quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Compota rápida de cerejas

A correria da mudança, que me impediu de cozinhar por quase um mês inteiro, causou-me uma estranha frustração: passei janeiro inteiro pensando nas frutas que vinham e iam, completamente fora de meu alcance culinário. Afinal, eu esperara um ano inteiro por pêssegos, nectarinas, damascos, cerejas, mangas, melões, melancias, e a qualquer momento elas poderiam não estar mais no seu pico de gostosura.

Por isso, tão logo liguei minha geladeira na tomada e conectei meu fogão na tubulação de gás, corri ao mercado e comprei 1kg de cerejas, enormes, escuras e doces, antes que desaparecessem das gôndolas por mais um ano.

Eu criara fantasias em minha mente com centenas de doces que gostaria de produzir com cerejas, mas nenhuma me fazia salivar tanto quanto a ideia de uma compota. Desde a viagem a Nova York, no começo do ano passado, eu andava querendo reproduzir a sobremesa que comera em um restaurante escandinavo: um delicado arroz doce coberto de compota de cerejas e amêndoas laminadas. Delicioso!

Procurei pouco nos livros que me restaram [e comprovei que só mantive na estante o que de fato amo e uso, pois nem me lembrei de procurar receitas nos outros, encaixotados] e encontrei o que queria: uma compota rápida e simples de Alice Waters, do livro Chez Panisse Desserts, de Lindsey Remolif Shere. A compota demora pouquíssimos minutos para fazer, e você sequer precisa descaroçar as cerejas. Isso porque o caroço das cerejas contribui em sabor para a compota (razão pela qual os franceses normalmente os mantém mesmo no clafoutis).

 Apanhe 1kg de cerejas, lave-as em água corrente, descartando qualquer uma que esteja passada, e retire os cabinhos. Distribua em uma camada única em uma panela de fundo bem grosso e polvilhe 1/4 xic. de açúcar (orgânico) por cima. Ligue o fogo alto e sacuda a panela (ou use uma colher de pau, como eu fiz, pois a panela é um bocado pesada e eu não queria riscar o fundo dela na grade do fogão) para misturar as cerejas ao açúcar. Faça isso por cerca de 5 minutos ou até que o açúcar tenha derretido e as cerejas estejam ligeiramente macias ao toque (cuidado para não se queimar – lembre-se: açúcar derretido). O açúcar primeiro formará cristais esbranquiçados sobre as cerejas antes de começar a derreter.  No começo parece que tudo vai queimar irremediavelmente, pois cerejas não se desfazem facilmente como outras frutas. Mas, de repente, ao fim dos 5 minutos, você verá um lindo líquido púrpura e espesso no fundo da panela. Nesse momento, espalhe 2-3 colheres (chá) de vinagre balsâmico e 1 colher (chá) de Kirsch (na falta de Kirsch, usei uma cachaça de qualidade) e sacuda por mais 30 segundos. Desligue o fogo e, com cuidado, raspe o conteúdo da panela, com todo o líquido, para outro recipiente. Deixe que esfrie um pouco e libere todo o vapor antes de tampar e levar à geladeira, até que fique em temperatura ambiente. Então deixe repousar por uma ou duas horas antes de servir.

Minha compota passou a noite na geladeira. Quando abri o pote, as cerejas, muito macias, pareciam ter liberado ainda mais líquido. Não tive paciência para preparar o arroz doce. Despejei um pouco de iogurte caseiro num potinho e distribuí fartas colheradas da compota. Veredito: estou feliz por ter feito a receita inteira, pois o resultado é fenomenal. O vinagre balsâmico de fato intensifica o gosto das cerejas, que ficaram deliciosamente doces e macias, desmanchando na boca. Ficaram sensacionais com o iogurte e não vejo a hora de despejá-las sobre sorvete de baunilha.   

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Primeiro bolo da casa nova: banana, coco e pecãs

Eita.

Janeiro foi um mês de correria desenfreada, esforço além da conta, encaixota, desencaixota, arruma, organiza, joga fora, monta, compra, instala, conserta, anda prá lá, corre prá cá, carrega, leva, traz, limpa, esfrega, aspira, coloca no lugar.

E ainda não acabou.

O quarto ainda está sem lustre, minhas tralhas de arte ainda não têm armário, o quarto do bebê ainda é um depósito do que não tem lugar definitivo, o depósito ainda tem latas de tinta, a cozinha não tem prateleira embaixo da pia, e quase todas as minhas formas e panelas continuam dentro de uma enorme caixa de papelão, esperando seu destino final.

Não estivesse grávida, talvez estivesse tirando tudo isso de letra, mas confesso que não foram poucas as noites de pés inchadíssimos em que quis sentar no chão e chorar de exaustão. Não via a hora de poder olhar em volta e começar a me sentir razoavelmente em casa, ao invés de ter aquela estranha e inquietante sensação de estar morando na casa de praia de outra pessoa.

Saí tanto da minha rotina (e sou metódica, lembram?), que quando fui ao mercado pela primeira vez depois da mudança, não fazia a menor ideia do quê comprar para preencher a geladeira vazia. Senti-me como uma mocinha recém-casada que não sabe preparar arroz. Demorei alguns bons dias para restabelecer a força de vontade e a confiança em preparar uma refeição na cozinha nova: esse espaço estranho onde as coisas não estão em seu lugar e onde você ainda não sabe se movimentar direito.

Bem... o resultado da maratona toda foi que, além de desidratar um bocado na onda de calor da semana passada, fiquei anêmica. O médico não acreditava no resultado dos exames, feitos há alguns dias atrás. "Mas você come tão direitinho...", balbuciou ele. "Não esse mês", expliquei. Durante os 30 dias que o processo de mudança levou, vi minha dieta balanceada ser rapidamente substituída pelo que eu chamo de "O Modo Como os Outros Comem": muita comida pronta, muito take-out, muito pão com queijo, suco mequetrefe, refrigerante, comida rápida, restaurante. Detalhe: não estou falando de McDonald's e lasanha congelada, mas as opções TEORICAMENTE mais saudáveis do mundinho do industrializado. Aquelas que dizem não ter gordura trans e estar cheias de vitaminas.

Se por um lado fiquei enfurecida e chateada com o resultado dos exames (sem contar preocupada), por outro senti-me profundamente convicta de meu estilo de vida. Minha comida me deixava saudável. O Modo Como os Outros Comem, não. Para onde foi a vitamina C do suco de laranja de garrafa? Pro meu corpo é que não foi. Enquanto isso, minhas laranjas orgânicas, minha salsinha e meu espinafre nunca me deixaram na mão. Se eu já não acreditava em inserção de nutrientes em alimentos, em vitaminas isoladas, agora o negócio ficou feio.

Era o chute na busanfa que faltava para me jogar de volta ao fogão. Fui ao mercado e comprei tudo o que gostaria de ter preparado em janeiro e não pude, tirei algumas panelas da caixa e mãos à obra. A primeira garfada no arroz integral com noz moscada e pecãs, omelete e salada de tomates orgânicos me fez suspirar e perceber o quanto eu sentira falta de minha própria comida. Há um frescor nela que não encontrei em nenhum outro lugar no mês que se passou.

Isso também me fez correr para minha estante de livros de culinária. Mesmo mandando alguns volumes embora, eu continuava acreditando que havia mais livros ali do que deveria. Eles continuavam ocupando duas fileiras, uma atrás da outra, nas prateleiras, e isso me incomodava. Em contraste com o que já estava organizado na sala, aquilo parecia incrivelmente entulhado. Retirei todos do lugar então, e comecei a guardá-los novamente. Primeiro, meus favoritos. Depois, os que ainda estou explorando. E então me dei conta da quantidade de livros que andava guardando que estava sem uso. Não por serem ruins, mas porque não condiziam mais com o tipo de cozinha que, hoje em dia, mais me agrada. Passara pela fase de exploração de técnicas complicadas de confeitaria ou de pratos "práticos" ou excessivamente rebuscados, e, no meio do processo, encontrara meu nicho: confeitaria americana e italiana, bem confort food, e pratos muito frescos, não necessariamente rápidos de fazer, mas usando ingredientes bons e acessíveis.

Coloquei na pilha do UT todos aqueles que não entravam mais nessas categorias. E vi minhas prateleiras finalmente limpas, em fileira única, contendo apenas os livros que eu de fato uso e aprecio. Mais de 100 livros tornaram-se 70. Um bocado ainda, eu sei, mas eu realmente uso esses 70. Eu juro.

Reenergizada por essa limpeza e pela boa comida, achei que era hora de fazer minha cozinha nova ter cheiro de bolo. Antecipando a nova (e bem-vinda) correria que acontecerá daqui a 8 semanas (e também porque a tomada reservada para minha batedeira ainda não está funcionando), escolhi uma receita simples da dona Martha Stewart, que não apenas pode ser feita com uma colher, como faz dois bolos, um dos quais será congelado para uso posterior.

Foi muito bom ter agora o apoio de uma mesa na cozinha, além da pia e da bancada. Ver o livro de receitas aberto com espaço entre as tigelas, sem ficar caindo da beirada, foi reconfortante. Quando a casa se encheu do perfume quente de banana, coco e nozes, a sensação dos ladrilhos antigos na sola dos pés pareceu subitamente familiar. Ver o cão deitado sob a mesa da cozinha pareceu uma imagem habitual, e eu finalmente me senti em casa.

O bolo ficou fantástico. Muito macio e saboroso, cheio de texturas, perfumadíssimo. Comi duas fatias, uma após a outra. Posso agora retomar minha rotina. Minha cozinha, minha comida, meus legumes, meus bolos. Em dois dias comendo minha comida (que tem muito pouco sal), meus pés desincharam consideravelmente e meu humor melhorou um bocado. Nunca mais. Nunca mais vou comer dO Modo Como os Outros Comem. Principalmente agora, com mais espaço para minhas desventuras culinárias. É hora então de me preparar para mais um período em que não terei tempo ou forças para cozinhar. Mas desta vez, haverá muitos pães, bolos, caldos e bases de torta congelados. Tudo caseiro. Tudo de verdade. E meu bolo de banana.

BOLO DE BANANA, COCO E PECÃS
(do Livro Martha Stewart's Baking Handbook)
Tempo de preparo: 20 min. + 60 min. de forno
Rendimento: 2 bolos ingleses

Ingredientes:
  • 3 xic. farinha de trigo
  • 1 colh. (chá) bicarbonato de sódio
  • 3/4 colh. (chá) sal
  • 3 ovos grandes, orgânicos
  • 2 xic. açúcar orgânico
  • 1 1/3 xic. óleo vegetal
  • 2 colh. (sopa) extrato natural de baunilha
  • 1 1/2 xic. bananas maduras amassadas (cerca de 3 nanicas)
  • 1 xic. coco ralado
  • 1 xic. pecãs, tostadas e picadas
  • 1/2 xic. buttermilk (leite + uma colherinha de vinagre)

Preparo:
  1. Unte com óleo em spray ou manteiga duas formas de bolo inglês e pré-aqueça o forno a 180ºC. 
  2. Numa tigela, misture com um fouet a farinha, o bicarbonato e o sal. Em outra, misture os ovos, o óleo e o açúcar, até que fique homogêneo. 
  3. Junte a farinha à mistura de ovos, misturando com a colher apenas até que não se vejam mais pontos de farinha. Acrescente a baunilha, a banana, o coco, as nozes e o buttermilk e misture apenas o bastante para que fique tudo bem combinado. 
  4. Distribua nas formas, alisando com a espátula de necessário, e leve ao forno por 60-65 minutos, invertendo as formas no meio do tempo. Asse até que um palito inserido no centro dos bolos saia limpo.
  5. Retire do forno e deixe esfriar sobre uma grade por 10 minutos antes de desenformá-los. Remova das formas e deixe que esfriem completamente. Bem embalados, os bolos ficam em temperatura ambiente por 1 semana, ou congelados, por 3 meses.

Cozinhe isso também!

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