quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Soufflé de queijo para um dia qualquer (desde que tenham ovos)

Vamos começar usando a imaginação: pense num soufflé de queijo, clássico, douradinho, leve, uniformemente inflado, capa de revista. Foi isso que imaginei quando decidi preparar soufflé de queijo para o jantar. O resultado, no entanto, foi inesperado. [Inesperado? Mesmo? Sejamos sinceros: eu tinha certeza de que não sairia com cara de capa de revista.] Meu soufflé é o soufflé do homem-elefante: desproporcionalmente inflado, o danado vazou no forno por algum motivo e espalhou-se pelas laterais da tigela como um cogumelo nuclear. Bizarrice pura. Mas inacreditavelmente leve e gostoso, mesmo assim, e o Gnocchi adorou comer os pedaços que queimaram no chão do forno.

Então, vamos lá. Imagine um soufflé de revista, já que qualquer coisa que você imagine será melhor do que o objeto de minha fotografia. E, afinal, soufflés perfeitos são todos iguais e todo mundo já os viu. Agora imagine a textura macia, aerada, cremosa, com gostinho de ovos e queijo, dissolvendo na língua. Ok, estamos chegando em algum lugar agora.

A receita apanhei de um livro que adoro: I Know How To Cook, o "Dona Benta", o "Joy of Cooking" das mulheres francesas de várias gerações. Qualquer livro que me diga que escargot e soufflé é culinária caseira me deixa enfeitiçada. Mas por que não seria, afinal? Uma vez passado o terror das claras em neve que todo cozinheiro principiante tem, você se dá conta de que soufflé é na verdade um prato muito simples: molho béchamel grosso acrescido de gemas e claras em neve. E queijo, nesse caso. Mas poderia ser espinafre. Ou cenoura. Ou batata-doce. Ou o que quiser.

E lá vou eu adicionar mais um prato cheio de ovos ao meu repertório, só para tornar esse ingrediente ainda mais indispensável na minha cozinha do que já é. E noutro dia mesmo fiquei matutando, pois fizera essa lista uma vez, há muitos anos: as dez coisas sem as quais não sei o que fazer na cozinha.
E pensei se muita coisa havia mudado...


