sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Dezembro, o Frio, o Natal e um purê de cenoura


Faz 8oC lá fora, está escuro, apesar de serem sete e vinte da manhã, e eu não sei como vestir as crianças para a escola. Olho pela janela e há neve ainda remanescente das duas semanas de frio intenso pelas quais passamos. Mas chove. E a neve derrete em ritmo rápido, formando poças de água escura circundando ilhas altas de neve suja, que me lembram aquela espuma esquisita que flutua sobre rios muito poluídos. Apesar disso, o dia está "quente". Visto um jeans fino de verão, uma camiseta de manga curta e - aí que vira bagunça - as botas de neve, para não encharcar os pés e o casaco de neve porque eu não tenho um de chuva. Apesar da temperatura positiva, as crianças vão de luvas, para poderem brincar com o que restou de neve no pátio da escola.

Andamos até a escola meio desajeitados. Há pedaços inundados pela neve derretida, há pedaços ainda com gelo escorregadio sobre as calçadas, há momentos em que não se pode fazer nada a não ser enfiar o pé inteiro naquela neve suja para poder atravessar a rua, ao mesmo tempo em que você pede pela décima vez para que as crianças não brinquem nas poças e no gelo, pois a neve conforme derrete revela presentinhos de gente mal educada que não sabe onde existe lixeira e não recolhe dejetos caninos. 

Volto da escola e é todo um processo para limpar o cachorro, que parece saído do meio de um manguezal, imundo até a barriga e cheio de pedras de sal nas patas. Depois de limpá-lo e secá-lo, é a vez de limpar a entrada do apartamento, enlameada e grudenta de sal, independente de termos colocado junto à porta um enorme tapete de borracha.

Apesar disso, as coisas vão bem.

É delicioso sair na rua sem luvas depois de duas semanas mal tendo o nariz exposto ao frio. Quando meus pais vieram visitar eles trouxeram o calor, fazendo a neve da semana anterior desaparecer e facilitando nossos passeios, apesar do vento intenso e das eventuais temperaturas negativas. Foi bom ter sua companhia aqui, poder mostrar-lhes nossa casa, nossa vida, nossa rotina. Isso parece ter tornado mais concreto o fato de morarmos aqui. Não são férias. Não vamos voltar e mostrar as fotos da viagem.

Aproveitei o fato de que as crianças estavam o dia todo na escola e os levei para passear, para conhecer a cidade que eu mesma não conhecia ainda, concentrada que andava na rotina da casa e na adaptação das crianças. 

Nós saímos algumas vezes para comer, e outras ficamos em casa, e adorei cozinhar para todos nós a nossa comidinha de sempre, como AQUELA SOPA DE ABÓBORA SIMPLES E DELICIOSA, que meus filhos amam e o marido que não gosta de abóbora aprendeu a comer. Sempre a preparei com abóbora japonesa, mas desta vez foi com a Butternut Squash.

Falando em abóboras, demorei o Outono inteiro para mergulhar nelas, ainda tirando proveito da variedade de legumes e verduras que desapareceriam durante o inverno. A Spaghetti Squash foi um sucesso com todo mundo menos com Laura, que andava numa fase meio do contra desde que eu voltara do Brasil (ela ficou brava porque não a levei junto). É de se amar muito uma abóbora que, depois de assada, desfia-se assim como spaghetti, firminho e delicioso. Coisa linda, imaginei logo simplesmente misturá-la a um molho alho e óleo, mas resolvi seguir os planos com a receita do blog Sprouted Kitchen, Lasagna Style Spaghetti Squash. Eu não tinha carne ou espinafre, mas tinha o molho de tomate que sobrara da pizza dos dias anteriores e um bocado de queijo. Thomas pede para comprar essa abóbora de novo toda vez que a avista no mercado.



Essa falta de variedade de verduras no inverno não é sentida por todo mundo não. Assim como no Brasil, os supermercados tendem a se abastecer de comida do mundo inteiro. Então se o verão acabou e Ontario não produz mais blueberries, não entre em pânico: temos mirtilos chilenos por apenas o dobro do preço e metade do sabor. Via de regra, tenho comprado minhas frutas e verduras no mercado orgânico. E como sigo sempre a regra de só comprar comida importada que venha do mesmo hemisfério (mesma estação do ano) em que estou, isso acaba naturalmente limitando as escolhas. Pouca coisa tenho conseguido que seja produzida no Canadá: quase tudo raízes, tubérculos e maçãs. Nenhum problema, tem sido interessante descobrir o que fazer com nabos (sopa francesa deliciosa de nabos e batatas), rutabagas (funciona em qualquer receita de batata), pastinacas, raízes de aipo, diferentes tipos de batata e todas as cores de beterrabas e cenouras. Toda semana o mercado coloca em promoção uma saca diferente de maçãs, e toda semana temos mais 1,5kg de maçãs pra comer. Havia peras de Washington que já sumiram, caquis espanhóis, marmelos italianos e romãs americanas. Bananas são a única exceção que faço, pois são produzidas o ano inteiro e precisam necessariamente vir de algum país tropical. Quem me salva muito é a Califórnia (oi, titia!). Querida Califórnia ensolarada que nos provê de muitos tipos diferentes de couves:  curly kale, cavolo nero, purple kale, collard greens... E couve é algo que tenho sempre, sempre, de dois a quatro pés, e eu saio rasgando e colocando em tudo, em saladas, em sopas, no macarrão... Mas meu jeito favorito de comê-las é mesmo numa torrada.


Assim, couve picada, com cabinho e tudo, refogadinha no alho só até amolecer. Polvilho de queijo, desligo a frigideira e tampo, deixando o queijo derreter com o calor ali dentro da panela. Transfiro tudo isso para cima de um pão integral torrado e com uma passadela de tahini, polviho de gergelim e sou feliz. Naquele dia da foto usei tomates pretos, locais, orgânicos, mas de estufa, que são sempre os olhos da cara, mas que estavam em promoção, e minha saudade de tomate não me deixou passá-los.

