sexta-feira, 12 de março de 2010

Pague 1 e Leve 2: Sorvete de Gianduia e Pão de Avelãs

Nestes últimos dias tem sido um suplício olhar para o termômetro da sala, marcando – pasmem! – 36ºC. Quando digo que estou morrendo de calor em meu apartamento... bem... não estou exagerando.

O calor me transforma em geleca. Eu fico ali, desmantelada em algum canto, evitando qualquer movimento que possa me acalorar ainda mais. Olho para o cachorro, igualmente desmantelado, e trocamos suspiros de quem descama sob o sol do deserto, apenas aguardando seus momentos finais enquanto vira churrasquinho. Trabalhar é uma droga: minha prancheta fica embaixo da janela, e conforme minhas mãos suadas se arrastam pelo papel, vão levando com elas a tinta e enrugando as folhas. Meu cérebro desacelera. Meu metabolismo deve ser semelhante ao de um urso hibernando. Olha que ideia: vou instituir hibernação de verão. Porque eu não funciono. Mesmo. Meu treinador suspira desapontado ao me ver rolando pela pista de corrida, minha pele derrete, transformando o giz pastel em uma pasta melequenta, e minha mente se torna instantaneamente incapaz de formular dois pensamentos coesos.

Nessas horas, eu fico estúpida.

Deito no chão para ver meu tamanho. Vejo TV com os pés dentro de um balde de água fria. Pego um livro ruim para ler de novo. Resolvo ligar o forno no máximo para fazer pão enquanto preparo sorvete.

Hein?

Pois é. Se a defesa era insanidade mental, caso encerrado: 36ºC e eu ligo o forno. E, com forno ligado, resolvo que é uma boa ideia fazer um sorvete que me obriga a ficar em frente ao forno quente, mexendo uma panela também no fogo.

Cu-coooo...!

Mas o mundo faz mais sentido quando há pãozinho de avelãs na bancada e sorvete de gianduia no freezer. Não faz? Não? É só para mim? Ok, então.

Mas por que os dois no mesmo post? Porque um veio do outro, ué. Torrei as avelãs, esfreguei-lhes a pele dura fora, cozinhei-as no leite, bati-as no liquidificador e as espremi para retirar o leite aromatizado. Com o leite, bom chocolate, ovos e açúcar, preparei o sorvete e o coloquei na geladeira (o cold room é ótimo para esfriar bem os cremes antes de irem à sorveteira). Enquanto o creme gelava, as avelãs trituradas secaram e foram incorporadas a uma massa de pão integral. Na hora em que os pães foram para o forno, o creme estava suficientemente gelado e foi para a sorveteira. E eccoli: pão de avelãs e gelato al gianduia.

Aliás, adoraria ver a cara de muita gente agora, pois eu mesma fiquei chocada no dia em que descobri: Gianduia é um nome masculino! É IL Gianduia, e não LA Gianduia. Portanto, O Gianduia. Eita, coisa feia. ;)

O pãozinho ficou delicioso, mas como o sabor das avelãs é bem pronunciado, é só para verdadeiros fãs delas, como eu. Tão bom com manteiguinha e geleia... Já o sorvete... ele é tão bom, tão bom, tão bom, que dá vontade de não contar para ninguém. Quando experimentei, sobre uma pêra madura fatiada, quis esconder o pote inteiro do resto do mundo. É só meu. Meu. Chô! Chispa! O interessante é o fato de ele não ter ficado enjoativo como a maior parte dos sorvetes de gianduia que já comi por aí, talvez por conta do sorvete bem amargo. A receita diz que se pode substituir o chocolate amargo até mesmo por ao leite (de qualidade!!!). Mas deve ficar bem mais doce.

Quando a insanidade temporária bate à sua porta, só sorvete de gianduia salva.

GELATO AL GIANDUIA
(Ligeiramente adaptado do livro The Ultimate Frozen Dessert Book, de Bruce Weinstein & Mark Scarbrough)
Tempo de preparo: 1 hora + 4 horas de geladeira + 2 horas de freezer
Rendimento: 1 litro, aproximadamente


Ingredientes:
  • 1 xic. avelãs inteiras (uns 110g)
  • 3 xic. leite integral, ou mais se necessário
  • 1/4 xic. creme de leite fresco
  • 60g chocolate amargo (usei 85%)
  • 3/4 xic. açúcar cristal orgânico
  • 3 gemas de ovos grandes, orgânicos
  • 1/2 colh. (chá) essência de baunilha
  • 1/4 colh. (chá) sal

Preparo:
  1. Toste as avelãs no forno (180ºC) ou numa frigideira larga, até que fiquem aromáticas. Cuidado, pois elas queimam fácil. Esfregue-as dentro de um pano de prato, para retirar qualquer casca mais dura e solta.
  2. Coloque as avelãs numa panela com o leite e leve ao fogo médio, até que levante fervura. Abaixe o fogo e cozinhe por 5 minutos, mexendo com uma colher. Desligue o fogo, tampe a panela e deixe em infusão por 15-20 minutos.
  3. Posicione uma peneira forrada com um pano tipo gaze sobre uma tigela grande. Com cuidado, bata o leite e as avelãs num liquidificador (bata em etapas, pois o líquido quente tende a explodir para fora do copo e faz uma baita sujeira). Despeje a mistura sobre a gaze e, quando não estiver tão quente, enrole a gaze e termine de espremer com as mãos, para retirar a maior quantidade de leite possível. Meça 2 1/2 xic. de leite de avelãs. Se não conseguir essa quantidade, complete com creme de leite ou leite.
  4. Aqueça o leite de avelãs numa panela, junto com o creme de leite. Quando ameaçar ferver, remova do fogo e o chocolate picado. Mexa bem até que fique homogêneo (com um batedor de arame é mais fácil).
  5. Em outra tigela, bata as gemas e o açúcar até que fique pálido mas ainda granuloso. Junte 1/4 da mistura de chocolate às gemas e misture bem. Junte isso de volta ao conteúdo da panela e leve ao fogo baixo, mexendo sempre, até que fique com consistência de milk-shake derretido. Não espere começar a ferver: assim que você vir grandes bufadas de vapor subindo, está pronto.
  6. Passe por uma peneira fina, junte a baunilha e o sal e leve à geladeira, semi-tampado, por 4 horas, ou até que fique bem gelado. Leve à sorveteira e siga as instruções do fabricante.

Obs: esse sorvete, como a maior parte dos sorvetes cremosos desse livro em particular, fica com boa consistência sem a sorveteira. Ao invés de levar à sorveteira, coloque o creme gelado no freezer por umas duas horas. Retire e bata com um batedor de arame. Volte ao freezer por meia hora e repita isso mais 4 vezes, e então deixe o sorvete gelar por 1 ou 2 horas antes de servir.




PÃO DE AVELÃS

(Adaptado do livro Dough, de Richard Bertinet)
Tempo de preparo: 2h30-3h
Rendimento: 2 pães médios


Ingredientes (medidas em volume aproximadas):
  • 110g (1 xic.) avelãs tostadas e trituradas
  • 300g (2 1/3 xic.) farinha de trigo integral
  • 200g (1 1/2 xic) farinha de trigo para pães
  • 7g (1 1/2 colh. (chá)) fermento ativo seco
  • 2 colh. (chá) sal
  • 1 colh. (chá) mel
  • 360ml água (+ umas 2 colh. (sopa), se o tempo estiver MUITO quente e seco)

