quinta-feira, 24 de março de 2011

Biscotti de chocolate para uma espera interminável

Senta e espera.

Primeiro o médico (e a família, e os amigos, e estranhos na rua) fazem terrorismo dizendo que o menino vem antes; depois pára tudo, que ainda tem mais um tempinho. Ninguém sabe nada. Profissional ou palpiteiro, o chutômetro corre solto.

Enquanto isso, senta e espera.

Tendo encerrado o trabalho há uma semana, tenho tido tempo para reavaliar minha rotina e restabelecê-la, depois dos meses de mudança de apartamento, excesso de trabalho, calorão e barrigão terem deixado minha vida de pernas pro ar. Bem, não de pernas pro ar, ou meus pés não teriam inchado. :P

Sou uma criatura de hábitos; e como boa filha de engenheiro, metódica e adoradora de listas. Então pode-se imaginar minha aflição ao me perder em minha antes tão bem estabelecida rotina doméstica. Eu tinha um dia de fazer feira, de fazer caldo, de fazer pão, de fazer geleia, de fazer sorvete, de fazer faxina, de levar o reciclável. E me vi comprando verduras em bandejinhas no supermercado, comprando pão, comprando geleia, comprando sorvete, deixando a faxina para o dia seguinte e o reciclável se acumulando por duas semanas em sacos imensos (por conta das embalagens das verduras, do pão, da geleia e do sorvete, antes inexistentes).


Nein, nein. Não é assim que gosto de fazer as coisas.

Comecei a entrar em pânico acreditando que meu pequeno guerreiro ítalo-germânico chegaria adiantado e bagunçaria ainda mais o meu coreto, e tive coceira de imaginar que nunca mais conseguiria me organizar.

Então essa semana foi tranquila, e pela primeira vez em anos eu não tinha mais nada para fazer a não ser ver filmes, desenhar e cozinhar, e pude, enfim, relaxando e sentindo meu cérebro voltando para seu tamanho normal, organizar minha vida.

Fui à feira, fiz caldo, estou fazendo pão, as ameixas estão macerando em açúcar para fazer geleia amanhã, e montei uma agenda com dias certos para cada coisa, uma vez que, chegado o pequeno matador de dragões, não me imagino ter nunca mais tempo para mais de uma atividade dessas por dia. E é assim que funciono. Se eu não souber que aquele é o dia de fazer pão (antes aos sábados), eu posso deixar passar e ficar sem pão em casa. Eu prospero com disciplina e rotina. Como tudo na vida.

Outro momento de ouro foi a organização da despensa. Ter jogado fora na mudança dois pacotes de farinhas diversas vencidas me fez pensar. Não adianta quanta coisa diferente eu compre: se for para ter farinhas diferentes das de trigo, que sejam centeio e sarraceno, que eu uso com frequência. O restante, a não ser que comprado em porções minúsculas e já tendo receitas planejadas, inevitavelmente irá para o lixo. Olhar com honestidade para minha despensa e acalmar minha curiosidade culinária, que me faz comprar mais ingredientes do que consigo de fato usar, fez com que eu conseguisse montar uma lista de compras mais enxuta, que promete diminuir meus gastos com supermercado [que, para minha surpresa imensa, estão abaixo da média de São Paulo, segundo uma reportagem no jornal sobre o alto custo de vida por aqui] e tornar minha despensa mais dinâmica e funcional, com mais rotatividade de produtos e menos itens de fundo de armário.

Foram cinco anos mudando, reavaliando, planejando, adaptando, evoluindo, até chegar numa rotina que me parecesse correta e confortável. É estranhíssimo sentir-me perdida novamente, como se não tivesse passado por todo esse processo antes. Mas, de certa forma, reconfortante poder reavaliar tudo mais uma vez e começar do zero. De novo.

Enquanto o mini-metaleiro não dá o ar da graça, tento entranhar na minha cozinha e na minha cabeça os novos-velhos hábitos. E crio novas neuras. Como esses biscotti de chocolate, que preparei especificamente com intenção de levar à maternidade, para comer depois do parto, uma vez que não anseio nem um pouco por comida de hospital, e sei que se tiver de passar um dia inteiro que seja por lá, vou querer comer algo que seja meu.

Esses biscotti, como todos os biscotti, são fáceis, crocantes, e duram semanas a fio num pote fechado. Perfeitos para quando você não sabe quando precisará deles. ;) Como tudo feito pela Alice Medrich, não são excessivamente doces. São suaves, perfeitos para acompanhar um bom espresso, mas também matam aquele desejo súbito por chocolate.

