quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Outro pão de centeio, chocolate e ameixa e mãe incrédula


Dia desses, tendo colocado cacau demais num prato para rolar minhas seis míseras mini-trufinhas feitas de madrugada para reaproveitar um resto de ganache que usara no delicioso bolo de agrião da Marcella, resolvi fazer um agrado para as crianças e servir leite com chocolate de manhã cedo. Explico: apesar do vício em Toddy e Ovomaltine do pai, meus filhos nunca tomaram leite com achocolatado na vida (pelo menos não em casa). Eles adoram leite puro, integral, e é isso o que bebem todo santo dia no café-da-manhã, desde que largaram o peito. E estão tão acostumados a ver o pai tomar leite com achocolatado de manhã, que nem pedem. Aliás, não me lembro de terem pedido pra provar sequer uma vez.

Fui toda feliz e contente produzir um achocolatadozinho com cacau belga e açúcar mascavo, assim, no improviso. Quando coloquei a bebida na frente da Laura, ela vibrou. Já Thomas, quem eu achava que adoraria a novidade... recusou veementemente.

"Num quéo."
"Mas é leite com chocolate, Thomas."
"Num quéo letch cucáti. Quéo letch."
"Não quer chocolate???" – mãe incrédula, aqui.
"Dão. Dãaaao, dão."

Fazer o quê? Vou reclamar que o pimpolho prefere leite puro? Neh. Mas fiquei chateadinha de querer fazer algo fofo e ele não querer provar. Como diz meu marido, expectativa é uma b*sta.

Mas em qualquer outro prato que eu coloque chocolate, o mocinho alucina. Se o bolo tiver cobertura, ele primeiro come toda a cobertura, pra então ir ao bolo. Se tiver gotinhas na massa, ele vai cavocando com a ponta do dedo, retirando todos os pontinhos de chocolate para comê-los primeiro.

E foi isso o que aconteceu com esse pão.

Sorte que ele é tão gostoso, que não foi só o chocolate que foi devorado.

O pãozinho foi feito inspirado naqueles outros, que eram bons, mas levavam muito pouco centeio para o meu gosto, e eram mais densos. Eu queria um pão fofo e com o gosto mais pronunciado do centeio, que eu adoro. Também queria a farinha integral, não apenas pelas fibras, mas porque ela fica uma delícia com chocolate.

Ele ficou fantástico torrado com manteiga e fiquei imaginando, se tivesse sobrado, que daria um bread and butter pudding fantástico.

PÃO FOFINHO DE CENTEIO, CHOCOLATE E AMEIXA
Tempo de preparo: cerca de 3 horas
Rendimento: 1 pão médio

Ingredientes:

  • 300ml água
  • 45g açúcar
  • 2 1/4 colh.(chá) fermento biológico seco instantâneo
  • 300g farinha de trigo branca
  • 100g farinha de centeio
  • 100g farinha integral fina (se for muito grosseira, peneire, pese a parte peneirada até dar os 100g e polvilhe as fibras restantes sobre o pão antes de ir ao forno)
  • 10g sal
  • 1 ovo
  • 45g manteiga, de preferência em temperatura ambiente
  • 1/2 xic. chocolate picado ou gotas de chocolate amargo (56-70%)
  • 1/2 xic. ameixa picada em quartos


Preparo:

  1. Numa tigela grande, misture a água morna, o açúcar e o fermento. Junte as duas farinhas, o sal, o ovo e a manteiga, e misture bem com as mãos, usando os dedos para tentar incorporar de modo uniforme todos os ingredientes. 
  2. Quando formar mais ou menos uma bola, despeje numa bancada e sove por cerca de dez minutos, até que a massa esteja lisa e macia. Evite incorporar mais farinha; se a massa estiver grudando um pouco, a sova e a fermentação vão torná-la menos grudenta. Se a massa estiver muito seca, coloque um pouco mais de água, uma colher por vez. Ela deve ser macia e úmida, mais para o pegajoso do que para o seco.  Um pouco pegajosa, inclusive, é bom. A farinha integral vai absorver muito dessa água durante a fermentação, e se a massa estiver sequinha antes, o pão vai ficar muito seco e denso no final. 
  3. Coloque em uma tigela untada com um fio de óleo, cubra a tigela com filme plástico e deixe fermentando por 1 hora em temperatura ambiente (21ºC – se estiver mais frio, espere mais tempo). A massa deve dobrar de volume.
  4. Despeje a massa na bancada, amasse com os punhos para achatá-la e espalhe sobre ela a ameixa e o chocolate. Dobre as abas da massa sobre ela mesma, encapsulando o recheio, e então sove um pouco, apenas até que o recheio pareça bem espalhado por toda a massa, como as frutas de um panettone. Molde a massa como uma bola bem firme. Coloque em uma assadeira grande, polvilhada com farinha, cubra com um pano e deixe fermentar por mais 1 hora, até que cresça novamente (talvez não cresça tanto, por conta do peso do recheio).
  5. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 180ºC. Retire o pano e leve ao forno por 30 minutos, ou até que a superfície esteja dourada e você ouça um som oco ao bater os nós dos dedos na parte debaixo do pão. Deixe esfriar completamente sobre uma grade antes de consumir.




quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Torta de ricotta e catalogna para amantes de amargos ou não

A foto é feia, mas a torta é uma delícia.
Quando era criança, e empurrava o espinafre para o canto do prato, minha mãe me dizia com cândida confiança que um dia eu viria a apreciar os sabores amargos e fortes em detrimento de gostos mais doces ou empastelados. Eu ria, e, diante de sua insistência, ficava brava, como se as palavras de minha mãe fossem uma praga rogada, e eu me contorcia ao imaginar um futuro em que gostasse de comer espinafre ao invés de brigadeiro.

Praga de mãe funciona.

Não precisou sequer chegar ao meio da adolescência, e já me via enchendo o prato de escarola. A descoberta do radicchio foi uma maravilha. E quando provei todo o amargor da catalogna, foi amor à primeira mordida.

Já mais velha, já imersa na cozinha e lendo um bocado principalmente sobre cozinha italiana, caí numa nota, acho que de Marcella Hazan, sobre o amor dos italianos pelos sabores amargos, das verduras aos licores. Lembrei-me da ladainha materna de infância, e me perguntei se o apreço que eu tinha pela catalogna era:

a) uma tendência genética, trazida da Itália pelos meus bisavós;
b) resultado do amadurecimento natural do paladar ao entrar na vida adulta;
c) um bom treinamento da parte de meus pais, que sempre colocavam no nosso prato coisas amargas como escarola ou fígado de frango;
d) mera coincidência.

Tem uma partezinha pretensiosa de mim que adora pensar que existe um gene italiano em algum lugar do meu DNA responsável por eu gostar de crostini com fígado. Mas vamos e venhamos que... eh. Não.

Acho que paladar não amadurece naturalmente, ou eu não teria tantos amigos com quase quarenta anos que ainda se alimentam como se fossem crianças enjoadas.

Pode ser mera coincidência, mas eu boto dinheiro na letra C. Acho que meus pais fizeram um bom trabalho. E ainda que eu tenha feito cara feia durante a infância para comer espinafre, hoje ela é uma de minhas verduras favoritas. E sempre que posso, saio da feira com maços e maços de todas as verduras amargas que encontro.

Mas, claro, a vida não é perfeita e nem todo mundo gosta das mesmas coisas.

Quando juntei os trapos, aconteceu todo um treinamento com o marido para habituá-lo aos sabores amargos que eu tanto queria incorporar na comida. Comecei devagarinho, com espinafre, rúcula, agrião, escarola... o radicchio e a endívia... estava tudo indo bem. Até a catalogna. "Ah, não. Catalogna, não." Atingi um limite.

O máximo que eu conseguia fazer com a coitadinha da catalogna, se eu não quisesse comer sozinha, era sopa, pois o amargor dela parece que suaviza com o cozimento. E era justo sopa que eu pretendia preparar, quando comprei uma braçada dessa chicória na feira.