O hábito da torrada com legumes de almoço tem tornado minha vida infinitamente mais simples. Não preciso cozinhar nada complexo para mim e isso resolve quando tudo o que sobrou do jantar foi meia xícara de legumes, ou uma única concha de sopa. É fácil adaptar essa sobra para uma torrada. Eu almoço leve, continuo o dia me sentindo produtiva, não aumento minha cintura e não tenho trabalho extra.

Esta da foto embaixo, complementada por alface romana de onde? de onde? da Califórnia, claro, tinha tahini por baixo, o purê de cenoura do jantar, queijo feta e sementes de abóbora. Esse purê de cenoura foi uma revelação: sempre via nas competições de culinária o pessoal se dando mal por conta de purê de cenoura ralo e granuloso, e confesso que fiquei com medo de tentar.

Mas eu havia comprado um belo Artic Char em promoção (já deu pra notar que só compro no mercado orgânico aquilo que está em promoção, certo?), um peixe de águas geladas, que parece salmão, cozinha-se como salmão, mas é bem mais suave e menos fishy. Sem saber o que fazer com ele, acabei me guiando pelos legumes que tinha: adivinha! cenoura e beterraba. A receita da Suzanne Goin, do livro Sunday Suppers at Lucques, que quase vendi um punhado de vezes mas acabei trazendo comigo, grelhava um filé de Snapper (Vermelho) e servia com beterrabas ao gengibre e purê de cenoura. E eu tinha TODOS os ingredientes na despensa, até a harissa para o peixe. Quão raro é isso?

Tanto as beterrabas quando o purê ficam sensacionais. O prato todo, com o peixe, ficou absolutamente delicioso... não fosse o fato de ter ficado todo meio rosa-cor-de-laranja. A única coisa que esqueci de comprar foi a rúcula, e ela traria verde e contraste ao prato. Com o peixe de carne branca deve ficar lindo. Mas não havia luz que fizesse o meu prato ficar apetitoso na foto. Então desisti. Mas deixo aqui a receita. O peixe fica picante, as beterrabas refrescantes e o purê de cenoura adocicado e incrivelmente cremoso, graças  a uma dose cavalar de azeite para emulsionar tudo. Mas como eu sou a primeira a colocar meio tablete de manteiga dentro do purê de batatas, não me senti nem um pouco incomodada. Bota todo o azeite sem dó. É uma delícia.



PEIXE APIMENTADO, COM BETERRABAS AO GENGIBRE E PURÊ DE CENOURA
(adaptado do livro Sunday Suppers at Lucques, de Suzzane Goin)
rendimento: 6 pessoas

Ingredientes:
  • 6 filés de peixe, com pele, de cerca de 150-180g cada
  • harissa (ela pede 3/4 xic de pasta de harissa feita em casa, mas usei o tempero seco, e foi no olho, tipo pitadas, apenas o suficiente para temperar, para não matar de pimenta a boca dos meus filhos.)
  • cerca de 10 beterrabas pequeninas
  • azeite de oliva
  • 2 colh. (sopa) cebola picada bem fininha
  • 1/2 (chá) alho picado bem fininho
  • 2 colh. (chá) gengibre ralado
  • 1/4 xic hortelã fresca picada
  • 1/4 xic coentro fresco picado
  • 2 colh (chá) suco de limão
  •  1 maço pequeno de rúcula
  • 1/2 limão
  • sal e pimenta
(purê de cenoura)
  • 900g cenoura, descascada e cortada em rodelas de 0,5cm
  • Um punhado cheio de talos de coentro + 1/4 xic. das folhas
  • 3/4 xic azeite de oliva
  • 1 xic. cebola picada
  • sal e pimenta

Preparo:
  1. Esfregue a harissa e um fio de azeite nos filés de peixe, cubra e refrigere por pelo menos 4 horas. 

(beterrabas)
  1. Pré-aqueça o forno a 205oC. Corte os talos das beterrabas, deixando 1cm deles ainda agarrados às beterrabas (guarde as folhas para outra receita, se houver). Limpe-as bem, misture a 2 colh,(sopa) de azeite  e 1 colh (chá) de sal. Coloque numa assadeira com um splash de água no fundo, cubra com papel alumínio e asse por 40 minutos, até que estejam macias. Retire do forno, deixe esfriar, arranque as peles, e corte as beterrabas em cunhas. 
  2. Numa tigela, misture a cebola, alho, gengibre, coentro, hortelã, e 6 colh. (sopa) de azeite. Junte as beterrabas, 1/4 colh (chá) de sal, um pouco de pimenta do reino e suco de limão. Experimente e ajuste o tempero.

(Purê de cenoura)
  1. Cozinhe as cenouras e os talos de coentro no vapor por 20 minutos, até que fiquem macias.
  2. Aqueça em fogo alto uma panela de fundo grosso, despeje 1/2 xic. do azeite e então a cebola. Tempere com 2 colh. (chá) sal e 1/4 colh (cha) de pimenta do reino. Cozinhe por 5 minutos, até que a cebola fique translúcida. 
  3. Junte as cenouras, as folhas de coentro, e cozinhe por mais uns 8 minutos, mexendo e raspando o fundo com uma colher de pau, até que as cenouras estejam ligeiramente caramelizadas, com cuidado para não queimar. 
  4. Passe a mistura pelo mixer ou processador até que fique lisa. Com a máquina ligada, despeje devagar o azeite restante, e processe até que esteja incorporado e o purê esteja bem homogêneo.

(peixe)
  1. Aqueça bem uma frigideira grande em fogo alto. Tempere o peixe com sal e pimenta (não muito, pois a harissa já tem os dois) e coloque na frigideira, pele para baixo, cozinhando por 3-4 minutos, sem mexer.Se estiver grudando, é porque a pele ainda não est[a crocante o bastante. Vire o peixe e cozinhe por mais alguns minutos, Não passe do ponto.
  2. Coloque uma colher do purê no centro do prato. Espalhe um pouco de rúcula por cima. Coloque o filé de peixe em cima. Tempere-o com suco de limão e uma colherada das beterrabas ao gengibre por cima e em volta do peixe. 

E então foi chegando o Natal. Enquanto meus pais estavam aqui, eles conseguiram participar da compra da árvore e da colocação dos enfeites. E assim que eles foram embora, o calor se foi e começou a nevar outra vez. Uma neve forte e intensa, que deixou tudo muito branco por muito tempo, e as crianças ficaram empolgadas em ter um Natal com neve. 

De repente, os biscoitos, os pães, os assados, as frutas secas, tudo fez sentido. Ao olhar do lado de fora da janela e perceber que no meio daquele mundo monocromático e dormente, apenas o verde dos pinheiros, evergreens, surgia, você entende o por que de trazer para dentro de casa um símbolo de que nem tudo morreu e aquele não é o fim. São as únicas árvores com folhas, onde os pássaros encontram proteção, e é só aproximar-se de um deles para ouvi-los cantar, em bandos imensos. Fiquei pensando nas crenças pagãs, no mundo antigo lidando com o inverno. 

Na vida moderna, no entanto, o Natal é igual em qualquer lugar do mundo. As decorações, o consumo desenfreado, o frenesi dos presentes, das festas de fim de ano de empresa, os amigos secretos, as promoções nas lojas, os papais-noéis fajutos de shopping centers, o lanche comunitário da pré-escola, a apresentação de música do primeiro ano, o trânsito louco de feriado, a pressão psicológica para a produção de momentos perfeitos e memoráveis.

Verdade verdadeira, eu estava exausta demais para aproveitar qualquer coisa do Natal.

Quando meus pais foram embora, me senti na obrigação de voltar à rotina e aos meus rituais, para não sentir tanto o baque da saudade. Meus pequenos rituais importantes que me trazem conforto. Como voltar da escola de manhã e tomar meu Chai e meu iogurte com frutas antes de começar qualquer outra atividade.

Maçã ralada, pedaços de pera, iogurte, linhaça, sementes de abóbora e mel.

Quando eu achava que retomaria a rotina normal da casa para me preparar para o fim do ano, veio o frio e a neve de uma vez por todas, de verdade agora, trazendo toda uma série de novidades com as quais me adaptar. 

  1. Não, não dá para confiar nas crianças. Elas saem sem luvas, sem fleece, botam tênis no lugar da bota de neve e regata embaixo do casaco. Tem que ficar monitorando cada peça de roupa que eles vestem. E tem um montão de peças. E tem que ver se eles voltaram da escola com todas elas. Thomas perdeu 2 gorros e um par de luvas na primeira semana (e enquanto escrevo isso descubro que mais um par de luvas se foi para o buraco negro do lost and found da escola).
  2. Neve tem diferentes texturas. Quando acaba de cair, é fofa, faz barulho de polvilho quando pisada, e te dá a sensação de andar em areia branquinha de praia. Depois de um tempo já acomodada, ela fica com cara de açúcar de confeiteiro, e conforme vai compactando, vai virando uma enorme pedra de gelo que escorrega pra chuchu. Conforme ela derrete nas calçadas por causa do sal, ela pode congelar de novo numa película de gelo que é como azulejo de cozinha ensaboado, ou formar uma lama com cara de raspadinha derretendo, que é bem como andar na lama mesmo: seu pé gira e desliza para fora a cada pisada. Ou seja, depois de um dia andando nisso tudo, você descobre dor em músculos que não sabia que tinha.
  3. Frio cansa. Seu corpo gasta muita energia para te manter quente. Quando você tem que esperar 30 minutos em pé do lado de fora entre a saída da escola da filha mais nova e a do filho mais velho, acrescido do tempo que eles querem gastar brincando na neve depois da aula, não há pilha que dure.
  4. Tudo demora o dobro quando tem neve. Seja porque você acaba andando mais devagar, seja porque você tem que ficar berrando pros seus filhos pararem de brincar com a neve ou eles chegarão atrasados à escola.
  5. Criança parece meio daltônica pra neve: você fala pra ela brincar só com a neve branquinha do parque, mas ela insiste em se jogar na neve cinzenta da beira da calçada, no slush preto do asfalto, e até na neve amarela, que você deve bem saber do que se trata. É virar os olhos e tá lá seu filho lambendo o poste gelado. É uma atrás da outra.
  6. Fim de ano é fim de ano em qualquer lugar do mundo, e se no Brasil eu já não conseguia mais relaxar para o Natal com as crianças de férias, verão, aquilo tudo, aqui que as aulas vão até dia 23 de dezembro, com evento na escola à noite, um milhão de reuniões com professores, meus dois dias de voluntariado na escola, lição de casa, cachorro, lanche comunitário de um, passeio de outro, preparação para receber a sogra, tudo regado a neve e slush e criançada tão cansada e histérica quanto você... simplesmente não sobrou muito espírito natalino dentro de mim.
Eu só queria férias.

Então não me coloquei muita pressão a respeito das comidas do Natal. Assim como ano passado, fui fazendo conforme dava vontade. Então saíram os Spekulatius de sempre na primeira semana de dezembro, como todo ano. As crianças se divertiram tanto cortando os biscoitos que decidi que só faria cut-out cookies. Eles pediram Gingerbread Men, então fui atrás de boas referências de receita: e a Deb, do Smitten Kitchen, recomendava muito bem os da Martha Stewart. E, de fato, a recomendação vale. Um dos MELHORES GINGERBREAD MEN que já fiz e comi, senão o melhor. Também fiquei com receio da quantidade astronômica de especiarias, mas a verdade é que elas tornam o biscoito realmente especial. Quando, na semana seguinte, fiz o Gingerbread finlandês da Tessa Kiros, eles empalideceram em comparação aos da Martha. Mesmo já tendo passado o Natal, recomendo. Você sempre pode fazer como eu fazia: assava gingerbread em formatos não-natalinos em julho e agosto, no inverno brasileiro, quando as especiarias faziam mais sentido para o meu paladar.
 

Dona Martha, na verdade, tem sido grande companheira nesse inverno. A única revista de culinária que guardei e trouxe durante todo esse processo de mudança foi uma Food Everyday - Holiday Baking edition, da titia Martha. Ao contrário de muitos livros de cozinha que eu tive na vida, eu realmente queria cozinhar TUDO daquela mini revistinha, e tudo o que eu já fizera ficara muito bom. Dele preparei Chocolate Shortbreads no dia do evento de Natal da escola. Tendo horário para sair, as crianças pedindo para experimentar o biscoito ainda esfriando na grade, não tive dúvida: coloquei a forma quente na varanda e contei cinco minutos. Estava -12oC lá fora, mais frio que meu freezer, e rapidinho os biscoitos ficaram frios para serem cortados. Só fiquei de olho para não ser assaltada por uma gaivota passante.

Também preparei o Applesauce Cake da revista. Com aquela infinidade de maçãs consumidas, eu tinha miolos de fruta para um galão de geleia. Mas nunca tendo preparado tanta geleia de uma vez, ela não pegou o ponto, e ficou meio molengona. Usei as duas xícaras restantes da geleia molinha no lugar do applesauce e obtive um bolo muito muito fofo e gostoso. Lembrando que Applesauce nada mais é que purê de maçã.



Outro bolo muito, muito, MUITO bom foi o Fresh Ginger Cake. Foi difícil achar um melado saboroso como o do Brasil, pois os daqui quase todos têm gosto de queimado e textura de graxa. Esse é um bolo que não vejo a hora de fazer de novo. Ele é muito fácil e deveria ter crescido lindamente, não fosse o fato de eu ter ficado no papo com a minha irmã pelo Skype e o forno ter aquecido além da conta. Mesmo afundando, o bolo ficou fantástico. :D

Para a ceia a ideia era manter simples e sazonal, e Allex teve a ideia de irmos ao St. Lawrence Market, o "Mercadão" de Toronto, e comprar uma carne já preparada de um dos lindos açougues por lá. Compramos Peameal Bacon feito com açúcar mascavo e um outro, cru, para tentarmos fazer outro dia. Esse segundo, que achei que ficou mais gostoso, foi regado com uma calda de Maple Syrup, mostarda de Dijon  e alecrim, um glaze que deve ficar delicioso no tender brasileiro. Batatas e rutabagas assadas para acompanhar e couves de bruxelas braseadas que, estavam tão fresquinhas que passaram do ponto mais rápido do que a receita previa. Ficaram muito moles, mas ficaram bem gostosas.

Coisas gostosas compradas no St Lawrence Market
Peameal bacon, brussel sprouts, roasted potatoes and rutabagas amd apple sauce.
Depois que o natal passou, preparei o panforte da Alice Medrich, empolgada por finalmente ter um forno que assa as coisas a temperaturas menores que 180oC, ao contrário do meu forno no Brasil. Também dei pulinhos de alegria por uma coisa muito besta: o papel-manteiga daqui DE FATO não gruda. Não precisei correr atrás de papel-arroz para forra a forma do panforte. Segui a receita, usando o papel-manteiga untado, e ele desgrudou sem a menor dificuldade. Às vezes não sei como posso ser uma pessoa tão complicada, se coisas tão simples me deixam tão feliz. Vai entender.

O tempo todo em que minha sogra esteve aqui a temperatura despencou. Quando chegou a -20oC, ficamos cautelosos, mas o frio (e meu marido ansioso em aproveitar as férias) não nos impediu de sair. Fomos ver o lago congelado, fazer trilha com snow shoes, descer morros de trenó e andar no parque. Quando chegou a -30oC, no entanto... Alguém tinha que passear o cachorro. E lá fui eu, apenas olhinhos de fora. Não precisa sequer ventar. O ar é tão gelado que sua primeira respiração do lado de fora faz seu nariz congelar e grudar por dentro. Você olha para aquele céu azul sem nuvem nenhuma e não acredita que está tão frio. Tão frio que as nuvens não se formam. Qualquer pele exposta simplesmente dói. Enrolei meu cachecol em volta do rosto até cobrir o nariz, puxei o zíper do casaco até o alto (ele cobre minha boca) e acomodei o capuz com peles o mais por cima da testa que pude. E saí. Lá fora, não se via ninguém que não PRECISASSE estar lá. No parque, meia dúzia de cães e seus donos passeavam, os cães felizes e contentes, afundando na neve e brincando com galhos, os donos encolhidos, mãos segurando copos fumegantes de café em canecas térmicas. Nos parabenizávamos com o olhar por sermos tão bravos e intrépidos, enfrentando o frio por nossos amigos peludos. O frio é assim: parou, congelou. Enquanto Gnocchi e eu nos movêssemos, estávamos bem. Andávamos, pés afundando na neve, silêncio absoluto à nossa volta, nenhum animal selvagem, nenhum passarinho à vista. Depois de uns dez minutos caminhando, eu finalmente sentia minhas mãos quentes outra vez. Pois roupa térmica tem disso: ela não esquenta, ela só mantém o calor. Se seu corpo está frio, ele continuará frio. Precisei começar a gerar calor no corpo para que as luvas cumprissem seu papel e mantivessem aquele calor ali dentro. Enquanto isso, minha respiração quente condensava na lã do cachecol e nos pelos do capuz, e imediatamente congelava, criando minúsculas estalactites penduradas em frente aos meus olhos.


Foi uma experiência e tanto.

E quando, no dia seguinte à partida de minha sogra, a temperatura voltou a ZERO graus, parecia verão. Sensação gostosa no rosto, cabeça sem gorro, casaco meio aberto, calça jeans sem calça térmica por baixo. Referência é tudo na vida. Aquele dia de sensação de -17oC que descrevi em outro post, do vento como apanhar com um bacalhau congelado? Nada. Tranquilo. Sossegado. Passou. Nos próximos dias a temperatura deve despencar de novo, mas agora já sei no que estou me metendo.



Há um mês atrás, tive uma conversa rápida de porta de escola com a mãe croata de uma colega da Laura. E ela me disse: só sofre no inverno quem fica dentro de casa. E isso é verdade. Não se pode ter medo do frio. Conheço gente que ficou o recesso de natal inteirinho trancafiado dentro de casa, com medo daqueles -20oC. Você tem que dar a cara a bater para aquele bacalhau congelado, se agasalhar DIREITO, com ROUPAS APROPRIADAS, e ir brincar na neve. Porque uma das coisas mais legais daqui, é que adulto tem permissão para brincar. A gente o morro de trenó com filho ou sem filho, faz boneco de neve, se mete no meio do mato, cutuca o gelo do lago com galho, faz castelo de areia na praia cheia de neve. Depois que você pega a manha da parte chata do inverno, que é o slush, que é o cansaço, que é o tira-e-põe infinito de bota e casaco e a sujeirada que invade invariavelmente sua casa - e depois que dá uma relaxada com a porcariada que as crianças fazem com neve suja e poça preta - o inverno é tão divertido quanto o verão. Só requer cuidados específicos.

No último dia com neve, antes da temperatura subir e o gelo começar a derreter, fui buscar as crianças com o trenó debaixo do braço e uma caneca térmica cheia de Chai fumegante. Laura brincou com os colegas nos morrinhos da escola enquanto esperávamos Thomas, e assim que ele saiu, fomos ao parque mais próximo para brincar. Fazia 0 graus. Começou a chover leve. Ficamos ainda uma hora debaixo da chuva, rolando blocos imensos de gelo morro abaixo. Havia mais duas ou três famílias fazendo o mesmo. Vendo a pimpolhada se divertir enquanto eu me aquecia sob a chuva com minha bebida quentinha, senti que havia passado no teste de admissão canadense.

No dia seguinte, o que encontrei na escola foi o que parecia um pátio imenso coberto por raspadinha de limão derretida. :P Esperemos pela próxima neve, que eu e minha caneca térmica estamos prontas.


 




quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Frio, mexilhões, minhas tralhas, minha cozinha

Mexilhões com tomate. Simples, bom e barato. Morri de orgulho da criançada pedindo mais e mais.
Numa manhã, tomávamos café à mesa sob a janela, e fomos surpreendidos por uma mancha escura no céu, sobrevoando o prédio e se afastando em direção ao sul. De todos os lados, vimos pontos negros surgindo de trás das árvores, dos prédios, das casas, e se unindo àquela massa de pássaros.

"Os gansos foram embora", eu disse, em mono tom, anestesiada por aquela visão.

Houve um momento de empolgação por aquela demonstração da natureza. Mas o que restou, conforme terminávamos nossas panquecas e sentíamos o café esfriando no fundo da xícara, foi uma estranha sensação de abandono. Como o silêncio antes da tempestade.

Alguns dias depois, os corvos chegaram.

Dois anos antes, em nossa visita a Vancouver, eu havia ficado impressionada pela quantidade de corvos na cidade, na mesma proporção de pombas em São Paulo, e surpreendi-me ao chegar a Toronto durante o fim do verão e não encontrar nenhum deles.

E ei-los aqui agora. Pretos, imensos, empoleirados sobre os semáforos, sobrevoando os parques de árvores desfolhadas, grasnando alto seu chamado metálico como o cinza das nuvens que acobertam o céu, buscando naqueles que não fugiram do inverno seu alimento.

Veio a primeira neve e um frio inesperadamente intenso, recorde de temperaturas baixas para esta época do ano, e lá fomos nós para a rua, empacotados como presentes, sentindo o vento cortante no rosto, em direção à escola.

-17oC.

Frio.


O vento. Havia ouvido falar do vento, mas você só entende quando o sente, como uma parede gelada a ser transposta. Ou, como brinquei com amigos, como se alguém espancasse você constantemente com um bacalhau da noruega congelado.

Thomas escorrega no chão gelado e aterrissa em cheio sobre o bumbum. Ainda bem, a calça de neve é fofinha e ninguém se machuca. Eu patino um pouco sobre a mistura de folhas e gelo na calçada perto da escola. Gnocchi tenta me puxar para o lado, derrapa e espatifa o focinho na neve.

Quando chegamos à escola, sou surpreendida pelo clima alegre. Não se vê ninguém amuado nos cantos, encolhido, tremelicando. Todas as crianças correm pelo pátio, fazem bolas de neve, divertem-se com a fina cobertura branca no playground. Olho para o lado, e Laura está deitada, rindo, agitando braços e pernas, fazendo um anjinho naquele um centímetro de neve que jaz sobre o chão de cimento.

Quando as crianças entram na escola quentinha, Gnocchi me puxa para o parque em frente, alucinado. Solto sua guia e ele corre feliz sobre a neve, calda em riste de alegria, latindo e me chamando para correr atrás dele; e ao fazer isso, aqueço um pouco mais meu corpo e me dou conta de que aquele cão, descalço e desagasalhado, está sequer tremendo sob a sensação térmica de -17oC. Evoluída sou eu, certo? que tenho de gastar os tubos em casacos e botas e luvas e camadas de blusas e calças térmicas para não congelar, e lá vai o Gnocchi, rolando no gelo contente. Ok, então.

Volto para casa e preparo um Chai bem quente, aquele chá preto com especiarias, leite e açúcar mascavo. Uma xícara imensa, que ganhei de presente de aniversário do marido junto de chás especiais, um kettle e o livro novo do Neil Gaiman.

O kettle é um apetrecho muito útil por aqui. É vantajoso ter algo que esquente água mais rápido e usando menos energia, uma vez que o fogão é elétrico. Além do kettle, repus também rapidamente meu processador de alimentos e minha batedeira. Como disse no post anterior, foi muito bonito isso de tentar viver uma vida simples com uma tigela e uma colher de pau, mas quando o assunto é facilitar minha vida para prover as refeições da família em casa, na escola e no trabalho, não tive dúvidas e corri atrás dos meus queridos eletrodomésticos.

No restante da cozinha entretanto, as coisas de mantiveram mais acomodadas no reino da simplicidade. Como agora tenho poucos livros de cozinha, foi possível sentar e folheá-los e ter uma noção mais exata do que eu de fato precisava. Basta de ter uma forma especial para uma receita só.

Compramos louça na Ikea apenas para o realmente necessário.

E para o baking em geral, apanhei numa loja:

  • UMA assadeira bem grande de bordas baixas, onde asso legumes e faço minha pizza retangular toda sexta-feira.
  • UMA forma retangular de 23x33x5cm, onde faço bolo, lasanha, barrinhas, o que for; ou seja, faz as vezes de travessa também.
  • DUAS formas de pão de 23x13x8cm, que fazem pão de forma grande o bastante para bons sanduíches.
  • DUAS formas de bolo inglês de 22x10x8cm, porque quase todas as receitas de bolo inglês que tenho fazem dois bolos, e congelar um para outro dia é sempre esperto.
  • UMA forma redonda de aro com mola de 23cm, para bolos e cheesecakes.
  • UMA forma de 22x5cm para bolos em geral (dava para usar a de mola para tudo, mas bolos de massas muito líquidas correm o risco de vazarem).
  • UMA forma de muffins com 12 cavidades.
  • UM refratário de vidro quadrado de 20cm, para brownies e qualquer outra coisa, na verdade.
  • UM prato refratário de vidro para tortas de 23cm, que pretendo usar para quiches também.
  • E a forma de furo no meio, com capacidade para 12 xícaras, velha, riscada e amassada, roubada da minha mãe; essa forma que fez todos os bolos de cenoura da minha infância.


Também me arranjei um jogo de 8 tigelas de vidro refratário que se encaixam uma na outra, economizando espaço no armário: a maior sendo perfeita para fermentar receita dupla de pão, e a menorzinha, sinceramente... não imagino ela servindo para nada além de separar algum ingrediente delicado em pequena quantidade - é tão pequena, na verdade, que virou piada aqui em casa, a mini-mini-mini-mini-mini-tigelinha. Mas todas as outras entre esses extremos têm sido diariamente usadas para misturar ingredientes, separar ovos, derreter manteiga, ou simplesmente guardar restos na geladeira.

Comprei-me aqui um raspador de massa, colheres e xícaras medidoras, uma jarra de vidro medidora, duas espátulas de silicone, um descascador de legumes, e um único fouet, pois meu antigo ficou com minha mãe. Mas trouxe duas colheres de pau, as únicas que sobraram da minha coleção: uma pequena, presente de minha cunhada, e uma grande, boa para mexer polenta e panelões cheios. Fora isso, na viagem para apanhar o Gnocchi, trouxe na mala minha máquina de macarrão, presente de minha mãe quando casei, a máquina alemã de Spaetzle, presente da minha sogra, e meu passa-verdura, que uso para fazer desde geleia de maçã até purê de batatas.

Só que de todos os utensílios de cozinha comprados aqui, o que mais gostei foi meu rolo de massa: inteiriço, bem comprido, com extremidades que afunilam. É o melhor rolo que já tive, infinitamente mais fácil de usar do que aqueles que giram sobre um eixo.

É lógico que estar num ambiente novo, numa cidade nova, num país novo, deixa você desnorteado. E minha cozinha com certeza passou por esse processo. Primeiro, encantada com os ingredientes à disposição que eu sempre cobiçara lá no Brasil, saí metendo os pés pelas mãos e comprando mais do que o necessário, tentando fazer todas as receitas de uma só vez. Animei-me com a biblioteca do bairro e saí retirando livro de cozinha atrás de livro de cozinha, acreditando que prepararia mil pratos de cada um. Sem saber o que era mais barato e onde, perdi dias incontáveis indo a todos os mercados do bairro, várias vezes por semana e saindo de cada um deles mais perdida.

O que aconteceu, no entanto, quando voltei da viagem do Gnocchi, foi que fiquei doente. Um bocado doente. Todo o stress dos meses anteriores parecia ter finalmente atingido seu ápice naquelas duas viagens internacionais em menos de cinco dias, e na tensão de embarcar meu melhor amigo numa gaiola. Meu sistema imunológico explodiu enfim, quando pus os pés em casa, e passei quase vinte dias me sentindo um lixo.

E esses vinte dias me fizeram pensar mais um bocado.

E eu olhei para aqueles livros emprestados da biblioteca e concluí que essa fase havia passado. Que eu não queria fazer nada complicado, que eu não queria correr até o outro lado da cidade para um ingrediente especial, e que eu não tinha mais paciência para comida que não tivesse gosto de comida de pai e mãe. Devolvi todos os livros.

E cansei dessa correria por preço baixo em supermercado longe. Noutro dia, encontrei um casal conhecido no metrô. Eles estavam indo até um mercado umas duas estações para leste, pois o frango lá era muito mais barato. Fiquei pensando que eles estavam gastando pelo menos 12 dólares indo e voltando de metrô os dois juntos, e que provavelmente isso cobriria a diferença de preço entre o frango do mercado lá longe e o daqui da vizinhança. Fora o tempo. Tempo é precioso.

Resolvi que iria apenas uma vez por semana ao mercado. Porque qualquer mercado aqui é a quinze minutos à pé de casa. Levo o cão comigo, passeamos juntos, e resolvo a compra da semana no mercado orgânico, comprando apenas o que está em promoção, e o que falta, no mercado barato, vinte minutos na outra direção, onde também tem a padaria de que gosto, a biblioteca, a farmácia, a loja a granel e a loja de bebidas.

Tudo resolvido num dia só. A gente cozinha com o que tem. Se os ingredientes não se encaixam em nenhuma receita, a gente inventa. E se faltar alguma coisa, ok, eu pego na semana que vem. Basta de pulinhos no mercado, que eu perco tempo e gasto dinheiro.

A gente se vira com o que tem: conchiglie com broccoli salteado no alho, azeite e pimenta calabresa. O parmesão tinha acabado, então fiz o que os italianos pobres do sul faziam: dourei farinha de rosca caseira em azeite, alho e salsinha (usei um filé de anchova amassadinho junto para trazer o umami do queijo), e polvilhei por cima no lugar do parmesão. 

Isso começou a me dar mais tempo para respirar, e um norte na cozinha. E percebi que fico empolgada com coisas bestas como receber por email o flyer com as promoções do mercado orgânico  para a semana. Sento no domingo, analiso o flyer, e escolho umas duas ou três receitas-chave para preparar na semana seguinte. Há sempre uma carne e um peixe interessante em promoção. E tenho me aproveitado disso, pois como aconteceu nos últimos anos, meu vegetarianismo parece hibernar durante o tempo frio, e meu lado carnívoro aflora.

Quem quer comer salada enquanto faz -5oC lá fora? Eu não.

Pense num almoço bom. :)
Comecei a trocar as saladas dos meus almoços solitários por torradas com verduras refogadas ou variações sobre o tema. Num dia em que achei inhame no mercado, descasquei-os, ralei-os na parte grossa do ralador, e apertei-os em forma de panquequinhas na frigideira bem quente com manteiga, até que as panquequinhas dourassem. Assim, um inhame virou uma panqueca. Num dia, cobri com folhas de beterraba refogadas em alho, azeite, uma folha de louro e uvas passas. Polvilhei com salsinha e hortelã, nozes e queijo feta esmigalhado. Sensacional, e durante a semana toda repeti a receita apenas para mim, até que os ingredientes acabassem.

Numa semana, fiz o dobro da receita de cozido de carne com cenoura da Tessa Kiros, cuja metade congelei. E comprei Vermelho para preparar no forno com tomates e servir com arroz, e seis filés renderam bastante para o jantar e para levar de almoço no dia seguinte. Faço o dobro de molho de tomate para a pizza de sexta, pois o o molho que resta cobre macarrão cozido de manhã para o almoço da segunda.

Já tinha preparado isso antes no Brasil, mas a carne aqui me pareceu mais marmorizada e mais maturada, então ela dourou mais fácil e ficou extremamente macia. Melhor picadinho que já fiz. As batatas, bem cerosas e de polpa clarinha, produziram um purê branquinho e delicioso.
Há sempre um saco de 3 libras de maçãs diferentes em promoção no mercado, e levo quase que um por semana para casa. As abóboras do Halloween renderam não só decoração, mas uma Pumpkin Pie devorada em dois dias, e meia receita extra de massa de torta no meu freezer. No mesmo dia do cozido de carne, descongelei a massa, abri, e recheei com as maçãs, poquíssimo açúcar (as maçãs Gala estavam bem doces), canela, noz moscada e manteiga, e fiz uma galette para a sobremesa, bem rústica e de improviso.

O novo saco de maçãs, Golden Delicious, está virando barrinhas de maçã e aveia, receita de um dos livros do Magnolia Bakery. Claro que a receita pedia uma lata de apple pie filling, e claro que eu fiz meu próprio recheio (4 xícaras cheias de maçãs descascadas e fatiadas + 1 colh (chá) canela + 1/3 açúcar + 3 colh (sopa) amido de milho cozinhando na panela em fogo baixo apenas até a maçã soltar um pouco de líquido, a maçã amaciar e o amido engrossar - deixe esfriar completamente antes de usar). Thomas anda numa fase em que se recusa a comer frutas no lanche da escola, então saio metendo frutas nos snacks que posso produzir em casa.

O que sobrou de purê de abóbora virou Pumpkin Spice Muffins para levar para a escola, que Thomas me ajudou a fazer, empoleirado no banquinho da cozinha. Nenhuma receita que achei na internet me agradou, e acabei inventando em cima daquela mesma receita básica de muffin da Martha Stewart do post anterior.

Cavoquei a abóbora, as crianças desenharam as caretas com canetinhas, e eu cortei com uma faquinha.

Depois de cavocar com uma colher e separar as sementes, cozinhei a polpa no vapor até conseguir transformá-la num purê com o passa verdura. Depois coloquei sobre uma peneira grande e fininha, sem apertar, e deixei pingando o excesso de água durante a noite na geladeira. No dia seguinte o purê estava bem sequinho, pronto para usar na torta.

Esta semana, os mexilhões estavam em promoção. Mexilhões lindos assim, em suas conchas negras como os bicos dos corvos, como eu nunca encontrava em São Paulo. Não sei porque, eles vinham sempre fora de suas conchas, sufocados em sacos plásticos. E eu perguntava aos peixeiros como diabos saberia se estavam bons, se estavam fora de suas conchas. E eles nunca sabiam me responder. Esses vieram fresquíssimos. De 4kg, acho que 4 conchinhas foram para o lixo, quebradas. Os outros moluscos espiavam por dentro das conchas abertas, e quando lhes tamborilava os dedos, toc-toc-toc, eles se fechavam rapidamente. Um truque que fez sucesso com a pimpolhada.

Da próxima vez vou fazer assim para as crianças. :)

O jantar foi um panelão de mexilhões com tomate e fatias de pão. Thomas passou o alho sobre as fatias e as colocou sobre a grelha, e depois me ajudou a colocar os mexilhões cuidadosamente na panela. As crianças se refestelaram. Tanto, que tive medo de que tivessem dor de barriga. Afinal, comemos em três uma porção para seis pessoas. Allex preparou um miojo, pois durante quinze anos juntos, eu não sabia que ele não podia nem com o cheiro dos mexilhões. Uma pena, pois estava delicioso. Guardei uma porção extra de mexilhões ainda vivos para meu almoço no dia seguinte, e os preparei gratinados, e ficaram ainda melhores.

E assim as coisas vão caminhando e se encaixando, e eu vou reencontrando o simples na minha cozinha, e o conforto, e a rotina, lembrando de não estressar demais com nutricionismos, e simplesmente relaxar e preparar comida gostosa de comer. Agora que toda a burocracia da mudança está resolvida, basta deixar a vida terminar de se assentar em seu novo local.

Depois daquele dia gelado, as temperaturas subiram de novo. Peguei-me passeando o cão à noite na chuva fininha, a 8oC, e falando para o marido que "estava uma noite gostosa para passear". Ou comentando de manhã com as crianças, ao ver os 3oC marcados no aplicativo do celular, que "não precisa botar muito agasalho porque o dia está mais quente". Referência é tudo na vida.

Que venha o inverno gelado. Que eu sei que assim que estivermos confortáveis, vem toda uma nova adaptação ao frio mais intenso, à neve que não derrete nunca, ao vento absurdo. Mas tudo bem. Respira fundo e encara a bucha. Vou continuar caminhando até o mercado, Gnocchi ao meu lado, contente em apanhar meu cream cheese sem gomas, as maçãs de um tipo que nunca provei, a carne de boizinho sem antibiótico em promoção. O bom do frio é que o sorvete não derrete no caminho. Só fico com um olho no céu para os corvos à espreita. Esse bife é meu, sai prá lá. Opa, um olho no chão também para não escorregar no gelo de bunda no chão. 

ZUPPA DI COZZE (Mexilhões em caldo de tomate)
Do livro Twelve - A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros).
Rendimento: 6 porções

Ingredientes:

  • 1,5kg mexilhões em suas conchas
  • 3 colh. (sopa) azeite de oliva
  • 3 dentes de alho, descascados e picados, + 1 dente extra para esfregar no pão
  • pimenta calabresa à gosto
  • 1 maço pequeno de salsinha, picado
  • 1 lata de 200g de tomate pelado, com seu suco, transformado em purê
  • pelo menos 6 fatias grossas de pão italiano ou de casca grossa e crocante


Preparo:

  1. Lave cuidadosamente em água fria corrente os mexilhões, tirando qualquer sujeira grudada nas conchas. Se houver barba, segure, e com movimentos para cima e para baixo, arranque-as. Jogue fora qualquer mexilhão que esteja aberto e não feche sua concha ao ser cutucado. Os outros, coloque numa tigela, cubra com um pano úmido e deixe na geladeira até a hora de usar. 
  2. Aqueça o azeite numa panela grande. Junte o alho, a pimenta e metade da salsinha.
  3. Quando o alho perfumar, junte os tomates e cozinhe por 5-10 minutos, até apurar um pouco. Tempere com sal e pimenta do reino
  4. Junte os mexilhões, misture bem, aumente o fogo e tampe. Cozinhe por cerca de 6 minutos, ou até que os mexilhões tenham aberto suas conchas. Descarte qualquer um que tenha permanecido completamente fechado. 
  5. Polvilhe o resto da salsinha. 
  6. Grelhe o pão e esfregue o alho em sua superfície quente e dourada. Sirva o pão acompanhando os mexilhões e seu caldo, imediatamente.   


COZZE GRATINATE (mexilhões gratinados - lembrando que gratinar não quer dizer derreter queijo por cima, ao contrário do que o povo acha)
Do livro Twelve - A Tuscan Cook Book, de Tessa Kiros.
Rendimento: 6 porções - fiz uma porção só para meu almoço, mas vale a pena ter a receita inteira para fazer

Ingredientes:

  • 1kg mexilhões em suas conchas
  • 1 maço médio de salsinha, picado
  • 4 dentes de alho, descascados e picados
  • 100g (1xic) farinha de rosca caseira
  • 4 colh (sopa) de azeite + extra para regar
  • Fatias de limão


  1. Preparo:
  2. Lave cuidadosamente em água fria corrente os mexilhões, tirando qualquer sujeira grudada nas conchas. Se houver barba, segure, e com movimentos para cima e para baixo, arranque-as. Jogue fora qualquer mexilhão que esteja aberto e não feche sua concha ao ser cutucado. Os outros, coloque numa tigela, cubra com um pano úmido e deixe na geladeira até a hora de usar. 
  3. Pré-aqueça o grill do forno ou ligue o forno na temperatura máxima.
  4. Coloque os mexilhões numa panela grande, ligue o fogo alto, tampe e cozinhe por alguns minutinhos apenas até que abram. Remova do fogo. Descarte qualquer um que permaneça completamente fechado.
  5. Abra os mexilhões e descarte a concha vazia, mantendo só as metades com os moluscos. Volte-os para a panela, ou para uma travessa refratária se eles não couberem numa camada só na panela.
  6. Misture bem o alho, salsinha, azeite e farinha de rosca numa tigela. Com uma colherinha, distribua a mistura sobre os mexilhões. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Regue com mais um fio de azeite e leve ao forno por 5-10 minutos, até que a mistura de farinha de rosca esteja dourada. 
  7. Sirva imediatamente com as fatias de limão.





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