Senta e espera. E come um biscotto.

BISCOTTI DE CHOCOLATE
(do livro Chewy, Gooey, Crispy, Crunchy, de Alice Medrich)
Tempo de preparo: 1h30
Rendimento: por volta de 24 biscotti, dependendo do tamanho

Ingredientes:
  • 2 xic. farinha de trigo orgânica branca (ela pede por farinha não-alvejada)
  • 1/2 xic. cacau em pó, natural (pálido) ou alcalinizado (marrom-escuro)
  • 2 colh. (chá) café em pó (opcional)
  • 1/2 colh. (chá) bicarbonato de sódio, se usando cacau natural, ou 2 colh. (chá) fermento químico em pó, se usando cacau alcalinizado (usei cacau Callebaut e fermento químico)
  • 1/2 colh. (chá) sal
  • 8 colh. (sopa) manteiga sem sal, em temperatura ambiente
  • 1 xic. açúcar cristal orgânico
  • 2 ovos grandes, orgânicos
  • 2 colh. (chá) extrato natural de baunilha
  • 1 xic. nozes, picadas grosseiramente

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 150ºC e posicione a grade no meio do forno. Forre uma assadeira rasa e grande com papel-manteiga, papel-alumínio ou unte com óleo (usei meu silpat). 
  2. Numa tigela pequena, combine a farinha, o cacau, o café em pó (se estiver usando), sal, bicarbonato OU fermento químico, e misture bem com um fouet ou um garfo. 
  3. Em uma tigela grande, usando uma colher de pau, bata a manteiga e o açúcar apenas até que fique cremoso e uniforme. Junte os ovos e a baunilha e misture. Troque para uma espátula e incorpore a mistura de farinha, mexendo apenas até que não se vejam ingredientes secos. Junte as nozes. 
  4. Com a ajuda da espátula, espalhe a massa na assadeira, formando um retângulo achatado de cerca de 40x10cm (ou do tamanho que preferir seus biscotti, lembrando que a massa crescerá no forno; o tempo de forno não será afetado).
  5. Leve ao forno por 30-35 minutos, ou até que a massa esteja firme mas elástica ao toque (como a superfície de um bolo), girando a assadeira 180ºC dentro do forno no meio do cozimento, para garantir que asse por igual. 
  6. Retire do forno e deixe a assadeira sobre uma grade por no mínimo 15 minutos. Deixe o forno ligado. 
  7. Transfira cuidadosamente a massa para uma tábua de corte e, usando uma faca serrilhada, fatie os biscotti com uma espessura de mais ou menos 1cm. Os biscotti ainda terão consistência de bolo, então transfira com cuidado de volta para a assadeira (sem nada forrando), deixando um espaço entre eles de 1cm pelo menos.
  8. Leve de volta ao forno por 30-35 minutos (ou ajuste o tempo de acordo com o tamanho final dos biscotti), até que sua superfície esteja seca e crocante. Retire do forno e transfira os biscotti para uma grade e deixe que esfriem completamente antes de guardá-los em um pote hermético. Duram várias semanas.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Pudim de leite: permissão para ser mãe

Quem vem por essas bandas há muito tempo sabe do meu problema com pudim de leite. Essa sobremesa tão simples, que toda mãe, avó e tia sabe fazer, que todo restaurante por quilo tem na ponta do balcão junto com a salada de frutas e a torta holandesa, e que eu simplesmente não conseguia acertar. Nunca.

Meu primeiro problema: não gosto de pudim de leite feito com leite condensado. Doce demais para mim. Meu negócio é ovo, leite, creme, baunilha e açúcar. Mesmo assim, a maior parte das receitas que eu testara era excessivamente doce.

Segundo problema: todas as receitas mandavam assar em banho-maria, por, sei lá, 40 minutos, e meus pudins ficavam mais de duas horas no forno e nada de firmarem. Mudei a forma, mudei a temperatura do forno, fiz o diabo, e nunca dava certo. Eles assavam de forma irregular, ficavam com gosto de ovo, e quando os desenformava, eles quebravam em mil pedacinhos mal cozidos.

Terceiro problema: eu teimava em fazer o caramelo numa frigideira antiaderente, de fundo preto, e nunca conseguia ver a cor exata do bendito. Colocava na forma e estava sempre claro demais, caldinha rala de açúcar, e essa calda endurecia assim que encostava na forma e eu não conseguia espalhá-la direito. :P

Quando o marido fez cara de pidão, reclamando que havia tempos eu não preparava nenhum pudinzinho ou sobremesa de colher, resolvi que era a hora de tirar a teima de uma vez por todas. Afinal, com o bebê já praticamente com um pé pra fora, eu não poderia ser mãe sem saber fazer um pudim de leite decente.

Apanhei uma receita de Dorie Greenspan, que alguém já me havia recomendado certa vez, e arregacei as mangas. Primeiro ponto positivo: o truque de deixar a forma no forno enquanto o caramelo é preparado. O caramelo bate na forma quentinha e escorre sem problemas, sem endurecer. Também larguei mão de ser besta e fiz o caramelo numa panela decente, de modo que ficasse exatamente no ponto que eu queria.

Coloquei a forma em banho-maria no forno na temperatura indicada e acertei o timer já com um suspiro conformado. Imaginei quantas horas a mais o pudim ficaria ali. No entanto, contra minhas pessimistas expectativas, abri a porta do forno ao soar do alarme e vi um pudim balouçante mas ligeiramente dourado, e quando lhe enfiei uma faquinha, desconfiada, a lâmina saiu surpreendentemente limpa.

Eureka!

Pudim perfeito, delicioso, doce na medida certa, lisinho... :)
Permissão para ser mãe: concedida.

PUDIM DE LEITE
(Do livro Baking - From My Home to Yours, de Dorie Greenspan)
Tempo de preparo: 30 min. + 40 min. forno + 5 horas para resfriar
Rendimento: 6-8 porções

Ingredientes
(calda)
  • 1/3 xic. açúcar cristal orgânico
  • 3 colh. (sopa) água
  • 1 espremidinha de limão
(pudim)
  • 1 1/2 xic. creme de leite fresco
  • 1 1/4 xic. leite integral
  • 3 ovos grandes, orgânicos
  • 2 gemas grandes, de ovos orgânicos
  • 1/2 xic. açúcar cristal orgânico
  • 1 colh. (chá) extrato natural de baunilha

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 180ºC. Coloque no forno uma forma de bolo (de alumínio, SEM antiaderente) de 20cm diâmetro e uns 5cm de altura (sem furo no meio). Coloque água para ferver. Quando ferver, desligue o fogo. Forre uma assadeira de bordas altas, onde caiba a forma, com um pano de prato. 
  2. Numa panela de inox, misture os ingredientes da calda. Leve ao fogo médio-alto, sem mexer, por cerca de 5 minutos, ou até que esteja de uma cor âmbar. Desligue assim que vir qualquer sinal de vapor ou fumaça. 
  3. Usando luvas, retire a forma quente do forno e despeje com cuidado o caramelo na forma, girando-a para cobrir todo o fundo. Reserve. 
  4. Coloque o leite e o creme de leite em uma panela média e leve à fervura. Enquanto isso, misture numa tigela os ovos, as gemas, o açúcar e a baunilha. Bata com um fouet vigorosamente para dissolver bem o açúcar e deixar homogêneo. 
  5. Misture 1/4 do leite quente aos ovos, batendo sempre com o fouet, para temperar os ovos e impedir que cozinhem. Misture o restante do leite quente, agora com uma colher de pau, até que não se veja mais espuma e bolhas em cima do líquido (retire a espuma com a colher, se necessário). 
  6. Despeje o creme sobre o caramelo na forma e posicione a forma no meio da assadeira forrada. Despeje a água quente na assadeira, até metade da altura da forma, tendo certeza de que o pano de prato está todo submerso e molhado. Leve cuidadosamente ao forno por 35-40 minutos, até que o pudim tenha inflado ligeiramente e esteja dourado aqui e ali. Teste inserindo uma faca no centro: a lâmina deve sair limpa. (Mas o pudim ainda balançará um bocado.)
  7. Retire do forno. Retire a forma de dentro da assadeira e deixe-a sobre uma grade. Passe uma faquinha nas laterais para soltar o pudim e deixe-o esfriar até temperatura ambiente (cerca de 1 hora). Então cubra mais ou menos com papel alumínio e leve à geladeira por no mínimo 4 horas.  
  8. Passe uma faquinha novamente nas laterais e desenforme rapidamente num prato com bordas.

Cozinhe isso também!

Related Posts with Thumbnails