No entanto, comprei verduras demais, e me vi tendo que cozinhar tudo de uma vez, para não deixar nada estragar. As folhas do agrião viraram bolo, os talos grossos dele viraram sopa com batatas (direto pro freezer), a couve virou parte pesto (dois potes, também pro freezer) e parte minestrone, junto com parte do repolho, e a catalogna... não dava para virar sopa, pois eu já havia feito o minestrone para aqueles dias, e eu sabia que a sopa de catalogna não congelaria bem.

Então encontrei essa receita lindinha de torta no site da revista La Cucina Italiana: torta de ricotta com catalogna. Hmmm... mas o povo vai comer a catalogna assim? Resolvi arriscar.

A massa é facílima, feita com azeite de oliva, sem precisar gelar. A catalogna passa por três cozimentos: aferventada, refogada com pancetta defumada e enfim assada dentro da torta. E, combinada à doçura natural da ticotta, seu amargor quase desaparece. É uma torta simples e deliciosa, a ser repetida muitas e muitas vezes. E quão fácil é substituir a catalogna por qualquer outra verdura escura? Espinafre? Escarola? Nham.

A única dificuldade foi em relação à ricotta. A receita original usa dois tipos: ricotta fresca e ricotta salata (ricotta que foi salgada, prensada, e que nunca vi por aqui). A ricotta fresca deve ser bem úmida e cremosa, com gosto adocicado de leite. Use a sua favorita, mas evite ricottas muito secas e esfarelentas. Para substituir a ricotta salata, aumentei um pouco a proporção de ricotta fresca e usei parmesão ralado na hora, fininho, no para o toque salgado. E ficou muito bom.

O veredito? Povo comeu, gostou, e só foi saber depois que era catalogna. ;)

Espero que o treinamento dos pimpolhos por aqui seja tão eficiente quanto o dos meus pais.

TORTA DE CATALOGNA E RICOTTA
(adaptado daqui)
Rendimento: 8 porções

Ingredientes:
(massa)

  • 500g farinha de trigo
  • 80g azeite
  • 250g água fria
  • sal a gosto

(recheio)

  • 650g catalogna
  • 350g ricotta fresca
  • 100g parmesão ralado fino
  • 100g pancetta defumada ou bacon, cortada em pedacinhos pequenos*
  • azeite de oliva
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

* para uma versão vegetariana, eu substituiria o bacon por um dente de alho picado.

Preparo:

  1. Coloque a farinha numa tigela e faça um buraco no meio. Junte o azeite, a água e sal a gosto e misture bem até formar uma massa. Sove na bancada ligeiramente enfarinhada, apenas até obter uma massa macia e elástica. Envolva em filme plástico e deixe repousar por pelo menos meia hora.
  2. Enquanto isso, leve água com sal para ferver. Mergulhe a catalogna, cozinhe por 1 minuto e escorra. Quando estiver fria o suficiente para manipular, esprema bem a água das folhas e pique finamente. 
  3. Aqueça um fio de azeite em uma frigideira e junte a pancetta ou bacon, e cozinhe até começar a dourar. Junte a catalogna picada e refogue por alguns minutos. Passe para uma tigela grande.
  4. Coloque uma peneira sobre a tigela e passe a ricotta por ela, amassando bem com a ajuda de uma colher. Junte o parmesão, tempere com sal e pimenta e reserve.
  5. Pré-aqueça o forno a 250ºC.
  6. Numa bancada enfarinhada, divida a massa da torta em duas partes, uma maior que a outra. Abra a parte maior, enfarinhando, se necessário, e disponha a massa sobre uma forma de torta de 26cm. Coloque o recheio dentro da torta, espalhando bem. Abra a parte de cima da massa, cubra a torta, apare os excessos e feche as beiradas.
  7. Faça talhos paralelos na torta com uma faquinha, ou fure com um garfo, ou use as aparas para decorar como quiser. Pincele com azeite e asse por cerca de 45 minutos.


Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails