Devagar vou voltando à normalidade, se é que essa palavra alguma vez foi aplicável. Dizer que esse ano foi um ano ruim é ofensivo ao Universo, que colocou sim bons momentos e boas pessoas em meu caminho. Este ano evoluí como profissional graças a excelentes ilustradores e artistas que conheci e que tiveram a bondade de serem meus professores. Este ano reavivei dentro de mim a paixão pelo desenho, que andava moribunda. Este ano foi muito bom para meu casamento, e pudemos pensar muito no futuro e ansiar por ele. Este ano meu cãozinho cruzou pela primeira vez e seus filhotes, agora com dois meses, são a prova de que há beleza e doçura no mundo. Este ano fiz muitos novos – e bons – amigos. Este ano atingi duas metas que eram importantes para mim: emagrecer 10kg e correr minha primeira meia maratona (21km). E vou terminar o ano fazendo algo que sempre quis fazer: correr a São Silvestre.
Foram poucas, pouquíssimas as coisas que me fazem pensar nesse ano como um ano ruim, apesar de todos os pontos positivos que pude citar. Primeiro, este foi o pior ano desde que abri minha empresa. E quem trabalha por conta própria sabe o quanto dói analisar planilhas e gráficos e perceber que seu faturamento não está seguindo a tendência que você previra. É extenuante a expectativa pelo trabalho que colocará seu fluxo de caixa de volta nos eixos. A assim chamada crise foi a desculpa perfeita para que muitas empresas eliminassem sua verba de comunicação por boa parte do ano. E isso afetou a todos os profissionais da área de criação, principalmente os da ponta da cadeia, como ilustradores e fotógrafos.
Segundo, minha avó faleceu em meados do primeiro semestre. Era esperado, mas o processo foi mais longo e doloroso do que o necessário. É interessante como a quebra de um elo, como os avós normalmente são, nunca deixam os laços familiares que restam como eram; eles se estreitam ou desfazem definitivamente. Neste caso, o laço foi desfeito de forma irreversível, deixando em mim uma marca indelével, um gosto amargo na boca, que para sempre me lembrará dos limites da mesquinharia humana. Foi um corte brusco e profundo, de cicatrização muito lenta, que ainda pulsa devagar, me lembrando da ferida. E eu fico aqui, inconformada, sem entender o mundo.
Eu não era muito próxima de minha avó. De nenhuma das duas. Não me lembro de nenhuma conversa significativa. Mas nossos pratos favoritos estavam sempre ali nos esperando, e eu sabia que havia amor ali, disfarçado de alimento. Ela se prontificou, já muito idosa, a me ensinar a fazer macarrão, quando lhe pedi. E gnocchi. E manjar branco. E então me deu todos os seus cadernos de receita para que eu desse continuidade à cozinha que ela já não mais praticava. No meio daquele mês ácido, no entanto, os cadernos me foram tomados, e tudo o que me resta dela é seu bolo de laranja decifrado e os bolinhos de banana, favoritos de meu pai.
É sempre a mesma agonia para mim, quando alguém morre. A sensação egoísta de que perdi minha chance de fazer qualquer coisa boa por aquele ser que passou por aqui. Todas as boas intenções de nada mais servem. Salada de catalogna e abóbora. Era o que eu estava almoçando quando minha mãe me telefonou, e a fotografia está até hoje alojada numa pasta em meu computador, e eu simplesmente não consigo publicá-la aqui, ainda que o gosto doce, amargo e salgado ainda estale em minha boca.
Sinto falta da ideia de ela estar lá. E apesar de ela ser co-responsável, junto com minha avó materna, pelo meu amor à cozinha, não consegui me fazer escrever sobre ela durante todos esses meses. Por todo esse tempo, minha vontade de cozinhar ficou dormente, fingindo que despertava vez ou outra, apenas para manter vivo esse espaço e aquela centelha dentro de mim que ainda acreditava em amar através da comida. Era difícil acreditar em amor após testemunhar tanta ausência dele.
Mas acho que finalmente a ferida parou de latejar. Pode ser a aproximação do Natal. Os piores Natais ainda são bons, de alguma forma. Pode ser que eu tenha encontrado suficiente amor durante os últimos meses para aniquilar meu cinismo de uma vez por todas. Talvez seja simplesmente um processo natural. Talvez o fato de o trabalho ter voltado ao normal no final do ano tenha me tirado da espiral descendente em que eu me encontrava.
De repente, minha vontade de cozinhar parece restaurada. Quero fazer biscoitos, cannoli, pães, quero gente jantando em casa, quero preparar o almoço do dia 25! Principalmente, sinto vontade de compartilhar outra vez. Como se minha visão tivesse sido restaurada, consigo ver beleza novamente nos pratos que saem da minha cozinha, e agora é fácil escrever a respeito deles. Não é mais um fardo, como fora nos últimos meses. Voltou a ser um prazer. Prazer em fazer, em alimentar, em fotografar, em contar, em dividir, em debater.
Eu andara querendo fechar o blog, pensara por que diabos acumulara tantos livros de culinária, e estava cozinhando mecanicamente. Então eu quis fazer massa folhada. Massa folhada! E eu fiz pão, um lindo pão de centeio, pela primeira vez em meses. E fiz biscoitos para decorar a árvore de Natal.
Curada. Enfim.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Biscoitos na árvore de Natal, ou um voto de confiança para meu cachorro

Ao invés de gastar comprando decoração de Natal, no entando, nos limitamos às lampadinhas, e decidi completar a árvore, que até então tinha apenas três ou quatro enfeites acumulados nos anos anteriores, com biscoitos. A ideia me pareceu genial: além de ser uma tradição gostosa, não preciso reservar espaço no meu minúsculo apartamento para guardar um monte de bolinhas vermelhas durante o ano todo.
