segunda-feira, 24 de maio de 2010

Beterrabas, tangerinas e hortelã, e por que diabos ninguém come marmelo??

Vira e mexe eu me apaixono por um livro novo, e começo a cozinhar tudo o que encontro nele, até que meus olhos vaguem para um novo objeto de estudo e desejo. Sorte do marido que isso só acontece com livros de cozinha. ;) Minha paixão atual é o livro Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin. Seus cardápios completos, divididos em estações do ano, fazem com que eu queira preparar mais pratos a cada refeição. Por causa dele, tenho feito sobremesas com frutas todos os dias.

Foi uma foto linda no meio do livro, no capítulo do outono, que me fez querer correr atrás das romãs. Como assim, romãs são frutos de outono? Nós as comemos na virada do ano, quando a primavera acabou de dar lugar ao verão! Não é? Hmmm... pagamos absurdos por frutas importadas, apenas pelo prazer de preservar uma tradição de Reveillon que sequer compreendemos mais, nascida em outro hemisfério, num fim de outono em que a romã faz sentido. No mercado, pela falta de interesse dos consumidores, as poucas romãs lindas, suculentas, pesadas, estão a preço de ouro. Na feira, em meio a três quarteirões de bancas, um único feirante exibia uma caixinha pequena, com meia dúzia de frutos bonitos, do tamanho de minha cabeça. O mercado não negocia, mas o feirante sim. Levei duas romãs enormes para casa.
Enquanto colocava as frutas na sacola de lona vermelha, olhei em volta. Pêssegos e ameixas. Em todas as bancas. De onde, se as frutas de caroço são frutas de verão? Todas importadas. Todas caras. Todas vindas para cá congeladas. Todas sem gosto nenhum. E as pessoas que comem pêssegos no outono procurarão romãs na primavera. O mundo está de ponta cabeça, e nós perdemos completamente a conexão com a terra, com os ciclos, com tudo o que há de natural.
Levei minhas romãs para casa e fiz delas uma salada. Folhas de alface roxa e radicchio, maçãs, nozes tostadas, uvas-passas. Enfiei a ponta da faca na romã madura e torci a lâmina. A fruta rompeu-se como o solo num terremoto, com um som craquelado e coreáceo, exibindo sementes cor de rubi. Com a ponta do dedo, retirei algumas das sementes sobre meu prato. Com a parte carnuda do polegar, esmaguei as sementes restantes contra o interior da casca, extraindo seu suco cor-de-rosa, tanto suco que me surpreendi. Este suco tão fresco misturei a um pouco de azeite, vinagre balsâmico, sal e pimenta, e temperei minha salada. Deliciosa.

Nos dias que se seguiram, outro estranho me chamou a atenção. No mercado, em meio à infinidade de pêras e maçãs excelentes nesta época, uma fruta aparentada jazia abandonada, num bom preço. Apanhei-a em minhas mãos, sentindo sua carne dura feito madeira sob a pele amarela. Marmelo. Levei dois. Grandes, bonitos, e totalmente outonais.

Cozinhei fatias suas, descascadas, em água, açúcar, baunilha e limão por meia hora, até que estivessem macias. Seu sabor era fantástico: nem pêra nem maçã, mas algo entre eles, como um elo perdido. Fiz das fatias amarelo-rosadas de marmelo uma torta, com maçãs sobre massa folhada caseira. Fantástico. O marmelo poché restante descansa num pote fechado na geladeira, aguardando para acompanhar uma xícara de iogurte.

E fiquei pensando... Quando criança, os marmelos figuravam meus livros infantis. Havia músicas com ele. Comia-se marmelada. Para onde foram, então, os marmelos? Por que não estão nas feiras? Por que algo tão gostoso é tão ignorado? Será que a romã e o marmelo padecem do mal do "dá trabalho"? Por que uma é chatinha de comer e o outro é preciso cozinhar? Será que a desculpa daquela tal de "vida agitada" é que faz com que comamos apenas frutas que possamos transportar na bolsa ou comer em pé na cozinha em menos de dois minutos?
Enquanto isso, é quase um prazer secreto descobrir os sabores que o hábito escondeu de mim por toda a minha vida. Bons livros que dividem bem suas receitas em estações do ano (como os de Deborah Madison e Alice Waters) têm me ajudado a encontrar novos favoritos, refrescar meu paladar, acordar para novas cores e combinações. Os rubros escuros e alaranjados do outono têm me hipnotizado totalmente, e é impossível não se sentir satisfeita apenas em olhar para um prato colorido assim.
Passei cedo na feira de domingo apenas para apanhar dois filés de salmão que julguei (bem julgado) que acompanhariam bem esta salada de beterrabas assadas com mexericas ponkan, que seria seguida da tal torta de maçãs com marmelo. Aliás, boa estratégia esta: uma refeição leve para uma sobremesa pesada, uma refeição pesada para uma sobremesa leve. E tudo fica equilibrado.

SALADA DE BETERRABAS E TANGERINA
(ligeiramente adaptado do livro Sunday Suppers at Lucques, de Suzanne Goin)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 2 porções


Ingredientes:
  • 1 maço de beterrabas pequenas (umas 8 beterrabas pouco maiores que rabanetes)
  • azeite-de-oliva extravirgem
  • 2 tangerinas1 colh. (sopa) cebola vermelha picada fino
  • 1/2 colh. (chá) vinagre de vinho tinto
  • 1/2 colh. (sopa) suco de limão
  • Água de flor-de-laranjeira (encontrada em lojas árabes)
  • hortelã fresca
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Corte as folhas das beterrabas, deixando uns 5cm dos talos ainda nas beterrabas. Não jogue as folhas fora! Se estiverem bonitas, elas são deliciosas! Limpe bem as beterrabas e role-as num fio generoso de azeite e 1/2 colh. (chá) de sal. Coloque-as numa assadeira, espirre um pouco de água (para criar vapor quando aquecer) e cubra firmemente com papel-alumínio. Leve ao forno por 40 minutos ou até que as beterrabas estejam macias o suficiente para serem espetadas com um garfo. O tempo pode variar de acordo com o tamanho delas.
  2. Retire do forno e deixe que esfriem o suficiente para manipulá-las. Retire as cascas com os dedos (elas sairão facilmente) e corte as beterrabas em quartos.
  3. Enquanto as beterrabas assam, prepare o restante. Com uma faca afiada, corte as "tampinhas" das tangerinas, como no desenho. Apoie uma das bases agora retas na tábua de corte e faça cortes de cima para baixo, retirando a casca e a parte branca. Desta forma, quando totalmente descascada, a tangerina já estará livre das películas brancas e amargas que a cobrem e parecerá uma laranja comum. Pegue a tangerina descascada na mão e, com cuidado, sem fazer força (para não cortar um dedo fora), corte os gomos fora, entrando a faca entre os gomos, apenas até o centro da fruta. Faça isso sobre uma tigela, para recolher o suco que a fruta liberará ao manipulá-la. Com a ponta da faca ou com os dedos, retire as sementes.
  4. Junte a cebola picada, o vinagre, o suco de limão e o suco da tangerina que ficou na tigela (deve ter 1 ou 2 colh. (sopa), não importa). Tempere com sal e deixe descansar até que as beterrabas estejam prontas.
  5. Na hora de servir, junte umas 3 colh. (sopa) azeite ao vinaigrette e uma ou duas gotas de água de flor-de-laranjeira (é forte; se usar demais, fica com gosto de perfume). Experimente e acerte o tempero.Misture o vinaigrette às beterrabas, tempere com pimenta-do-reino e distribua numa travessa ou nos pratos. Arranje os gomos de tangerina por cima. Pique a hortelã e salpique por cima. Sirva imediatamente.

Cozinhe isso também!

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