Parece ridículo publicar uma receita para french-toast, ou rabanada, considerando que 90% das famílias brasileiras têm sua própria receita da mesma, que por algum motivo que desconheço, virou comida de Natal. Mas a danada está aqui porque eu mesma reneguei essa delícia simples por muito tempo.
Na mesa de Natal de meus tios sempre havia rabanada. Mas meu cérebro infantil sempre confundiu as coisas, e quando me perguntava se queria rabanada, torcia o nariz, fugia correndo, achando que me ofereciam algo feito de rabo. Vai entender. Se alguém sabe por que diabos o pobre pãozinho ganhou nome tão infeliz, por favor me dê uma luz.
Quando mais velha, ouvia em filmes e seriados sobre a tal French Toast, mas nunca me interessei muito. Foi apenas quando casei e comecei a cozinhar e produzir pães em casa que a possibilidade de transformar pão amanhecido em coisas deliciosas me trouxe essa gostosura. Afinal, tanto trabalho e bons ingredientes haviam sido colocados naquele pãozinho, que parecia sacrilégio jogá-lo no lixo só por ter ficado duro. Parecia, não: é. [Agora pense naquele pão bizarro de supermercado, que não amanhece, não resseca, não estraga, tem para sempre aquela textura gelatinosa e não se presta a mais nada a não ser grudar na parte detrás dos seus incisivos quando você os morde.]
Toda semana alguém me escreve a respeito de pães caseiros e comenta algo como "pena que fica duro de um dia para o outro" ou "pena que não dura como o de supermercado". Isso sempre me surpreende um bocado, por vários motivos. Primeiro, que meus pães duram bem uma semana, frescos, ressecando muito devagarinho, e raramente eles de fato endurecem antes de terem sido completamente consumidos. (No fim da semana, já não tão macios, mas pouco ressecados, vão para a torradeira logo de uma vez.)
Se você deixar um pão caseiro, que não tem nenhum conservante, estabilizante, anti-umectante ou qualquer "ante" nojento, descoberto na bandeja da cozinha, como se fosse decoração, de fato ele estará uma pedra no dia seguinte. Para que isso não aconteça, assim que seu pão (qualquer pão: rústico, de forma, brioche, o que for, salvo aqueles bem doces, com coberturas e caldinhas) estiver completamente frio, embrulhe-o muito bem em um pano de prato grande e limpo, sem deixar nenhuma frestinha à vista, e deixe-o assim na sua cesta de pão, num canto da bancada que não tome sol e seja fresquinho. O pano de prato deixa o pão respirar o bastante para que sua umidade não condense e ele não mofe (ao contrário de plástico) e retém suficiente umidade para que ele não resseque de um dia para o outro (ao contrário de sacos de papel). Sempre que cortar um pedacinho, embrulhe o pão muito bem novamente. E pronto. Pãozinho perfeitamente macio por dias.
Agora, e se não der tempo de comer e o pão de fato ficar duro? Ai, que desperdício de pão? Não, de jeito nenhum. Não foi uma só vez que fiz dois pães com o intuito de deixar que um deles amanhecesse, ou que apanhei uma metade de um pão, cortei em pedaços e deixei exposto numa bandeja, especificamente para que ressecasse mais rápido. Já vi sites de culinária com gente perguntando o que fazer com ponta de baguette, que o transeunte simplesmente jogava fora. Hein?? Não, pelamor!
Se está sem criatividade, pode terminar de secar o pão no forno e moer no processador (ou no moedor de carne, de manivela, como fazia minha mãe, pacientemente) para transformar em farinha de rosca, que deixo num pote fechado na geladeira e dura horrores (e fica uma delícia, assim com vários tipos de pães misturados). Num próximo nível, o pão duro pode ser cortado em cubos menores e passado no azeite na frigiedeira, para virar croûtons na salada do almoço. Se estiver se sentindo italiano, pode deixar os nacos do pão duro macerando com tomates, azeite e vinagre até ficarem macios, e misturá-los a várias outras coisas gostosas, produzindo uma panzanella. Ou, deixe os nacos macerando em leite até que absorvam o líquido, exprema com as mãos para tirar o excesso e misture à carne das almôndegas. Ou faça as deliciosas almôndegas de pão e queijo, os canederli italianos. Ou ainda use em sopas de pão como pappa al pomodoro, ou outras versões que a cozinha mediterrânea (portuguesa, espanhola, francesa) tem de monte. O pão duro, em nacos ou fatias, pode também virar bread pudding, versão doce ou salgada, com variações infinitas, ajudando a usar toda a sorte de restos de queijos e legumes que houver na geladeira. Ou, enfim, rabanadas, french toast, ou, meu nome favorito, francês, Pain Perdu.
