quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Chips de couve criança solta no mundo

Falta uma semana para as férias escolares chegarem ao fim, e já me vejo numa certa ansiedade culinária novamente, pensando no quê posso deixar pronto no freezer para os dias sem pão nem inspiração para o lanche da escola. Daí que há alguns dias uma amiga me escreveu perguntando dos lanchinhos do Thomas, já que sua filha ingressaria na escola esse ano e, como toda mãe natureba, ela estava preocupada. Respondi um email imenso, mas mais imenso foi o tempo em que fiquei matutando no assunto.


Foi um ano de siricuticos mil por pessoas de dentro e fora da família oferecerem ao moleque toda sorte de "coisas-comestíveis-semelhantes-a-alimentos-não-pré-aprovados". Desde o hambúrguer no buffet infantil, ao suco em pó radioativo, danoninho, gelatina diet, refrigerante light, cebolitos e miojo. Os dois últimos, aliás, colaboração do pai, o que causou um siricutico mais intenso que os outros.

Antes do Matador de Dragões começar a escola, eu sofria pensando em como eu não teria mais o controle total e completo (argh) sobre a alimentação dele, como ele experimentaria a bolacha de morango do amiguinho, tomaria suco de caixinha no passeio da escola e coxinha de frango não orgânico na festinha.

Ah, controle.

Sabe o que eu aprendi esse ano?

Que controle não existe.

E que eventualmente você precisa relaxar a bisteca e começar a confiar no trabalho que está fazendo. Tem que confiar que seu filho está, de fato, aprendendo alguma coisa com você. E está. No meio das birras do "não-como-não-gosto-não-quero" às vezes é difícil enxergar um futuro em que o Catador de Salsinhas coma couve-de-bruxelas.

Mas esse futuro está lá.

Porque ele cata a couve refogada de dentro do risotto, mas comeu todos os chips de couve e de lanche ainda apanhou a tigela com o que restara e mandou para dentro basicamente meio maço de couve sozinho.

Daí que foi isso o que matutei:
  • O fato de seu filho comer danoninho na casa do amigo não me obriga a comprar danoninho também. E eu sei que esse é o maior pânico da mãe natureba: que o filho experimente e fique enchendo os pacová no supermercado para você comprar até você ceder.  Pode pedir. Minha resposta será NÃO por toda a eternidade. Come na casa do amigo, então.
  • Experimentar suco de caixinha no passeio da escola não faz seu filho desaprender a beber água ou chá sem açúcar. A não ser que você pare de dar água e chá sem açúcar e comece a embebedá-lo unicamente de suco de caixinha. [Meu maior medo continua sendo encontrar um dedão dentro da caixinha cujo conteúdo não se vê.]
  • Não tem problema se ele experimentar do lanche do amigo. De repente o amigo experimenta do lanche dele, e isso é bom.
  • Ninguém desaprende a gostar de comida de verdade. 
  • Se sua casa for esse oásis de comida boa, lugar onde ele come todos os dias quase todas as refeições, a coxinha mequetrefe do buffet não vai fazer a menor diferença. 
  • Presumir e aceitar o fato de que seu filho não está amarrado no seu pé, tem vida própria, experiências próprias e gostos próprios, e que vai sim comer o sanduíche de pão de forma industrializado, cream cheese light e peito de peru do amigo, e que isso NÃO VAI MATÁ-LO, traz de volta à sua vida aquela leveza da Era Pré-Filhos, quando você tinha menos preocupações.  
  • Se meu filho come chips de couve com a mesma empolgação com que come Doritos quando o pai abre um pacote, então está tudo muito, muito bem.


Está ouvindo isso? Preste atenção! É o som dos  músculos dos meus ombros relaxando. ;)
 CHIPS DE COUVE

Como pude deixar a moda dos "kale chips" vir e ir embora e não preparar isso antes?

Preste atenção, pois é SUPER complicado: lave e seque a couve, retire os talos (guarde para aferventar e refogar como qualquer outro legume, aliás), corte as folhas em quadrados grandes e tempere com azeite, sal, pimenta-do-reino e páprica doce (ou qualquer outra pimenta, ou nenhuma, se preferir); esfregue bem o tempero nas folhas, e espalhe-as em uma assadeira grande; leve ao forno médio (uns 180ºC) por 15-20 minutos, ou até que estejam secas e quebradiças, com cuidado para não queimar (fique de olho no tempo, pois vai depender da quantidade de folhas e se estão empilhadas ou em camada única). Só isso. Elas se mantém crocantes o dia todo, mesmo frias. Maneire no sal no começo, pois conforme elas perdem água, o sal concentra-se. Melhor acertar o sal com elas prontas. 

O risotto de couve foi feito com meio maço de couve (a outra metade virou chips). Enquanto os chips assavam, refoguei a couve fatiada fininho em azeite e um dente de alho, com sal e pimenta-do-reino, e reservei. Na mesma panela, dourei um pouco de speck em cubos em mais um fio de azeite (pode ser bacon defumado; o speck foi trazido da Itália por minha sogra). Retirei, reservando o speck num pratinho e deixando o óleo e gordura do speck na panela. Juntei uma cebola picada e os talos da couve picadas bem miudinho, junto de uma pitada de pimenta-calabresa seca. Refoguei até amolecer e juntei uma xícara e meia de arroz arbóreo e 1/3 de xícara de purê de brócolis que eu tinha descongelado sem querer achando que era pesto de couve (a ideia era um risotto com couve de 4 jeitos diferentes – mas brássica é brássica, e couve e brócolis vão bem juntos – mas ainda quero refazer com o pesto, que teria dado um quê a mais). Prossegui com o risotto normalmente [clique aqui para ver o processo, caso tenha dúvidas], acrescentando caldo de legumes caseiro quanto bastou, e, quando ficou pronto, juntei um naco de manteiga, um punhado de parmesão, a couve refogada e o speck dourado. Tampei, deixei descansar alguns minutos e servi com mais parmesão ralado e os chips de couve por cima. Nham.


[DISCLAIMER: se há uma coisa que você descobre quando vira mãe, é que está SEMPRE errada. Sei que vai ter gente que não concorda comigo e que vai comentar que estou... bem... errada. Então lembre-se de que estou dividindo as MINHAS experiências aqui, e que isso não quer dizer que você tenha de começar a deixar seu filho comer danoninho na casa do amigo e nem que você mais esteja certa ou mais errada do que eu. Vivamos em paz com nossas diferenças.]

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

"Tigelada" de chuchu, fim das férias

Dei-me férias esse ano. Férias em casa. Para um freelancer, isso é assunto complicado. Se não há um chefe que lhe dê permissão para ficar um determinado número de dias em casa coçando, sem pensar no trabalho, as férias do freelancer normalmente são como se você ficasse em casa coçando, mas com seu chefe telefonando todo dia para avisar quanto dinheiro você está deixando de ganhar aquele dia, ou quantos clientes procuraram outro fornecedor... enfim. Você passa o dia todo olhando para o seu pequeno "home-office" e a única coisa que não faz é relaxar.

Por isso normalmente só considero férias quando viajo. Férias é sair de casa, ou, no caso, do meu escritório.

Mas esse ano foi diferente. Esse ano há dois pimpolhos. Um alucinado e entediado, correndo atrás do cachorro com espada de plástico em punho, e outro engatinhando (tóin-tóin) de bumbum mais rápido que um lince em direção a inúmeros perigos, como fornos quentes e apetitosas taturanas. [Aliás, insetos que minha filha já colocou na boca: joaninha, tatu-bola, maria-fedida, borboleta. Todos saíram incólumes de sua boca, no momento em que ela percebeu que não tinham gosto de muita coisa, e, até onde eu sei, ela não engoliu nem mastigou nenhum, ainda bem. Quer dizer... a borboleta foi mastigada e cuspida, pobrezinha. Essa eu não pude salvar.]