  1. Creme de leite fresco: vira doce, vira salgado, vira queijo, substitui molho branco, vira sour cream, crème fraîche, mascarpone, engrossa iogurte; não sei cozinhar sem um litro de creme na geladeira.
  2. Farinha de trigo: alguma, qualquer uma, branca ou integral. Passo até sem macarrão em casa, porque se tiver a dupla ovo e farinha, você faz macarrão, spätzle, massa de torta, panqueca, bolo, biscoito, qualquer coisa remotamente comestível. Ando buscando algum lugar que me venda farinha branca orgânica em sacas de 5 ou 10kg a um preço mais em conta, porque o que eu uso de farinha todo mês é um absurdo.
  3. Parmesão. Quem me dera fosse Parmigiano-Reggiano ou mesmo Grana Padano. Não dá pra ir à zona cerealista o tempo todo e não dá para comprar essas maravilhas no supermercado daqui. Então ando buscando alternativas de bom custo-benefício, nacionais ou importadas, pois eis outro item que vai de quilo aqui em casa, inclusive a casca, que, quando não está encerada (com aquela capa colorida ou qualquer película que você consiga descascar), congelo para colocar em sopas para dar sabor e corpo. Pode não ter nenhum outro tipo de queijo em casa o mês todo (raridade), mas parmesão, quando acaba, é um deus-nos-acuda.
  4. Manteiga sem sal: vai na torta, no pão, no bolo, no biscoito, e se pudesse comprar em blocos de 1 ou 2 quilos, como fazia quando morava em São Paulo, compraria. Fico louca com a quantidade de papelzinho metalizado não-reciclável que embala os parcos 200g de manteiga, então pelo menos ando dando uma de Nigella e guardando os papéis na geladeira para untar formas antes que vão irremediavelmente para o lixo comum. [Aliás, fiquem espertos na hora de comprar manteiga e leiam os ingredientes, que devem ser apenas "creme de leite" ou no máximo "creme de leite" e algum texto como "cultura láctea", o que quer dizer que o leite foi fermentado em algum momento, o que dá um sabor diferente (e gostoso) à manteiga. Mas há marcas famosinhas que andam metendo corantes na manteiga para deixá-la mais amarela, o que só me faz pensar que tipo de porcaria fizeram no produto para precisarem enganar o consumidor dessa forma. Pesquisando, descobri que a Pat Feldman já escreveu muito bem sobre isso aqui.]
  5. Ervas frescas. Começou quando conheci Jamie Oliver, há trocentos anos, e achei novidade aquilo de meter ervas em tudo, acostumada a essa cozinha PF de só temperar as coisas com sal. Desde então, virou prioridade ter sempre ervas frescas na cozinha (hoje tenho no quintal alecrim, sálvia, tomilho, estragão, três tipos de manjericão, cebolinha, salsinha, manjerona, hortelã e menta; coentro não vinga, não sei por quê). Acho estranho não meter uma erva fresca em alguma parte do preparo da comida e meu paladar sente falta quando não há nenhuma.
  6. Azeite. Poderia ser outro óleo, mas realmente prefiro o sabor do azeite para cozinhar e temperar saladas em geral. Ando menos chatinha com a coisa italiana, no entanto, e comprando alguns mais em conta, espanhóis e portugueses, muito gostosos. Mas ainda queria ir na zona cerealista e comprar de garrafão.
  7. Tomate. Já passei muita semana a pão com queijo quando mais nova, mas agora com crianças, a nutricionista-neurótica dentro de mim fica louca se não houver nada que tenha vindo da terra no prato dos pimpolhos. E com tomate, dá pra improvisar muita coisa. Como parei de comprar tomate em lata e comecei a congelar passata feita com os tomates orgânicos que compro na feira (que estão mais baratos que tomate italiano em lata), melhor ainda. Percebi como a gente para de tratar tomate como algo natural quando ele vem de uma latinha ou de um vidrinho.
  8. Café em grão. Porque eu não funciono sem café de manhã cedo, depois de ir dormir tarde e ser acordada às 6h pelo meu adorável Cavaleiro-Madrugador-Acorda-com-as-Galinhas-Ítalo-Germânico. E se eu não funciono, não cozinho.
  9. Pimenta-do-reino moída na hora. Admito, coloco em tudo e é bizarro quando vou pegar o moedor e ele está vazio.
  10. Ovos orgânicos, finalmente: agora com mais 2 glutões em casa, vão de 4-5 dúzias por mês, senão mais. Aquela fritatta de 6 ovos que costumava ser requentada no jantar agora vai toda num almoço só. Além disso, a comida preferida do Matador de Dragões é ovo frito.
É. As coisas não mudaram muito. Ficaram mais naturebas ainda do que já eram, e também mais simples, já que não considero mais arroz arbóreo e couscous marroquino uma prioridade absoluta na minha cozinha. Bom, mais simples a não ser na hora de comprar ovos, coisa que tenho de fazer em São Paulo, já que os supermercados daqui não vendem do orgânico e minha banquinha de feira está com o fornecimento interrompido. Do jeito que anda, pra manter a produção de soufflé de queijo, estou pensando seriamente em arranjar umas galinhas. o_O

SOUFFLÉ DE QUEIJO
(Do lindo lindo I Know How To Cook, de Ginette Mathiot)
Tempo de preparo: 25 minutos + 45 minutos de forno
Rendimento: serve 4 pessoas famintas ou 6 mais comedidas