Sempre faço meio no olho, de acordo com a secura do pão e a quantidade dele. E nunca fiz no Natal. Pain Perdu, French Toast ou Rabanada, aqui em casa é comida de café da manhã, quando o pão ficou duro e ninguém lembrou de fazer pão ou ir à padaria. Bato com um garfo 1 ovo e 1 xic. ou mais de leite integral e tempero com uma pitada de sal e uma colherinha de açúcar, comum ou baunilhado. Às vezes junto um splashezinho de extrato de baunilha, às vezes não. Cubro as fatias grossas de pão duro (pense numa quantidade como 2 pães franceses em fatias de 1,5cm) com a mistura e deixo que absorvam rapidamente o líquido enquanto derreto uma colher generosa de manteiga numa frigideira grande, em fogo baixo, para que a manteiga não queime. Retiro as fatias de pão da tigela com um garfo, escorro o excesso de líquido e douro as fatias dos dois lados. No prato, ainda quentes, polvilho com açúcar baunilhado, ou açúcar e canela, ou açúcar e noz moscada. Ou deixo sem o açúcar e rego com um pouco de mapple syrup e sirvo com ovos mexidos, quando a fome é grande.
Adoro o exterior douradinho, quase crocante, bem adocicado, e o interior das fatias grossas ainda úmidas do leite, com textura de pudim. Tem coisa melhor para começar o dia do que pain perdu e uma xícara de café?
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Um novo vício: Lassi
Demorei para voltar a produzir iogurte depois de me mudar, porque iogurte era meu lanche pós-corrida, com frutas ou granola caseira, e, sem correr há já muitos meses, não me via consumindo tanto iogurte desvinculado do exercício. Mas o livro Milk me trouxe essa vontade de volta, antes mesmo de lê-lo, e fui atrás de leite e um iogurte industrial (na falta do envelope de pó por aqui) para prepará-lo. Contei aqui como a primeira leva nunca virou nada que parecesse iogurte (aliás, deixei algumas horinhas a mais para ver se firmava ou azedava mais, e o que aconteceu foi o leite estragar, coisa que nunca me havia ocorrido antes), e que a segunda leva, feita com um iogurte que ainda continha alguma bactéria produtora de fermentação lática, ficou pobrinho, com textura de cola branca. O gosto estava ok, feito com leite bom, mas a textura estava muito pouco apetitosa para ser comido a colheradas com frutas frescas.
Comecei, então, a buscar o que fazer com aquele iogurte. E daí saíram o bolo de laranja e chocolate, um pãozinho de iogurte e mel delicioso e macio (foto abaixo), cuja receita original está aqui no Serious Eats, um cozido de lentilhas e espinafre com especiarias, do Bill Granger que além de muito bom, revelou-me que agora meu filho não só come, como adora grão-de-bico (ele sempre rejeitava o pobre legume), e mais um bom punhado de outras coisinhas gostosas.
E eu fiquei me perguntando por que diabos não usava mais iogurte para cozinhar.
Daí que voltei a produzir iogurte semanalmente, usando o Leitíssimo, que voltou a aparecer no meu mercado ou o Timbaúba, um leite orgânico de Alagoas que gostei um bocado. Ambos produziram bons iogurtes, só com o método de aquecer a 46ºC (por serem UHT, não há necessidade de ferver e deixar esfriar), inocular com uma ou duas colheres do iogurte anterior, ainda fresco, e deixar numa bolsa térmica por umas 8 horas. Aliás, para quem de vez em quando faz iogurte com cara de cola branca e não entende por quê, descobri no livro mais um motivo: presença de outras bactérias além das da fermentação lática; não tem problema se isso acontecer, o iogurte pode ser consumido, mas da próxima vez limpe muito bem todos os utensílios que serão usados na fabricação do iogurte e, se o leite for pasteurizado ou cru, ferva por um minutinho ou dois antes de deixar esfriar a 46ºC, para matar possíveis "bactérias erradas".
