sexta-feira, 17 de junho de 2016

Meditando, fazendo menos, fazendo mais. Mais bolo.


Sexta-feira é dia de fazer bolos.

Depois do almoço, antes mesmo de lavar a louça, ligo o forno, separo os ingredientes da receita escolhida pela manhã e as crianças põem-se a quebrar ovos. E mamãe depois põe-se a catar casquinhas de ovos da massa.

Às vezes é apenas Laura que participa. Às vezes Thomas também. Depende dos planos deles, que eu também não quero forçar ninguém. Mas Laura mesma já fez um bolo de iogurte tantas vezes, misturando tudo sozinha com a colher de pau, que na minha mente esse já é oficialmente o "Bolo da Laura".

Enquanto o bolo assa, eles lambem a tigela e eu arrumo a bagunça toda. E depois arrumo as crianças, com massa de bolo nos cotovelos e no topo das cabeças.

Experimentamos do bolo fresquinho assim que esfria, na hora do lanche da tarde, e eis que há bolo para o lanche da escola na semana seguinte. A não ser que haja biscoitos. Biscoitos andam ganhando do bolo, principalmente esses de gengibre...

E na última sexta-feira o bolo foi de coco. Uma receita deliciosa de Dorie Greenspan que eu nunca preparara, apesar de ter tido esse livro comigo por todos esses anos. O bolo é úmido, macio, de textura compacta, muito perfumado, do tipo que eu como inteirinho sem deixar pra ninguém. A receita original é feita em uma forma de Bundt Cake, e o bolo sai lindo e decorado. Mas eu não tenho mais um forma Bundt. Porque me dei conta de que todas as receitas que haviam sobrado nos livros que ficaram comigo podiam ser feitas na boa e velha (bota velha nisso) forma de bolo com furo que eu surrupiara de minha mãe, e onde ela assara todos os meus bolos de cenoura de infância. Ela é grande, com o teflon gasto e meio amassadinha de cair no chão, mas é ótima e comporta todo tamanho de bolo, inclusive Angel Food Cakes de 9 claras, porque suas paredes são retinhas e não inclinadas.

E no meu processo de simplificação (de novo, porque ele vai e volta, como dá pra ver se você lê o blog todo), coloquei à venda todas as formas de que eu não precisava mais. Porque meus filhos querem um bolo gostoso e não ligam para os desenhos lindos das formas especiais. E hoje em dia, confesso, eu também não.

Ando não ligando mais para muita coisa que costumava me atormentar. E devo isso a meu marido lindo que me lembrou há uns meses atrás que eu deveria voltar a meditar. E assim voltei. Não digo todo dia, porque nada é perfeito. Mas se dia sim, dia não, o efeito já tem sido fantástico. De tal modo que já não me lembro mais do por quê de ter parado um dia.

E num dia, depois de meditar, olhei à minha volta e me veio uma constatação importante. Besta, óbvia, mas importante. Que era importante simplificar. Que era importante me livrar das tralhas. Mas que se minha mente continuasse focando apenas nas tralhas, então eu continuava com a mente apenas nas coisas. E as coisas eram sintomas e não causas. E que mais importante ainda do que simplificar as coisas, era simplificar a cabeça.

Meditar ajuda um bocado a simplificar a cabeça. Porque faz com que você enxergue a vida com mais nitidez. E aquilo que parecia desordenado e caótico de repente se alinha e você consegue discernir o que é importante do que não é, o que é necessário do que é dispensável, o que é evitável do que precisa ser enfrentado.

E percebi que o mais complica nossa vida é a ansiedade. Não é à toa que metade do mundo moderno anda por aí dopado de ansiolíticos. E ao invés de tomar uma segunda taça de vinho à noite para aplacar a ansiedade do meu dia, resolvi reavaliar minha rotina e definir o que diabos me deixava tão ansiosa. Tão ansiosa que eu dormia mal, tão ansiosa que eu não conseguia curtir o tempo com meus filhos, tão ansiosa que eu me sentia improdutiva, inadequada, inquieta, insegura, insatisfeita. O que me trazia tanta palpitação, tanto medo, tanto descontrole que não me permitia aproveitar minha vida.

Começou pequenininho.

Começou pelo celular. Porque vi como meu dia correu tranquilo quando o Whatsapp teve aquela pane de 24 horas. Por um dia inteiro eu não corri para catar o celular toda vez que ele pirlimpimpava do meu lado. Por um dia inteiro não me senti constantemente interrompida.

E foi assim que eu desliguei para sempre todos os avisos visuais e sonoros do Whatsapp, que agora só averiguo quando lembro que ele existe. E o celular passa o dia na bolsa, e não na minha mão.

Outra do celular foi desligar o Pinterest, que agora só existe no computador. Porque a sensação de não ter um tempo quieto para mim, para ler e desenhar, era acachapante. E foi assim que voltei a carregar na bolsa o mesmo Kit Tédio que eu carregava comigo antes de os celulares virarem essa ferramenta de controle nosso e dos outros: um bom livro e meu sketchbook. E daí que quaisquer três minutos livres e estou terminando de ler um capítulo ou rabiscando um transeunte desavisado. E o tempo passa mais rápido, e é mais divertido e mais relaxante do que ficar zapeando o telefone. E é tempo meu. Tempo bom e produtivo.

Rapidamente me vi desligando quase todos os aplicativos existentes no celular que tilintavam, interrompiam, controlavam.

Colocar à venda meu Mac (pois fazendo tudo em tinta eu só o usava para pegar emails) causou outra mudança. O PC que era só do marido veio para meu atelier e agora é dos dois. Pode ser a tela, pode ser o teclado, mas não me sinto menos impelida a passar minhas manhãs fuçando na internet.

