terça-feira, 9 de setembro de 2008

Salmão com pimentões agridoces

Desde que comecei esse blog, nunca tive um acúmulo tão grande de receitas a serem publicadas. Chame isso de criatividade advinda da adversidade se quiser, mas ando cozinhando mais pratos interessantes desde que comecei a dieta do que antes, quando tudo era permitido. Nunca me dera conta de quão estagnada e confortável estava entre massas e tortas, até não poder mais lançar mão delas para um jantar. Em contrapartida, tenho preparado tantos pratos com peixes, que pela primeira vez estou tendo de adiar a publicação de algumas receitas de modo a não ficar repetitiva.

Esta, por sinal, estava me deixando ansiosa. Não via a hora de publicá-la, uma vez que se mostrou um jeito delicioso de preparar salmão que com certeza repetirei.

A inspiração veio de um programa de culinária do GNT sobre cozinha asiática, apresentada por uma descendente de chineses de sotaque indefinível. [Não me perguntem o nome do programa: nunca lhe assisti desde o começo pois não gostei do seu ritmo, e quando fui procurá-lo na programação do canal, não consegui encontrá-lo.] De qualquer forma, foi uma mera coincidência que eu estivesse vendo naquele momento. A apresentadora mostrava um vilarejo chinês em que quase todos são descendentes de Confúcio, e comentava enquanto uma senhora preparava um prato tradicional do lugar: kung fu tofu, ou qualquer coisa do gênero. Sua pronúncia mezzo-australiana/mezzo-britânica mais uma leitura dinâmica de legendas nem sempre confiáveis me fazem duvidar um pouco do nome. Tratava-se de um refogado de tofu defumado com gengibre, alho, shoyu, pimenta e mais alguma coisa. Como podem ver, eu não estava exatamente prestando atenção. Foi quando meu marido desprendeu um empolgado "isso deve ser gostoso" que resolvi ver do que se tratava, mas era tarde demais para detalhes. Meu cérebro absorvera apenas a essência do prato.

No dia seguinte, passei no supermercado decidida a tentar o prato-fantasma que se fixara em minha mente. No entanto, dei azar, e não havia tofu comum, muito menos defumado. Voltei para casa meio ressabiada, mas ainda de vontade firme. Se não tem tofu, vai sem tofu mesmo. Eu me viro.

Decidi refogar pimentões vermelhos e amarelos nos temperos de que me lembrava, e servir com salmão grelhado, pois ele é um peixe que sustenta bem sabores robustos. Mas não queria qualquer salmão. Pensei primeiro num salmão teriyaki, mas não havia na despensa tudo de que precisava, de modo que improvisei com o que tinha, fazendo nascer um de meus temperos favoritos para salmão a partir de então. Pensando em todo o conceito de salgado/doce/azedo, uni molho shoyu, azeite e xarope de romã, esse último sendo simultaneamente bastante doce e ácido. Cuidado apenas ao comprar o xarope: da primeira vez que fui atrás do ingrediente, comprei um xarope rosa-choque com gosto de pirulito. O xarope que usei aqui é escuro e tem consistência de melaço.

SALMÃO COM PIMENTÕES AGRIDOCES
Tempo de preparo: 30 minutos
Rendimento: 1 porção


Ingredientes:
  • 1 filé de 130g de salmão com pele
  • 1 colh. (sopa) + 1 1/2 colh. (chá) de shoyu
  • 2 colh. (chá) de azeite de oliva
  • 1/2 colh. (chá) de xarope de romã
  • 1/2 pimentão vermelho
  • 1/2 pimentão amarelo
  • 1 dente de alho
  • 1/2 pimenta dedo-de-moça sem sementes
  • 1/2 colh. (chá) de raspas de gengibre fresco
  • 1 colh. (chá) de vinagre de vinho branco

Preparo:
  1. Em uma tigela, misture 1 colh. (sopa) de shoyu, 1 colh. (chá) de azeite e o xarope de romã. Misture bem. Faça três ou quatro cortes na pele do salmão para evitar que ele encolha na frigideira e mergulhe o peixe na mistura, virando-o bem para recobrir-se da marinada. Cubra com filme plástico e leve à geladeira por meia hora.
  2. Fatie os pimentões, o alho e a pimenta. Aqueça o restante do azeite em uma frigideira e coloque o alho, a pimenta, os pimentões e o gengibre, e refogue em fogo médio até que os pimentões estejam macios. Junte o shoyu restante e o vinagre, cozinhe por 1 minuto e desligue o fogo. Mantenha os pimentões quentes enquanto prepara o peixe.
  3. Aqueça uma frigideira em fogo alto. Retire o salmão da marinada, deixe escorrer um pouco e coloque-o com a pele virada para baixo, abaixando o fogo para médio para não queimar a pele. Cozinhe por 5 minutos (ou mais se o filé for muito alto), vire e cozinhe por mais 3 minutos. Sirva imediatamente, com os pimentões quentes por cima, acompanhado de uma salada de rúcula ou outra folha amarga, se quiser.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um pouco de Jane Austen, um pouco de sorvete de chocolate

Em todos os aniversários durante minha infância meus pais me deram dois presentes: um brinquedo e um livro. Desde muito antes de eu conseguir ler meia palavra. Confesso que o hábito de ler como se minha vida dependesse disso só se instaurou de verdade durante minha adolescência, quando costumava matar aulas de química para sentar no pátio do colégio sob uma árvore e continuar a leitura que interrompera no café-da-manhã. Eu sei, eu sei... essa última frase provavelmente não me faz parecer a garota mais descolada da escola, e vocês podem bem imaginar que nunca fui lá muito popular.

De qualquer forma, adorava ler. Comprava livros compulsivamente, e fazia pequenas listas mentais daqueles que estava lendo e dos que estavam na fila. A faculdade de filosofia parecia-me apenas a desculpa perfeita para continuar lendo e exercendo minha habilidade inata de ser... bem... nerd.

O tempo passou. Troquei a filosofia por publicidade, emagreci um bocado, fiz novos amigos, descobri os prazeres da cerveja. Se por um lado a nova faculdade atenuou minha tendência a eremita, por outro ela ocupou meu tempo e minha mente cada vez mais, entre aulas, estágios e festas, até que viesse o o sinal definitivo do fim da boa vida: o trabalho em tempo integral.

Lembro do choque que foi dar-me conta de que minha vida seria aquela rotina para sempre: acorda, trabalha, almoça, trabalha, janta (às vezes trabalha) e dorme. Veio a formatura, vieram novos empregos, novas decepções, veio a decisão de ser freelancer, juntar os trapos com o namorado, pagar contas, fazer supermercado, o que fazer de jantar hoje, tem que passear o cachorro e é isso... Não consigo me lembrar da última vez em que sentei sob uma árvore para ler um livro.

O computador, principalmente, estando ali, ligado, vira um veículo de leitura mais facil, e me pego lendo mais blogs do que romances. A compra compulsiva de livros, no entanto, só foi alterada para uma estante diferente da livraria: a de culinária. [Não preciso dizer que, com a aproximação do meu aniversário, já comprei pelo menos 5 que serão entregues mais ou menos perto da data.]

Por isso estou tão contente pelos poucos livros que consegui terminar este ano. E também por tudo isso que descrevi sinto-me tão calma ao ler Jane Austen ou, para todos os efeitos, qualquer escritor contemporâneo seu. Adoro o hábito de escrever cartas descrito nos livros. Adoro o modo como a estória se desenrola devagar, uma vez que os personagens podem demorar um ano para se encontrarem novamente. Fico fascinada com as visitas, principalmente: tão trabalhoso era para alguém se arrumar, montar uma charrete e ir até o vilarejo vizinho visitar um amigo, que era loucura voltar para casa no mesmo dia. Uma visita para um chá poderia se estender por uma semana. E com meios de entretenimento limitados, era comum passar o tempo com um dos presentes simplesmente lendo em voz alta, ou tocando ao piano. Ainda que possa parecer uma rotina fastidiosa, sinto-me inclinada a apreciar esse tipo de morosidade, uma vez que me parece que se dava mais importância para cada ação do dia-a-dia ao executá-la devagar e com atenção. Muito ao contrário da correria que vivemos hoje.

Ainda que tenha muito apreço por algumas facilidades de nossa época (como máquina de lavar roupas), não consigo deixar de me imaginar nesse tempo mais calmo, a despeito de todas as suas dificuldades. Enquanto leio esses livros, meu corpo inteiro relaxa, muda de ritmo, vive devagar. Nesses momentos, normalmente recorro a uma xícara de chá para complementar a imersão naquele outro tempo. Mas, acometida pela inquietude da dieta e pelo calor intenso que invadiu minha casa neste fim de semana, coloquei um pezinho de volta nos tempos modernos e apanhei uma bola (uma só!) de sorvete de chocolate.

Sorvete de chocolate?, você me pergunta. Que diabos de dieta é essa em que você fica se empanturrando de sorvete de chocolate? É light? É?

Não, não é light e jamais será. Noutro dia fuçava na Amazon, quando dei de cara com o livro Bittersweet, de Alice Medrich, inteiro devotado ao chocolate. Dei uma olhada no interior do livro e fiz o que costumo fazer antes de gastar meu dinheiro: anotei uma das receitas para testar e ver se o livro presta.

A julgar por essa receita, o livro deve ser excelente. O que me chamou a atenção foi o título "Sorvete de chocolate siciliano". Hmmm... Já ouvira falar de sicilianos engrossando o sorvete com amido de milho por causa das altas temperaturas do verão, mas nunca vira um sorvete assim, tão simples: leite, cacau em pó, açúcar e amido. Ignorando meus primeiros instintos que tendem ao purismo, pensei: "tudo bem, se ela fizer isso funcionar, essa mulher é um gênio".

O seguinte raciocínio, então, soou-me apropriado: posso comer 1/2 barra de chocolate a 70% de cacau por semana. Cacau em pó tem ainda menos manteiga de cacau (gordura) do que a barra a 70%. Leite pode, no horário certo. O açúcar vai de lambuja. Não tem ovo. Não tem creme de leite. O sorvete promete ser tão intenso, que uma bolinha só basta.

Aaaah, vai? Como que isso não poderia entrar na dieta? [E é assim que eu engano minha consciência e ela cai feito um patinho... patinho gordo, não à toa.]

No fim das contas, não apenas funciona, como é um dos sorvetes de chocolate mais saborosos que já provei. E o mais fácil de se fazer. O livro já está no WishList. Claro, a não ser que você tenha em mãos cacau de excelente qualidade (escuro, perfumado e saboroso), não perca seu tempo. Deixo a receita ipsis literis, ao contrário do que costumo fazer, porque achei um pecado não dividi-la com vocês...

SORVETE DE CHOCOLATE SICILIANO (do livro Bittersweet, de Alice Medrich)
Tempo de preparo: 10 minutos + 1 noite na geladeira
Rendimento: 1 litro
Ingredientes:
  • 3 xíc. de leite integral
  • 2/3 xíc. de açúcar cristal orgânico
  • 3/4 xíc. de cacau em pó de qualidade
  • 1 1/2 colh. (sopa) de amido de milho (maizena)
Preparo:
  1. Coloque 2 xíc. do leite em uma panela de fundo grosso e leve à fervura. Enquanto isso, misture em uma tigela o resto dos ingredientes com a 1 xíc. de leite restante.
  2. Junte a mistura ao leite fervendo, abaixe o fogo e cozinhe, mexendo com uma colher de pau até que o creme engrosse e borbulhe nas bordas. Continue cozinhando por mais 2 minutos.
  3. Coloque a mistura em uma tigela, deixe que esfrie por 5 minutos e então cubra com filme plástico, aderindo o filme à superfície do creme, para impedir que forme uma película. Leve à geladeira por pelo menos 4 horas. Coloque a mistura fria na sorveteira e siga as instruções do fabricante.

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails