terça-feira, 20 de setembro de 2016

TV quebrada e soufflé de chocolate

Foto tirada às pressas antes de o soufflé desinflar...
A cabeça anda fervilhando como nunca e tem sido difícil sentar em frente ao computador por tempo bastante para organizar todos os pensamentos. (Acho que há meses começo posts assim.)

As férias escolares foram maravilhosas. Jamais pensei que diria isso, mas sem uma viagem sequer, foram de fato maravilhosas.

Todos tiraram férias juntos: crianças, mamãe e papai, e juntos gozamos da total e completa ausência de compromissos e horários, podendo aproveitar ao máximo o silêncio das manhãs, o sol da tarde, o vento à noite, a grama nos pés, os abraços, os cafunés, as brincadeiras no quintal, as leituras na rede, o fogo crepitando na lareira, as sonecas ocasionais sem hora para acabar.

Foram dias de almoços sem pressa, de explorar trilhas, de aprender a escalar barrancos íngremes, subir em árvores, dias de parquinho, de se pendurar de ponta cabeça, de se escalavrar no asfalto em quedas de bicicleta, de sentar no tapete da sala para ler O Hobbit.

A televisão quebrou no primeiro dia de férias. E o que pareceu um castigo celeste a todos aqueles a quem contei o evento ("Como você vai fazer com as crianças, as férias inteiras sem tv???") revelou-se providencial e transformador.

As crianças aceitaram muito rapidamente a ausência da tv. E entendi que os verdadeiros dependentes necessitados de desintoxicação eram os adultos. Dei-me conta do quanto me apoiava na televisão, Santo Netflix da Paz Duradoura, nos momentos em que julgava que a presença das crianças pudesse ser um estorvo. "Como você vai fazer o jantar com eles correndo em volta?", perguntavam minhas caraminholas. E ficou claro que o único estorvo era a ansiedade que eu cultivava ao ficar presumindo possibilidades de incômodo. Na hora de preparar o jantar, eles sentavam-se à mesa para observar e muitas vezes ajudar. Picavam legumes, rasgavam alfaces, quebravam ovos, mexiam panelas, apanhavam na geladeira os ingredientes que eu requisitava, colocavam os pratos à mesa, os talheres sobre o guardanapo dobrado. Seu interesse era encantador, e enquanto eu não pretendesse ter pressa em terminar o processo, tudo fluía divertidamente como um comercial da tv quebrada. Em outras ocasiões, eu me via cozinhando em silêncio ou conversava com meu marido e as crianças permaneciam desaparecidas em algum canto da casa, imersas em suas brincadeiras e completamente alheias à nossa presença e o que quer que estivéssemos fazendo.

Não havia estorvo nenhum e rapidamente a ansiedade foi substituída por calma e a certeza de que meus filhos não precisavam ser "distraídos" da minha rotina, mas sim, precisavam participar dela.

Essa calma foi como uma chuva lenta de fim de tarde lavando a sujeira das janelas, e aos poucos meus olhos pareceram começar a enxergar os eventos como eles eram de fato, sem os velhos padrões maculando meu julgamento. Comecei a observar. E ao observar mais, passei a reagir menos.

Num fim de tarde, nos jardins do clube, após nosso piquenique, as crianças chapiscavam os dedos numa pequena fonte de água cristalina com pedras lisas ao fundo. Alguns passantes lançavam olhares de reprovação para aquela interação com o patrimônio do clube, mas eu apenas olhava em silêncio, lembrando-me de como também eu na mesma idade adorava brincar com fontes, e pensando na falta que faz um riacho. Como seria se houvesse um trecho de mato com um riacho limpo, um córrego que fosse, que eles pudessem explorar, enfiar os pés, cutucar as pedras, acariciar o limo, entender a água, fazer experiências e usar toda aquela curiosidade para desenvolver o potencial de seu espírito. Pensei nos parques públicos. Pensei nos lagos sujos. Deixei que enfiassem as mãos na água limpa da fonte até alcançar as pedras do fundo, pois aquele era seu riacho, o riacho de quem vive na cidade.

