sábado, 26 de janeiro de 2008

De louco e masoquista todo mundo tem um pouco: diamantes de chocolate

Eu sou chata. Costumo falar isso às pessoas assim que as conheço, pois é bom que elas estejam muito bem avisadas desde o começo de que, sim, eu sou chata. Sou insistente, exigente, perfeccionista, neurótica e, sobretudo, cabeça-dura. Meu marido que o diga. Experimente tentar tirar uma idéia da minha cabeça. Eu sou chata.

Por causa dessa chatice é que não me conformo em abandonar a porcaria de livro. Não é possível. E talvez seja preciso que eu produza todas as suas receitas para que me convença a jogá-lo fora (já que, também, não tive resposta nenhuma ao e-mail que enviei à Larousse). Tem gente que ama o Pierre Hermé e que daria o braço esquerdo para comer um de seus doces. Por que só comigo não daria certo? Por que só eu acharia que ele é mais uma fraude muito bem construída nesse mundinho de culto às celebridades gastronômicas? Também não gosto do Ferrán Adriá. Chovam e-mails de repúdia. Não gosto e ponto. Lembra-se de que sou chata? Pois é, também sou bastante conservadora no que se refere à comida. Sou chata.

Muni-me de toda a confiança do mundo hoje, então, depois de reler o post de Warda sobre os sablés de chocolate de Hermé, e decidi que se ela conseguira fazê-los, também conseguiria eu. O livro há de ter algo que preste, ou eu não me chamo Ana. Segui todos os passos absolutamente à risca, sem modificar um grama sequer nas medidas nem me aventurar a apressar etapas. Manteiga em temperatura ambiente, batida devagar até ficar cremosa, farinha bem peneirada, forno a 180ºC. Ao formar as bolas de massa, achei-as muito promissoras, pois tinham a mesma consistência, cor e cheiro de outro biscoito que eu já fizera uma vez, de Nigella, que havia ficado excelente (lembrei-me imediatamente da sensação melado-marrom que ela deixava nas palmas das mãos ao ser manipulada e moldada). Deixei exatos 30 minutos na geladeira, e era hora de moldá-la em forma de rolo.

A-há. É aí que entra o primeiro sinal de perigo, o momento em que as coisas poderiam ter começado a dar errado. Encontrei diversas críticas positivas aos livros de Hermé na Amazon, mas as negativas diziam todas a mesma coisa: instruções pouco precisas. De fato, pelo texto, não se sabe se ele quer que você role a massa sob as palmas até que vire um cilindro, ou que você abra a massa e enrole-a como um rocambole. Pela explicação de Warda e por minha própria experiência, acabei abrindo a massa com os punhos e enrolando-a, apertando-a e selando as fendas a cada rolagem, como, na verdade, faço com pães. Ele quer 4 cm de diâmetro? Juro que usei uma régua.

Levei de volta à geladeira, por exatas duas horas. Desta vez, no entanto, achei melhor seguir as instruções de Warda; não porque fossem mais precisas, mas porque eram mais inteligentes. O que você prefere: cortar rodelas, pincelar uma a uma com gema (só as laterais) e rolar uma a uma no açúcar, ou pincelar o cilindro, rolá-lo no açúcar e fatiar as rodelas? Ahn... dã. A segunda opção foi MUITO mais simples, e não interferiu em nada no resultado.

Forno pronto, coloquei meus 29 biscoitos nas duas assadeiras (muito bom, a receita dizia cerca de 30), fechei a porta e marquei 9 minutos no meu timer. Mas, por algum motivo (por ser gás de rua, porque é sábado na hora do almoço e o prédio inteiro está cozinhando, porque deus não gosta de mim, escolha o seu) o forno decidiu que não, 180ºC não era uma temperatura legal. O que tá na moda é 150ºC, então é isso que ele vai marcar. Aumentei o fogo para o máximo, para reaquecer o forno rapidamente, mas o marcador do termômetro subia com alarmante lentidão. Quando o timer tocou, a temperatura ainda não estava correta. Ainda assim, prossegui: troquei as assadeiras de lugar e marquei mais 9 minutos. Sentei-me em frente ao forno e fiquei torcendo para o termômetro chegar logo aos 180. Demorou mas chegou, e, ao disparar do alarme, meti meu dedinho de amianto em cima de um dos biscoitos ferventes, para checar sua firmeza. [Eu não sei se meus dedos estão calejando e sentindo menos calor ou se eu simplesmente parei de me importar com as queimaduras...]

Instrução imprecisa nº 2: "Ao final, os diamantes devem estar firmes ao toque." Eu não sei quanto a você, mas eu acredito que "firme" não é uma palavra que explique 100% da situação quando estamos lidando com biscoitos. Principalmente com um que entrou mais firme no forno do que saiu. Muitos biscoitos saem ainda moles do forno e esfriam e endurecem fora dele. Mas eu nunca fiz "diamates de chocolate de Pierre Hermé", e ele coloca a frase do "firmes ao toque" depois da frase sobre o tempo de cozimento e antes da frase que diz para que esfriem em um prato. Ergo, só posso acreditar que eles tenham de sair firmes do forno, ou a frase sobre firmeza seria a última da receita. Sou chata? Sou: eu penso demais.

Contudo, eu estava me afogando em um mar de imprecisão, pois, devido aos caprichos do forno, eu não tinha como saber se depois de fazer tudo certo, e depois de 18 minutos a 180ºC, aquilo era o mais firme que os sablés ficariam, ou se eles deveriam cozinhar mais por causa da baixa temperatura a que haviam sido submetidos. Você entende o ponto a que chega a loucura? Como meu dedo ainda afundava na massa, deixei mais dois minutos. E mais dois. E mais um, checando sempre, e o forno desistindo de chegar aos 180, com tanto abre-e-fecha de porta.

Acabei desligando o forno e retirando os sablés, pois a assadeira de baixo começara a queimar. Como imaginava, eles saíram facilmente do papel-manteiga e já estavam duros quando chegaram ao prato. Sua aparência era ótima, a não ser pelos seis que queimaram (23 se salvaram, perfeitos). Não poderiam ser mais iguais aos da foto do livro. Esperei que esfriassem antes de comê-los.

Sua textura ficou mais esfarelenta do que eu esperava, para dizer a verdade, mas isso é uma questão de gosto. O gosto. Bom... nhé. Achei-os um pouco farinhentos. Como disse, sua massa crua lembrara-me muito da receita de Granny Boyd´s Cookies, do How to be a Domestic Goddess. E, de fato, as receitas são até que parecidas. Mas enquanto os biscoitos de Nigella arrancaram elogios do meu marido, os de Hermé fizeram-no soltar um breve: ok. Mesmo tendo, finalmente, dado certo, não é o que se espera de um renomado chef pâtissier. Mas pode ser só uma questão de gosto, pois há quem os tenha feito e adorado.

Ficaram ok, e vou comê-los com sorvete, com chá ou com café. Vamos ver... Warda diz que eles vão melhorando no segundo e terceiro dias depois de prontos. Será?
Pelo menos deram certo. Certo?

Cozinhe isso também!

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