Minha produção de iogurte, no fim das contas, tem sido prolífica e constante, principalmente depois de ter começado a preparar quase que diariamente um grande copo de Lassi para meu lanchinho – a pequena futura arrasadora de corações me chuta horrores, reclamando de falta de comida, e fico com uma fome de leão no meio da manhã.
Lassi é uma bebida indiana a base de iogurte, que vai maravilhosamente bem com os pratos mais fortes e apimentados. Também existe em versões salgadas ou, uma das mais famosas, batida com manga. Mas é delicioso sozinho. Para um copão grande, estilo milk-shake, coloco 3/4 xic. de iogurte no fundo do copo, 2-3 colh. (chá) açúcar orgânico, um pouco de gelo picado, um splash de água de rosas (a gosto, mas muito pode deixar com jeito de perfume), e hortelã fresca bem picadinha. Misturo bem com uma colher comprida, e, enquanto misturo, vou completando o resto do copo com leite gelado, até ficar naquela textura de milk-shake ralinho, do tipo que você consegue beber de goles. Deve-se misturar muito bem, ou o iogurte adoçado fica no fundo e o leite por cima. Puxe a colher para a superfície enquanto mistura, para ter certeza de que ficará homogêneo. Nham! Vício, vício.
Comecei, então, a buscar o que fazer com aquele iogurte. E daí saíram o bolo de laranja e chocolate, um pãozinho de iogurte e mel delicioso e macio (foto abaixo), cuja receita original está aqui no Serious Eats, um cozido de lentilhas e espinafre com especiarias, do Bill Granger que além de muito bom, revelou-me que agora meu filho não só come, como adora grão-de-bico (ele sempre rejeitava o pobre legume), e mais um bom punhado de outras coisinhas gostosas.
E eu fiquei me perguntando por que diabos não usava mais iogurte para cozinhar.
Daí que voltei a produzir iogurte semanalmente, usando o Leitíssimo, que voltou a aparecer no meu mercado ou o Timbaúba, um leite orgânico de Alagoas que gostei um bocado. Ambos produziram bons iogurtes, só com o método de aquecer a 46ºC (por serem UHT, não há necessidade de ferver e deixar esfriar), inocular com uma ou duas colheres do iogurte anterior, ainda fresco, e deixar numa bolsa térmica por umas 8 horas. Aliás, para quem de vez em quando faz iogurte com cara de cola branca e não entende por quê, descobri no livro mais um motivo: presença de outras bactérias além das da fermentação lática; não tem problema se isso acontecer, o iogurte pode ser consumido, mas da próxima vez limpe muito bem todos os utensílios que serão usados na fabricação do iogurte e, se o leite for pasteurizado ou cru, ferva por um minutinho ou dois antes de deixar esfriar a 46ºC, para matar possíveis "bactérias erradas".
Minha produção de iogurte, no fim das contas, tem sido prolífica e constante, principalmente depois de ter começado a preparar quase que diariamente um grande copo de Lassi para meu lanchinho – a pequena futura arrasadora de corações me chuta horrores, reclamando de falta de comida, e fico com uma fome de leão no meio da manhã.
Lassi é uma bebida indiana a base de iogurte, que vai maravilhosamente bem com os pratos mais fortes e apimentados. Também existe em versões salgadas ou, uma das mais famosas, batida com manga. Mas é delicioso sozinho. Para um copão grande, estilo milk-shake, coloco 3/4 xic. de iogurte no fundo do copo, 2-3 colh. (chá) açúcar orgânico, um pouco de gelo picado, um splash de água de rosas (a gosto, mas muito pode deixar com jeito de perfume), e hortelã fresca bem picadinha. Misturo bem com uma colher comprida, e, enquanto misturo, vou completando o resto do copo com leite gelado, até ficar naquela textura de milk-shake ralinho, do tipo que você consegue beber de goles. Deve-se misturar muito bem, ou o iogurte adoçado fica no fundo e o leite por cima. Puxe a colher para a superfície enquanto mistura, para ter certeza de que ficará homogêneo. Nham! Vício, vício.
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