Esse ano, percebendo que eu não conseguiria trabalhar durante as férias escolares do Thomas nem que eu quisesse, resolvi aproveitar o sumiço (deus queira que temporário) de trabalho, e me dar... FÉRIAS. Vinte diazinhos, contados do Natal. Porque dia 15 já voltariam meus cursos, e eu conseguiria pelo menos ligar a chave cerebral que controla minha vontade de trabalhar.

Vinte dias pareciam justos. Vinte dias em que liguei meu computador, verifiquei emails, e desliguei. Vinte dias para brincar com as crianças e botar a leitura em dia na rede enquanto elas cochilam [isso aconteceu pouco, pois geralmente um acorda exatamente quando o outro cai no sono]. Vinte dias sem me lembrar constantemente de que eu deveria estar produzindo pinturas novas, e não geleia de morango. Vinte dias para me jogar em todos os projetos culinários que andavam me dando comichão havia meses, como frango assado com alho e alecrim da Marcella Hazan (delicioso), seguido de caldo de frango feito com a carcaça assada (bem mais fácil e aromático, achei, que com ela crua), e por fim ragù dos miúdos que vieram com o frango (a receita original usava só fígado, mas usei a moela preparada do mesmo jeito e também o pescoço, além de apenas tomates frescos, pelados). Afinal, eu andava louca para preparar pappardelle nos meus fins de semana de massa fresca, e ragù é a melhor coisa para um pappardelle. [Ando numa fase querendo explorar as técnicas culinárias das carnes que nunca fiz, mesmo que seja pra fazer, experimentar e dar tudo para meus pais comerem, pois sei que meu marido não vai comer a maioria.] E também pães variados. Baguette, quatro vezes, até acertar o maldito molde, difícil com a massa mole. E geleia de maçã, com os miolos guardados desde o inverno no freezer. E voltar a produzir sourdough (fermentinho do Paul Hollywood, começado com uvas orgânicas, tá lá, na bancada, sendo alimentado e crescendo). Só não ando muito de doces, o que é bom para, junto com a corrida que voltei a praticar todo dia, me arrancar de vez do País das Pelancas.

No meio das produções mais consumidoras de tempo, entretanto, almoços tranquilos. Ainda tentando a coisa toda dos vários pratos à mesa, para estimular o Pequeno Recusador de Comida Verde a experimentar coisas novas. Às vezes ele fica curioso de vontade própria, às vezes eu preciso obrigá-lo a experimentar. Mas precisa provar. Uma mordidinha. Só uma. Não exijo que limpe o prato, a não ser que ele se sirva. Mas precisa provar. Isso é bom pois muitas vezes ele experimenta algo que não queria e gosta, como o risotto de brócolis ou a sopa de alho-poró e batatas. Daí ele raspa o prato e pede mais. Outras vezes, ele realmente não gostou do que provou, mas, tendo provado, para mim está bom, e deixo quieto, e deixo que coma apenas o que gostou. Quinua, arroz, salada de cenoura e ovo frito são sempre coringas para quando estou servindo algo muito desafiador. Coisas que ele devora. Não obrigar que ele raspe o prato o estimula a fazer birras mais curtas, ceder e experimentar logo de uma vez, pois sabe que se não gostar, não precisa comer mais. Isso não quer dizer, claro, que eu não vá preparar de novo, em outro dia, pois muitas vezes ele não come simplesmente por estar com sono. Num dia cata salsinha, no outro come pesto de couve.
Esse almoço foi particularmente desafiador e frustrante, pois eu jurava que ele gostaria da tal "tigelada" de chuchu. Mas nesse dia, tive de brigar para que provasse do chuchu e do quiabo – mais ainda porque tive também de convencer o marido a comer o quiabo [três crianças à mesa?] – e no fim ele comeu o prato cheio de quinua (cozida em água e sal e misturada quente a um naco de manteiga e pimenta-do-reino), um pouquinho de tomate e as rebarbas de massa douradinha da Tigelada, evitando qualquer coisa remotamente verde que aparecesse no meio.

Perdeu, mermão. Porque a Tigelada estava uma delícia.[O quiabo também, mas só eu gosto (e a Laura, mas até aí o Thomas adorava na idade dela e hoje não chega perto)]. Mesmo requentada no jantar, foi como se o prato tivesse tido tempo de desenvolver ainda mais sabor.