Preparo:
  1. Numa tigela, misture as farinhas e o fermento. Em outra, misture a água, o sal e o mel. Junte o líquido às farinhas e misture bem até formar uma massa. Despeje numa bancada limpa e sove bem até que comece a massa comece a ficar elástica, uns 10 minutos.
  2. Ao fim da sova, junte as avelãs e sove novamente até que elas estejam bem espalhadas pela massa. Polvilhe pouca farinha e forme uma bola. Coloque em uma tigela ligeiramente enfarinhada, cubra com um pano de prato e deixe fermentar por 30-45 minutos. Retire o ar, forme uma bola novamente, cubra novamente com o pano e deixe fermentar por mais 30-45 minutos, até que dobre de tamanho novamente e um dedo pressionado levemente deixe a marca.
  3. Coloque a pedra de assar no forno e ligue o forno no máximo. Divida a massa em duas partes iguais e forme baguettes curtas. Coloque em uma superfície bem enfarinhada, cubra com um pano de prato, e deixe fermentar por 1h a 1h30, até que dobre de tamanho e um dedo levemente pressionado faça uma marca que volte lentamente para o lugar (se a marca ficar desta vez, passou do ponto).
  4. Passe os pães com cuidado para uma pá de forno bem enfarinhada. Faça um corte no sentido do comprimento de cada pão, com 1cm de profundidade. Dê umas 15 borrifadas de água fria dentro do forno e deslize rapidamente os pães para a pedra, fechando o forno. Asse por cerca de 30 minutos, até que estejam dourados e soem ocos quando os nós dos dedos baterem na parte de baixo. Deixe esfriar completamente sobre uma grade.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Capuns: parece onomatopéia mas não é

Quando vi essa receita na revista La Cucina Italiana, fiquei louca. Coisinhas gostosas, recheadas com outras coisinhas gostosas, cobertas de queijo derretido. Nham! E o nome, então? Como se alguma coisa despencasse na sua frente: CAPUNS!!!

Capuns é um prato ítalo-suíço, até onde eu sei, da região de Grigioni, e lá são feitos também com um tipo de carne seca bovina regional, omitida pela receita da revista. Devem ficar ótimos acompanhando uma carne, ainda que eu tenha servido apenas com uma saladinha de tomate, uma vez que os capuns já são bem substanciais por si sós.

As fotos da revista confirmaram uma suspeita antiga minha: de que a bietola italiana, que é frequentemente traduzida como "acelga", não é nossa acelga verde-clara e bojuda, com jeitinho de repolho, mas sim é mais próxima do que nós chamamos de couve-chinesa ou acelga-chinesa (que ao que parece também é o tal Chard, em inglês): aquela mais esguia, de folhas largas e escuras como nossa couve de feijoada, e de talos brancos e largos, unidos numa base arredondada e bonita. Faz sentido para mim, uma vez que essa couve/acelga chinesa é mais saborosa e amarga e combina mais com as receitas italianas do que nossa acelga grandalhona, que parece mais adepta das saladas. Aliás, também descobri recentemente que essa nossa acelga clarinha e grandona é o tal do Nappa Cabbage, e é o que se usa para preparar o coreano kimchi (que é uma delícia!). Aaaah! Muita informação de uma vez! :P

Mas é esse tipo de coisa que acaba me enlouquecendo em muitos livros de culinária traduzidos para o português. Vê-se logo que o tradutor não se deu ao trabalho de verificar essas pequenas mas cruciais diferenças. Imagine preparar uma torta di bietola usando a acelga repolhuda ao invés da couve chinesa. Totalmente outro prato, não é? E no entanto, lá está, bietola sempre traduzida como acelga, nappa cabbage traduzido como repolho branco, double cream virando creme duplo (no livro do Gordon Ramsay! "Creme duplo" nem é um termo, até onde eu sei!), e por aí vai. Imagino o quanto isso não deve atrapalhar quem não lê inglês e só pode cozinhar a partir de livros em português. É uma falta de cuidado que não dá para entender. Boas receitas podem ir para o vinagre por erros de tradução... Por isso acabo preferindo ter os livros no original e ter o trabalho de eu mesma traduzir, adaptar, buscar substituições nacionais. É mais garantido. Sei que EU, pelo menos, vou fazê-lo com atenção.

