quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sopa de lentilha e berinjela, inspirações, aspirações

Tenho gosto pela cozinha desde criança, desde que ganhei meu primeiro livro de culinária, aos 12 anos. (12? Talvez 11. Talvez 10. A memória falha.) Naquela época, folheava as poucas páginas do livrinho de culinária para crianças e minha aspiração máxima era preparar quase tudo o que havia ali e montar um enorme banquete para meus pais e minha irmã. Enchia-me de orgulho ao pensar no jantar pronto e em todos provando e adorando a comida. Claro que a coisa não andou assim. Logo na primeira tentativa, meu brownie solou e houve todo um stress porque saí num domingo de manhã para ir à padaria sozinha pela primeira vez para comprar essência de baunilha (que ninguém na casa sabia o que era e onde se comprava) e corri a vizinhança inteira atrás da danada sem sucesso, demorando uma hora e meia para voltar para casa, do que deveria ter sido um trajeto de dez minutos. Podem imaginar. Agora que tenho filhos, com certeza dou razão aos meus pais pelo tamanho da bronca.

Daí, quando fui à Itália pela primeira vez, encantei-me por toda aquela cozinha não explorada nas cantinas de São Paulo nos anos 80 e 90, ou mesmo por minhas avós, talvez por pura falta do ingrediente certo. Quando voltei, mergulhei nos livros de culinária, com a aspiração de reproduzir aqui o que sentira durante minha viagem, através da comida. Tinha esperança de sentir de novo a brisa marítima da Costa Amalfitana ao cozinhar o mesmo spaghetti alla puttanesca que comera num restaurantezinho de Positano, cujo dono colocara no rádio as mesmas músicas italianas antigas que meu pai ouvia na minha infância, de uma fita cassete que tinha na capinha justamente uma foto... de Positano. Inception.  ;) Uma coincidência e um momento especial que jamais conseguirei reproduzir na vida. E foi o que descobri quando preparei a receita tal e qual os livros mais tradicionais indicavam e, por delicioso que estivesse, a brisa marítima não veio, a canção ao fundo não era a mesma e eu olhava para um dia cinza e paredes de concreto ali fora da minha janela.

Então vieram livros de confeitaria que meus dedos, pouco dados a tarefas minuciosas que não envolvam pincéis, não conseguiam reproduzir em toda a sua perfeição visual. E tantos outros que, lidos, produziam em mim essa aspiração de ser "um tipo de pessoa". "O tipo de pessoa" zen. Não. "O tipo de pessoa" elegante. Not. "O tipo de pessoa que só come o que colhe do quintal". Nein. "O tipo de pessoa que gasta 5 reais por refeição para 6 pessoas." Fué.

Ao longo do tempo, fui percebendo que estava abordando meus livros de forma errada. E que ao invés de ASpirar ser algo através da comida, era mais gostoso me INSpirar pelos livros. E nossa, como alguns livros são de fato inspiradores. Tenho alguns, mesmo, cujas receitas quase nunca preparo, mas que às vezes apanho para folhear e me lembrar de uma sensação de que gosto na cozinha, ou de um estilo, uma visão diferente dos ingredientes. Caso do Nigel Slater, que eu adoro de paixão, mas cujos livros sempre apanho, folheio, folheio, folheio, e parece que nunca tenho todos os ingredientes necessários para nenhum prato seu. No entanto, sua abordagem da cozinha é tão relaxante, que basta uma olhadela num livro seu para que eu mude o rumo de um jantar sem ideias. Quase sempre uso suas receitas como linhas-guias para outra coisa, feita com os ingredientes que tenho em casa.

Outra fonte que tenho devorado nos últimos dias, desde que a Patrícia me indicou, é o site Green Kitchen Stories. Talvez porque eles tenham uma atitude que condiz com o meu momento culinário, de usar diversas farinhas e leites vegetais não por conta de uma alergia ou política pessoal, mas apenas pelo benefício da variedade. É inspirador o modo como eles experimentam com misturas de ingredientes e sabores diferentes, e só de ver as cores dos pratos já tenho vontade de me desafiar a colocar a maior quantidade possível de legumes em uma só refeição. O site é cheio de informações nutricionais, mas sem o tom militante ou terrorista de outros sites do gênero. Os crepes de sarraceno e espinafre, que fiz aqui com leite de amêndoas fresquinho e recheei com queijo minas em cubinhos e abobrinhas refogadas e alho e manjericão, foram devoradas. Engraçado foi ver o Matador de Dragões comendo os crepes super verdes e deixando o queijo (justo o queijo!) no prato. ;) A infusão de mel com gengibre, cúrcuma, limão e pimenta também veio em boa hora, já que a família toda está com tosse, todo mundo junto ao mesmo tempo. Em boa hora, também, porque eu tinha acabado de colher a cúrcuma do quintal, e não sabia bem o que fazer com ela. Hoje à tarde vai também virar uma versão do lassi que eles indicam.

