terça-feira, 31 de julho de 2012

Pão-de-forma de sour cream pra converter marido chato

Parece um passado distante a época em que eu não sabia fazer pão, em que sovar água, fermento e farinha parecia uma tarefa complicada. Não era ainda por economia, echochatice ou gastronochatice que eu queria produzir meu próprio pão, mas por simples curiosidade culinária. Minhas primeira tentativas foram pães simples, rústicos, redondos ou ovais, às vezes algum integral. A textura era imperfeita, a casca pálida, fina, borrachuda, o gosto, ok, às vezes rescindindo a fermento. E toda vez que oferecia um pedaço ao meu marido, ele respondia:

"Gosto de pão-de-forma. Branco."

Ele era categórico. E demonstrava sua indiferença ao pão caseiro trazendo pão-de-forma de supermercado em embalagens plásticas coloridas para casa. Isso me deixava maluca. Não porque pão-de-forma de supermercado me parecesse ruim na época (eu comia, mas preferia as versões supostamente integrais). Naqueles dias ainda não sabia que pão-de-forma de supermercado simplesmente não é pão. Não é. Mas porque ele se recusava a experimentar, como uma criança birrenta.

Um dia, cansada de ouvir aquela mesma ladainha, resolvi começar a fuçar na internet e nos meus livros (poucos na época) buscando uma receita de pão-de-forma que fosse como o industrial, só que caseiro. Novamente, mera cuirosidade culinária. [Mal sabia eu que a textura gelatinosa e a falta de sabor do pão industrial não eram metas a serem alcançadas, e sim defeitos a serem evitados.] E fiz o pão-do-homem elefante, um pão fácil mas feio, cujo sabor e textura são provavelmente melhores na minha memória do que na realidade.

"Ok, mas não é pão-de-forma. Gosto de pão-de-forma. Branco." 

E continuei buscando. E foram certamente dezenas de receitas de pão feitas ao longo de todos esses anos, entre pães-de-forma com crosta dura, macia, sem crosta, integrais, de centeio, de linhaça, sourdough, italianos, franceses, vienenses, alemães, com nozes, com especiarias, massas de pizza, focaccia, brioches, pães de hambúrguer, broas... acho que não há facção culinária que eu tenha atacado com mais gosto do que a panificação. 

E ao longo dos anos, depois de muita prática, depois de ler muito a respeito, falhar um bocado, comprar e usar uma pancada de livros, ver muitos videos, sovar muita massa e assar e comer muitos pães, finalmente o processo se tornou fácil e natural. Ao longo dos anos, vi o pão-de-forma de supermercado desaparecer para sempre de minha cozinha, e vi muitas vezes meu marido chegar na cozinha curvado como um urubu faminto, guiado pelo aroma de pão quente, e tentar roubar uma fatia com manteiga do pão esfriando na grade. A não ser quando ofereço algum pão denso e escuro, quando então volto a ouvir parte daquela antiga ladainha:

"Gosto de pão branco."

Então, há alguns dias atrás, ouvi dele algo que, lembrando daqueles primeiros meses morando juntos, quando ele achava bobagem fazer pão em casa, nunca pensei que ouviria. Segurava sua xícara de cappuccino quentinho numa mão e uma fatia desse pão-de-forma na outra, com bastante manteiga. 

"Sabe... a gente finalmente está pronto para se isolar da civilização."
"Como assim?", perguntei, dando ao Thomas seu copo de leite. 
"Eu já faço cappuccino melhor que qualquer café daqui do bairro, e você já faz pão melhor que qualquer padaria. Pra quê civilização?" 

Fui até ele e dei-lhe um abraço longo e apertado.

E corri de volta porque Thomas estava brincando com seu copo de leite ao invés de bebê-lo.

Esse pão-de-forma específico é fácil, principalmente para um principiante, pois você espera a farinha absorver um pouco o líquido antes de sovar a massa, o que a torna mais amigável. E você mais ou menos sova ela por dez segundos de cada vez, o que quer dizer que você não precisa saber muito bem o que está fazendo. E a cada vez que tira a massa da tigela, ela está mais elástica e fácil de manipular. E o resultado é incrível: um pão alto, de casca dourada escura que amolece de um dia para o outro, e um miolo fofo e perfumado, mas com suficiente estrutura para aguentar gordas passadelas de manteiga ou um bocado de queijo derretido num tostex. O pão-de-forma para converter um marido teimoso ou um adolescente birrento. Agradeço à Pat por ter me apresentado o Dan Lepard, cujas outras receitas de pão não vejo a hora de experimentar. ^_^

 PÃO-DE-FORMA COM SOUR CREAM
(Traduzido desta coluna de Dan Lepard, publicada no The Guardian)
Tempo de preparo: 3h10 fermentação +
Rendimento: 1 pão-de-forma

Ingredientes:
  • 125g sour cream*
  • 2 colh. (chá) sal
  • 2 colh.(chá) açúcar
  • 2 1/4 colh. (chá) fermento ativo seco instantâneo
  • 550g farinha de trigo (preferencialmente orgânica ou para pães**
  • Óleo vegetal, para sovar

(* misture a mesma quantidade de creme de leite fresco com uma colherinha de vinagre e deixe em temperatura ambiente por 30 minutos ou algumas horas se quiser um sour cream mais espesso.
** não é chatice; depois de alguns testes, o pão caseiro realmente tem melhores resultados com farinha orgânica, principalmente em fermentações longas e pães sourdough.)

Preparo:
  1. Numa tigela grande, misture 150ml de água gelada, 100ml de água fervendo, o sour cream, o sal, açúcar e fermento. Junte a farinha e misture até formar uma massa mais ou menos em formato de bola. Cubra a tigela com filme plástico e deixe em repouso por 10 minutos.
  2. Unte ligeiramente com óleo uma parte da sua bancada (ou uma assadeira, se não puder derramar óleo na sua mesa), e sove a massa sobre o óleo por cerca de 10 segundos. Retorne a massa para a tigela, cubra novamente com o filme plástico e deixe em repouso por mais 10 minutos. Repita a operação mais duas vezes e então deixe a massa coberta fermentando por 1 hora.
  3. Unte com manteiga o fundo e as laterais de uma forma de pão-de-forma de cerca de 19cm de comprimento (preferencialmente uma que seja mais alta – o ideal é uma forma de pão com tampa, usada aqui sem a tampa) e forre apenas o fundo com papel-manteiga.
  4. Na bancada untada, amasse a massa com as mãos até que forme um retângulo de uns 2cm de espessura. Enrole, selando bem as pontas e coloque na forma, com a fenda para baixo, apertando-a na forma. Cubra com um pano de prato e deixe fermentar por 60-90 minutos, até que dobre de tamanho. (Como estava frio no dia, deixei o meu por 90 minutos.) Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 200ºC.
  5. Retire o pano de prato, polvilhe a superfície do pão com um pouco de farinha e leve ao forno por 45 minutos, ou até que esteja bem dourado. Retire a forma, retire o papel-manteiga da base com cuidado e deixe que o pão esfrie completamente numa grade. Uma vez frio, guarde embrulhado em um pano de prato limpo e ele se conservará por uma semana, se você não comê-lo todo antes.


Cozinhe isso também!

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