje não é especial o bastante.

Então, ontem, não resisti. O dia todo fora frio o bastante para que eu vestisse mangas compridas e tivesse a sensação de estarmos em Maio, e, não querendo comprar mais nada no supermercado (esse mês conseguirei bater minha meta e não gastar mais do que devo!), apanhei meus cogumelos e deixei-os de molho, enquanto separava o restante dos ingredientes para um risotto cremoso e quentinho.

Tenho uma coisa com risotti, como você já deve ter percebido. Há gente que considera risotto um prato muito chique, e paga fortunas por um risottinho mixuruca em qualquer bistrozinho de meia tigela. Demorei para assimilar o fato de que os italianos não comem arroz branco como os brasileiros; que risotto é o arroz deles e ponto. E quando finalmente entendi isso, passei a produzi-lo no dia-a-dia, como o que ele verdadeiramente é: um prato rápido, prático e versátil. Como não considerá-lo "fast food", se fica pronto em menos de 20 minutos? Como não ser prático, se basta haver arroz arbóreo, cebolas, manteiga e queijo parmesão na despensa? E suas versões são infinitas, limitadas pelo seu paladar. No começo, Allex torcia o nariz, e achava esquisito ter "arroz" para jantar. Hoje, já se acostumou com o conceito, e enquanto arroz agulhinha surge raramente em casa, o arbóreo é o primeiro item da despensa que saio correndo para repor.

Este risotto de cogumelos Porcini não deixou a desejar. Deixei de molho os cogumelos secos por meia hora em água morna (30g são suficientes para 4 pessoas, mas sou gulosa e usei para 2), espremi-os e filtrei sua água aromatizada para uso posterior. Fiz o risotto normalmente, com 1 xícara de arroz arbóreo, 1 cebola e um dente de alho, e, no meio do cozimento, acrescentei os cogumelos e meia xícara de sua água. Ao final, muita manteiga, muito parmesão e tomilho fresco. Tão simples, tão bom!

Acho que vou pedir à minha cunhada (que chega daqui a uma semana) para trazer outra bandejinha... ;)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Ame comida, odeie desperdício

Ontem comprei uma revista nova, pois passaria horas e horas presa a uma fila, e queria algo que me distraísse. Passei em uma banca com revistas importadas e comprei, com pressa e meio às cegas, a Waitrose Food Illustrated de janeiro desse ano. Waitrose é, na verdade, uma rede de supermercados britânica que, por acaso, também produz essa revista cuja qualidade surpreendeu-me um bocado. Normalmente não leio os artigos das revistas importadas que compro, a não ser que tenham um ângulo muito interessante. Mas presa na fila, entretando, forcei-me a começar. Talvez seja devido ao fato de me identificar muito com o ácido humor britânico e sua lógica, mas eu ADOREI os textos. Devorei a revista toda em menos de meia hora, e fiquei fascinada pelas receitas, claro. Meus favoritos foram o artigo sobre a maldição dos pontos de restaurante que fecham sempre e sobre desperdício de comida. E é sobre isso que quero falar.

O breve texto falava sobre alarmantes números a respeito do desperdício de comida e geração de lixo na Grã-Bretanha, e sobre a campanha Love Food Hate Waste, para conscientizar os britânicos sobre a necessidade de se conhecer sua comida e saber como utilizar todas as suas partes e seus restos. Não apenas a cozinha doméstica era culpada, mas a industrial, por culpa do desejo de conveniência do consumidor e da vontade da indústria de suprir esse desejo. A venda, por exemplo, de carne já segmentada e embalada isenta o cozinheiro ocasional de saber aproveitar partes menos nobres dos animais, já que ele sempre compra o mesmo peitinho de frango desossado e sem pele e o mesmo filé-mignon já bem porcionado e pronto para ir à panela. O mesmo acontece com raízes e vegetais vendidos sem as folhas (como cenouras, rabanetes, beterrabas, brócolis, entre outros, todos com deliciosas e nutritivas folhagens ignoradas) e folhas já limpas, sem suas partes murchinhas ou duras, como couves, repolhos, alfaces, etc. E quando esses alimentos vão inteiros para as casas, os consumidores (e restaurantes) jogam quase metade deles no lixo por não considerá-los bonitos (no caso de folhas murchas ou manchadas) ou por não saber prepará-los.

O artigo levava ao site da campanha, onde há mais números assustadores, mas, principalmente, dicas de como desperdiçar menos comida e até receitas para se aproveitar sobras.

Seria fantástico se houvesse uma campanha dessas aqui no Brasil. Aqui perto de casa há duas feiras, uma de domingo e uma de quinta. É horripilante ver a montanha de 1,5m de altura de comida perfeita que fica ao lado de algumas barracas, que tentam deixar seus produtos mais bonitinhos para o consumidor acostumado ao estéril ambiente de supermercado. Sei que há uma campanha que leva restos de feiras de São Paulo para instituições de caridade. Mas, ainda assim, como estamos educando nosso povo???

Cozinhe isso também!

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