quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

"Tigelada" de chuchu, fim das férias

Dei-me férias esse ano. Férias em casa. Para um freelancer, isso é assunto complicado. Se não há um chefe que lhe dê permissão para ficar um determinado número de dias em casa coçando, sem pensar no trabalho, as férias do freelancer normalmente são como se você ficasse em casa coçando, mas com seu chefe telefonando todo dia para avisar quanto dinheiro você está deixando de ganhar aquele dia, ou quantos clientes procuraram outro fornecedor... enfim. Você passa o dia todo olhando para o seu pequeno "home-office" e a única coisa que não faz é relaxar.

Por isso normalmente só considero férias quando viajo. Férias é sair de casa, ou, no caso, do meu escritório.

Mas esse ano foi diferente. Esse ano há dois pimpolhos. Um alucinado e entediado, correndo atrás do cachorro com espada de plástico em punho, e outro engatinhando (tóin-tóin) de bumbum mais rápido que um lince em direção a inúmeros perigos, como fornos quentes e apetitosas taturanas. [Aliás, insetos que minha filha já colocou na boca: joaninha, tatu-bola, maria-fedida, borboleta. Todos saíram incólumes de sua boca, no momento em que ela percebeu que não tinham gosto de muita coisa, e, até onde eu sei, ela não engoliu nem mastigou nenhum, ainda bem. Quer dizer... a borboleta foi mastigada e cuspida, pobrezinha. Essa eu não pude salvar.]

Esse ano, percebendo que eu não conseguiria trabalhar durante as férias escolares do Thomas nem que eu quisesse, resolvi aproveitar o sumiço (deus queira que temporário) de trabalho, e me dar... FÉRIAS. Vinte diazinhos, contados do Natal. Porque dia 15 já voltariam meus cursos, e eu conseguiria pelo menos ligar a chave cerebral que controla minha vontade de trabalhar.

Vinte dias pareciam justos. Vinte dias em que liguei meu computador, verifiquei emails, e desliguei. Vinte dias para brincar com as crianças e botar a leitura em dia na rede enquanto elas cochilam [isso aconteceu pouco, pois geralmente um acorda exatamente quando o outro cai no sono]. Vinte dias sem me lembrar constantemente de que eu deveria estar produzindo pinturas novas, e não geleia de morango. Vinte dias para me jogar em todos os projetos culinários que andavam me dando comichão havia meses, como frango assado com alho e alecrim da Marcella Hazan (delicioso), seguido de caldo de frango feito com a carcaça assada (bem mais fácil e aromático, achei, que com ela crua), e por fim ragù dos miúdos que vieram com o frango (a receita original usava só fígado, mas usei a moela preparada do mesmo jeito e também o pescoço, além de apenas tomates frescos, pelados). Afinal, eu andava louca para preparar pappardelle nos meus fins de semana de massa fresca, e ragù é a melhor coisa para um pappardelle. [Ando numa fase querendo explorar as técnicas culinárias das carnes que nunca fiz, mesmo que seja pra fazer, experimentar e dar tudo para meus pais comerem, pois sei que meu marido não vai comer a maioria.] E também pães variados. Baguette, quatro vezes, até acertar o maldito molde, difícil com a massa mole. E geleia de maçã, com os miolos guardados desde o inverno no freezer. E voltar a produzir sourdough (fermentinho do Paul Hollywood, começado com uvas orgânicas, tá lá, na bancada, sendo alimentado e crescendo). Só não ando muito de doces, o que é bom para, junto com a corrida que voltei a praticar todo dia, me arrancar de vez do País das Pelancas.

No meio das produções mais consumidoras de tempo, entretanto, almoços tranquilos. Ainda tentando a coisa toda dos vários pratos à mesa, para estimular o Pequeno Recusador de Comida Verde a experimentar coisas novas. Às vezes ele fica curioso de vontade própria, às vezes eu preciso obrigá-lo a experimentar. Mas precisa provar. Uma mordidinha. Só uma. Não exijo que limpe o prato, a não ser que ele se sirva. Mas precisa provar. Isso é bom pois muitas vezes ele experimenta algo que não queria e gosta, como o risotto de brócolis ou a sopa de alho-poró e batatas. Daí ele raspa o prato e pede mais. Outras vezes, ele realmente não gostou do que provou, mas, tendo provado, para mim está bom, e deixo quieto, e deixo que coma apenas o que gostou. Quinua, arroz, salada de cenoura e ovo frito são sempre coringas para quando estou servindo algo muito desafiador. Coisas que ele devora. Não obrigar que ele raspe o prato o estimula a fazer birras mais curtas, ceder e experimentar logo de uma vez, pois sabe que se não gostar, não precisa comer mais. Isso não quer dizer, claro, que eu não vá preparar de novo, em outro dia, pois muitas vezes ele não come simplesmente por estar com sono. Num dia cata salsinha, no outro come pesto de couve.
Esse almoço foi particularmente desafiador e frustrante, pois eu jurava que ele gostaria da tal "tigelada" de chuchu. Mas nesse dia, tive de brigar para que provasse do chuchu e do quiabo – mais ainda porque tive também de convencer o marido a comer o quiabo [três crianças à mesa?] – e no fim ele comeu o prato cheio de quinua (cozida em água e sal e misturada quente a um naco de manteiga e pimenta-do-reino), um pouquinho de tomate e as rebarbas de massa douradinha da Tigelada, evitando qualquer coisa remotamente verde que aparecesse no meio.