Bom... Lá vou eu me exaltando de novo.

Capuns.

Faça-os.

São uma delícia. De verdade. Fiquei tão obcecada pela receita, que quando vi que era necessário pão integral amanhecido, preparei uma fornada de pão integral e deixei um pedaço exposto na bancada de propósito, só para poder preparar os danados dos capuns. Com caldo caseiro, então... ficou ótimo. O caldo desse mês levou a água de cozimento dos feijões azuki, que eu havia congelado, o que lhe conferiu um gosto forte e encorpado, delicioso. Faça isso: sempre congele a água de cozimento dos feijões e a use para seus caldos de legumes! Tão bom... e nenhum nutriente se perde! :)

Você não precisa fazer seu próprio caldo e seu próprio pão para os capuns. Só lhes peço que não usem aquele pão de forma integral sem gosto, de saquinho. Usem um bom pão rústico, pois sendo ele o recheio, é prioritário que seja saboroso e tenha textura. Pode ser de centeio, também. Sem contar que, fenômeno que nunca entenderei, pão de forma de saquinho não amanhece... Bizarro... Faz-me lembrar do Michael Pollan dizendo "não coma nada que não apodreça". ;)

OBS: Mais uma vez, me sinto na obrigação de agradecer pelo carinho e compreensão que recebo da maioria de vocês. Tanto, que algumas estranhas grosserias surgidas de repente e sem propósito me enervam mas não me desestimulam a continuar por aqui, pois me prendo mais ao respeito e amizade de quase todos vocês. Grazie mille!

CAPUNS
(da revista La Cucina Italiana)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 4 porções (a foto mostra meia receita)


Ingredientes:
  • 300g caldo de legumes (uns 300ml, mais ou menos)
  • 200g pão integral amanhecido, moído no processador ou liquidificador em pedacinhos menores
  • 80g queijo Emental
  • 50g manteiga + um pouco p/ untar a forma
  • 12 folhas grandes e sem rasgos de couve chinesa
  • 2 ovos
  • 1 cebola grande, picada
  • manjerona
  • sal e pimenta-do-reino a gosto

Preparo:
  1. Pré-aqueça o forno a 200ºC e unte uma travessa refratária média com manteiga.
  2. Leve água salgada a ferver. Corte fora os talos brancos e duros das folhas que se destaquem para fora da folha (não jogue fora: use numa fritatta depois, ou no caldo de legumes). Mergulhe as folhas na água fervente com cuidado, poucas de cada vez, deixando por 1 minuto e retirando. Deixe-as secas abertas sobre um pano de prato.
  3. Derreta a manteiga em uma frigideira grande. Refogue a cebola picada até que amoleça e junte o pão moído. Cozinhe, mexendo sempre, por uns 5 minutos, até que o pão esteja ligeiramente dourado e aromático. Deixe esfriar.
  4. Em uma tigela, bata os ovos ligeiramente com algumas pitadas de manjerona, sal e pimenta. Quando o pão estiver frio, junte-o aos ovos e a 3/4 do queijo ralado. Misture bem. O pão absorverá toda a umidade.
  5. Coloque uma folha aberta à sua frente. Coloque uma colherada generosa do recheio de pão no centro da folha. Dobre as laterais por sobre o recheio. Dobre a parte inferior sobre o recheio e, aproveitando o movimento, termine de enrolar com cuidado o capun. Repita com os outros onze e os arranje na travessa untada.
  6. Despeje o caldo (frio ou morno) sobre os capuns e polvilhe com o restante do queijo. Leve ao forno por 20 minutos, ou até que o queijo esteja derretido e dourado (eu poderia ter deixado dourar mais, mas estava morrendo de fome! hehehe...). Sirva imediatamente, 3 capuns por pessoa.

Cozinhe isso também!

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