O que achei engraçado nessa receita tirada de uma revista Casa e Comida do ano passado, foi o nome: "Tigelada".  Escolhi o prato porque havia chuchu na geladeira e o nome me soou bastante simples para um almoço despretencioso. No meio do processo de fazer um molho béchamel, cozinhar o chuchu, misturar ao molho, às gemas, ao queijo, bater as claras em neve... percebi que estava fazendo um soufflé.

o_O

Fiquei matutando se a mudança do nome fora proposital para tornar a receita mais acessível (conheço gente que não teria nem lido a receita ao ver o nome Soufflé), ou se quem criou a receita tentara fazer um soufflé de chuchu, mas os pedaços grandes pesaram na massa e ele não inflou tanto quanto deveria, obrigando a chef a mudar o nome do prato.

De qualquer forma, ficou muito, muito bom, coisa que pretendo fazer outras vezes sempre que tiver chuchu em casa. Fiquei particularmente curiosa com a sugestão de se substituir o chuchu por tomate. Outra coisa que quero tentar. Nunca comi soufflé de tomate.

Com Tigelada-Soufflé de chuchu, encerro oficialmente as primeiras férias em casa mais ou menos relaxantes que tive nos últimos 13 anos. De volta ao batente. Bora pintar. Principalmente, bora vender pintura, que pra comprar chuchu pra próxima tigelada, preciso de din-din na conta.

Para quem quiser colaborar com o chuchu, comecei meu fim de férias autalizando minha loja com novas peças originais à venda, inclusive uma acrílica lindinha para quem curte natureza-morta na cozinha. (Estou começando a perder a vergonha de fazer jabá no blog. hehehe...)
Gostou? Compre aqui: www.anegg.iluria.com

TIGELADA DE CHUCHU
(de Heloísa Bacellar, publicada na revista Casa e Comida)
Rendimento: 4 porções
Tempo de preparo: 1h

Ingredientes:
  • 2 chuchus maduros, sem casca e sem caroço e cortados em cubinhos
  • 50g manteiga
  • 1 cebola média em cubinhos
  • 1 dente de alho picadinho
  • 1/3 xic. salsinha picada
  • 2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1 xic. leite
  • 2 colh. (sopa) queijo meia cura ou parmesão ralado
  • 2 ovos (claras separadas das gemas)
  • manteiga para untar e farinha de rosca para polvilhar o quanto baste
  • sal a gosto

Preparo:
  1. Em uma panela média, aqueça metade da manteiga e doure ligeiramente a cebola e o alho. Junte o chuchu e um pouquinho de sal. Tampe e cozinhe em fogo baixo por uns 15 minutos, até amaciar. 
  2. Acrescente a salsinha e passe para uma tigela grande. Reserve.
  3. Em outra panela pequena, aqueça o restante da manteiga com a farinha e misture até obter uma pasta. Junte o leite aos poucos, misturando bem para que a farinha não empelote, e tempere com sal. Deixe ferver até que engrosse.
  4. Misture o creme ao chuchu, junte o queijo e corrija o sal. Deixe amornar por uns 10 minutos. Enquanto isso, aqueça o forno a 180ºC.
  5. Unte uma tigela média com manteiga e polvilhe com farinha de rosca, batendo para retirar o excesso. Bata as claras em neve até obter picos firmes. 
  6. Junte as gemas à pasta de chuchu, misturando bem. Junte uma colher das claras em neve e misture bem, apenas para deixar a massa mais leve. Em seguida, incorpore o restante das claras, desta vez com delicadeza. 
  7. Despeje com cuidado toda a massa na forma, alisando a superfície. Polvilhe com mais um pouco de farinha de rosca e asse por 40 minutos, até crescer, dourar e firmar no centro. (Obs: Minha tigelada ficou ligeiramente cremosa e leve, como o soufflé, e achei ótimo. "Firme" deve ficar ressecado, então interpretei o termo como "não balançando" ao abrir o forno).

Cozinhe isso também!

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