Perdeu, mermão. Porque a Tigelada estava uma delícia.[O quiabo também, mas só eu gosto (e a Laura, mas até aí o Thomas adorava na idade dela e hoje não chega perto)]. Mesmo requentada no jantar, foi como se o prato tivesse tido tempo de desenvolver ainda mais sabor.

O que achei engraçado nessa receita tirada de uma revista Casa e Comida do ano passado, foi o nome: "Tigelada".  Escolhi o prato porque havia chuchu na geladeira e o nome me soou bastante simples para um almoço despretencioso. No meio do processo de fazer um molho béchamel, cozinhar o chuchu, misturar ao molho, às gemas, ao queijo, bater as claras em neve... percebi que estava fazendo um soufflé.

o_O

Fiquei matutando se a mudança do nome fora proposital para tornar a receita mais acessível (conheço gente que não teria nem lido a receita ao ver o nome Soufflé), ou se quem criou a receita tentara fazer um soufflé de chuchu, mas os pedaços grandes pesaram na massa e ele não inflou tanto quanto deveria, obrigando a chef a mudar o nome do prato.

De qualquer forma, ficou muito, muito bom, coisa que pretendo fazer outras vezes sempre que tiver chuchu em casa. Fiquei particularmente curiosa com a sugestão de se substituir o chuchu por tomate. Outra coisa que quero tentar. Nunca comi soufflé de tomate.

Com Tigelada-Soufflé de chuchu, encerro oficialmente as primeiras férias em casa mais ou menos relaxantes que tive nos últimos 13 anos. De volta ao batente. Bora pintar. Principalmente, bora vender pintura, que pra comprar chuchu pra próxima tigelada, preciso de din-din na conta.

Para quem quiser colaborar com o chuchu, comecei meu fim de férias autalizando minha loja com novas peças originais à venda, inclusive uma acrílica lindinha para quem curte natureza-morta na cozinha. (Estou começando a perder a vergonha de fazer jabá no blog. hehehe...)
Gostou? Compre aqui: www.anegg.iluria.com

TIGELADA DE CHUCHU
(de Heloísa Bacellar, publicada na revista Casa e Comida)
Rendimento: 4 porções
Tempo de preparo: 1h

Ingredientes:
  • 2 chuchus maduros, sem casca e sem caroço e cortados em cubinhos
  • 50g manteiga
  • 1 cebola média em cubinhos
  • 1 dente de alho picadinho
  • 1/3 xic. salsinha picada
  • 2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1 xic. leite
  • 2 colh. (sopa) queijo meia cura ou parmesão ralado
  • 2 ovos (claras separadas das gemas)
  • manteiga para untar e farinha de rosca para polvilhar o quanto baste
  • sal a gosto

Preparo:
  1. Em uma panela média, aqueça metade da manteiga e doure ligeiramente a cebola e o alho. Junte o chuchu e um pouquinho de sal. Tampe e cozinhe em fogo baixo por uns 15 minutos, até amaciar. 
  2. Acrescente a salsinha e passe para uma tigela grande. Reserve.
  3. Em outra panela pequena, aqueça o restante da manteiga com a farinha e misture até obter uma pasta. Junte o leite aos poucos, misturando bem para que a farinha não empelote, e tempere com sal. Deixe ferver até que engrosse.
  4. Misture o creme ao chuchu, junte o queijo e corrija o sal. Deixe amornar por uns 10 minutos. Enquanto isso, aqueça o forno a 180ºC.
  5. Unte uma tigela média com manteiga e polvilhe com farinha de rosca, batendo para retirar o excesso. Bata as claras em neve até obter picos firmes. 
  6. Junte as gemas à pasta de chuchu, misturando bem. Junte uma colher das claras em neve e misture bem, apenas para deixar a massa mais leve. Em seguida, incorpore o restante das claras, desta vez com delicadeza. 
  7. Despeje com cuidado toda a massa na forma, alisando a superfície. Polvilhe com mais um pouco de farinha de rosca e asse por 40 minutos, até crescer, dourar e firmar no centro. (Obs: Minha tigelada ficou ligeiramente cremosa e leve, como o soufflé, e achei ótimo. "Firme" deve ficar ressecado, então interpretei o termo como "não balançando" ao abrir o forno).

Cozinhe isso também!

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