E a internet, com a vida dos outros que não é a sua, com a próxima grande novidade de ontem para a qual você já está atrasada, e a impressão de que tudo corre e tudo muda numa velocidade que você, maratonista equilibrando pratos não consegue acompanhar, causa uma ansiedade brutal.

Entro na internet para ver alguma coisa específica. Ler o post de um blog que me inspira a ir cada vez mais devagar. Pegar uma receita. Responder email de um cliente. E eu desligo e vou fazer outra coisa.

E estar mais desconectada tem me feito resgatar a sensação de que a vida é minha. Não é de ninguém mais para olhar nem para viver. E consigo olhar para ela com olhares mais atentos e lentos e interessados no que é só meu e não dos outros. E definir o que eu quero de verdade e não o que eu achava que eu queria porque meu ambiente me empurrava a querer, ou porque meus filhos precisam se encaixar na turma, ou porque alguém pode ter a ideia errada a meu respeito.

Fui cortando da minha rotina todas as as variáveis que me deixavam ansiosa, e mudando aquilo que eu podia mudar. O exemplo mais besta foi ter alterado o horário da natação das crianças. Conversei com os dois e agora eles nadam juntos, e não um em cada horário. Eu tenho 40 minutinhos para tomar um café e ler meu livro e depois temos tempo de sobra para ir ao parquinho e fazer nosso piquenique em algum canto quieto do clube. Laura faz questão de levar várias coisinhas diferentes para o piquenique, pois segundo ela, se tem uma coisa só não é piquenique, é lanche. E mesmo quando tempos compromisso no fim da tarde não é mais correria, sensação de estarmos constantemente atrasados.

Passei todos esses anos ansiosa acreditando que eu deveria fazer mais e mais e mais, inclusive trabalhar mais. Porque a vida é assim, porque as mulheres são assim, e ser mulher é fazer tudo ao mesmo tempo.

Pois um dia me dei conta de que ninguém no leito de morte se arrepende de ter trabalhado pouco, ou de ter passado tempo demais com os amigos. Cada dia meu passa e eu me pergunto se ele foi bom. E meu dia é bom de muitas outras formas que não são apenas trabalhando. Desde que eu esteja mergulhada em cada momento. Sem distrações. Sem pensar onde não estou. No que eu deveria estar fazendo. Ou no que eu acho que eu deveria estar fazendo.

E por isso estou me aposentando dessa tarefa ingrata de equilibrar pratos e correr maratonas, como o mundo faz acreditar que toda (boa) mulher deve ser. E estou escolhendo fazer menos. Muito menos. Para viver mais. Para andar mais de bicicleta e ir mais ao parquinho, para pintar no quintal com guache de criança que não é lavável coisa nenhuma, e colecionar pedras durante o passeio do cachorro, e jogar dominó no tapete da sala, e ouvir música no café da manhã e fazer bolos na sexta-feira depois do almoço.

A vida corre tranquila quando a mente não se distrai do que estamos fazendo. Mesmo que a atividade em questão seja apenas dirigir para a natação. Ou varrer o quintal. Ou começar uma aquarela nova. Ou contar uma história na hora de dormir.
Cansei de pensar no que vem depois ou no que poderia estar sendo enquanto não é. Cansei do resultado. Quero apenas o processo, pois ele é muito mais longo do que o resultado. E quando a cabeça não está no resultado, as falhas são menos duras. E a gente não se estressa tanto quando chega atrasado, e não fica fulo quando queima a geleia de maçã no fogão, quando o bolo gruda, quando tem reunião da escola em dia que você tinha se planejado a trabalhar,  quando simplesmente não deu tempo de terminar aquela pintura hoje.

E ao invés das palpitações e dos medos, na minha mente encontro o silêncio.

E quando paro para pensar no que eu quero, lembro das respostas que eu tinha antes: quero uma casa assim e assado, quero viajar muito, quero expor meus quadros em tal lugar, quero X reconhecimento no meu trabalho, quero um vestido desse jeito, quero uma cozinha daquele modo.

Então chacoalho a cabeça como um risque-rabisque para desfazer esses desenhos antigos. E no meio do caos e da desordem, tudo se alinha. E o que eu consigo enxergar com nitidez é que eu quero uma vida tranquila. E só.

BOLO DE COCO
(Do sempre maravilhoso Baking FRom My Home do Yours, de Dorie Greenspan)

Ingredientes:
  • 2 xic.  farinha
  • 1 colh. (chá) fermento
  • 1 pitada de sal
  • 1 xic. leite de coco (usei caseiro - se tiver separado, mexa bem antes de medir)
  • 4 colh. (sopa) manteiga sem sal (uns 60g)
  • 4 ovos grandes, em temperatura ambiente
  • 2 xic. açúcar
  • 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 2 colh (chá) rum (opcional)
  • 3/4 xic. coco ralado (não adoçado, adoçado, tostado, tanto faz - usei não adoçado)

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180oC. Unte a forma de furo no meio ou Bundt com manteiga.
  2. Peneire a farinha, fermento e sal numa tigela e reserve.
  3. Numa panela, aqueça o leite de coco e a mateiga até que a manteiga derreta e reserve para usar ainda morno.
  4. Na batedeira, bata os ovos inteiros e o açúcar até que fique claro, fofo e tenha dobrado de volume.
  5. Junte e baunilha e o rum. 
  6. Reduza a velocidade e incorpore a mistura de farinha, apenas até que a farinha desapareça.
  7. Ainda em velocidade baixa, junte o coco ralado e por último o leite de coco e manteiga mornos, num fio constante. 
  8. Quando a mistura estiver homogênea, derrame na forma e leve ao forno por 1hora ou até que esteja dourado e um palito inserido no meio saia limpo. Deixe esfriar por dez minutos antes de tentar desenformar. 

Cozinhe isso também!

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