Naquele instante em que eu parabenizava a mim mesma por ser uma mãe legal (porque a gente sempre faz isso), os dois se viraram para o jardim, apanharam algumas folhas secas e retorcidas e jogaram na fonte. Meu corpo todo retesou-se e ergui um dedo acusador em sua direção, mas por algum motivo minha boca permaneceu aberta, as palavras duras de repreensão flutuando entre a língua e a garganta, sem soarem moralismos, vergonhas, lições de bom comportamento. E por um segundo, um micro segundo, observei. E naquele micro segundo meus filhos abriram sorrisos largos e ergueram seus olhos grandes e incandescentes de alegria para mim, e disseram: "Olha, mamãe! São barcos!!" E aqueles barcos carregaram sementes que eram bichos e flores que eram pessoas, através de um oceano vasto e cheio de perigos, enfrentando ondas e dragões marinhos, naquele espelho d´água de noventa centímetros, o grande oceano da cidade grande, o portal mágico para um mundo fantástico que poderia ter se arruinado e fechado para sempre ao mero soar de um retumbante "NÃO!".

Meu corpo relaxou, recolhi meu dedo, engoli meu julgamento e minha boca aberta sorriu, enquanto acompanhava a brincadeira. Houve mais olhares reprovadores em volta, mas não me importei. Quando outro elemento aleatório atraiu seu interesse, suas mãozinhas recolheram as folhas molhadas e as devolveram ao jardim sem que eu precisasse dizer nada, e enquanto corriam para longe, observei o oceano infinito retornado ao seu estado original de fontezinha de jardim, sem qualquer prejuízo ao patrimônio e, principalmente, sem nenhum prejuízo à imaginação das crianças.

Depois desse episódio, comecei a prestar mais atenção. A quebra da tv, que nos desintoxicou do hábito de ficar assistindo a bobagens no YouTube à noite, me jogou de volta aos livros com tamanha força que hoje me orgulho em ter novamente o mesmo ritmo de leitura de dez anos atrás, quando celulares só faziam ligações telefônicas, e uma hora de internet ligada custava uma fortuna. "Aqui e Agora! Atenção!", dizem os pássaros do Aldous Huxley, no excelente livro A Ilha. E é com atenção no Aqui e no Agora que você permanece, às vezes naturalmente, outras vezes, com algum esforço, quando tenta acompanhar as crianças com a mente despida dos antigos padrões e diretrizes que normalmente criam essa verborragia de NÃOs e PAREs.

Ao parar de presumir que as crianças sujarão a fonte, quebrarão os copos, matarão as joaninhas, cairão das cadeiras, cortarão os cabelos das bonecas, ao interromper essa torrente de preocupações e julgamentos, muitas das quais foram incutidas sem razão em nossas mentes por toda uma vida, podemos quebrar o hábito do NÃO irracional, o NÃO e o PARE cuspido sem dar chances à experiência, e de repente damos oportunidade às crianças de navegar barcos, de criar música com uma colher e dois copos com água, de sentir uma joaninha lhes fazer cócegas ao subir por seu braço, de ter a autonomia de pegar uma banana sobre a mesa ficando em pé na cadeira, de aprender a recortar formas sem nome em papéis e explorar a resistência de materiais (inclusive os cabelos da boneca), e colar tudo de volta para criar algo completamente novo. Sua alegria, sua curiosidade, seu olhar refrescante sobre aquilo que para nós é já maçante, torna-se nossa alegria e nossa curiosidade, e rejuvenesce nossa relação com o mundo.

Meu NÃO ficou mais ocasional e ganhou força por conta disso. Minha disciplina tornou-se uma educação mais tranquila e amorosa. Aos poucos tento deixar para trás alguns moldes que me engessavam e engessavam meu relacionamento com meus filhos. Tirei-os da natação depois de uma conversa em que me dei conta de que eles ansiavam pela piscina livre do clube, para brincar, e não queriam mais um adulto lhes dizendo como se mexer na água. Eles já sabem o que fazer se forem jogados dentro d´água, e por enquanto isso basta. Sem ir tanto a São Paulo, agora suas tardes são longas e seu tempo é vasto, e depois da escola não há mais pressa para almoçar nem horário para sair do parquinho.

E no parquinho, enquanto eles brincam na areia, cutucam flores e escalam a rampa do escorregador, eu leio, sem pressa. Mais um livro que me esperou por anos na estante, esperou que eu perdesse o interesse pela internet, pelo celular, pela expectativa dos outros, pela norma imposta de fora. E num dia de parquinho, já passando das cinco, pensei naquele conceito que ouço repetido à exaustão, de que para quem tem filhos o fim de tarde é o pior, pois estamos exaustos e as crianças começam a fazer birra. Conheço isso por experiência, pois foi o que vivi nos últimos cinco anos. Mas não nos últimos meses. Eram cinco e meia e as crianças brincavam, e eu lia meu livro, e havíamos feito uma infinidade de coisas àquela tarde depois da escola, e ainda assim sentia em minha veias uma energia vibrante que me propelia a voltar para casa e fazer o jantar, e ler para as crianças, e brincar mais um pouco e, ao invés de cair moribunda no sofá depois de eles dormirem, continuar produzindo, pintando, conversando, lendo mais. Está claro para mim que a exaustão que senti nos últimos cinco anos partiu de mim mesma e do modo com tentei controlar as coisas à minha volta. Do modo como deixei meus velhos padrões impulsionarem minhas ações e reações sem de fato me permitir estar presente e atenta. Sem me permitir desfrutar de fato da companhia de meus filhos e de tudo o que eles têm a oferecer. Até então eu estava "criando" meus filhos. Agora estamos vivendo juntos.

Naquela tarde, voltando para casa, comecei a preparar as vagens branqueadas e temperadas de muito azeite que acompanhariam um soufflé de queijo. Thomas se aproxima e me diz, como ele sempre diz, escandindo sílabas e colocando toda a tonicidade no início da frase, num tom de novidade e maravilhamento: "VOCÊ NUN-CA FEZ um soufflé de chocolate, mamãe!" Respondi que de fato nunca fizera. "Faz soufflé de chocolate, mamãe? Faz hoje?"

Eu pretendia dizer NÃO. Que faria outro dia. Que o jantar já era soufflé e que não fazia sentido. Mas novamente as palavras se dissolveram na minha boca antes de formarem som. Por que não?

POR QUE NÃO?

É a pergunta que mais figura em minha mente. E quase nunca a resposta se forma. E até minha filha de três anos sabe e repete aos quatro ventos que Porque Não e Porque Sim não são respostas.

Então separei mais ovos e preparei soufflé de chocolate pela primeira vez na vida, assim, de supetão. E descobri que soufflé de chocolate pode ser feito com antecedência, então fiz uma receita inteira e sobrou sofflé de chocolate para comer no dia seguinte também. Também descobri que soufflé de chocolate é perigosamente fácil de fazer e mais ainda de comer, principalmente essa receita da titia Alice Medrich, o que comprova que foi muito certeira a decisão de colocar esse livro de sobremesas fáceis dela na minha lista de Livros Para Levar Para uma Ilha Deserta.

E foi assim que uma tv quebrada nas férias produziu meu primeiro soufflé de chocolate e uma vida mais feliz.

E para quem já me perguntou sobre livros de "Parenting", indico de coração cheio de alegria o livro Calidad de Vida, da alemã Rebeca Wild. Sobre ritmos de desenvolvimento e qualidade de vida. Mudou meu jeito de ver meus filhos, a escola, e mesmo minha infância e minha vida adulta. Se quiser depois ler Vigiar e Punir, do Michel Foucault, será um ótimo contraponto.

SOUFFLÉ DE CACAO
(do sempre ótimo Sinfully Easy Delicious Desserts, da Alice Medrich)
Rendimento: 8 porções em ramequins de 150-180ml.

Ingredientes:
  • Manteiga amolecida e açúcar para os ramequins
  • 1/2 xic + 3 colh (sopa) açúcar
  • 2 colh. (sopa) farinha de trigo
  • 1/8 colh (cha) sal
  • 2/3 xic leite
  • 1/2 xic cacao em pó (sem açucar)
  • 3 colh. (sopa) água
  • 2 ovos grandes, separados + 2 claras
  • 1 colh (chá) extrato de baunilha
  • 1/8 colh (chá) cremor tártaro (se não tiver, 1/2 colh (cha) suco de limão ou vinagre bastam - só é preciso algo ácido para estabilizar as claras)
  • 75g chocolate meio-amargo ou amargo picado finamente ou 1/2 xic chips de chocolate

Preparo:
  1. Coloque a grade do forno no terço inferior e pré-aqueça a 190oC. 
  2. Unte com manteiga todos os ramequins e polvilhe açúcar no interior para recobrir e o fundo e as paredes, descartando o excesso.Posicione os ramequins sobre uma assadeira grande. 
  3. Com um fouet, misture 1/2 xic do açúcar com a farinha e o sal em uma panela pequena. Junte um pouco do leite para formar uma pasta grossa. Então continue adicionando o restante do leite, mexendo para não empelotar.
  4. Ligue o fogo médio-baixo, mexendo com uma colher de pau até que surjam bolhas nas laterais. Então continue cozinhando, mexendo sempre para não pegar no fundo, até que engrosse um pouco, cerca de 2 minutos. 
  5. Despeje a mistura numa tigela grande. Junte o cacau, água, GEMAS de ovo e baunilha e misture para formar uma pasta grossa. Reserve.
  6. Numa batedeira, bata as quatro claras com o cremor tártaro em velocidade média até que picos moles apareçam ao se levantar o batedor. Gradualmente junte as 3 colheres de açúcar restantes, batendo em velocidade alta até que as claras estejam firmes, mas não ressecadas.
  7. Incorpore cerca de 1/4 das claras na pasta de cacau de forma grosseira, para tornar a massa mais leve. Junte o restante das claras e então incorpore rápida e delicadamente com a espátula. Junte o chocolate picado. 
  8. Divida a massa entre os ramequins, até que estejam quase completamente cheios. Nesse ponto, os soufflés podem ser refrigerados por até 24 horas, cobertos com filme plástico. Para assar, basta retirar o filme e ir direto ao forno, deixando uns 3 minutos a mais. 
  9. Asse os soufflés por 12 minutos até que inflem (eles podem rachar no topo)e um palito inserido no meio saia com apenas um pouquinho de massa espessa grudada. Sirva imediatamente. 

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Meditando, fazendo menos, fazendo mais. Mais bolo.


Sexta-feira é dia de fazer bolos.

Depois do almoço, antes mesmo de lavar a louça, ligo o forno, separo os ingredientes da receita escolhida pela manhã e as crianças põem-se a quebrar ovos. E mamãe depois põe-se a catar casquinhas de ovos da massa.

Às vezes é apenas Laura que participa. Às vezes Thomas também. Depende dos planos deles, que eu também não quero forçar ninguém. Mas Laura mesma já fez um bolo de iogurte tantas vezes, misturando tudo sozinha com a colher de pau, que na minha mente esse já é oficialmente o "Bolo da Laura".

Enquanto o bolo assa, eles lambem a tigela e eu arrumo a bagunça toda. E depois arrumo as crianças, com massa de bolo nos cotovelos e no topo das cabeças.

Experimentamos do bolo fresquinho assim que esfria, na hora do lanche da tarde, e eis que há bolo para o lanche da escola na semana seguinte. A não ser que haja biscoitos. Biscoitos andam ganhando do bolo, principalmente esses de gengibre...

E na última sexta-feira o bolo foi de coco. Uma receita deliciosa de Dorie Greenspan que eu nunca preparara, apesar de ter tido esse livro comigo por todos esses anos. O bolo é úmido, macio, de textura compacta, muito perfumado, do tipo que eu como inteirinho sem deixar pra ninguém. A receita original é feita em uma forma de Bundt Cake, e o bolo sai lindo e decorado. Mas eu não tenho mais um forma Bundt. Porque me dei conta de que todas as receitas que haviam sobrado nos livros que ficaram comigo podiam ser feitas na boa e velha (bota velha nisso) forma de bolo com furo que eu surrupiara de minha mãe, e onde ela assara todos os meus bolos de cenoura de infância. Ela é grande, com o teflon gasto e meio amassadinha de cair no chão, mas é ótima e comporta todo tamanho de bolo, inclusive Angel Food Cakes de 9 claras, porque suas paredes são retinhas e não inclinadas.

E no meu processo de simplificação (de novo, porque ele vai e volta, como dá pra ver se você lê o blog todo), coloquei à venda todas as formas de que eu não precisava mais. Porque meus filhos querem um bolo gostoso e não ligam para os desenhos lindos das formas especiais. E hoje em dia, confesso, eu também não.

Ando não ligando mais para muita coisa que costumava me atormentar. E devo isso a meu marido lindo que me lembrou há uns meses atrás que eu deveria voltar a meditar. E assim voltei. Não digo todo dia, porque nada é perfeito. Mas se dia sim, dia não, o efeito já tem sido fantástico. De tal modo que já não me lembro mais do por quê de ter parado um dia.

E num dia, depois de meditar, olhei à minha volta e me veio uma constatação importante. Besta, óbvia, mas importante. Que era importante simplificar. Que era importante me livrar das tralhas. Mas que se minha mente continuasse focando apenas nas tralhas, então eu continuava com a mente apenas nas coisas. E as coisas eram sintomas e não causas. E que mais importante ainda do que simplificar as coisas, era simplificar a cabeça.

Meditar ajuda um bocado a simplificar a cabeça. Porque faz com que você enxergue a vida com mais nitidez. E aquilo que parecia desordenado e caótico de repente se alinha e você consegue discernir o que é importante do que não é, o que é necessário do que é dispensável, o que é evitável do que precisa ser enfrentado.

E percebi que o mais complica nossa vida é a ansiedade. Não é à toa que metade do mundo moderno anda por aí dopado de ansiolíticos. E ao invés de tomar uma segunda taça de vinho à noite para aplacar a ansiedade do meu dia, resolvi reavaliar minha rotina e definir o que diabos me deixava tão ansiosa. Tão ansiosa que eu dormia mal, tão ansiosa que eu não conseguia curtir o tempo com meus filhos, tão ansiosa que eu me sentia improdutiva, inadequada, inquieta, insegura, insatisfeita. O que me trazia tanta palpitação, tanto medo, tanto descontrole que não me permitia aproveitar minha vida.

Começou pequenininho.

Começou pelo celular. Porque vi como meu dia correu tranquilo quando o Whatsapp teve aquela pane de 24 horas. Por um dia inteiro eu não corri para catar o celular toda vez que ele pirlimpimpava do meu lado. Por um dia inteiro não me senti constantemente interrompida.

E foi assim que eu desliguei para sempre todos os avisos visuais e sonoros do Whatsapp, que agora só averiguo quando lembro que ele existe. E o celular passa o dia na bolsa, e não na minha mão.

Outra do celular foi desligar o Pinterest, que agora só existe no computador. Porque a sensação de não ter um tempo quieto para mim, para ler e desenhar, era acachapante. E foi assim que voltei a carregar na bolsa o mesmo Kit Tédio que eu carregava comigo antes de os celulares virarem essa ferramenta de controle nosso e dos outros: um bom livro e meu sketchbook. E daí que quaisquer três minutos livres e estou terminando de ler um capítulo ou rabiscando um transeunte desavisado. E o tempo passa mais rápido, e é mais divertido e mais relaxante do que ficar zapeando o telefone. E é tempo meu. Tempo bom e produtivo.

Rapidamente me vi desligando quase todos os aplicativos existentes no celular que tilintavam, interrompiam, controlavam.

Colocar à venda meu Mac (pois fazendo tudo em tinta eu só o usava para pegar emails) causou outra mudança. O PC que era só do marido veio para meu atelier e agora é dos dois. Pode ser a tela, pode ser o teclado, mas não me sinto menos impelida a passar minhas manhãs fuçando na internet.

E a internet, com a vida dos outros que não é a sua, com a próxima grande novidade de ontem para a qual você já está atrasada, e a impressão de que tudo corre e tudo muda numa velocidade que você, maratonista equilibrando pratos não consegue acompanhar, causa uma ansiedade brutal.

Entro na internet para ver alguma coisa específica. Ler o post de um blog que me inspira a ir cada vez mais devagar. Pegar uma receita. Responder email de um cliente. E eu desligo e vou fazer outra coisa.

E estar mais desconectada tem me feito resgatar a sensação de que a vida é minha. Não é de ninguém mais para olhar nem para viver. E consigo olhar para ela com olhares mais atentos e lentos e interessados no que é só meu e não dos outros. E definir o que eu quero de verdade e não o que eu achava que eu queria porque meu ambiente me empurrava a querer, ou porque meus filhos precisam se encaixar na turma, ou porque alguém pode ter a ideia errada a meu respeito.

Fui cortando da minha rotina todas as as variáveis que me deixavam ansiosa, e mudando aquilo que eu podia mudar. O exemplo mais besta foi ter alterado o horário da natação das crianças. Conversei com os dois e agora eles nadam juntos, e não um em cada horário. Eu tenho 40 minutinhos para tomar um café e ler meu livro e depois temos tempo de sobra para ir ao parquinho e fazer nosso piquenique em algum canto quieto do clube. Laura faz questão de levar várias coisinhas diferentes para o piquenique, pois segundo ela, se tem uma coisa só não é piquenique, é lanche. E mesmo quando tempos compromisso no fim da tarde não é mais correria, sensação de estarmos constantemente atrasados.

Passei todos esses anos ansiosa acreditando que eu deveria fazer mais e mais e mais, inclusive trabalhar mais. Porque a vida é assim, porque as mulheres são assim, e ser mulher é fazer tudo ao mesmo tempo.

Pois um dia me dei conta de que ninguém no leito de morte se arrepende de ter trabalhado pouco, ou de ter passado tempo demais com os amigos. Cada dia meu passa e eu me pergunto se ele foi bom. E meu dia é bom de muitas outras formas que não são apenas trabalhando. Desde que eu esteja mergulhada em cada momento. Sem distrações. Sem pensar onde não estou. No que eu deveria estar fazendo. Ou no que eu acho que eu deveria estar fazendo.

E por isso estou me aposentando dessa tarefa ingrata de equilibrar pratos e correr maratonas, como o mundo faz acreditar que toda (boa) mulher deve ser. E estou escolhendo fazer menos. Muito menos. Para viver mais. Para andar mais de bicicleta e ir mais ao parquinho, para pintar no quintal com guache de criança que não é lavável coisa nenhuma, e colecionar pedras durante o passeio do cachorro, e jogar dominó no tapete da sala, e ouvir música no café da manhã e fazer bolos na sexta-feira depois do almoço.

A vida corre tranquila quando a mente não se distrai do que estamos fazendo. Mesmo que a atividade em questão seja apenas dirigir para a natação. Ou varrer o quintal. Ou começar uma aquarela nova. Ou contar uma história na hora de dormir.
Cansei de pensar no que vem depois ou no que poderia estar sendo enquanto não é. Cansei do resultado. Quero apenas o processo, pois ele é muito mais longo do que o resultado. E quando a cabeça não está no resultado, as falhas são menos duras. E a gente não se estressa tanto quando chega atrasado, e não fica fulo quando queima a geleia de maçã no fogão, quando o bolo gruda, quando tem reunião da escola em dia que você tinha se planejado a trabalhar,  quando simplesmente não deu tempo de terminar aquela pintura hoje.

E ao invés das palpitações e dos medos, na minha mente encontro o silêncio.

E quando paro para pensar no que eu quero, lembro das respostas que eu tinha antes: quero uma casa assim e assado, quero viajar muito, quero expor meus quadros em tal lugar, quero X reconhecimento no meu trabalho, quero um vestido desse jeito, quero uma cozinha daquele modo.

Então chacoalho a cabeça como um risque-rabisque para desfazer esses desenhos antigos. E no meio do caos e da desordem, tudo se alinha. E o que eu consigo enxergar com nitidez é que eu quero uma vida tranquila. E só.

BOLO DE COCO
(Do sempre maravilhoso Baking FRom My Home do Yours, de Dorie Greenspan)

Ingredientes:
  • 2 xic.  farinha
  • 1 colh. (chá) fermento
  • 1 pitada de sal
  • 1 xic. leite de coco (usei caseiro - se tiver separado, mexa bem antes de medir)
  • 4 colh. (sopa) manteiga sem sal (uns 60g)
  • 4 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 2 xic. açúcar
  • 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 2 colh (chá) rum (opcional)
  • 3/4 xic. coco ralado (não adoçado, adoçado, tostado, tanto faz - usei não adoçado)

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Unte a forma de furo no meio ou Bundt com manteiga.
  2. Peneire a farinha, fermento e sal numa tigela e reserve.
  3. Numa panela, aqueça o leite de coco e a mateiga até que a manteiga derreta e reserve para usar ainda morno.
  4. Na batedeira, bata os ovos inteiros e o açúcar até que fique claro, fofo e tenha dobrado de volume.
  5. Junte e baunilha e o rum. 
  6. Reduza a velocidade e incorpore a mistura de farinha, apenas até que a farinha desapareça.
  7. Ainda em velocidade baixa, junte o coco ralado e por último o leite de coco e manteiga mornos, num fio constante. 
  8. Quando a mistura estiver homogênea, derrame na forma e leve ao forno por 1hora ou até que esteja dourado e um palito inserido no meio saia limpo. Deixe esfriar por dez minutos antes de tentar desenformar. 

Cozinhe isso também!

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