Usei uma receita de biscoitos da Nigella específica para decoração de árvore. A receita, como quase tudo o que ela faz, era para ser feita no processador, que o Sr. Noel ainda não trouxe. Lá fui eu adaptar para a batedeira, e funcionou muito bem. Aliás, excelente receita, pois mesmo dando errado, ela dá certo. Era para misturar a manteiga e o açúcar juntos, e depois acrescentar o ovo batido com o mel, mas não tudo, apenas o suficiente para dar liga. Esqueci o açúcar, joguei todo o ovo com mel e tive que colocar o açúcar depois e acrescentar mais farinha para dar liga, pois a massa ficara molenga. Mesmo assim a massa abriu bem, manteve a forma e os biscoitos assaram lindamente, além de ficarem gostosos. Tive de ficar vigiando enquanto esfriavam para que meu marido não comesse toda a decoração da árvore.
"Ué, mas não é para comer?"
"Claro que não! Esses vão para a árvore!"
"Ah, então não são comestíveis?"
"São, você PODE comê-los, mas você NÃO VAI comê-los, porque eles são os enfeites da árvore."
"Você vai pendurar biscoito na árvore???"
"Vou."
"E o que é isso?"
"A cobertura de açúcar."
"Você vai pendurar açúcar na árvore???"
"Vou."
"E essa agora..."
Agora decorá-los é sempre uma desgraça. Deus sabe que antes de nascer eu entrei na fila do talento para desenho mas quando chegou minha vez na fila do talento para decoração em confeitaria, já tinha acabado tudo. Eita, dificuldade! Algumas coisas não fazem sentido. Como eu posso desenhar bem e ao mesmo tempo ter uma caligrafia tão horrorosa, por exemplo? O que prova que não é uma questão de coordenação das mãos... :P
O melhor foi poder usar meus cortadores de biscoitos, que ficam ali, sempre meio empoeirados, uma vez que, ao contrário da Patrícia, rainha dos cookies :) , biscoitos não são muito minha praia. Não sei por quê. Adoro fazê-los, mas a não ser que sejam cookies de aveia e passas (meus favoritos), eles acabam esquecidos no pote, e acabam virando complemento de sorvete [que, aliás, é a melhor coisa para fazer com cookies e bolo de chocolate que sobram: incorporar no sorvete de creme ainda molinho antes de colocar no freezer, para seu próprio Vanilla Chocolate Chip Cookie Ice Cream, e afins...].
No fim, metade da receita abaixo foi mais do que suficiente para decorar uma árvore de um metro e meio, e os biscoitos além de tudo deixaram a sala inteira com um cheirinho suave de açúcar e especiarias... Dó é ver o cachorro sentado do lado dos enfeites, pedindo com a patinha (porque ele nunca pega nada sem pedir com a patinha antes, todo cutchi-cutchi). "Não, Gnocchi, esses biscoitos, não!" É capaz de chegar em casa e encontrar a árvore como no cartão de natal do ano passado...
BISCOITOS PARA DECORAÇÃO DA ÁRVORE DE NATAL
(do livro Feast, de Nigella Lawson)
Tempo de preparo: 1 hora
Rendimento: 30-45 biscoitos
Ingredientes:
- 300g farinha de trigo
- 1 pitada sal
- 1 colh. (chá) fermento químico em pó
- 1 colh. (chá) canela em pó
- 1/4 colh. (chá) cravo moído (ou 3-4 cravos inteiros moídos no pilão)
- 1-2 colh. (chá) pimenta-do-reino moída na hora (usei a quantidade menor)
- 100g manteiga sem sal em temperatura ambiente
- 100g açúcar mascavo
- 2 ovos grandes, batidos com 4 colh. (sopa) de mel (mais líquido, não cristalizado)
- 300g açúcar de confeiteiro, peneirado
- 3 colh. (sopa) água fervente
- confeitos
Preparo:
- Pré-aqueça o forno a 170ºC e forre duas assadeiras grandes com papel-manteiga ou silpat.
- No processador, ou na batedeira planetária com a pá, combine a farinha, o sal, fermento, canela, cravo e pimenta.
- Com o aparelho ligado (batedeira na velocidade 2), junte a manteiga e o açúcar, misturando bem. Junte o ovo batido com mel devagar, apenas o suficiente para que a massa tome corpo. Ela deve ficar mais firme e sequinha.
- Divida em 2 discos, embrulhe um deles em filme plástico e leve à geladeira enquanto trabalha com o outro.
- Enfarinhe a bancada e o disco de massa e abra numa espessura de 5mm. Corte os biscoitos com os cortadores (os meus tinham de 4-7cm) e disponha-os na assadeira. Com um palito ou a ponta de um bico de confeitar pequeno, abra os furos por onde vai passar o cordão. O biscoito cresce muito pouco enquanto assa, então pode dispô-los mais juntinhos, com 1cm de espaço entre eles.
- Junte os restos de massa, abra de novo e corte de novo, até usar todo o disco. Leve ao forno por 20 minutos, ou até que a parte de baixo dos biscoitos esteja bem sequinha e firme (os meus douraram ligeiramente nas beiradas). Enquanto eles assam, abra e corte o segundo disco de massa.
- Retire os biscoitos da assadeira assim que saírem do forno e os disponha numa grade para esfriar. Prepare a cobertura misturando o açúcar peneirado à água até formar uma pasta lisa e brilhante. Decore os biscoitos como quiser, quando estiverem frios.
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