De todos os meus livros, no entanto, os que mais me inspiram são os do David Tanis. Não que eu pretenda a qualquer momento preparar orelha de porco ou risotto de lagosta. Mas no meio dessas receitas menos acessíveis, há um texto maravilhoso que sempre me traz de volta à terra. Seu elogio à simplicidade da refeição (em termos de conceito e não de preço), sempre me coloca de volta no eixo, quando começo a complicar demais e me atrapalhar. Basta olhar para o livro na estante para me lembrar de que posso servir uma fatia de queijo e um pedaço de fruta de sobremesa (e ter essa alegria de ver os pimpolhos curtindo pera com gorgonzola ou banana com queijo branco e canela do mesmo jeito). Que uma mesa bonita não é necessariamente uma profusão de pratos complexos, mas às vezes simplesmente um peixe feito direito e um prato de vagens cozidas al dente e temperadas com bastante azeite e limão. A gente que gosta de cozinhar às vezes se empolga e entra em uma maratona culinária, quando muitas vezes, para aquele almoço bom, aquelas boas memórias, basta tomates maduros com sal, um bom pão. Ao invés de transformar as maçãs que tinha em casa em uma torta, simplesmente coloquei-as no forno, e as crianças se esbaldaram (adultos também). [Só tirar os miolos, colocar um tantinho de açúcar e um splashzinho de conhaque – já usei rum ou calvados –, fechar as tampinhas e levar ao forno médio numa travessa por 45 minutos ou até que as cascas dourem e estourem. Deixar amornar e servir com a caldinha que se forma na travessa. Com iogurte, então, fica uma delícia. Achei mais detalhado aqui.]

Nessa fase em que ando preparando uma sopa atrás da outra, sorri ao ler um trecho de um de seus livros esses dias, em que dizia que poderia facilmente viver de uma dieta de sopa e vinho: um potinho de sopa, uma tacinha de vinho. Bom... eu também.

Essa sopinha de lentilhas e berinjelas é deliciosa, cremosa e satisfaz. E vai bem com uma tacinha de vinho. Não omita o passo de assar as berinjelas, pois isso lhes dá um sabor defumado delicioso. A receita original pedia para que se usasse lentilhas verdes, francesas, caras pra chuchu. Considerando que as lentilhas francesas são boas porque se mantém al dente, mas que estamos falando de uma sopa, em que tudo tem que virar purê, substituí por lentilhas comuns brasileiras, porque eu sou "o tipo de pessoa" que acha que dinheiro não nasce em árvore.

SOPA DE LENTILHAS E BERINJELAS ASSADAS
(de uma antiga revista Food & Wine)
Tempo de preparo: 50 minutos
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:

  • 600g berinjela, de preferência maiores, cortadas em quartos no sentido do comprimento
  • 2 colh. (sopa) azeite de oliva
  • sal e pimenta à gosto
  • 1 xic. lentilhas
  • 1 punhado de folhas de sálvia fresca
  • 2 xic. caldo de galinha ou legumes
  • 1 xic. leite
  • 1 colh. (sopa) suco de limão

Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 205ºC. Coloque as berinjelas com a casca para baixo numa assadeira, tempere com sal, pimenta e 1 colh. (sopa) azeite. Asse por 30 minutos ou até que as berinjelas estejam muito macias, mas não queimadas.
  2. Enquanto isso, numa panela média, cubra as lentilhas com 5cm água. Junte 1/2 colh. (chá) sal e 2 folhas de sálvia e leve à fervura. Abaixe o fogo e cozinhe em fervura branda por 20 minutos. Escorra as lentilhas e descarte as folhas de sálvia. (No meu caso, sobrou tão pouco líquido das lentilhas, que não escorri, simplesmente incorporei à sopa. E recomendo que se faça o mesmo, afinal todo o sabor e nutrientes estão ali.)
  3. Raspe a polpa das berinjelas com uma colher e coloque no jarro do liquidificador. Descarte a casca. Junte o caldo de legumes ou galinha e as lentilhas e bata até que fique homogêneo (faça em partes, se for muito volume para seu liquidificador). 
  4. Volte tudo para a panela, junte o leite e o limão e leve à fervura branda. Ajuste o sal e a pimenta e mantenha a sopa quente enquanto termina a guarnição.
  5. Numa frigideira pequena, aqueça  a outra colher de azeite. Junte as folhas de sálvia restantes e cozinhe em fogo médio até que fiquem crocantes. 
  6. Sirva  a sopa, guarneça com as folhas de sálvia e um fio de azeite. (A sopa pode ser feita no dia anterior.)



domingo, 22 de junho de 2014

Sanando vontade de pudim de cumaru


Minha sogra veio em casa outro dia e eu estava fora. Quando cheguei, já tarde da noite, abri a geladeira, procurando pudim. Porque ela sempre traz pudim de leite. Porque sempre que ele pergunta com o que ela pode colaborar, a gente sempre pede pra ela fazer pudim. Porque é uma delícia.

Mas não tinha pudim. Tinha bolo de fubá cremoso, e as crianças comeram, e eu comi os pedacinhos restantes, muito bons. Mas fiquei com o pudim na cabeça. Seca, seca por pudim.

Acordei no dia seguinte com o pudim em mente. Tomei café da manhã pensando em pudim. Fuçando numa Menu velha, achei um pudim de cumaru. E achei que seria o bastante para sanar minha vontade de pudim de leite, mas ao mesmo tempo com algo diferente que mantivesse o pudim de leite da sogra como O pudim de leite da família. Porque eu gosto dessa ideia de que cada um tem aquela contribuição especial onde ninguém mete o dedo.

Chamei o Matador-de-Dragões para me ajudar com o pudim. Ele assistiu meio que de longe a feitura do caramelo, eu explicando porque precisava ficar longe, mostrando as etapas, o açúcar derretendo, as borbulhas, o vapor extremamente quente. E ele ajudou a medir o leite, a quebrar o ovos, a lamber o resto do leite condensado de dentro da lata. Mamãe ralou o cumaru, porque criança de dedo ralado não é legal e cumaru é ótimo pra ralar dedo, que nem finalzinho de noz moscada.

Aí vem a paciência. De assar em banho-maria, de deixar esfriar, de deixar firmar na geladeira.

E a vontade de pudim ali, fervilhando. É bom, isso, ensinar ao pimpolho paciência.

"Qué cudim!"
"Não tá pronto, pimpolho."

Dia seguinte, pudim. Desenformou bem. Soltou floquinhos de pudim na calda. Ficou metade lisinho, metade com furinhos. Aromático de dominar a geladeira com cheiro de cumaru, essa coisa amêndoa e baunilha que eu acho o máximo.

Ficou uma delícia. Todo mundo repetiu. Difícil de não comer inteiro.

Vontade de pudim sanada.

PUDIM DE CUMARU
(de Ângela Sicilia, da Famiglia Sicilia, publicado na revista Menu)

Ingredientes:

  • 1 lata de leite condensado (395g)
  • 790ml leite integral
  • 3 ovos
  • 1 semente de cumaru ralada, ou a gosto, misturada ao leite
(calda)
  • 1 xic. açúcar
  • 1/2 xic. água quente

Preparo:

  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Coloque uma panela com água para esquentar, para o banho-maria.
  2. Em uma panela de fundo largo, derreta o açúcar até ficar dourado (não demais, porque ainda tem um tempo de cozimento depois, e a calda pode queimar).
  3. Junte a água quente, com cuidado com o vapor que vai subir, e mexa com uma colher de cabo longo. Deixe ferver até dissolver os torrões de açúcar e a calda engrossar. Despeje numa forma de furo no meio, com 19cm de diâmetro (daquelas altas). Reserve.
  4. No liquidificador, bata todos os ingredientes e despeje na forma com a calda.
  5. Cubra com papel-alumínio e coloque no centro de uma assadeira de bordas altas. Preencha a assadeira com água quente e leve ao forno por 1h30. 
  6. Retire do forno, deixe esfriar e leve à geladeira por seis horas ou durante a noite. Desenforme e sirva. 