Ingredientes:
  • 1/2 xic. manteiga sem sal + manteiga extra para untar a forma
  • 3/4 xic. farinha de trigo
  • 2 xic. leite integral
  • 1 xic. queijo tipo Gruyère ralado grosso
  • 5 ovos grandes, orgânicos
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Unte generosamente com manteiga uma forma grande de soufflé ou 6 formas individuais. [Obs: a forma que eu uso tem 16cm de diâmetro, é daquelas branquinhas, de cerâmica, caneladinhas, paredes retas, forma de soufflé mesmo. Mas OBVIAMENTE é pequena para essa receita, que não menciona o tamanho da forma a ser usada, porque aparentemente qualquer pessoa francesa saberia que um soufflé para seis pessoas não cabe numa forma de 16cm. Então, use uma maior. Se eu tivesse uma, usaria uma de 20cm (tá na minha lista de itens desejados, junto com uma forma de bolo inglês de 25x12cm).]
  2. Faça um béchamel grosso: aqueça o leite numa panelinha e, em outra panela média, derreta a manteiga. Junte toda a farinha à manteiga e misture bem com uma colher de pau, em fogo baixo, até que você sinta um cheiro suave de nozes (2-3 minutos). Você pode fazer essa próxima parte com o fogo desligado se sua panela tiver o fundo muito fino: junte um pouquinho do leite (não mais que 1/4 de xícara). Misture bem com um fouet, para desfazer as pelotas. Só junte mais um pouco de leite (sempre pequena quantidade) quando todo o leite tiver sido absorvido pela farinha. Misture muito bem com o fouet. Vá fazendo isso até que todo o leite tiver sido incorporado. Até as últimas adições, você vai achar que está uma massaroca e que aquilo nunca vai virar um "molho". Mas vira. Quando tiver adicionado todo o leite, você terá um molho branco espesso e liso. Volte para o fogo baixo, tempere com sal e pimenta-do-reino e cozinhe, misturando, até que engrosse (tempo total de cozimento, incluindo o tempo que levou para acrescentar o leite, é de cerca de 10 minutos). Retire do fogo.
  3. Junte o queijo ralado ao béchamel quente e misture bem com uma colher de pau para que o queijo derreta. Deixe esfriar por alguns minutos. 
  4. Separe os ovos. Quando o béchamel estiver suficientemente morno para não cozinhar os ovos, junte as gemas, misturando bem e rapidamente. 
  5. Na batedeira, bata as claras até que estejam com picos firmes mas ainda brilhantes. Pegue algumas colheradas das claras em neve e junte ao béchamel, misturando bem com uma colher de pau, sem se importar em manter o ar das claras. A intenção aqui é apenas tornar o béchamel mais leve para facilitar a incorporação das claras em neve. Aliás, use essa técnica para bolos também. Então apanhe uma parte das claras e, com uma espátula, incorpore rápida mas delicadamente ao béchamel, girando a o recipiente e puxando a massa do fundo para o topo com a espátula. Vá juntando o restante das claras conforme forem sumindo na massa, e tenha certeza de não ver nenhum pedacinho de clara não misturada na massa. Acerte o tempero de sal e pimenta.
  6. Despeje a mistura na forma com cuidado, ajudando com a espátula, aproximando o mais possível a tigela ou panela da forma (despejar de uma altura grande destrói as bolhas de ar). Alise a superfície com a espátula (a forma deve estar cheia até quase o topo) e leve ao forno por 30 minutos. Suba a temperatura para 220ºC e asse por mais 15 minutos. (Se estiver usando formas individuais o tempo é de 10 minutos + 5-10 minutos na temperatura mais alta.) O soufflé deve estar inflado e dourado. Sirva imediatamente, acompanhado de uma salada.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Duas coisas beges com pontinhos brancos e pretos

Uma salgada e uma doce. Uma inspirada num livro do Alain Ducasse, cuja receita não quis seguir à risca, porque envolvia rechear as berinjelas – preguiça monstro – e a outra inspirada no último post da Pat, que tinha blondies apetitosíssimas, mas que levavam biscoito comprado, coisa que quase nunca tem por aqui, o que me fez ir atrás de outra receita.

Uma que ficou uma delícia e com a qual Madame Bochechas se refestelou e outra que também ficou uma delícia e com a qual o Matador de Dragões se esbaldou. Da coisa salgada, o Matador de Dragões comeu apenas um pedaço e decidiu que preferia jantar pepinos, tomate-cereja (assim, no singular, porque foi um só) e morangos. Da coisa doce, Madame Bochechas não comeu, porque eu até cedo e lhe dou um bolo de bananas de lanche quando não há fruta madura ou ela me olha de ares pidões ao ver o irmão comendo doce; mas doce pelo doce, sem nem uma frutinha dentro, aí acho demais para seus parcos dez meses e dois dentinhos.

Pois é. Dez meses. 

Logo logo minha menina bochechas de brioche e coxinhas de marshmallow faz um ano. Um ano inteiro. Ela já fala ma-ma (o que anda animando o irmão a soltar a língua, enfim), já come sozinha e sem que eu precise amassar nada, e quer ficar de pé o tempo todo. E logo logo ela estará correndo alucinada pela casa, e eu correndo atrás, dela e do irmão ao mesmo tempo, cachorro trançando nas pernas de todo mundo. 

Logo logo ela começará a fase do não quer comer isso ou aquilo, enquanto o irmão gradativamente deixa essa fase para trás – ele tem sido curioso e no mínimo experimentado o que coloco em seu prato, apesar de nem sempre continuar comendo.

Logo logo ela vai querer vestir cor-de-rosa e querer coisas de princesa, enquanto eu tento ensiná-la nomes de armas medievais e bandas de metal melódico. 

Enquanto isso, clafoutis de berinjela e queijo de cabra e blondies de dois chocolates e castanha-do-pará.

CLAFOUTIS DE BERINJELA E QUEIJO DE CABRA
(livremente adaptado do livro Nature, de Alain Ducasse)
 
Ingredientes:
  • 3 berinjelas pequenas ou duas médias, cortada em cubos de 1cm
  • 1 cebola grande, picada
  • 2 colh. (sopa) azeite
  • 1 dente de alho grande, picado
  • alguns ramos de manjerona fresca
  • 180g queijo de cabra fresco
  • 5 ovos grandes
  • 1/2 xic. creme de leite fresco
  • 3 colh. (sopa) farinha de trigo
  • sal e pimenta-do-reino moída na hora

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Unte um refratário grande com manteiga. 
  2. Esquente o azeite numa frigideira grande e refogue a cebola até que fique translúcida. Junte a berinjela e metade das folhas de manjerona, tempere com sal e pimenta e refogue em fogo médio, mexendo de vez em quando, até que a berinjela esteja cozida e ligeiramente dourada. Acerte o sal e a pimenta e espalhe a berinjela na travessa untada. 
  3. Numa tigela, bata com um fouet os ovos, o creme e a farinha, até que fique bem homogêneo. Tempere com sal e pimenta. 
  4. Despeje a mistura de ovos sobre a berinjela. Esmigalhe o queijo por cima, polvilhe com o alho picado e o resto das folhas de manjerona e tempere com mais um pouco de pimenta-do-reino. Leve ao forno por quarenta minutos ou até que esteja dourado nas bordas e uma faca inserida no meio saia limpa. (O tempo pode variar de acordo com o tamanho do refratário, se a mistura estiver mais espalhada ou mais espessa, então confira após meia hora de forno.) Sirva quente, acompanhado de uma salada. serve dois adultos e duas crianças tranquilamente.

BLONDIES DE DOIS CHOCOLATES E CASTANHA-DO-PARÁ

Ingredientes:
  • 1 xic. farinha de trigo
  • 1/2 colh. (chá) fermento químico em pó
  • 1/4 colh. (chá) sal
  • 120g manteiga sem sal
  • 3/4 xic. + 2 colh. (sopa) açúcar mascavo claro
  • 1 ovo grande
  • 1/2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 1 colh. (sopa) rum escuro
  • 2/3 xic. castanha-do-pará picada
  • 30g chocolate meio amargo picado ou em gotas (53%)
  • 30g chocolate branco picado ou em gotas

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Se sua forma quadrada de 20cm não tiver fundo removível, forre-a com papel alumínio. 
  2. Numa tigela, misture a farinha, o sal e o fermento. Reserve.
  3. Derreta a manteiga numa panela média em fogo baixo. Remova do fogo e junte o açúcar mascavo, misturando bem com uma colher de pau. Junte o ovo, a baunilha e o rum e misture bem.
  4. Junte a farinha, misture bem com a colher e então junte metade das castanhas picadas. 
  5. Despeje na forma, espalhando de forma uniforme. Polvilhe com o restante das castanhas e os dois chocolates.
  6. Leve ao forno por 20-25 minutos, até que esteja dourado em cima e se destacando das laterais. Não asse demais. 
  7. Retire do forno e deixe esfriar ainda na forma, sobre uma grade. Remova da forma e corte em 16 quadradinhos. Pode ser mantido em pote fechado por até 4 dias.
 

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