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Medo da sopinha de inhame e agrião


Noutro dia estava assistindo a um programa em que uma família chamava uma nutricionista em casa para resolver o problema do filho criança que se recusava a comer carne. Achei engraçada a cara dos pais quando a profissional lhes disse que não havia problema nenhum em ser vegetariano – era óbvio que eles esperavam que a nutri forçasse o moleque a comer o estrogonofe que o resto da família comia. Olhando para o pratinho de legumes sem graça do menino, sempre exatamente os mesmos, acompanhado sempre do mesmo ovo cozido, fiquei pensando em como é difícil para quem não curte cozinhar como hobby criar pratos vegetarianos minimamente interessantes. Também pensei em como a família andava perdendo a oportunidade de aproveitar o vegetarianismo do filho para diversificar a alimentação de todos.

Mas é aquilo: tenho sempre de lembrar que existe gente que não gosta de cozinhar e, o que mais me surpreende, gente que não gosta de comer. (Como isso é possível??)

De qualquer forma, pensa nessa dificuldade no preparo dos legumes me lembrou de toda uma época em que eu ainda tinha medo da cozinha. Mais precisamente, na verdade, medo dos ingredientes. Medo de testar uma receita e errar. Medo de não gostar do resultado.

Apesar de minha mãe sempre preparar muitos legumes, eram sempre os mesmos, durante minha infância, e meio que preparados sempre do mesmo jeito. Então muitos legumes e verduras fui experimentar apenas quando adulta. Então quando vi uma receita de sopa de inhame com agrião, a foto me apeteceu o bastante para recortar a receita e colar no caderno, mas o medo do ingrediente desconhecido era tanto, que o prato ficou só no papel durante anos e anos e anos, apenas esperando esse momento mágico em que eu me suficientemente sentisse confortável na cozinha para prepará-lo.

Uma bobagem sem tamanho.

Mas fazer o quê?

Olho para uma dezena de receitas recortadas há 15 anos e ali, coladas no caderno, sem nunca terem sido preparadas, por medo de ingrediente que nem comprar eu sabia. Agora saio correndo atrás do prejuízo, e me perguntando por que diabos deixei passar tantos invernos sem sopa de inhame.

E toda vez que encontro na feira algo que nunca comi na vida, faço questão de levar pra casa para experimentar. Tanta verdura, fruta e legume bom no mundo, que é um crime comer todo dia a mesma coisa!

PS: uma semana cheia de posts, outra não. Culpa da maldição da mão do cozinheiro louco, que fez com que os almoços saíssem meio mequetrefes. Ainda bem que a maldição vem rápido e passa rápido. ;)

SOPA DE INHAME E AGRIÃO
(De uma antiga revista Gula)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 1kg inhame
  • 1 dente de alho picado
  • 1/2 cebola média picada
  • 50g manteiga
  • 2 litros caldo de legumes
  • 1 xic. folhas agrião
  • 1 colh. (sopa) manteiga para refogar o agrião
  • sal e pimenta a gosto


Preparo:

  1. Descasque e pique o inhame. 
  2. Refogue o alho e a cebola nos 50g manteiga até que murchem. 
  3. Junte o inhame e refogue por 3 minutos.
  4. Junte o caldo e cozinhe em fogo baixo até que o inhame esteja macio. 
  5. Deixe esfriar um pouco e bata no liquidificador. Volte à panela, tempere com sal  e pimenta e reserve. 
  6. Em uma frigideira, derreta a manteiga restante e junte o agrião. Refogue até que murche. Volte para a tábua de corte e pique muito bem, voltando para a sopa reservada. 
  7. Volte ao fogo e cozinhe por mais 5 minutos. Sirva quente.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Salada de feijão-manteiguinha, pesto de folha de rabanete e mais um monte de coisa


Era para ser um almocinho vegan. Mas abri a geladeira e dei de cara com aquele maço de folhas de rabanete. Achei uma receita de pesto e, já que Madame Bochechas resolvera não dormir no meu horário de trabalho, resolvi preparar o danado para congelar e usar depois. [Pois há ainda muita verdura na geladeira para ser usada A.S.A.P., já que eu tive um impulso consumista na feira da semana passada e comprei uma variedade e quantidade maior do que consigo consumir de fato.]

Na hora de preparar o pesto, fiz poucas modificações: aferventei as folhas antes para tirar aquela sensação piniquenta, e usei castanhas do pará. O bicho ficou tão gostoso (Laura queria comer de colher), que resolvi usar o pesto na salada de feijão-manteiguinha que planejara para hoje, já que o dia estava bonito e não estava tão frio.

Feijão-manteiguinha: com um nome desse, não dá vontade de levar pra casa quando você vê na gôndola? Eu levei. E achei uma delícia. E fui pesquisar e descobri que ele é famosinho em várias partes do Brasil, mas que eu que era boba e nunca tinha ouvido falar. E é saboroso, e pequenininho, e bom em saladas. Como vi que era parente do feijão-fradinho, achei por bem descartar a água da primeira fervura, lavar e aí sim cozinhar com alguns temperos, para evitar qualquer possível amargor. Quem conhece o moço que me diga se era preciso fazer isso ou se é bobagem minha.

Sabia que queria usar na salada, abacate, que o Matador de Dragões (agora) adora. E tomate, e pepino japonês, e rabanete. Bati o olho numa salada de quinua que levava ingredientes semelhantes, e que levava também amêndoas e tâmaras. Resolvi arriscar, substituindo as amêndoas por castanha-do-pará de novo. Fui comedida e botei só quatro tâmaras, mas da próxima vez, uso mais, muito mais, porque o docinho da tâmara enriqueceu muito o prato.

Madame Bochechas provara do feijão na panela e do pesto no processador. Mas quando lhe apresentei o prato montado, ela torceu o nariz. Expliquei que era a mesma coisa. Mostrei pra ela. Passei o dedo no processador ainda sujo e deixei que lambesse. Fiz o mesmo no molho da salada. Ela apanhou a colher e foi valente, experimentando de tudo, gostando de alguns itens, cuspindo outros, mas, em geral, mandando ver.

Matador de Dragões viu o almoço e não quis sentar à mesa. Disse-lhe, como sempre, que se não queria comer, que não comesse; mas que precisava sentar-se conosco e esperar que todos terminarem. Ele veio, a contragosto. Ficou olhando, bem uns cinco minutos, enquanto Laura e eu comíamos, "hmmms", "aaahs", "boooons". Então apanhou a colher e experimentou. "Gostou, Thomas?" "Hm-rum", disse, continuando a comer. "Quéo mais." "Mais fejão?" "Dãaaao. Esse." Apontou para o rabanete.

Fico contente que ele tenha entendido o esquema e simplesmente experimente metendo o colherão na boca e mastigando. Laura entrou já cedo na fase do Não Gosto, Não Quero, e às vezes, recusa-se a comer, tornando-se minha mais nova Catadora de Salsinha. Hoje foi uma exceção conseguir convencê-la pelos meios da razão. Também não há promessa de chocolate que a faça experimentar algo, já que ela ainda não entende completamente condicionais. [Só promessa de chocolate fez com que Thomas experimentasse a berinjela recheada de painço, que ficou feia como o demônio, mas uma delícia. Experimentou, raspou o prato. Já Laura, não esboçou problemas com a gororoba marrom-acinzentada em seu prato e mandou ver sem manha.]

Vejo que a pequena Catadora de Salsinha ainda tem a dificuldade da mastigação, por não ter todos os dentes, já que o modo como mastigamos muda completamente o gosto que sentimos do alimento. Dependendo de como ela põe a comida na boca, o tamanho do pedaço, ela come ou rejeita. Pensei nisso outro dia, quando Thomas apanhou um legume qualquer para experimentar e apenas tocou-o na ponta da língua e o rejeitou. Tento explicar que desse jeito ele não está sentindo o gosto de nada e que isso é roubar no jogo: experimentar é botar na boca, mastigar e engolir. Imagina apanhar um pepino e encostar a ponta da língua na casca? Nem maçã tem gosto bom assim. o_O

Fiquei contente de ver os dois comendo com gosto, pedindo mais. Também, pudera: saladinha que ficou uma delícia, e eu mesma raspei o prato, repeti e comi o pouco que eles deixaram nas suas tigelinhas. Achei que sobraria pro jantar, mas já vi que vou pra cozinha de novo hoje. ¬_¬

SALADA DE  FEIJÃO-MANTEIGUINHA, PESTO DE FOLHAS DE RABANETE E UM MONTE DE COISA
Rendimento: 2-4 porções, dependendo se prato principal ou acompanhamento

Ingredientes:
(feijão)

  • 1 xic. feijão-manteiguinha seco, deixado de molho na noite anterior e escorrido
  • 1 colh. (sopa) azeite
  • 1 ramo de salsinha
  • 1 folha de louro
  • 1 pitada de pimenta-calabresa seca
  • sal e pimenta a gosto

(pesto)

  • 1 maço de folhas de rabanete bem verdinhas, com os talos
  • 1 dente de alho, descascado
  • 5-6 castanhas-do-pará
  • 1/2 xic. queijo parmesão ralado na hora
  • suco de 1/2 limão
  • azeite de oliva (1/4 xic. ou mais, dependendo da consistência desejada)
  • sal e pimenta a gosto

(salada)

  • 2-3 colh. (sopa) água do cozimento do feijão
  • 1 tomate maduro mas firme, cortado em cubinhos pequenos
  • 1/4 cebola picada
  • 1/2 abacate maduro, cortado em cubos e regado com suco de limão, para não escurecer
  • 2 rabanetes cortados ao meio no sentido do comprimento e fatiados bem fininho
  • 1 pepino japonês fatiado bem fininho
  • 4 castanhas-do-pará picadas
  • 4 (ou mais) tâmaras, sem caroço, picadas
  • sal e pimenta a gosto


Preparo:

  1. Coloque o feijão para cozinhar em água. Quando ferver, escorra, lave, volte à panela com água limpa bastante para cobrir, o azeite, o louro, a salsinha e a pimenta-calabresa. Leve à fervura, abaixe o fogo, e deixe cozinhando com meia-tampa até que o feijão esteja macio (o tempo vai depender da idade do feijão e se você usar panela de pressão ou não).
  2. Retire as ervas, tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto e escorra, reservando o caldo. 
  3. Enquanto isso, faça o pesto: coloque água com sal para ferver em uma panela grande. Coloque as folhas de rabanete e deixe cozinhar por 1 minuto. Retire e deixe que esfriem. Quando estiverem frias, esprema nas mãos até tirar todo o líquido e coloque as folhas no processador com as castanhas, o alho, o limão e o azeite. Pulse até transformar em purê. Acrescente o azeite, o queijo, sal e pimenta e bata novamente até que fique homogêneo. Você terá mais pesto do que precisa. O restante pode ser congelado. 
  4. Numa tigela grande, misture o feijão ainda quente a 1/3 xic. do pesto diluído em 2-3 colh. (sopa) da água do cozimento do feijão. (O restante do caldo do feijão pode ser usado no caldo de legumes, assim como a água do cozimento das folhas de rabanete.)
  5. Quando o feijão estiver bem temperado, junte o restante dos ingredientes da salada, misturando muito bem. Prove e acrescente mais suco de limão, azeite, sal e pimenta a gosto, se precisar. Deixe a salada descansar em temperatura ambiente por 15-30 minutos, para que os sabores se desenvolvam e sirva. 


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Meu primeiro bacalhau, o segundo, o terceiro e o quarto também

Polenta, bacalhau à moda de Vicenza, e radicchio grelhado. NHAM.

Meu primeiro bacalhau à Gomes de Sá.

Noutro dia me dei conta de que nunca fizera bacalhau. NUNCA. E fiquei em choque. Porque bacalhau sempre foi comida da minha mãe. Primeiro, apenas na Páscoa, pois era muito caro. E por isso, era especial. Comida de festa. Pra muita gente, ainda é. Conforme as coisas melhoraram em casa, e minha mãe começou a preparar bacalhau com mais frequência, continuei gostando, mas confesso que perdeu um pouco a graça. Como se desse alcachofra o ano todo. Como comer panettone em junho. Ou tomar quentão em janeiro. Eu curto a sazonalidade das coisas, e para mim, bacalhau era aquela coisa de uma vez por ano, duas se déssemos sorte.

Daí, como minha mãe ainda fizesse bacalhau sempre e eu tivesse onde comê-lo, não me interessei muito em cozinhá-lo eu mesma.

Só que recentemente me deu um tilt, um incômodo, um comichão, de preparar bacalhau. Da mesma forma que anda me dando comichão de fazer pernil. E boeuf borguignon. E eu fico pensando na infinidade de coisas que eu nunca cozinhei na vida, e parece que não há vida bastante para cozinhar tudo.

Fui lá no mercadão, comprei um belo pedaço de bacalhau, voltei pra casa e me vi naquele impasse: o que é que eu preparo com isso agora? Era tanta receita diferente, que minha cabeça girou um pouquinho.

Fechei todos os livros, catei meu caderno e apanhei uma receitinha véia recortada de uma revista Gula antiga, e colada ali numa página qualquer havia milênios: bacalhau à Gomes de Sá. Afinal, sempre digo que é bom fazer o básico antes de sair atrás das invencionices.

E meu deus, como ficou gostoso. Eu lá, morrendo de medo de fazer alguma coisa errada com o bicho, e como é fácil esse prato. No entanto... descobri a duras penas que meu marido não gosta de bacalhau. Bacalhau pronto e ele: "mas eu não gosto de bacalhau". Nem as crianças, que só comeram as batatas.

Eu lá com aquele panelão-delícia para comer sozinha.

Dia seguinte, desfiei melhor o bacalhau, e virou frittata. Tão boa, tão boa, que cogito a possibilidade de fazer bacalhau de novo só pra botar ovo junto. E na frittata, todo mundo comeu o bacalhau. Até o marido, ainda que meio a contragosto.

Agora, sabendo do desafio de fazer algo que só eu gostava, tinha que dar fim logo ao pedação de bacalhau que ainda restava na geladeira.

O que escolhi fazer foi baccalà alla vicentina, uma receita italiana com a qual eu tinha uma história. Na primeira viagem à Itália, em Bologna, ainda meio que vegetariana (só comia peixe quando realmente não havia opção), finalmente encontrei um restaurante que servisse o que viria a se tornar minha massa recheada favorita: tortelli di zucca (tortelli de abóbora, com mostarda di cremona, amaretti e sálvia). Acontece que o restaurante era mais chique do que eu havia previsto, e quando pedi o prato, vieram 5 tortellezinhos do tamanho de uma noz. Que para a fome que eu estava, não dava para nada. Resolvi pedir um segundo prato. No meio de tanta carne, só havia ali bacalhau alla vicentina. Vai tu mesmo. E o que veio foi uma porção de polenta cremosa e o que parecia um purê de bacalhau por cima, com muito mais leite do que peixe, meio farinhento. Não sei dizer o que exatamente havia de errado no prato (além do fato de estar comendo em Bologna um prato de Vicenza); mas na primeira garfada, quase cuspi tudo. Era horrível. E eu lá, morrendo de fome, e gastando mais dinheiro naquele jantar do que eu gostaria. Dá-lhe vinho pra fazer descer aquele grude.

Não é a apresentação mais bonita que eu poderia fazer do prato. Mas tendo uma profusão de receitas do tal bacalhau com polenta, e sendo um prato clássico de uma cidade, eu estava era curiosa para ver se o negócio era mesmo terrível ou se o restaurante errara muito a mão, fazendo algo que não era da sua região.

Com certeza a segunda opção.

Pois bacalhau à moda de Vicenza é uma delícia. Ao menos esse. E completamente diferente daquele purê bizarro. O processo é mais fácil até do que o bacalhau à Gomes de Sá, ainda que parecido. E o peixe fica molhadinho, em lascas macias. Como disse a Tessa Kiros no livro, o bacalhau salgado combina maravilhosamente com a polenta doce e o amargo do radicchio grelhado. O radicchio, na minha opinião, levanta o prato como ninguém, e é crucial.

Desta vez, Thomas comeu o bacalhau. E a polenta. E, veja só, até o radicchio. Laura ficou mais na polenta mesmo. Allex comeu porque era o que tinha. Eu me deliciei. Repeti duas vezes, a gordinha.

E no dia seguinte, o que sobrou do bacalhau foi batido no processador com mais ou menos a mesma quantidade de batata cozida, com casca e tudo, e mais um punhado de salsinha, até virar um purê firme. Passei na farinha de rosca, fritei e servi os bolinhos de bacalhau (de chorar de bom) no almoço, junto com a sopinha de couve-flor e alho-poró da Bela Gil. Molecada devorou os bolinhos. Inclusive a Laura, que até então recusara o peixe.

Frittata de bacalhau e batata. Vale o esforço de preparar o bacalhau.

Um montão de receita aí, ó:

BACALHAU A GOMES DE SÁ:
(de Milu Palmela, publicada numa revista Gula)
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:
  • 1kg bacalhau deixado de molho por 2 dias na geladeira, trocando a água com frequência
  • 200ml azeite de oliva
  • 2 dentes de alho esmagados
  • 4 cebolas médias em rodelas
  • 1kg batatas lavadas e cozidas com a casca
  • 4 ovos cozidos duros
  • Leite quanto baste para cobrir o bacalhau
  • Azeitonas pretas a gosto
  • Salsinha picada para polvilhar
  • sal e pimenta-do-reino

Preparo:
  1. Escorra o bacalhau, passe para uma panela grande e cubra com água fervente, fora do fogo. Tampe a panela, embrulhe num pano grosso e mantenha assim por 20 minutos.
  2. Escorra novamente, retire a pele e as espinhas, e desfaça em lascas. Passe para um recipiente fundo, cubra com leite quente e deixe em infusão de 1h30-2 horas. 
  3. Retire as cascas das batatas e corte em rodelas.
  4. Numa travessa que possa ir ao fogo e ao forno, coloque o óleo de oliva, alho e cebola. Leve ao fogo, e assim que as cebolas começarem a dourar, junte as batatas
  5. Distribua as lascas de bacalhau já escorridas, tempere com pimenta e sal.
  6. Leve ao forno quente por 15 minutos. Retire do forno, polvilhe com salsinha, distribua os ovos e as azeitonas e sirva bem quente. 

......

FRITTATA DE FORNO DE BACALHAU COM BATATAS
Rendimento: 4-6 pessoas
  • O que sobrou do bacalhau a gomes de sá (cerca de 3 xic.) (se sobrou pouco, pode completar com mais batatas cozidas e fatiadas)
  • 1 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 7 ovos
  • sal e pimenta
  • azeite para untar a forma
  • um punhado de salsinha picada

Preparo:
  1. Misture tudo em uma tigela, coloque em uma assadeira untada de cerca de 20-30cm e leve ao forno a 200ºC por cerca de 40 minutos, até dourar.


......

BACCALÀ ALLA VICENTINA
(do lindo livro Venezia, de Tessa Kiros)
Rendimento: 4 porções

Ingredientes:
  • 700g bacalhau, deixado de molho por 2 dias na geladeira, água trocada com frequencia
  • farinha de trigo, para polvilhar
  • 5 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 1 cebola grande, cortada em meias-luas finas
  • 2 dentes de alho picados
  • cerca de 6 filés de anchova conservados em óleo (alice) grandes, quebrados em pedaços
  • 2 colh. (sopa) salsinha picada
  • 750ml leite


Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Escorra o bacalhau, e corte em pedaços de cerca de 4x5cm, descartando pele e espinhas. Disponha numa assadeira e polvilhe com farinha dos dois lados, chacoalhando para retirar o excesso. 
  2. Aqueça o azeite em uma travessa que possa ir ao fogo e ao forno (uso sempre o panelão baixo e verde da foto, que tem tampa), e refogue a cebola até que fique macia. Junte o alho. Quando perfumar, junte metade da anchova, amassando com uma colher de pau para dissolver. 
  3. Misture bem, junte a salsinha, e arranje os pedaços de bacalhau por cima, misturando com uma colher de pau, para que os temperos recubram o peixe. Adicione umas 2 ou 3 viradinhas do moedor de pimenta.
  4. Junte o leite, movendo os pedaços de peixe para que o leite escorra por baixo deles. Junte o resto da anchova. Cubra a travessa com papel alumínio (ou tampa, se houver) e leve ao forno. 
  5. Asse por 1 hora, então descubra a travessa e asse por mais 30 minutos, ou até que o bacalhau e a cebola tenham absorvido quase todo o líquido e haja uma crosta dourada por cima. (Se o leite talhar, como no meu caso, a aparência não vai ser das mais bonitas, mas o gosto é excelente.)
  6. Remova a panela do forno e deixe descansar alguns minutos, para que o peixe absorva mais líquido. Se ainda estiver muito cheio de líquido, volte para o forno desligado mais um pouco. 
  7. Sirva quente, acompanhado de polenta (mole ou grelhada) e radicchio grelhado (corte o radicchio em quartos no sentido do comprimento, tempere com sal, azeite e pimenta e disponha numa travessa refratária. Leve ao forno e asse até que esteja macio e quase chamuscadinho nas pontas.)





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